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História da Filosofia Moderna e Contemporânea

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História da Filosofia 
Moderna e 
Contemporânea 
 
 
 
 
Thiago Dias 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
SUMÁRIO 
 
BLOCO 1: DO MUNDO FECHADO AO UNIVERSO INFINITO .............................................................................. 3 
BLOCO 2: O RACIONALISMO MODERNO ........................................................................................................ 14 
BLOCO 3: EMPIRISMO MODERNO .................................................................................................................. 31 
BLOCO 4: ILUMINISMO E IDEALISMO: ............................................................................................................ 45 
BLOCO 5: O SÉCULO XIX, ROMPENDO O MODERNO E INTRODUZINDO O CONTEMPORANÊO .................. 62 
BLOCO 6: A FILOSOFIA DO SÉCULO XX ........................................................................................................... 78 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
BLOCO 1: DO MUNDO FECHADO AO UNIVERSO INFINITO 
 
1.1. O mundo de Aristóteles e Ptolomeu: a Terra no centro do universo 
A melhor maneira de começar a compreender a filosofia moderna é estudando sua origem. Existe um 
consenso entre os historiadores da filosofia em torno da ideia de que este início se deu devido às enormes 
mudanças históricas e culturais ocorridas entre o fim do século XV e o século XVII. O novo mundo criado por 
estas transformações era tão radicalmente diferente do anterior que foi necessário atribuir nomes distintos 
aos dois períodos. Desta forma, um foi chamado de Idade Média e o outro de Idade Moderna. 
No plano histórico, estas mudanças se deram com o surgimento, ainda incipiente, do sistema capitalista que, 
aos poucos, desmontava a estrutura socioeconômica feudal e construía o mundo burguês. Conectada a este 
desenvolvimento, uma enorme revolução se dava no plano cultural a partir de descobertas científicas, 
sobretudo as astronômicas, realizadas ao longo deste período. As ideias propostas nesta época alteraram 
profundamente a concepção de ciência e, com ela, fizeram ruir a visão de mundo, então dominante. Mudou-
se nosso lugar no cosmos, a noção de verdade, o papel da razão e muitos outros aspectos decisivos para a 
vida humana. Por isto, para compreender a filosofia moderna, é imprescindível estudar a revolução científica 
e seu impacto na concepção do que é o Universo. 
Em meados do século XV, a visão de mundo dominante no Ocidente, que na época se resumia à Europa, era 
especialmente marcada pela filosofia de Aristóteles, e pode-se dizer que era fundamentalmente, embora 
não exatamente, a mesma desde a Antiguidade. Nesta visão de mundo, o Universo é finito e formado por 
esferas organizadas em uma hierarquia que vai do que é mais perfeito ao que é mais imperfeito. Na esfera 
mais ampla, que encobre todas as demais, está o motor imóvel, que é a causa do mundo e não é causado 
por coisa alguma. As esferas imediatamente inferiores constituem o “mundo supralunar”, região composta 
por uma única substância, o éter, onde existem seres menos perfeitos que o motor imóvel, pois foram 
causados e estão submetidos ao movimento, mas ainda assim com alto grau de perfeição. Aqui se situam os 
corpos celestes, que são imutáveis e realizam movimentos perfeitos e eternamente idênticos a si mesmos. 
Abaixo desta esfera, há o “mundo sublunar”, onde estão os seres de menor perfeição, submetidos a um grau 
maior de movimento, à transitoriedade e à corrupção. 
 
 
 
 
 
 
4 
 
A Terra (Gê, em grego) está no centro deste Universo hierárquico e é, portanto, parte do mundo sublunar, 
em que tudo é mudança e corrupção. Além disto, diferentemente do mundo supralunar, composto por éter, 
o mundo sublunar é composto por quatro elementos — terra, água, fogo e ar — que se misturam de maneira 
variada, formando seres que também estão organizados hierarquicamente, de modo que terra e água 
tendem naturalmente para baixo e, ao contrário, fogo e ar tendem naturalmente para cima. 
Alguns séculos depois de Aristóteles, Claudio Ptolomeu (90-168) realizou grandes estudos astronômicos, 
promovendo avanços significativos na previsão da posição de corpos celestes e da ocorrência de eclipses; e 
sistematizando astronomicamente o geocentrismo herdado de Aristóteles. Em “Almagesto”, sua obra mais 
importante, encontramos um modelo do cosmos em que a Terra está no centro, rodeada pelo círculo lunar 
e, em seguida, pelos círculos de Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e, por fim, pela esfera das 
estrelas fixas. Esta maneira de enxergar o cosmos prevaleceu por vários séculos de modo quase inalterado, 
como prova o lindo mapa celeste do português Bartolomeu Velho, elaborado em 1568, que ainda seguia o 
geocentrismo ptolomaico. 
Esta cosmovisão formulada na Antiguidade foi “traduzida” para o mundo cristão ao longo do período que 
chamamos de Idade Média. Tomás de Aquino (1225-1274) foi particularmente importante neste processo 
porque elaborou uma cosmovisão cristã muito sólida que, aos poucos, se tornou hegemônica na Europa. Na 
cosmologia tomista, Deus é infinito, mas o universo continua finito, fechado e organizado hierarquicamente 
do mais perfeito ao mais imperfeito. No entanto, no lugar do “motor imóvel”, está o Deus cristão, abaixo do 
qual está sua criação, organizada dos astros perfeitos e imutáveis até o “vale de lágrimas” que é a Terra, 
corrompida pelo pecado, ameaçada pelo mal e dependente da infinita bondade divina. 
Como se pode ver, a cosmovisão aristotélico-tomista que dominava a Europa em meados do século XV 
dependia muito da astronomia, pois esta se vinculava diretamente ao lugar de Deus e à ordem do mundo. 
Assim, observações astronômicas tinham importância particular nesta época e qualquer nova descoberta ou 
nova ideia neste âmbito portava inúmeras consequências em vários aspectos da vida humana. Compreende-
se, então, que a igreja, ao longo destes séculos, acompanhou os estudos astronômicos muito 
cuidadosamente, afinal eram estes que sustentavam a visão aristotélico-tomista, que muito favorecia ao 
clero. Desta forma, seu questionamento poderia fazer balançar não apenas a fé e a religião, mas também 
todo o poder secular então concentrado nas mãos da Santa Sé. 
 
