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Problemas Metafísicos Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Valter Luiz Lara Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan Problemas Metafísicos Cosmológicos • Introdução • Problemas Cosmológicos em Forma de Pergunta • Modelos Cosmológicos Religiosos • A Cosmologia segundo a Razão Filosófica • Modelos Cosmológicos Filosóficos e Científicos • Conclusão Os objetivos desta Unidade são: · Problematizar e esclarecer os conceitos próprios da cosmologia em filosofia; · Aprender a formular de maneira metafísica as principais questões da cosmologia; · Reconhecer as diferentes linguagens e pressupostos dos sistemas e modelos de explicação do universo; · Aprender a distinguir modelos mítico-religiosos, filosóficos e científicos de explicação do universo; · Aproximar o aluno de alguns dos conceitos metafísicos que são instrumentos para o reconhecimento dos modelos de representação de mundo, bem como dos autores que mais influenciaram o modo como concebê-lo. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta Unidade você vai aprender a lidar com as questões fundamentais da investigação sobre o universo que envolve a todos e a tudo o que existe. O horizonte será esse vasto mundo externo que se abre para além desse planeta e atinge o espaço incomensurável das estrelas e das galáxias... Evitou-se a linguagem fechada e extremamente especializada da física e da astronomia atuais para facilitar a compreensão dos diferentes sistemas ou modelos que a razão humana tem desenvolvido para tentar compreender essa imensidão cósmica que nos envolve e da qual fazemos parte como consciência a procura de respostas: de onde tudo isso surgiu? De onde viemos e para onde vamos? Leia atentamente o texto teórico e sinta-se numa viagem a desfrutar de uma paisagem variada de modelos religiosos, filosóficos e científicos, cada um a seu tempo, com os recursos tecnológicos disponíveis e a seu modo, tentaram compreender a totalidade desse fenômeno que chamamos mundo. ORIENTAÇÕES Problemas Metafísicos Cosmológicos UNIDADE Problemas Metafísicos Cosmológicos Contextualização Procure aplicar os conceitos e pensar nas questões que foram levantadas no texto teórico ao ouvir a entrevista. Independentemente de qualquer que seja a sua confissão de fé ou sua postura em relação à religião, essa entrevista coloca em questão a relação entre ciência cosmológica (em especial a astronomia) e os modelos cosmológicos oferecidos pela religião. Vale a pena pensar como a religião lida com possíveis conflitos trazidos por novos modelos cosmológicos, embora nenhum deles seja ainda definitivo. Veja também no Youtube vídeo que mostra contradições e problemas implicados na teoria do Big-Bang segundo a interpretação de alguns físicos (Cf. “A Cosmologia e seus problemas BBC horizon” Publicado em 10 de mai de 2014, In: https://youtu.be/9j2xb5qJve4 - Acesso em 23/09/2015 às 17:17h). Ex pl or 6 7 Introdução O problema metafísico fundamental da cosmologia Você já parou para se perguntar qual seria a maior de todas as questões? Das muitas questões qual seria aquela que explicaria a razão de ser e a condição para a resposta de todas as outras? Pense um pouco. A forma de perguntar pode variar, mas ao final todas as questões chegam a uma que é fundadora de todas as outras? Qual é a origem do universo? O sentido da palavra universo pressupõe alguns condicionamentos culturais e históricos, mas independente do uso e significado que essa palavra tenha em nossos dias no contexto de nossa língua e da cultura científica contemporânea, não se pode negar que lá onde seres humanos - por mais primitivos do ponto de vista da tecnologia e do ponto cronológico da história ou da pré-história que os consideremos - tenham feito para si mesmos, em algum momento, essa mesma pergunta ou se preferirmos, perguntas com esse mesmo senso de busca pelas origens de tudo o que está aí, inclusive pelas origens da vida e de nossa vida em particular. A palavra “universo” tem sua origem no vocábulo latino “universum” que significa “o mundo, o universo”, literalmente “tudo junto” ou “tornado um”, de unus mais versus, particípio passado de vertere, “tornar”. “Universum” traduz, por sua vez, o termo grego “cosmos”. Cosmos compõe a palavra “cosmologia” dando- lhe o sentido de estudo de uma totalidade-mundo. Trata-se de uma noção do que pode ser pensada como realidade total segundo uma “ordem sistêmica” (cosmos) que imprime ao mesmo tempo, unidade, harmonia e identidade ao que chamamos de mundo. Por isso, universo traz em seu sentido a ideia de ordem, sistema e totalidade de tudo o que existe, incluindo os planetas, estrelas e todos os demais astros e entidades do espaço que possam estar além de nosso conhecimento. Cf. informação do site português “Origem da Palavra – Site da Etimologia”. Disponível em http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/universo-2/ - Acesso em 26/08/2015 às 15h25. Ex pl or 7 UNIDADE Problemas Metafísicos Cosmológicos Figura 1 Fonte:: iStock/Getty images Cosmologia é, portanto, a parte da fi- losofia que investiga o que hoje é princi- palmente objeto de estudo da física teóri- ca e da astronomia científicas. Faz parte da questão fundamental pela origem de tudo a busca pela origem da vida. Eviden- temente que a questão da vida é predo- minantemente objeto de investigação da biologia. Mas perguntas como essa não são propriedade exclusiva de uma só ci- ência, pois perpassa todas as áreas de in- vestigação da natureza como a química, a zoologia, a botânica, a antropologia e tantas outras que se ocupam da variedade de vida dispersa pelo planeta, inclusive de outras formas de conhecimento que ante- cederam a forma científica. As linguagens da religião e da filosofia sempre testemunharam através de seus mitos e símbolos (religião) e de seus sistemas e raciocínios de natureza metafísica (filosofia) a tentativa de responder a questão fundamental sobre a ordem cósmica. Os mitos cosmogônicos atestam as mais variadas formas de se buscar uma resposta para as perguntas fundamentais a respeito da origem do universo e da vida em nosso mundo. 2Mitos cosmogônicos (cosmos = universo + gônicos = derivado da palavra “genea” = geração, o que dá origem a) são narrativas simbólicas e metafóricas que as diversas culturas espalhadas pelo mundo inteiro em diferentes épocas da história da humanidade construíram e legaram para as suas comunidades e gerações sobre as origens ou geração do(s) planeta(s), dos seres, da vida, do céu e da terra e demais entidades presente na natureza conhecida de seu tempo. As Escrituras Sagradas de um povo, assumidas por uma confissão religiosa e algumas histórias que são ainda legadas da tradição oral de vários povos contêm muitos dessa linguagem mítica. A narrativa do Gênesis 1-2 do primeiro livro da Bíblia, é um exemplo de relato que possui as características desse gênero literário denominado aqui de mito cosmogônico. Trata-se de um relato que tem sua própria visão cosmológica. Cada coisa, elemento e ser na natureza, no céu, na terra ou embaixo da terra estão dispostos segundo uma ordem, um “cosmos” que retira o mundo do caos original: luz, água, terra, céu, firmamento, astros, espécies vivas e humanidade seguem uma lógica que preenche os espaços e inauguram o tempo. Ex pl or O problema metafísico cosmológico reside nesse ponto fundamental de busca pela explicação e razão de tudo o que existe no espaço físico que conhecemos e chamamos de mundo. Ele está presente em qualquer dos dois sentidos em que o nosso olhar possa se dirigir, tanto para cima quanto para baixo. O desafio do desconhecido e do horizonte aberto persiste seja quando olhamos para cima ao vislumbrarmos as estrelas numa noite de luar, seja quando direcionamos nossa 89 atenção para o interior da matéria. O mesmo mundo fantástico, misterioso e complexo pode ser notado tanto no universo infinitamente grande como no infinitamente pequeno da matéria subatômica. Os demais problemas da metafísica cosmológica derivam desse primeiro ou a ele estão associados. São problemas distintos em sua natureza mais específica, mas estão ligados pela mesma inquietação de busca pelo sentido da totalidade de tudo o que existe. É isso que dá o caráter e a