Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE OU VALORES-NOTÍCIA “Vários estudos sobre o jornalismo demonstram que os jornalistas têm uma enorme dificuldade em explicar o que é notícia, de explicar quais são os seus critérios de noticiabilidade, para além de respostas vagas do tipo ‘o que é importante’ e/ou ‘o que interessa ao público’” (TRAQUINA, 2005, p.62). Vamos trabalhar com a lista de valores-notícia produzida por Traquina (2005), porque entendemos que é, na verdade, uma composição das várias sistematizações já propostas somadas às contribuições do próprio pesquisador. Ela segue, por exemplo, a separação em duas categorias propostas pelo italiano Mario Wolf: os valores-notícia de seleção e os valores-notícia de construção. Os primeiros referem-se aos critérios usados pelos jornalistas para seleção dos acontecimentos que serão transformados em notícia (em detrimento de outros). Eles estão divididos em critérios substantivos (dizem respeito à avaliação direta do acontecimento em termos de sua importância ou interesse como notícia) e critérios contextuais (estão ligados ao contexto de produção da notícia). Os de construção, por sua vez, são relativos aos critérios de seleção dos elementos dentro do acontecimento dignos de serem incluídos na elaboração da notícia (funcionam como um guia, sugerindo o que deve ser realçado, omitido ou ainda prioritário na construção do acontecimento como notícia, a fim de que ele tenha mais chances de ser notado pelo público). Para Wolf, tais valores 1 , os de seleção e os de construção, estão presentes ao longo de todo o processo de produção jornalística. Valores-notícia de Seleção e Construção Os critérios substantivos dos valores-notícia de seleção são, segundo Traquina (2005), a morte, a notoriedade, a proximidade, a relevância, a novidade, o tempo, a notabilidade, o conflito ou a controvérsia e a infração. O pesquisador defende que a morte é um valor fundamental para os jornalistas - “onde há morte, há jornalistas” 1 Pena (2010), embora apenas apresente a sistematização proposta por Mauro Wolf, também afirma – assim como Vizeu (2001) e Traquina (2005) – que a noticiabilidade é negociada durante todo o processo de produção da notícia. Segundo ele, isso faz com que todos os critérios sejam variáveis, porque, uma vez inseridos na rotina dos profissionais, passam a fazer parte do que se costuma chama de senso comum das redações. (TRAQUINA, 2005, p.79), o que explicaria o “negativismo” do mundo jornalístico apresentado ao público (a divulgação ou não da “morte” depende, no entanto, de outros critérios. Entre eles, da notoriedade do morto em questão). A notoriedade diz respeito à importância hierárquica dos indivíduos envolvidos no acontecimento (o nome e a posição da pessoa são importantes como fator de noticiabilidade). A proximidade pode ser geográfica ou cultural. Já a relevância refere-se à preocupação de informar, de falar sobre acontecimentos que são considerados importantes porque têm um impacto na vida das pessoas. Outro critério substantivo é a novidade, mostrar o que há de novo e pela primeira vez. O fator tempo pode ser compreendido no que concerne à atualidade, como gancho (no caso das efemérides, para justificar falar de novo sobre um mesmo assunto, como o aniversário de morte de um ícone da literatura nacional) e ainda numa forma mais estendida, quando um assunto ganha noticiabilidade e permanece com valor-notícia por um tempo mais dilatado (o autor cita o caso do Timor Leste, que após um massacre ocorrido em um cemitério do país, ganhou noticiabilidade e virou tema recorrente durante muito tempo em Portugual, independente de a questão estar relacionada ou não ao fato inicial). A notabilidade é a qualidade de ser visível, tangível. Envolve a quantidade de pessoas que o acontecimento implica (quanto maior o número de vítimas de um acidente ou a presença de nomes conhecidos, maior a notabilidade), a inversão ou o contrário do “normal” (ou seja, o insólito), a falha (os acidentes) e o excesso/escassez (enchentes/seca). O inesperado é um mega-acontecimento 2 que subverte a rotina e provoca caos nas redações (os ataques terroristas do dia 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, por exemplo). Outro valor-notícia é o conflito ou a controvérsia, que dizem respeito à violência física ou simbólica e a uma ruptura na ordem social. Ligado ao critério da violência, segundo Traquina (2005), está o da infração, isto é, a violação e a transgressão de regras (um escândalo encaixa-se no critério da infração). 