 
 
 
 
5 
 
Para a filosofia, a importância do período entre os séculos XV e XVII está intimamente associada as 
descobertas astronômicas. Primeiro porque a revolução científica realizada neste período permitiu um novo 
olhar para o mundo. Um olhar que não aceitava mais a física dos quatro elementos, nem a ideia de que Deus 
está lá em cima cuidando de nós. A natureza, agora, não era mais vista como a sagrada criação divina, mas 
sim como um conjunto de seres manipuláveis à disposição dos humanos. A revolução científica só foi possível 
graças as mudanças a respeito do que significa conhecer, do que os humanos são capazes, e do que podem 
fazer. Desta forma, o estudo da revolução causada pela astronomia nos permite ver as características da 
nova forma de filosofia que apareceu junto com a revolução científica. 
 
1.2. A revolução copernicana: a hipótese heliocêntrica 
Um dos primeiros golpes importantes na cosmovisão tradicional foi dado por Nicolau de Cusa (1401-1464), 
homem da igreja, amigo pessoal do Papa, que jamais pretendeu derrubar a ordem aristotélico-tomista. O 
golpe foi desferido por meio de suas reflexões a respeito do finito e do infinito que, até então, separavam 
de modo estrito o Criador e a Criatura. De fato, Cusa mantém a diferença ontológica essencial entre o finito 
e o infinito, mas inova significativamente ao direcionar suas preocupações para a unidade existente entre o 
infinito em Deus e o infinito presente nas coisas finitas, ou seja, assim como na tradição, Cusa concebe Deus 
como infinito, mas distancia-se, em partes, da filosofia aristotélico-tomista ao considerar que o infinito se 
encontra no mundo. Dentro de sua visão,Cusa não concebe Deus como um ser imóvel pairando sobre a 
finitude já criada, mas sim como a infinitude produtiva, constituinte do mundo finito e mutável que é a Terra. 
Nesta relação mais porosa entre finito e infinito, a humanidade tem um lugar especial, pois é nela em que 
esta articulação acontece. Criado à imagem de Deus, o ser humano é um microcosmo que espelha o 
macrocosmo trazendo em si o infinito. É por isto que, por meio do intelecto, mas não da razão, somos 
capazes de intuir o infinito e, por esta via, retornar à fonte. 
Pouco depois de Cusa, um outro golpe, mais aberto e muito mais forte, seria dado no aristotélico-tomismo 
pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543). Esta figura é especialmente importante no 
processo aqui descrito, tanto que Kant, séculos depois, afirmou estar fazendo uma “revolução copernicana” 
com a epistemologia que então apresentava. No século XX, o historiador e filósofo da ciência, Thomas Kuhn, 
a fim de indicar o caráter plural da revolução científica, chamou-a de “a revolução copernicana”. 
 
 
 
 
6 
 
Copérnico estudou na Itália, mas passou a maior parte de sua vida em seu país natal, onde ocupou vários 
cargos eclesiásticos e se dedicou à astronomia. A Igreja, a princípio, apoiou as pesquisas de Copérnico, mas, 
aos poucos, uma resistência a suas ideias foi se erguendo, pois elas eram incompatíveis com certas passagens 
da Bíblia como, por exemplo, o livro de Josué (10:12-13), em que Deus intervém no movimento dos astros 
para salvar seu povo. “Então falou Josué ao Senhor naquele dia (…): Sol, detém-se sobre Gabaon; e tu, lua, 
para sobre o vale de Ajanon. E o sol e a lua pararam, até que o povo se vingou de seus inimigos”. Se Deus 
parou o movimento do Sol e da Lua para salvar seu povo, a afirmação copernicana de que o Sol está parado 
e é a Terra que está se movendo confronta diretamente as Escrituras Sagradas. 
Ciente dos problemas que suas pesquisas poderiam causar, tanto em sua relação com a poderosa Igreja 
quanto para com sua própria fé, Copérnico foi cauteloso na publicação de suas ideias. Seu grande livro, 
“Sobre a revolução das esferas celestes”, só foi publicado depois de muita hesitação e saiu no mesmo ano 
da morte de seu autor. 
Talvez o elemento essencial da revolução causada por Copérnico esteja em sua hipótese heliocêntrica, que 
não é revolucionária, apenas, por colocar o Sol (hélios, em grego) no centro do universo, mas também pela 
maneira como tratou esta hipótese. Para Aristóteles, lembremos, a ciência deve se ocupar de discriminar, 
diferenciar, distinguir e reunir os objetos a que se lança, servindo-se da observação e de silogismos. A 
realidade dada deve ser observada cuidadosamente e, a partir dessa observação, a ciência deve sistematizar 
os fenômenos e elaborar um quadro descritivo a partir deles. 
O procedimento de Copérnico foi o oposto. Ele não foi o primeiro colocar a hipótese de que o Sol não se 
move e está no centro do universo, mas foi pioneiro ao se perguntar se a realidade física realmente 
correspondia aos cálculos que tinha na mente e no papel. Em vez de partir das observações e da realidade 
para formar um quadro descritivo organizado racionalmente, fez o caminho inverso partindo dos cálculos, 
ou seja, da razão, em direção à realidade observada. De posse de cálculos muito precisos, Copérnico foi à 
observação e encontrou um universo muito diferente daquele apresentado pela experiência cotidiana e pela 
tradição fundada em Aristóteles e Ptolomeu. 
Feita a inversão de perspectiva, a matemática ganha papel de especial relevo, pois se torna fiadora da 
veracidade e do que se afirma sobre o mundo. As explicações copernicanas a respeito do movimento dos 
astros não se mostram especialmente mais precisas que as ptolomaicas, mas oferecem a enorme vantagem 
de serem muito mais simples, mais claras e mais distintas que todos os cálculos que Ptolomeu precisou 
introduzir, por vezes de modo arbitrário, a fim de dar conta do comportamento dos astros. 
 