identidade metafísica a estes problemas. Embora possa variar a abordagem, ora sendo feita pela razão experimental científica, ora pela fé religiosa, ora pela razão lógica especulativa filosófica, o seu sentido exclusivamente metafísico permanece, pois são problemas que por sua natureza abrangente e universal, na medida em que perseguem as causas últimas e definitivas para explicar o que se pressupõe ser o todo, afirmam sua essência metafísica em sua mais genuína forma de levantar as questões. E que problemas são esses? Veremos mais adiante. Visões e teorias que explicam o universo, tempo e espaço, matéria, natureza e outros conceitos que intrigam nossa compreensão sobre a realidade do ponto de vista de suas origens: acaso, necessidade, criação e evolução. São muitos os problemas e as perguntas, mas selecionamos aqueles cuja relevância para a compreensão do nosso lugar no mundo, bem como do sentido que damos a nossa existência continuam a provocar não só os curiosos e apaixonados pela filosofia e pela ciência mais avançada, mas inquieta qualquer que seja o ser humano que tenha vontade de entender o sentido e a razão não só do seu estar no mundo, mas do próprio mundo. Problemas Cosmológicos em Forma de Pergunta Procure formular algumas inquietações, dúvidas e perguntas que você tem em relação ao mundo da natureza, do espaço e do tempo que derivam da questão fundamental pela origem do universo. Algumas já são objetos de investigação filosófica e foram assumidas pelas ciências da natureza e, em boa parte, foram expressas em hipóteses gerais que são, na verdade, respostas provisórias que direcionam a continuidade da pesquisa. Abaixo selecionamos algumas delas de forma simples e direta. O intuito é fazer surgir novas questões. Convido você a continuar perguntando. 1. Qual é a origem do universo? Ele tem começo? Se ele tem um começo, qual é? Quando? Onde? Como? Quem? Se há um começo, o que havia antes? Há alguma ordem ou lei geral que possa abarcar essa totalidade mundo? 2. Se há uma ordem ou lei geral que perpassa o universo desde sua origem, então há um criador? O universo é obra de criação ou é produto do acaso? 9 UNIDADE Problemas Metafísicos Cosmológicos 3. Se o universo tem um começo ele também tem um fim? Ele se expande até que ponto? Ou não há um começo e fim? O universo é perene, eterno, sem começo e sem fim? 4. O universo é finito ou infinito, tem limites ou não? É esférico, curvo ou aberto ao infinito? 5. A matéria como elemento fundamental do universo, de constituição química e física bem variada o que de fato é? 6. O universo se compõe de algo mais do que a matéria? Há alguma inteligência e vontade que dirige no tempo e no espaço a ordem cósmica? 7. Existe de fato o elemento espiritual ou ele simplesmente é o produto da evolução física, natural e biológica capaz de gerar seres inteligentes como o ser humano? 8. Conceber o universo como obra criada por um ser inteligente sujeito de vontade significa ter que negar a evolução? Criação e evolução ou evolução sem criação? 9. O que é espaço? Tempo? Que relação há entre um e outro? 10. Há outros mundos? Há outras dimensões desconhecidas e vida inteligente nesse mesmo mundo além de nós? Modelos Cosmológicos Religiosos As tradições religiosas como expressão cultural dos anseios antropológicos mais amplos da vida humana, ao pretenderem apresentar algo que dê sentido à existência, acabam quase sempre assumindo como base de suas doutrinas e expressões de fé, uma metafísica cosmológica. Qualquer sistema religioso possui um sistema explicativo do funcionamento do mundo que corresponde aos seus interesses de justificação e fundamentação do sentido da existência do mundo e dos sujeitos nele presentes. Segundo a linguagem simbólica do mito, diferentes religiões buscam explicar o sentido do mundo e de nossa existência nele de modo que possa apaziguar o absurdo do mistério diante do vasto universo desconhecido. A narrativa do Gênesis 1-2 do primeiro livro da Bíblia é um exemplo de relato que possui as características do gênero literário denominado de mito cosmogônico (Cf. Nota nº 2) e como tal possui uma visão de