2Traquina (2005) descreve os mega-acontecimentos como eventos não programados e opostos aos acontecimentos de rotina. Os “acontecimentos mediáticos”, descritos por Dayan e Katz (apud TRAQUINA, 2005), são mega-acontecimentos. Porém, nem todo mega-acontecimento encaixa-se na categoria dos acontecimentos mediáticos. A explicação para isso está no fato de que estes últimos, de acordo com os autores, são necessariamente enquadrados no tempo e no espaço, pré-planejados e pré- anunciados, a fim de que sua transmissão pela televisão seja direta ou, no jargão dos profissionais da área, ao vivo. Assim, enquanto a cobertura de uma guerra é um mega-acontecimento, uma Copa do Mundo seria o melhor exemplo do que Katz e Dayan chamam de acontecimento mediático. Retomaremos este assunto nas análises das situações específicas que analisamos neste trabalho. Para Traquina (2005), os critérios contextuais dos valores-notícia de seleção são a disponibilidade, o equilíbrio, a visualidade, a concorrência e o dia noticioso. A disponibilidade é a facilidade com que é possível fazer a cobertura do acontecimento (quais são os meios que a cobertura exige, qual o seu custo). O equilíbrio diz respeito à quantidade de notícias sobre um acontecimento ou assunto (o jornalista pode não querer dar um determinado assunto, porque o veículo falou há pouco tempo sobre ele). A visualidade está relacionada a elementos visuais como filmes ou fotografias. No telejornalismo, em particular, esse critério é fundamental (veremos, mais adiante, como o Jornal Nacional lida com essa questão). A concorrência revela sobre a competição entre as empresas jornalísticas, o valor que é dado ao “furo”, o sair na frente com material exclusivo. O último valor-notícia desse grupo, o dia noticioso, trata de demonstrar que, no jornalismo, cada dia é um dia e que há dias ricos em acontecimentos com valor-notícia e outros não. Um evento planejado, como uma coletiva de imprensa de um presidente da República, pode ser preterido pela cobertura de algo inesperado, como o desabamento de um prédio com vítimas. Até mesmo um telejornal inteiro pode “cair” e seu conteúdo ser substituído pela cobertura do que Traquina (2005) chama de mega-acontecimento. Foi o que aconteceu com o Jornal Nacional no dia 20 de junho de 2013, por exemplo, quando jovens de todo o país endossaram o movimento que havia começado em São Paulo, saindo às ruas com uma pauta extensa e diversificada de reinvindicações, que ia da redução das tarifas do transporte público ao combate à corrupção na política. Neste dia, a cobertura ao vivo que a Globo fazia das manifestações, com a jornalista e apresentadora do JN Patrícia Poeta, estendeu-se pelo horário normalmente ocupado pelo telejornal na grade de programação 3 da TV Globo. Em determinado momento, William 3 A grade de programação é um sistema de organização do fluxo televisivo, de forma que o público e os profissionais de TV possam sabero horário e a duração dos programas. Um meio é considerado de fluxo se ele se baseia na reprodução incessante de conteúdo, de modo independente do espectador (ele é unidirecional, pois parte apenas da TV para o público). “O fluxo temporal é organizado pelo modelo convencional de repetição: cada dia tem 24 horas, cada semana tem sete dias. Ou seja, a cada período pré- fixado, o evento se repete, sem ser o mesmo – eis o princípio em que se baseia a grade televisiva” (CANNITO, 2010, p.51). Na grade de programação da Rede Globo, por exemplo, o Jornal Nacional ocupa um horário que é considerado nobre, a faixa das 20 horas. De segunda a sábado, a equipe envolvida na produção prepara o telejornal para que ele possa ser apresentado, ao vivo, a partir das 20h30 (horário de Brasília). Os telespectadores, há muito habituados com o JN, sabem que ao ligarem suas TVs nesse horário (que sofre pequenas variações de tempos em tempos), no canal da Globo