 
 
7 
 
Agora, o movimento dos corpos celestes não se refere mais ao motor primeiro ou a seu grau de perfeição 
que são ideias complexas, impregnadas de elementos de difícil abordagem e sujeitas às mais variadas 
interpretações. Os movimentos passam, agora, a depender apenas da distância que os separa do Sol, ou 
seja, de um elemento simples, fácil de ser calculado e com apreensão inequívoca. Esta simplicidade 
conquistada pelas matemáticas se tornará um dos elementos mais valorizados pela ciência e pela filosofia 
moderna. Além disto, contribuirá decisivamente para a retirada da autoridade da Igreja, uma vez que 
qualquer pessoa suficientemente interessada se torna capaz de refazer os cálculos e as observações, sem o 
intermédio de alguma autoridade religiosa, para confirmar as afirmações feitas pelas autoridades científicas. 
 
1.3. Copérnico e a necessidade de uma nova física 
A relação mais estreita entre as matemáticas e os movimentos do universo traz, ainda, outra consequência 
fundamental, pois, por meio dela, o infinito das matemáticas penetra no universo, até então, finito. Com a 
viabilidade de ir à realidade munido de cálculos feitos pela razão, as possibilidades de exploração do universo 
se mostram múltiplas, talvez, até mesmo, infinitas. 
A separação essencial entre a substância que compõe os seres celestes (éter) e as substâncias que compõem 
os seres terrestres (os quatro elementos) se mostra muito menos firme, pois a matemática é capaz de 
perpassar, tanto o mundo supralunar quanto o sublunar. 
Além disto, a relação entre os humanos e a natureza sofre uma alteração profunda a partir da ciência de 
Copérnico. Diferentemente do cientista tradicional que se limita a sistematizar o que encontra na natureza 
ou, em linguagem cristã, contemplar a criação divina por meio do estudo; a postura do cientista moderno 
encarnado por Copérnico foi a de elaborar seus cálculos e inquirir a natureza a respeito da correspondência 
entre seus cálculos e ela. 
 Usando uma linguagem que não era de Copérnico, podemos afirmar que o cientista troca sua postura, 
tradicionalmente passiva, de observação e catalogação por uma postura ativa de inquirição da natureza. Ou 
seja, Copérnico forneceu aos seres humanos um status que lhes era vedado no mundo aristotélico-tomista 
colocando-o no centro, se não do universo, pelo menos da ciência. 
 
 
 
 
 
 
8 
 
Estas consequências filosóficas da atividade científica de Copérnico se desdobraram em muitas outras, 
entretanto, é importante notarmos que, embora todas elas estivessem presentes em seu trabalho, nem 
todas foram desenvolvidas por ele que, talvez, nem tivesse consciência de todas elas. Aliás, o sistema 
copernicano não foi aceito imediatamente, tanto por motivos religiosos, quanto por motivos propriamente 
científicos, uma vez que permaneciam certas falhas na previsão de movimentos e, sobretudo, porque o 
heliocentrismo exigia também uma física nova, algo que Copérnico não elaborou. 
O astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), por exemplo, acompanhou Copérnico ao recusar a 
ideia tradicional segundo a qual os corpos celestes estariam fixos em esferas cristalinas e, ao girarem em 
torno da Terra, carregariam os planetas e as estrelas. Embora os cálculos muito precisos de Brahe tenham 
contribuído para a aceitação futura do heliocentrismo, ele se distancia de Copérnico ao propor um modelo 
misto em que a Terra está em repouso, a Lua e o Sol giram ao redor da Terra e os demais planetas giram em 
torno do Sol. 
Seu assistente, Johannes Kepler (1571-1630), aceitou o copernicanismo imediatamente, mas ainda manteve 
muitos elementos místicos e tradicionais em seu modelo. Também propôs que os movimentos dos astros 
formam elipses, e não círculos, como propunham tanto os ptolomaicos quanto Copérnico. 
Giordano Bruno (1548-1600) também aceitou muito do “magnânimo Copérnico” e, indo além, não apenas 
considerou o Universoinfinito como colocou o infinito no mundo, até então, finito por meio da afirmação 
de que os humanos refletem em si a totalidade do Universo e, portanto, são capazes de penetrar-lhe todos 
os segredos. Suas ideias formaram uma metafísica estética e poética muito ao gosto do Renascimento e um 
tanto distante de Copérnico; e conduziram-no ao enfrentamento com Igreja, que terminou por prendê-lo e 
condená-lo à morte na fogueira. 
 
1.4. Galileu e o plano inclinado 
Outro grande nome da revolução científica é Galileu Galilei (1581-1642). Nasceu em Pisa, na Itália, e iniciou 
seus estudos dedicando-se à medicina, mas logo a trocou pela matemática e começou suas primeiras 
investigações no campo da física. Dedicou-se mais intensamente à mecânica, cujos fenômenos tentava 
descrever em linguagem matemática, elaborando uma orientação metodológica que enfrentaria oposição 
da ciência oficial, ainda bastante calcada no aristotélico-tomismo. Em 1604, elaborou a lei da queda livre dos 
corpos, um dos fundamentos do que viria a ser chamado de mecânica clássica e um exemplo perfeito da 
geometrização da natureza por ele proposta. Pouco mais tarde, ele daria, ainda, um outro grande salto 
científico e filosófico ao aperfeiçoar o telescópio transformando-o em instrumento de observação dos 
astros. 
 