mundo. Trata-se de um relato que tem sua própria visão cosmológica. Cada coisa, os elementos e seres na natureza, no céu, na terra ou embaixo da terra estão dispostos segundo uma ordem, isto é, segundo um “cosmos”. É a ordem que retira o mundo do caos original (Gn 1,1-2): luz, água, firmamento, terra, céu, astros, espécies vivas e humanidade seguem uma ordem lógica no aparecer da criação que preenche os espaços e inauguram o 10 11 calendário, isto é, o tempo. Ao contrário do que muitos pensam, é um texto que revela um conhecimento alinhado com o que havia de mais avançado no campo da cosmologia da época. O pressuposto - independentemente da fé religiosa que dirige a linguagem do texto e de sua aceitação como verdade sobre a realidade - tem por fundamento uma visão sistêmica e bem ordenada do mundo. Visão de Mundo: “Visão de mundo” que passaremos a chamar indistintamente de “cosmovisão” é sempre uma noção mais completa e ampla de tudo o que envolve nosso lugar no mundo, incluindo as relações entre indivíduo e sociedade, sujeito humano e os outros na ordem social, no mundo da natureza, das tarefas, atitudes e os signifi cados que são atribuídos a tudo isso nas mais diferentes esferas da vida: econômica, social, política, cultural, religiosa, etc. Tempo: Na mitologia grega tempo é o nome atribuído a um de seus deuses primordiais: Cronos. Aliás, é desse termo que derivam as palavras cronologia e cronômetro, o tempo que se mede, o tempo do relógio que marca o movimento. Ex pl or Sem cair numa leitura literal, mas procurando entender a metafísica cosmológica, isto é, a cosmovisão que textos como este em diferentes tradições religiosas apresentam sobre a ordem do mundo, a seguir apresentamos na forma de esquema um painel que demonstra alguns dos grandes e mais conhecidos sistemas cosmológicos que orienta a humanidade segundo a lógica da razão mítica, isto é, segundo a fé de tradições religiosas antigas que permanecem no horizonte da visão de mundo de muita gente ainda hoje e que de certa forma, oferece respostas para algumas das perguntas levantadas no tópico anterior. Existe um começo? Sim Mitos com Criação Não Mitos sem Criação Ser Negativo Ser Positivo Ser X Não-Ser Universo Rítimico Existência Externa Deus, o Criador Ordem X Caos Criação do nada Figura 2 – Mitos Cosmogônicos Cf. GLEISER, 1997, p. 29. Ex pl or 11 UNIDADE Problemas Metafísicos Cosmológicos O esquema acima pode ser exemplificado por dois relatos sobre as origens. O primeiro é o já mencionado e bem conhecido relato da criação no livro de Gênesis. Quando Deus iniciou a criação do céu e da terra, a terra era deserta e vazia, e havia treva na superfície do abismo; o sopro de Deus pairava na superfície das águas e Deus disse: “Que a luz seja!”. E a luz veio a ser [...] A Bíblia. Tradução Ecumênica. TEB. São Paulo: Paulinas/Loyola, 1996. Ex pl or Na mentalidade bíblica expressa por esse texto, a cosmologia tem por fundamento a ideia de um começo em que Deus cria o mundo e ordena o caos original dominado pelas trevas que representa a escuridão. A luz é o primeiro ato criador a partir do qual o vazioda escuridão será ocupado pelas demais obras que em seguida são criadas. Muitos relatos míticos seguem esse padrão para responder a pergunta fundamental da cosmologia. Deus ou um grupo de deuses criam o mundo do nada ou da reunião e composição de elementos retirados do caos primitivo. O segundo exemplo se vê nos mitos que não concebem um começo para o universo ou pelo menos não postulam um só começo. A mentalidade hindu desde as tradições védicas mais antigas segue essa concepção. Tradições védicas referem-se aos textos, hinos e narrativas legadas pela civilização milenar que transmitiu seu saber em Sânscrito e que deu origem às crenças e práticas religiosas hindus presentes principalmente na Índia que hoje conhecemos. Ex pl or A visão Védica recorrente do universo exige que o próprio universo passe por ciclos de criação e destruição. [...]