em suas cidades, vão poder assistir ao telejornal. Eles sabem também que se ligarem mais tarde ou se não ligarem, o programa estará sendo exibido de qualquer forma, porque isso é algo que independe de sua ação. Bonner, editor-chefe e também apresentador do Jornal Nacional, ocupa seu lugar na bancada ao lado de Patrícia Poeta e explica para os telespectadores que a equipe estava preparando a edição daquele dia, mas que – dadas as circunstâncias – fazia mais sentido que o telejornal deixasse de lado sua previsão e seguisse acompanhando os fatos que estavam em desenvolvimento na tela da televisão. Por fim, os valores-notícia de construção, que interpretamos como estratégias construídas pelos jornalistas com o objetivo de que as notícias sejam notadas pelo público. Segundo Traquina (2005), compreendem a simplificação, a amplificação, a relevância, a personalização e a dramatização. Sobre a simplificação, o autor descreve que a lógica é a seguinte: “quanto mais o acontecimento é desprovido de ambiguidade e de complexidade, mais possibilidades tem a notícia de ser notada e compreendida. Uma notícia facilmente compreensível é preferível a uma outra cheia de ambiguidade” (TRAQUINA, 2005, p.91). A amplificação diz respeito às possibilidades de uma notícia ser notada, seja pela amplificação do ato, do interveniente ou das consequências do ato (por exemplo, “Brasil chora a morte de jovens em Santa Maria”). Quanto mais amplificado é o acontecimento, mas chances de a notícia ser percebida. Outro valor-notícia de construção é a relevância. Neste caso, cabe ao jornalista mostrar a relevância do fato ou acontecimento para as pessoas, demonstrar que tem significado para elas. O valor-notícia da personalização, por sua vez, valoriza as pessoas envolvidas no acontecimento. Traquina (2005) parte do princípio que quanto mais personalizado é o acontecimento mais possibilidades tem a notícia de ser notada, pois as pessoas se interessam por outras pessoas. A dramatização refere-se ao reforço dos aspectos mais críticos, do lado emocional do acontecimento (costumamos chamar esse “reforço” de sensacionalismo). E, por fim, a consonância, que implica a inserção do fato novo dentro de um contexto já conhecido, familiar ao público. Mais uma vez, esta é uma estratégia que aumenta a possibilidade de a notícia ser percebida, porque insere o acontecimento numa “narrativa” já estabelecida (falar em Irangate evoca, por exemplo, uma narrativa do escândalo, porque nos remete a um caso anterior e de grande repercussão, Watergate). O Jornal Nacional como exemplo: os critérios de seleção das notícias que são apresentadas no telejornal Como editor-chefe do Jornal Nacional, uma das atribuições de Bonner é coordenar e orientar sua equipe a respeito dos critérios adotados pelo telejornal para a seleção diária dos fatos e acontecimentos (mais importantes do dia) que serão apresentados aos telespectadores do JN. Os primários, usados para separar aquilo que será publicado daquilo que não será, são cinco: a abrangência, a gravidade das implicações, o caráter histórico, o peso do contexto e a importância do todo. Já os secundários, empregados para decidir como as notícias serão levadas ao público – com qual formato e com quanto tempo – segundo Bonner, são dois: a complexidade e o tempo (BONNER, 2009). Antes, de avançarmos, no entanto, destacamos, aqui, o que Bonner (2009) chama de notícias com “valor absoluto” – uma categoria que, segundo ele, destaca-se de imediato por reunir os critérios de abrangência, gravidade das implicações e por seu caráter histórico. Como exemplos desse tipo de notícia, que tem uma cobertura ampla garantida no JN, o editor-chefe do telejornal cita a morte de um Papa, a conquista de uma Copa do Mundo pela seleção brasileira e a posse presidencial de um ex- metalúrgico. Aqui, pode-se inferir que as três situações citadas por Bonner revelam muito sobre o que de fato importa ao JN enquanto produto da TV Globo. No que diz respeito à fé, a valorização das manifestações da Igreja Católica; no que se refere aos esportes, a massificação dos eventos de futebol, anunciado como uma “paixão nacional” (cuja transmissão em TV aberta no território brasileiro, via de regra, cabe