 
 
9 
 
Galileu publicou estes resultados com muito entusiasmo e orgulho, mas teve de enfrentar enorme 
resistência da Igreja, que, em 1632, submeteu-o a um julgamento do Santo Ofício forçando-o a abjurar suas 
teses, sob pena de ter o mesmo destino de Giordano Bruno. Este evento marcou as relações entre a ciência 
moderna e os poderes estabelecidos e inspirou uma das melhores peças de teatro escritas por Bertolt Brecht 
chamada, justamente, “A vida de Galileu”. A partir de então, Galileu se manteve discreto, mas publicou 
clandestinamente alguns outros trabalhos e, embora tenha perdido a visão em 1638, continuou trabalhando 
até sua morte em 1642. 
Assim como no caso de Copérnico, o trabalho científico de Galileu é fundamental para a ciência e filosofia. 
A lei da queda livre dos corpos, formulada por ele, ofereceu à física a possibilidade de calcular o movimento 
de um modo novo e mais produtivo. Entretanto, para nós, neste momento, o mais importante são os 
pressupostos filosóficos que tornaram possível a formulação desta lei. 
Segundo a física herdada de Aristóteles, o lugar natural dos corpos pesados é o chão e eles tendem a cair 
mais rapidamente que corpos leves porque “querem” restaurar a ordem. Isto significa que o movimento dos 
corpos depende, não apenas de seu tamanho, mas também do tipo de substância de que é feito, ou seja, da 
qualidade material que o compõe, o que exige complicadas considerações a respeito do grau de perfeição e 
do lugar natural de cada corpo no interior cosmos. 
Contra esta física, Galileu parte de um princípio bastante moderno, tornado possível por alguns de seus 
antecessores, a saber, o princípio da simplicidade e da uniformidade da natureza. Em seu diálogo Duas 
ciências”, afirma-se: “E de fato acredito que não existe ninguém que acredite ser possível praticar o nado e 
o voo de maneira mais simples e mais fácil que a maneira usada, por instinto natural, pelos peixes e pelos 
pássaros”. Nesta afirmação, percebemos que o olhar de Galileu para a natureza não procura pela qualidade 
dos objetos envolvidos, uma vez que peixe e pássaro, por diferentes que sejam, são olhados a partir do modo 
como se movimentam e, nisso, são idênticos. No movimento natural, há algo de simples e fácil subjacente a 
seres muito diferentes entre si e é para isto que o cientista deve se atentar. O olhar científico deve abstrair 
de sua observação qualquer elemento religioso ou metafísico (como graus de perfeição ou lugares naturais). 
Com isto, a noção de movimento ganha uma nova definição, desprovida de elementos substanciais, e passa 
a ser concebida apenas como o deslocamento de uma coisa em relação a outra. 
 
 
 
 
 
 
10 
 
Esta nova concepção de movimento abre uma via produtiva para o uso dos experimentos que, na física 
anterior, não tinham importância decisiva. Se, sob as diferenças qualitativas dos seres, existe uma unidade 
por realizarem movimento da mesma maneira, torna-se muito frutífero simular movimentos em condições 
não naturais. Se a simplicidade e a regularidade do movimento se encontram tanto no pássaro quanto no 
peixe, elas também estão presentes em uma bolinha de ferro manipulada no interior de um ateliê, o que 
torna possível estudar o movimento de pássaros, peixes e astros servindo-se de uma bola. Há uma história, 
não confirmada por fontes confiáveis, segundo a qual Galileu, certa vez, subiu ao topo da torre de Pisa e, de 
lá, deixou cair dois corpos livremente a fim de provar que a queda livre não depende de suas massas e tem 
sempre a mesma velocidade. Verdadeira ou não, a história exemplifica bem o que significa a produção de 
fenômenos realizada com fins científicos, característica fundamental da ciência moderna. 
Mas o experimento de que Galileu se serviu efetivamente para estabelecer sua lei da queda livre dos corpos 
tem ainda uma outra vantagem com relação a este da torre de Pisa, pois permite muito facilmente a 
“tradução” do fenômeno produzido em termos matemáticos. Para elaborar sua lei e provar seu argumento, 
Galileu construiu um plano inclinado, ou seja, uma viga de madeira em que foi escavada uma canaleta e que 
foi mantida em posição inclinada. Na parte de cima, Galileu colocou uma esfera e a fez rolar até o chão 
medindo o tempo que a esfera levava para percorrer o trajeto; após múltiplas repetições, foi demonstrado 
que a duração da queda era sempre a mesma. Em seguida, repetiu o experimento reduzindo a um quarto a 
extensão do trecho percorrido, e notou que o tempo deste movimento quatro vezes menor era sempre duas 
vezes inferior ao gasto para percorrer a extensão inteira. A experiência fabricada por Galileu revelou que a 
velocidade adquirida por um corpo que cai livremente, a partir do repouso, é proporcional ao tempo. Notou, 
também, que o espaço percorrido é proporcional ao quadrado do tempo empregado para percorrê-lo. 
Para além das contas, o essencial do ponto de vista filosófico está na expressão de um fenômeno físico (o 
movimento da bolinha) em termos matemáticos (um quarto de espaço equivale à metade do tempo), ou 
seja, Galileu demonstrou que, por trás das aparências e das substâncias, há uma estrutura natural simples e 
uniforme que pode ser apreendida pelo cientista se ele se servir dos meios corretos. Estes meios, Galileu 
não hesita em afirmar, são fornecidos pela matemática. 
 