. Assim, na cosmologia hindu o universo tem uma natureza cíclica. A unidade de medida usada é a “kalpa”, que equivale a um dia na vida de Brahma, o deus da criação. Uma kalpa tem aproximadamente 4,32 bilhões anos. O final de cada “kalpa”, realizado pela dança de Shiva, é também o começo da próxima kalpa. O renascimento segue à destruição. Shiva é representada tendo na mão direita um tambor que anuncia a criação do universo e na mão esquerda uma chama que destruirá o universo. Muitas vezes Shiva é mostrada dançando num anel de fogo que se refere ao processo de vida e morte do universo. YOUNIO, Alisson. A cosmologia na Ásia. Disponível em: http://goo.gl/Lw3kwS - Acesso em 28/08/2015 às 14h54. Ex pl or Ainda que os ciclos comecem e terminem, a ordem cíclica como tal é em si mesma eterna. O mito sobre as origens incluindo Shiva, o deus da dança, aquele que cria, mas também destrói, nas tradições da Índia demonstram essa cosmologia cíclica em que universos são criados e recriados numa linha que não tem começo nem fim. 12 13 A Cosmologia segundo a Razão Filosófi ca A filosofia em sua atitude de ruptura com a razão mítica procura outra forma de entender o universo. A origem deve ser encontrada na própria natureza e não mais na ação dos deuses. Dessa forma, os antigos filósofos desenvolveram diferentes sistemas de compreensão do mundo, alguns buscando o elemento original que explicasse o todo e outros, além desse esforço, tentaram propor uma visão do todo onde todas as coisas, terra, céu, estrelas, planetas e demais seres pudessem ser concebidos segundo uma ordem minimamente plausível dentro da totalidade cósmica. Para os primeiros filósofos a natureza, entendida como physis era essa totalidade dinâmica que inclui tudo o que existe. Qualquer coisa está submetida às suas leis e condicionamentos, inclusive seres vivos, o ser humano ou qualquer outro ser inteligente que possa existir. A ideia de sobrenatural ainda não existia. Sobrenatural é um conceito moderno que nasce da ideia de que além da natureza física e observável materialmente pode haver outra realidade supranatural e não submetida às leis naturais. No mundo moderno marcado pela ciência positiva, isto é, do conhecimento que postula a existência apenas daquilo que se pode experimentar materialmente como objeto de observação submetido ao controle dos sentidos ou dos meios e instrumentos que acessem a possibilidade de verificação, o espaço deixado para a dimensão da experiência subjetiva ou espiritual perde sua legitimidade. O mundo dos mitos, povoado por deuses e histórias voluntaristas de milagres e atos fantásticos que a razão lógica tem dificuldade de explicar perde o seu status de natural, pois não pertence ao mundo do objetivamente observável e logicamente demonstrável. Como não se extirpa do imaginário humano de uma hora para outra a sensibilidade para o que não se explica só porque a ciência decide adotar outro método de abordagem da realidade, os fenômenos que parecem contestar as leis da natureza conhecida começaram a ser denominados de sobrenaturais. Religião, mitos, crenças e relatos que a ciência não alcança, pois ultrapassam os limites da visibilidade e comprovação material, começam a ser chamados de sobrenatural. O dualismo entre natural e sobrenatural não existia no mundo antigo. Essa noção é recente, produto da modernidade. Tudo na religião e no mito, ainda que “extraordinário”, na acepção própria da palavra, por mais que estivesse fora do modelo ordinário e comum, fazia parte da physis, da natureza, portanto. Na mentalidade antiga, deuses, espíritos e demônios estavam presentes, ainda que invisíveis, em tudo que se manifesta na natureza. Tales de Mileto (624-547 aC) escreveu; “A inteligência do cosmos é o deus; porque o universo é animado e cheio de deuses”. 