exclusivamente à TV Globo); e, nas questões relacionadas à política nacional, a necessidade de sinalizar uma (tentativa de) aproximação ao grupo que ocupa o Poder no país (neste caso específico, talvez até como forma de compensar erros do passado 4 ). Retornando aos critérios, a abrangência refere-se ao universo de pessoas atingidas por um fato, que tem maior probabilidade de ser divulgado quanto maior for esse número. Embora valha como regra para assuntos nacionais, nos internacionais essa questão nem sempre é decisiva (porque cada caso é avaliado individualmente e os editores do telejornal também podem levar em conta a disponibilidade de tempo e de 4 No documento que reúne seus princípios editoriais, as Organizações Globo se apresentam como laicas (item 09 do atributo isenção), apartidárias (item 10), independentes de governos (item 12), bem como de grupos econômicos (item 13) e afirmam que todos os seus veículos devem se esforçar para serem vistos dessa maneira. Sobre a questão política, Cf. Porcello (2006, p. 145-165). imagens, bem como a complexidade do tema). A gravidade das implicações complementa o primeiro critério: quanto mais grave um fato, maior a sua possibilidade de ser apresentado no Jornal Nacional. No caráter histórico inserem-se fatos com “valor absoluto”, como os mencionados no parágrafo anterior e que, além de garantirem espaço no telejornal, determinam uma cobertura diferenciada. Fatos dessa magnitude têm lugar assegurado no noticiário – mas também ocupam muito mais tempo que os demais numa edição. Porque a relevância absoluta deles esmaga notícias que, até então, tinham peso suficiente para garantir presença no espelho. Na seleção de assuntos, é preciso considerá-los, todos, sob uma perspectiva histórica e se perguntar: “Daqui a 50 anos, o que é que um pesquisador buscará na edição do JN de hoje?”. A resposta poderá derrubar notícias de grande abrangência ou gravidade, mas de relevância histórica menor, num dia como o da eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos (BONNER, 2009, p.99, grifo nosso). A partir das palavras de Bonner, fica claro que o caráter histórico de um fato, para o JN, é um critério primário que se impõe sobre a abrangência ou a gravidade,porque há dias em que “o jornalismo registra fatos que, no futuro, serão contados nos livros – e serão guardados por gerações. Nesses dias, o que o Jornalismo faz é escrever a história 5” (BONNER, 2009, p.97). O peso do contexto é um critério que revela o quanto a avaliação comparativa do conjunto de notícias é uma atividade corriqueira no Jornal Nacional (e na cultura jornalística de um modo geral). Bonner (2009, p.101) explica que “um fator que não pode ser desprezado quando se elegem os assuntos que serão destacados por uma edição jornalística é a importância relativa de uma notícia quando comparada às demais daquele dia”. E, por fim, a importância do todo. Esse critério funciona como uma orientação geral da TV Globo, em relação aos seus telejornais, para que as notícias sejam apresentadas dentro de seu contexto e organizadas de forma lógica, facilitando a sua compreensão pelo público. Para cumprir essa orientação é que, segundo Bonner (2009), algumas notícias são mais “bem-vindas” do que outras no espelho6 do Jornal Nacional. 5 Foi com essas palavras que Fátima Bernardes abriu a edição de 05 de novembro de 2008, o dia em que Barack Obama foi eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. 6 “Espelho é a relação e a ordem de entrada das matérias no telejornal, sua divisão por blocos, a previsão dos comerciais, chamadas e encerramentos. Como a própria palavra indica, reflete o telejornal” (PATERNOSTRO, 2006, p.204). Ao montar o espelho de cada dia, a prioridade absoluta é para os temas factuais da maior relevância, ou de relevância mais óbvia (aquelas notícias de valor “absoluto”, que contemplam, de imediato, os primeiros critérios que já mencionei: abrangência, gravidade de implicações, caráter histórico). Mas, em circunstâncias normais, eu diria que esse elenco de assuntos ocupa de 75% a 80% do tempo total do Jornal Nacional. Portanto, em dias “normais”, o espelho poderá incluir outras reportagens, não necessariamente factuais, ou que