A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos 
(isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres 
com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, 
circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente 
as palavras; sem eles, vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. (GALILEI, 1978) 
 
 
 
11 
 
É por esta razão que se afirma que, com Galileu, o espaço foi geometrizado e é desta forma que surge a 
concepção mecanicista da natureza. 
 
1.5. Galileu e o telescópio 
A contribuição de Galileu não se resume à descrição das regras que regem a natureza terrestre. Alguns anos 
depois de elaborar sua lei da queda livre dos corpos, ele decidiu aperfeiçoar um aparelho que já existia, mas 
que ainda era muito precário e, em seu entender, não tinha sido usado adequadamente: o telescópio. 
Inicialmente, a luneta era um instrumento de navegação, mas o interesse que Galileu nutria por ela era 
astronômico. Ao aperfeiçoa-la e aponta-la para o céu, destruiu inteiramente a astronomia ptolomaica e a 
cosmologia aristotélico-tomista, pois encontrou muitas coisas que o surpreenderam e não viumuitas coisas 
que esperava ver. 
Olhando para o céu munido de seu instrumento, Galileu percebeu que a Lua não tem uma superfície de 
cristal perfeita, mas, assim como a Terra, é repleta de montes e vales. Viu também que o Sol tem muitas 
manchas; que Vênus têm “fases”, como a Lua, o que prova que ele gira em torno do Sol; que Júpiter tem 
quatro satélites que giram em torno dele, derrubando o argumento anti-heliocentrista que se fundava no 
fato de a Lua girar em torno da Terra para provar que esta era o centro do universo. 
Diante da irrefutável imperfeição dos astros, não é mais possível sustentar que o cosmos se estrutura 
hierarquicamente do mais perfeito ao mais imperfeito. Consequentemente, desfaz-se por completo a 
distinção entre o mundo supralunar, supostamente mais perfeito e composto exclusivamente de éter, e o 
mundo sublunar, imperfeito e composto de combinações entre terra, água, fogo e ar. Ambos são 
imperfeitos e muito mais próximos entre si do que fazia acreditar o aristotélico-tomismo. A distinção, aliás, 
é atacada também em sentido inverso, pois, apesar das imperfeições substanciais dos astros, seus 
movimentos continuam perfeitos e apreensíveis por cálculos, que agora também são capazes de apreender 
os fenômenos terrestres. Ou seja, não se trata apenas de um “rebaixamento” dos astros pela descoberta de 
suas imperfeições, mas também de certa “elevação” da natureza terrestre, que é regida pela mesma 
matemática que ordena os astros. A rigor, já não é mais possível falar em termos de superioridade e 
inferioridade dos diferentes círculos, pois a matemática os nivela substancialmente em um mesmo plano e, 
mais do que isto, a própria ideia de círculos cósmicos perde sua validade diante do Universo infinito que se 
abre à ciência. 
 
 
 
 
12 
 
É importante notar, não apenas aquilo que Galileu viu, mas também aquilo que ele não viu. Ao longo de mais 
de mil anos, toda a cristandade acreditou que Deus se localizaria acima da esfera mais perfeita do cosmos, 
atrás da escuridão do Universo visível a olho nu aqui da Terra. Com sua luneta apontada para o céu, no 
entanto, Galileu não encontrou o motor imóvel, Deus ou qualquer coisa parecida com isto, mas apenas um 
enorme vazio, um gigantesco espaço aberto, indefinido, talvez infinito. Se Deus não está lá onde sempre se 
achou que ele estaria, onde ele está? Se o universo é infinito, como agora parece ser, Deus não pode ser 
infinito, pois é impossível que dois infinitos existam, mas também não pode ser finito, pois assim não seria 
Deus. O desnorteio e a angústia da situação aberta pelas descobertas de Galileu estão resumidas na célebre 
afirmação de Pascal, outro grande filósofo do período: “O silêncio eterno desses espaços infinitos me 
apavora”. 
As primeiras descobertas astronômicas feitas pela luneta de Galileu foram publicadas em “A mensagem das 
estrelas” (ou “O mensageiro sideral”, dependendo da tradução do título original em latim: “Sidereus 
nuncius”) em 1610. A recepção deste texto foi bastante complexa, pois os argumentos científicos, embora 
não tenham sido unanimemente aceitos, eram sólidos e levaram os cientistas da época a considerar 
seriamente as conclusões de Galileu. No entanto, as consequências teológicas e políticas destas ideias eram 
muito perigosas para o poder estabelecido. 
À medida que Galileu avançava em suas pesquisas, divulgando-as orgulhosamente, foi colecionando 
adversários e, aos poucos, se viu forçado a responder seus argumentos para se proteger. Como a maior parte 
dos astrônomos e cientistas de sua época, Galileu era um homem de fé, acreditava em Deus e também se 
angustiava com as consequências das próprias descobertas. No entanto, afirmava também que é necessário 
distinguir o texto sagrado e as interpretações que dele são feitas, sob pena de, por exemplo, terminar por 
conceber Deus de modo antropomorfizado, com olhos, pernas, mãos e paixões humanas, o que era herético 
para a própria Igreja que, então, começava a persegui-lo. 
Apesar de seus esforços em contrário, seus inimigos conseguiram conduzi-lo ao tribunal do Santo Ofício em 
1632 a fim de negar publicamente suas descobertas e suas conclusões, sob pena de ser condenado à morte 
na fogueira. Para se proteger, Galileu negou suas ideias, em condições até hoje obscuras, e se tornou mais 
cauteloso a partir de então, embora não tenha deixado de trabalhar e tenha, até mesmo, publicado 
clandestinamente (na Holanda, país protestante) alguns de seus últimos trabalhos, como seus “Discursos e 
demonstrações matemáticas acerca de duas novas ciências” (conhecidos como “Diálogo sobre duas novas 
ciências”). 
 