9 Tales de Mileto, Fragmento nº 8, Cf. BORNHEIM, 1977, p. 23. Ex pl or 13 UNIDADE Problemas Metafísicos Cosmológicos Os sistemas cosmológicos a partir da linguagem filosófica foram sendo construídos independentemente da razão mítica, mas tanto quanto esta, jamais eliminou a dimensão da metafísica como pressuposto de sua fundamentação. Mesmo a linguagem da física teórica, como veremos, trabalha com hipóteses gerais e abrangentes que também a pressupõem. Modelos Cosmológicos Filosóficos e Científicos O que hoje se considera cosmologia é objeto de estudo da física teórica, mas sempre foi assunto da filosofia, embora haja cientistas que ainda considerem o problema sobre a origem do universo um tema da metafísica ou da religião (HAWKING, 1997, p. 17). O que atualmente se entende por ciência é resultado do que historicamente foi construído principalmente a partir das mudanças culturais, econômicas e tecnológicas que ocorreram no mundo a partir do século XV e XVI. A preocupação com as questões metafísicas estiveram presentes desde o nascimento da filosofia e permanece como atitude pressuposta em qualquer forma de conhecimento que vise responder seus problemas à luz da busca pelas origens. Por isso, desde o início, como produto da reflexão condicionada pelos mitos cosmogônicos, pensadores tentaram explicar sua concepção de universo. Vamos chamar de sistema ou modelo cosmológico em filosofia aquela teoria geral que aponta para um quadro que comunique certa noção ou imagem do universo que inclua principalmente o modo como se vê a terra, o céu, os planetas e estrelas num todo que seja sistêmico e possa ser explicado segundo alguma razoabilidade. Modelos cosmológicos na Antiguidade e Idade Média O modelo mais antigo provinha da mentalidade religiosa e propunha a terra como uma base plana e fixa. Com o predomínio da visão religiosa medieval acabou se impondo e tornou-se popular. As águas do mar corriam para fora desse plano numa espécie de abismo sem fim e o céu seria uma espécie de lugar em cujo teto estavam fixas as estrelas e demais astros. A visão é de uma terra plana, imóvel, colocada no centro, tendo o céu como seu horizonte. Entretanto, a ideia de uma Terra esférica já existia entre os gregos. Platão (427-347 aC.) Aristóteles (384-322 aC.), Eudoxo (408-355 aC.), Arquimedes (287-212 aC.) e Erastótenes (276-194 aC.). A visão de embarcações apontando e desaparecendo no horizonte do mar sugeria o questionamento de uma Terra plana. Erastótenes chegou a calculou o diâmetro da Terra com pequena margem de erro. Mediu em passos a distância entre as cidades de Alexandria e Siene (cerca de 800 Km) e pelo ângulo das sombras projetadas por uma estaca nas duas cidades, calculou a cintura da Terra teria 39.700 Km. Na verdade é de 40.009 Km10. Primeiro ele concluiu que se no mesmo horário das 12h o sol produzia sombra em apenas uma delas, isso apontava para o fato de que a terra não era 14 15 plana (BETTO, 2012, p. 56-57). Mas a comprovação da forma esférica da Terra só viria com Fernão de Magalhães que navegando deu uma volta completa sobre a terra em 1522. Os modelos cosmológicosgeocêntrico e heliocêntrico foram os que mais dominaram a mente humana. Eles correspondem formas de compreensão do mundo segundo o critério determinante do posicionamento da Terra no universo. No primeiro, a Terra é o centro e no segundo, é o Sol. Figura 3 Fonte: Wikimedia/Commons Na maior parte de nossa história o modelo geocêntrico foi dominante, pois o heliocentrismo só se impôs a partir dos estudos de Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630) e Galileu (1564-1642) nos primórdios da Era moderna. Entretanto, havia desde a antiguidade quem defendesse teorias heliocêntricas (PILLING & DIAS, 2007) como foi o caso do modelo desenvolvido por Aristarco de Samos (310-230 aC.). O modelo de Aristóteles de uma Terra esférica posicionada no centro do universo foi confirmado pelos estudos de Claudio Ptolomeu (90-168 dC.) de Alexandria. A cosmovisão da Terra no centro do universo por muitos séculos legitimou o paradigma teocêntrico e acabou predominando durante todo o período medieval. A Terra no centro caia muito bem ao modo religioso de entender e derivar os princípios de organização sócio-política com base numa ética religiosa ditada pela crença na ideia de um Deus criador do Céu e da Terra. Modelos Cosmológicos a partir da Ciência Moderna O aprimoramento da tecnologia da observação cada vez mais precisa permitiu a ampliação de nossa visão do sistema solar e a descoberta de novos horizontes, estrelas e galáxias. As dimensões do mundo ultrapassam os limites estreitos do que anteriormente