não contemplem necessariamente os critérios primários de avaliação. E elas serão mais “bem-vindas” se ajudarem o telespectador a enxergar com amplitude maior o contexto de uma notícia do “primeiro time” (BONNER, 2009, p.104). Aqui, Bonner deixa claro que a maior vocação do telejornal são as notícias do dia (embora não seja a única). É curioso observar que essa “vocação” seja apresentada por Bonner, ao longo do livro, de forma semelhante ao objetivo do telejornal. Ou seja, com o cuidado da reiteração. Os temas do dia, “quentes” ou de valor absoluto são sempre chamados de factuais. Já as matérias que no jargão jornalístico são conhecidas como “frias”, produzidas ou de “gaveta” – pois não têm urgência de ir ao ar, uma vez que não perdem sentido ou envelhecem de um dia para o outro – são chamadas de “temas de atualidade” ou de não factuais (esta, inclusive, não é uma expressão usual para os jornalistas). Parece-nos que a ideia é contribuir para a consolidação da imagem de que o telejornal, de fato, apresenta aquilo que de mais importante acontece no Brasil e no mundo todos os dias. Aceitar publicamente que os “temas de atualidade” são temas frios seria um passo no sentido contrário e desconstruiria esse compromisso maior do JN. Reforçando ainda mais essa intenção, Bonner (2009, p.106) explica que as reportagens não factuais têm sempre uma função no programa: elas “apoiam as factuais para dar ao público a oportunidade de refletir mais detidamente sobre problemas importantes como o transporte público”. Também entram no espelho quando ajudam a equilibrar o “clima” do telejornal. Num dia de noticiário predominantemente violento, é desejável que tenhamos algum contraponto jornalisticamente importante. Mas que não seja tão “leve” a ponto de sugerir alguma forma de escapismo tolo, ou que resvale para a pieguice barata. Às vezes, essa é a tarefa mais difícil na composição de um espelho 7 (BONNER, 2009, p.105). 7 As escolhas do JN, nessa busca por um “equilíbrio” entre a apresentação de notícias “pesadas” e “leves”, repercutem negativamente com certa frequência. Um caso emblemático da era pré-Bonner foi a cobertura do nascimento de Sasha, filha da apresentadora Xuxa, em 1998. O livro Jornal Nacional: a notícia faz história (2004) resgata essa situação, tentando justificar a aposta do telejornal em cobrir com tanto destaque e alguns de seus melhores repórteres – Ari Peixoto, Marcelo Canellas e Roberto Kovalick, Os critérios de seleção secundários são dois, como já foi dito aqui: a complexidade e o tempo. A complexidade de um assunto, por exemplo, influencia muito na decisão sobre como ele será apresentado. Isso significa, segundo Bonner (2009, p.108), que “quanto mais complexo um assunto, maior a probabilidade de ser tratado numa reportagem maior, com um repórter que a conduza, com entrevistas que a balizem, com imagens e recursos de arte que a ilustrem”. Assim, o JN anuncia que a complexidade de um tema gera, na verdade, um desafio para a equipe do telejornal e que esta fará todo o esforço necessário para “traduzir” as informações da melhor maneira possível para o telespectador. E, assim, o telejornal valoriza o seu pacto com o público brasileiro: não descarta o que pode ser difícil e complexo, pelo contrário, esforça-se ainda mais para incluir no seu noticiário o que de mais importante acontece no Brasil e no mundo. Em cada edição do JN têm prioridade de tempo os assuntos factuais considerados mais relevantes. A quantidade de temas factuais relevantes vai influenciar no tempo disponível para os demais assuntos do dia. Num dia cheio, serão ainda mais seletivos na escolha do que entra e de como entra. Mesmo quando só podem dispor de trinta segundos para uma nota simples, se a informação for considerada importante, ela será dada nesse formato, porque é objetivo do JN “permitir ao público tomar conhecimento daquilo que de mais importante aconteceu no dia” (BONNER, 2009, p.110). Causa surpresa o fato de que a disponibilidade de imagens não seja para um telejornal um critério primário ou até mesmo secundário (seguindo a sistematização dos valores-notícia apresentada por Bonner) para selecionar o que vai ser apresentado no JN. A questão da imagem é colocada