 
 
13 
 
A transição entre os conceitos de mundo fechado e universo infinito foi realizada em pouco mais de um 
século, período muito curto se comparado aos mais de mil e quinhentos anos durante os quais Aristóteles 
sustentou a visão de mundo ocidental. Esta enorme revolução, é bom que se diga, não terminou em Galileu, 
pois se estendeu ainda até Newton, que herdou os desafios deixados por estes cientistas e contribuiu 
decisivamente para a ciência moderna ao formular suas leis e, sobretudo, seu conceito de gravidade. 
Cada um à sua maneira e com sua contribuição, estes cientistas estabeleceram como modelo uma postura 
ativa da razão em direção à natureza, pois, diferentemente do cientista tradicional, que recebe passivamente 
aquilo que a natureza se dispõe a mostrar ao olho nu, o cientista moderno produz hipóteses, como a 
heliocêntrica, e fabrica artefatos, como o plano inclinado e o telescópio, para inquirir a natureza a fim de 
retirar dela os segredos que, por si só, ela não revelaria. 
Esta nova forma de se estudar o mundo engendra uma série de questões propriamente científicas como 
método, o conceito de natureza e sua relação com a razão; além de questões de ordem cosmológica como 
o lugar de Deus, dos seres humanos e da natureza. Estes problemas, como veremos ao longo da disciplina, 
constituem as questões fundamentais da filosofia que nasce da revolução científica. 
 
Referências Bibliográficas: 
 GALILEI, G. O ensaiador. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 
 KOYRÈ, A. Do mundo fechado ao universo infinito. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 
 MARCONDES, D. Textos básicos de filosofia e história das ciências. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. 
 ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos da revolução científica. São Paulo: 
Universidade Estadual Paulista, 1992. 
 ______. Os filósofos e as máquinas. São Paulo: Cia das Letras, 1989. 
 
Saiba mais 
 Artigo: KONDER, L. Nicolau de Cusa (1401-1464). Em: ALCEU. v.2. n.4. p.5-14 jan/jun. 2002. 
Disponível em: <https://studylibpt.com/doc/3321221/nicolau-de-cusa--1401-1464----revista-alceu--
-puc-rio>. Acesso em: 07/06/2019. 
 Documentário: O universo além do Big Bang. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=rtP8gmDmjEQ>. Acesso em: 14/06/2019 
 Web Aula: Anti-Édipo (07) - Nicolau de Cusa, visão do infinito. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=xs7XJDSQW0w>. 14/06/2019. 
https://studylibpt.com/doc/3321221/nicolau-de-cusa--1401-1464----revista-alceu---puc-rio
https://studylibpt.com/doc/3321221/nicolau-de-cusa--1401-1464----revista-alceu---puc-rio
https://www.youtube.com/watch?v=rtP8gmDmjEQ
 
 
 
14 
 
BLOCO 2: O RACIONALISMO MODERNO 
 
2.1. “Penso, logo existo”: o nascimento do sujeito moderno 
Se considerarmos que o aristotélico-tomismo teve suas raízes estabelecidas na antiguidade e que sua queda 
levou pouco mais de um século e meio, veremos que o processo foi impressionantemente rápido. No 
entanto, se tomarmos a perspectiva dos indivíduos que viveram este período, o fim do mundo fechado ganha 
ares de uma lenta agonia. Afinal, estas pessoas passaram toda a sua existência angustiados pelo colapso das 
estruturas de todo o seu universo cultural. 
 É compreensível, portanto, que os melhores espíritos da época tenham se lançado a reflexõesa respeito 
deste colapso e a busca de maneiras para construir uma nova ordem, em meio a qual respostas às questões 
fundamentais sejam possíveis. Além disto, é natural que estas meditações se preocupem especialmente com 
a questão do conhecimento, pois a ciência foi protagonista neste grande colapso. 
Estas questões encontraram uma formulação muito fina e especialmente poderosa na obra de René 
Descartes (1596-1650), matemático e filósofo frequentemente considerado como “o pai da filosofia 
moderna”. Nasceu na França e teve uma educação primorosa no Colégio de la Flèche, que era mantido por 
jesuítas e oferecia uma formação tradicional, baseada em Aristóteles e na escolástica. Dedicou-se às ciências 
como a dióptrica (parte da física que investiga a refração da luz), a fisiologia e, sobretudo as matemáticas. 
Nesta última, ofereceu grandes contribuições, sobretudo ao formular a geometria analítica e nos deixar o 
plano cartesiano (Descartes assinava suas obras com seu nome latino, Renatus Cartesius, o que deu origem 
ao adjetivo “cartesiano”). 
Apesar do êxito de seu trabalho científico, Descartes trazia consigo uma preocupação com os fundamentos 
das ciências, ou seja, com a filosofia, que, para ele, se mostrava insuficiente desde os tempos de la Flèche, 
onde a filosofia apresentada não trazia “conhecimentos absolutamente certos”, mas apenas “discursos 
prováveis e verossímeis”. Incentivado por colegas cientistas que o admiravam e influenciado por um sonho 
muito marcante que teve em 1619, Descartes passou a se ocupar não apenas de questões físicas, mas 
também de questões metafísicas. Regras para a direção do espírito é o primeiro livro resultante destas 
preocupações que chegam ao ápice com O discurso do método e Meditações metafísicas. 
 