estava restrito apenas ao alcance do que os nossos olhos eram capazes de enxergar. Depois do avanço fenomenal da cosmologia dado pelo trio dos grandes cientistas Copérnico, Kleper e Galileu, outros autores foram capazes de aperfeiçoar os equipamentos de observação, oferecendo hipóteses que fizeram 15 UNIDADE Problemas Metafísicos Cosmológicos avançar o modelo heliocêntrico. Nomes como o de Isaac Newton (1643-1727), Thomas Wright (1711-1786), William Herschef (1738-1822), Edwin Hubble (1889-1953), Alexander Friedmann (1888-1925), Georges Lemaître (1894- 1966), George Gamov (1904-1968) e Albert Einstein (1879-1955) estão na lista daqueles que, entre outros, ajudaram a construir passo a passo o caminho que finalmente confirmou o paradigma científico mais aceito atualmente sobre a origem do universo e que se tornou conhecido como a teoria do Big Bang. A paternidade da teoria do Big Bang, anunciada em 1948 pelo físico russo de cidadania estadunidense, George Gamov pode ser admitida também para o Padre belga Georges Lemaître (1894-1966), pois foi ele quem primeiro formulou a hipótese da grande explosão do átomo primordial. Em breves palavras, o modelo do Big Bang propõe a origem de tudo a partir de matéria hipercondensada num átomo primitivo e instável que explodiu sob a forma de uma super-radioatividade e que até hoje provoca o movimento de expansão do universo. Cf. GLEISER, 1997, p. 367: “O modelo cosmogônico de Lemaître, uma espécie de híbrido entre um modelo científico e um mito de criação, será o precursor do moderno modelo do big-bang. Veja também no Site ACIDIGITAL o texto postado em 28 Out. 2014 / 02h07 pm (ACI/EWTN Noticias). Disponível em: http://goo.gl/c6cRSd Ex pl or Em resumo, podemos concluir esse tópico assumindo que os modelos cosmológicos foram sendo construídos ao longo da história do pensamento segundo a diversidade de métodos de observação aliada ao raciocínio lógico e matemático de grandes pensadores, bem como ao avanço das tecnologias que aperfeiçoaram nossa capacidade de ver mais longe e mais precisamente os fenômenos que abarcam o horizonte desse espaço que parece ser infinito e aberto. Porém, muito ainda há que ser esclarecido. Do ponto de vista da Metafísica, retornando e esclarecendo melhor às questões já levantadas no primeiro tópico desse texto, proponho derivar como pressuposto dos modelos cosmológicos apresentados até aqui, as seguintes questões como as mais importantes na determinação desses modelos: 1ª) Segundo o critério do espaço que ele ocupa, o universo é finito ou infinito? 2ª) Segundo o critério do tempo que ele abarca, o universo tem um começo ou é eterno? Se tem um começo, o que havia antes? E se houve um começo, haverá um fim? 3ª) Segundo o critério da matéria e de seu conteúdo, ele é limitado ou é ilimitado? O planeta Terra, por exemplo, é limitado, mas e o universo, também é? 4ª) Segundo o critério da forma, o universo é esférico, tem forma de disco como as galáxias, é fechado (limitado e finito) ou é curvo e aberto (ilimitado e infinito)? 5ª) Segundo o critério do movimento, o universo se expande infinitamente ou haverá um limite em que a expansão dará lugar ao movimento de retração, que por sua vez, atingirá o ponto originário de matéria hipercondensada que novamente irá reproduzir outra grande exlosão? Ex pl or 16 17 Conclusão O campo dos problemas cosmológicos do ponto de vista da reflexão metafísica torna-se cada vez mais desafiador e instigante com as novas descobertas da astronomia e da pesquisa sobre a natureza do mundo subatômico. A teoria clássica da gravitação universal de Newton não prevalece no mundo infinitamente pequeno do átomo e a teoria da relatividade de Einstein alterou profundamente o quadro da compreensão que tínhamos do tempo, do espaço e da própria concepção de matéria. A teoria da incerteza de Werner Heisenberg (1901-1976) aplicada ao mundo subatômico mexeu com as verdades absolutas sobre a natureza do átomo e deixou em aberto nosso desconhecimento sobre o modo como funcionam e se articulam esses dois mundos, o do macrocosmo e o microcosmo. O princípio da incerteza de Heisenberg consiste na