por último, sem nenhum destaque, apenas como algo residual e que poderia ser encaixado como um terceiro critério secundário. Observamos que, assim, Bonner (2009) ajuda a passar uma mensagem diferente da que habitualmente recebemos de programas jornalísticos de televisão (essencialmente audiovisuais) e quebra, de certa forma, uma expectativa implícita de que num telejornal a imagem tenha, sim, um peso preponderante. Para justificar esse posicionamento, o a expectativa da mãe na maternidade, o primeiro banho da recém-nascida e o sentimento do pai de primeira viagem, Luciano Szafir (este último, ao vivo). argumento é que a prioridade do Jornal Nacional, segundo seu editor-chefe, é fornecer informação de qualidade ao telespectador, com ou sem imagem. Aí o leitor poderá perguntar: mas se o JN é um programa de televisão, como é que a ausência de imagens pode ser uma questão secundária, e não primária? Respondo: o JN é um programa jornalístico de televisão. Sua natureza básica, sua vocação inicial é fornecer informação qualificada ao telespectador (compromisso número 1: aquilo que de mais importante se deu no Brasile no mundo no dia). Portanto, a falta de imagens não determina se publicaremos uma notícia ou não. Mas tão somente como a publicaremos. E estão revogadas todas as disposições, as lendas e os preconceitos em contrário (BONNER, 2009, p.110, grifo do autor). Traquina Vs. Valores-notícia do JN Podemos facilmente encontrar pontos de aproximação e outros de afastamento entre os valores-notícia anunciados por William Bonner (2009) e os sistematizados por Traquina (2005). Vale lembrar que este não fez sua lista pensando especificamente em nenhum veículo (jornal, TV, rádio etc.), mas, sim, tratou de reunir práticas que costumam estar enraizadas na comunidade jornalística de modo geral. Os critérios primários para a seleção de notícias no JN, embora recebam nomes diferentes, assemelham-se pela lógica e por algumas de suas características ao que Traquina chama de valores-notícia de seleção – substantivos ou contextuais – empregados para separar o que entra do que não entra no telejornal. Dentre eles, por exemplo, o dia noticioso (critério contextual do valor-notícia de seleção) e o peso do contexto (critério primário), pois ambos assumem como prática rotineira a comparação do conjunto de informações de cada edição/dia. Por outro lado, a visualidade (critério contextual do valor-notícia de seleção), que Traquina (2005) diz ser um fator especialmente importante para os telejornais, nem entra na lista principal do Jornal Nacional. Também não aparece a disponibilidade (trata de avaliar os meios que uma cobertura exige para ser realizada, a sua facilidade). Com relação a esta última, entendemos que o telejornal não anunciaria que existem avaliações desse tipo, pois isso comprometeria a imagem de que apresenta as notícias mais importantes do dia, embora não explique de que forma negocia a logística para cumprimento desse objetivo. Um valor-notícia de construção, a simplificação (quanto mais um acontecimento é desprovido de ambiguidades e complexidades, mais tem chance de ser notado e compreendido pelo público) pode ser associado ao critério da complexidade (secundário) do JN. Porém, de maneira inversa. Bonner (2009), como já mostramos, diz que quanto mais complexo um assunto, mais chances ele terá de ser trabalhado numa reportagem maior e com mais recursos. Assim, o JN anuncia que a complexidade de um tema gera, na verdade, um desafio para a equipe do telejornal e que esta fará todo o esforço necessário para “traduzir” as informações da melhor maneira possível para o telespectador. E, assim, o telejornal mais uma vez valoriza o seu acordo com o público brasileiro: não descarta o que pode ser difícil e complexo, pelo contrário, esforça-se ainda mais para incluir no seu noticiário o que de mais importante acontece no Brasil e no mundo. REFERÊNCIAS BONNER, Wiliam. Jornal Nacional: Modo de Fazer. São Paulo: Editora Globo, 2009. CANNITO, Newton. A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos modelos de negócio. São Paulo: Summus, 2010. TRAQUINA, Nelson. A tribo jornalística: uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2005.
Compartilhar