 
 
 
 
15 
 
O discurso do método, um dos textos mais conhecidos da história da filosofia, apresenta o grande projeto 
cartesiano de derrubar, de uma vez por todas, todos os saberes falsos que se ofereciam nas escolas da época 
e fundar um saber novo, capaz de trazer certeza em tudo aquilo que for possível ter certeza. Neste projeto, 
Descartes não se lança à refutação de cada uma das afirmações escolásticas, mas sim às bases filosóficas do 
conhecimento instituído a fim de derrubar todo o edifício do saber de até então. 
O acento metafísico do pensamento maduro de Descartes se torna mais forte em Meditações metafísicas, 
obra que, antes de ser publicada, foi discutida por cartas com vários pensadores da época (Mersenne, 
Hobbes, Arnaud, Gassendi), muitos dos quais eram intimamente ligados à Igreja. Descartes era um homem 
de fé e via sua filosofia como uma espécie de missão, mas sabia, também, que seu pensamento era perigoso 
à ordem estabelecida que então ruía, tanto que adiou a publicação de “O mundo”, livro em que demonstrava 
suas proximidades com o pensamento de Copérnico, quando soube da condenação de Galileu. 
Como indicado acima, o projeto cartesiano é, fundamentalmente, terminar o trabalho de destruição do 
aristotélico-tomismo e fundar um novo saber, capaz de fornecer certezas onde, então, reinava o erro. Este 
projeto é formulado pela primeira vez em “O discurso do método”, livro que traz algumas características 
estranhas para a época. A primeira delas é o fato de ter sido escrito em francês, língua mais acessível que a 
língua culta da época, o latim. Outra característica incomum é o entrelaçamento feito pelo autor entre o 
relato pessoal e a discussão metodológica. O livro é escrito em primeira pessoa, mas trata de um tema 
universal, de interesse a toda e qualquer pessoa. Esta junção é inovadora e tem consequências filosóficas 
muito importantes. 
Ao longo do Discurso do método (também de Meditações metafísicas), Descartes descreve ao leitor seu 
percurso individual que, partindo do erro e passando pela dúvida, o conduz finalmente à certeza. Esta 
estratégia não deve ser confundida com alguma espécie de narcisismo, ou com a afirmação de que René se 
considera o único gênio capaz de chegar à verdade. Ao contrário, seu interesse tem alcance universal, uma 
vez que o método por ele descrito destina-se à boa condução da razão na busca da verdade das ciências. A 
concepção de que o método para alcançar a verdade é individual e não trazido pela tradição ou pela 
revelação é uma grande novidade filosófica. Diferentemente da filosofia tradicional, Descartes filosofa como 
um homem privado, conferindo centralidade ao “eu” que filosofa, procedimento muito em harmonia com o 
mundo burguês que então nascia. 
 
 
 
 
 
16 
 
O percurso apresentado começa lamentando os defeitos da formação que recebera no colégio, este era um 
dos melhores da Europa e, ainda assim, não conseguiu conduzi-lo ao conhecimento certo. É importante 
notar aqui que Descartes não está depreciando o Colégio de la Flèche, muito pelo contrário, pretende 
mostrar que, até mesmo, um colégio excelente como este tem sido incapaz de ensinar certezas sólidas em 
certos campos. Desta forma, o problema não é o colégio, mas a tradição em que ele se insere. Recusando a 
tradição, Descartes decidiu “não mais procurar outra ciência, além daquela que se poderia achar em mim 
próprio ou então no grande livro do mundo”. Assim, nesta busca do método realizada em si mesmo, 
Descartes encontrou quatro preceitos fundamentais para o uso da razão e os apresenta na segunda parte 
do Discurso: 
 
O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse 
evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada 
incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu 
não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades 
que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor 
resolvê-las. 
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e 
mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais 
compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos 
outros. 
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse 
a certeza de nada omitir. (DESCARTES, 1973b, pp.45-6) 
 
O primeiro e o segundo preceitos trazem uma consequência desconcertante. Se é necessário recusar 
qualquer afirmação que não seja clara e distintamente verdadeira e, por outro lado, os fundamentos do que 
é transmitido por um colégio de excelência se mostram frágeis e pouco firmes, é preciso duvidar de tudo 
aquilo transmitido pela tradição. De acordo com o segundo preceito, esta dúvida não deve ser uma mera 
recusa, uma simples rejeição total de todas as afirmações, mas sim um questionamento dirigido a cada uma 
das dificuldades que aparecerem. 
 
 
 
 
 
17 
 
Por mais estranho que possa parecer, a dúvida faz parte do método, ou seja, questionar é uma etapa do 
conhecimento, entretanto ela não é definitiva, pois seu papel é levar a uma certeza. Disto, é importante 
notar que, quanto maior for o questionamento, mais sólida será a afirmação capaz de resistir a ele, ou seja, 
quanto mais radical for a dúvida, mais forte será a certeza que a suporta. Assim, a dúvida de Descartes, além 
de metódica, deve ser também hiperbólica, ou seja, deve abarcar o máximo de âmbitos possíveis e até 
mesmo alguns impossíveis. Vejamos. 
Em seu caminho de dúvida, Descartes se lança aos fundamentos das certezas que mantém no espírito. Lança-
se primeiro a todas as certezas que, de alguma maneira, se apoiam nos dados fornecidos pelos cinco 
sentidos. Uma das experiências mais comuns da vida é ser enganado pela audição ou pela visão, supor que 
há algo ali onde não há nada, ouvir determinado som e julgar ter sido produzido por determinado objeto, 
quando foi produzido por outro. Assim, na primeirade suas seis Meditações, afirma: “ora, experimentei 
algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já 
nos enganou uma vez” (DESCARTES, 1973a, p.94). Talvez se possa argumentar que o erro causado pelos 
sentidos só se deve a certas coisas distantes e imprecisas, que não é sensato duvidar de coisas muito 
próximas, como do fato de que este corpo que manipulo é meu, que estou lendo este texto neste momento, 
que tenho esta tela diante de mim. Contra este argumento, Descartes lança o argumento do sonho, 
lembrando o leitor da experiência, muito comum, de sonhar as mesmas coisas experimentadas em vigília, 
de modo que “detendo-me neste pensamento, vejo tão manifestamente que não há quaisquer indícios 
concludentes, nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir nitidamente a vigília do sono, que me 
sinto inteiramente pasmado: e meu pasmo é tal que é quase capaz de me persuadir de que estou dormindo” 
(id. Ibid) 
Mantendo-se firme no caráter hiperbólico de sua dúvida, Descartes dá mais um passo e convida o leitor a 
supor que estamos todos dormindo e que mesmo estas certezas mais imediatas (que abrimos os olhos, 
mexemos a cabeça, estendemos a mão) são meras ilusões. Mesmo em uma tal situação, há certo tipo de 
coisas que permaneceriam como verdadeiras, por exemplo, que a mão que se estende tem uma extensão, 
uma figura, uma quantidade, uma grandeza. É possível que a extensão ou a figura desta mão imaginária 
sejam falsas, mas é verdadeiro que ela tem uma extensão e uma figura. As matemáticas lidam precisamente 
com extensão e figura, e suas verdades permanecem sólidas mesmo em regime avançado de dúvida: “Pois, 
quer eu esteja acordado, quer esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o número cinco e o 
quadrado nunca terá mais do que quatro lados”. (id. p.95) 
 