afi rmação de que é impossível determinar ao mesmo tempo, a posição e a velocidade de uma partícula do átomo. O observador altera o resultado da realidade que observa (HAWKING, 1997, p. 71). Ex pl or A constituição da matéria a partir dos elementos da tabela periódica não resolve o mistério profundo da questão fundamental: há uma vontade inteligente ordenando tudo, criando as condições da evolução da matéria até fazer surgir a vida e a consciência, da qual somos testemunho inconteste? Haverá vida inteligente no obscuro desse mundo desconhecido das galáxias? O universo é obra e criação de um ser inteligente supremo? Ou tudo não passa de um produto do acaso gerador de um processo evolutivo que pode não ter um fim e talvez, nem mesmo um começo, tal como propuseram os mitos hindus das Eras cíclicas de Brahma? “[...] tabela periódica é um esquema que permite classifi car e organizar os elementos químicos em função das suas propriedades e características. O químico alemão Julius Lothar Meyer (1830-1895) e o matemático russo Dmitri Mendeleiev (1834-1907) foram os primeiros especialistas a ter postulado as propriedades dos elementos a partir das funções periódicas da respectiva massa atômica. A história da tabela periódica está relacionada com o descobrimento dos diversos elementos químicos e com a necessidade de ordená-los de alguma forma. Após várias tentativas, Mendeleiev foi quem conseguiu criar um sistema periódico com base na massa atômica”. Disponível em: http://conceito.de/tabela-periodica Acesso em 07/09/2015 às 16h01. Ex pl or O fato é que a pergunta por uma inteligência criadora não é somente uma questão da religião, da ciência ou da filosofia. Trata-se de um problema metafísico que perpassa, antecede e abarca todas as questões e por mais que tentemos evitá-la ou ignorá-la, somos irremediavelmente levados a buscar um sentido que dê razão para tudo: matéria, vida, morte, inteligência, consciência, acaso, necessidade, criação, evolução, espaço e tempo. 17 UNIDADE Problemas Metafísicos Cosmológicos Quem sabe talvez seja esse o propósito de nossa condição: aventurar-se pelos espaços etempos que nos concedeu a natureza em busca de uma teoria geral. Essa teoria não seria uma espécie de “fórmula mágica” capaz de unir essa totalidade complexa e ao mesmo tempo apaziguar nossa sede de saber que nos consome diante de tantos mistérios que ainda há entre nós, o céu e a Terra? 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Telescópio Hubble - A última missão Assista ao documentário “Telescópio Hubble - A última missão” postado por Wlamir Araújo, produzido e dirigido por Dana BERRY para a National Geographic sobre o que o Telescópio Hubble é capaz de enxergar no espaço interestelar e reflita sobre os mistérios e problemas que a astronomia mais avançada ainda não conseguiu desvendar. Disponível em: https://goo.gl/OUz2hD Acesso em 24/09/2015 às 11h40 Livros Breve história do tempo ilustrada de Stephen HAWKING Leia e aprecie a obra “Breve história do tempo ilustrada de Stephen HAWKING. Tradução de Clara Allain. Edição atualizada, revista e ampliada. Curitiba/PR: Editora Albert Einstein, 1997, 248p. Trata-se de uma obra com linguagem acessível, figuras e ilustrações belíssimas sobre os problemas e soluções que a ciência moderna e contemporânea têm levantado através de seus grandes autores como Newton, Hubble, Einstein e tantos outros. O Tao da Física. Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental Consulte a obra de Fritjof CAPRA. O Tao da Física. Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. Tradução de José Fernandes Dias. Nova Edição revista e ampliada. São Paulo: Cultrix , 1983. 274p. Você fará um percurso entre as mais recentes descobertas da Física Quântica e as concepções metafísicas de religiões milenares do antigo oriente. 19 UNIDADE Referências A BÍBLIA. Tradução Ecumênica. TEB. São Paulo: Paulinas/Loyola, 1996. BACELAR, Jonildo. “História do Conceito da Terra Redonda”. Texto disponível em http://www.mapas-historicos.com/terra-redonda.htm Acesso em 04/09/2015 às 17h28. BETTO, Frei. 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