 
 
 
18 
 
Apesar de ter encontrado a solidez das certezas matemáticas, Descartes dá, ainda, mais um passo na 
radicalização de seu procedimento a fim de colocar em dúvida até mesmo as certezas matemáticas que, 
vimos, resistem ao argumento do sono. Ele supõe, para isto, a existência de uma entidade maligna e 
poderosa inteiramente dedicada a enganá-lo. 
 
Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio 
maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a sua indústria em 
enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores 
que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. 
Considerar-me-ei a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, 
desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei 
obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao 
conhecimento de qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo (id. pp.96-
7). 
 
Assim, servindo-se de sua dúvida metódica e hiperbólica, Descartes demole todas as certezas que trazia no 
espírito e se encontra em situação de reconstruir o saber sobre alguma base sólida. Afinal, uma certeza capaz 
de resistir à dúvida contra os sentidos, ao argumento dos sonhos e ao trabalho do gênio maligno deve ser 
automaticamente considerada a mais sólida das certezas, o único fundamento a partir do qual o 
conhecimento certo e seguro, acaso este seja possível, deve ser erguido. E neste momento que encontramos 
a seguinte afirmação: 
 
 “Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria 
necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, 
logo existo (Cogito ergo sum), era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições 
dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulo, como o 
primeiro princípio da Filosofia que procurava”. (id. p.54) 
 
 A afirmação “eu penso, logo existo” resiste à dúvida porque toda vez que a dúvida incidir sobre ela, toda vez 
que o eu duvidar de sua própria existência, ele estará pensando e, assim, existindo. 
 
 
 
 
19 
 
Esta afirmação, conhecida como a enunciação do cogito cartesiano, é filosoficamente revolucionária em 
muitos sentidos, e não são poucos os que a consideram como a certidão de nascimento da filosofia moderna, 
pois o “primeiro princípio da Filosofia” é descrito como um sujeito que pensa, e a filosofia se apoiará nesta 
estrutura elementar durante muito tempo. 
 
2.2. Como conhecemos o mundo? Deus como garantia do mundo 
Vimos que o primeiro princípio da filosofia, para Descartes, está em seu penso, logo existo (cogito ergo sum), 
ou seja, em um sujeito que pensa. No entanto, depois de acompanhar o percurso da dúvida, sabemos que 
não se trata de qualquer indivíduo, mas de um sujeito bem específico, formulado pela dúvida e que duvida 
da existência de seu corpo, do mundo fora de si e, até mesmo, das certezas matemáticas. Este indivíduo 
existe na medida em que pensa, ele é puro pensamento, inteiramente independente do mundo exterior, do 
que decorre uma dualidade bastante estrita (e cheia de dificuldades filosóficas) entre o sujeito, que é uma 
coisa que pensa (res cogitans), e o mundo exterior, que inclui o próprio corpo de quem pensa, e é definido 
por Descartes como coisa dotada de extensão (res extensa). Esta dualidade entre res cogitans e res extensa 
coloca Descartes em um impasse que marcará a filosofia moderna, a saber, o do solipsismo. 
O problema do solipsismo pode ser apresentado por meio dos seguintes questionamentos: 
 
Como saber se há algo para além do meu pensamento? Como saber se o mundo exterior não é apenas uma 
ilusão? Como faço para sair de mim mesmo e ir em direção ao mundo? 
 
Esta passagem do sujeito para o mundo objetivo é uma das grandes dificuldades do pensamento de 
Descartes e, para apresentar a resposta cartesiana, é preciso primeiro compreender o que compõe o sujeito 
que pensa. 
Como o cogito, a certeza fundamental, foi encontrado no pensar, no sujeito, pode-se afirmar que o ser 
pensante (res cogitans) é mais fácil de conhecer do que o mundo exterior (res extensa). Mas de que é 
composto este pensar que garante a existência do eu? De onde vêm as ideias que o formam? Rompendo 
com a tradição escolástica (aristotélica), Descartes afirma haver três tipos de ideias: as ideias adquiridas 
(também chamadas de adventícias), as inventadas e as inatas. 
 
 
 
20 
 
 As ideias adquiridas são aquelas que formamos a partir dos dados dos sentidos, como, por exemplo, a ideia 
de dor, a ideia de frio e a ideia de sol. As inventadas são produzidas pela imaginação e se caracterizam por 
imagens fornecidas pelos sentidos, mas combinadas de modo particular, como a ideia de sereia, que contém 
a ideia de mulher e a ideia de peixe, oriundas dos sentidos, mas em uma combinação nunca vista e 
puramente imaginada. 
As mais importantes em nosso contexto são as ideias inatas, tanto porque elas representam uma ruptura 
com a tradição, pois na escolástica (aristotélico-tomista) não há nada na mente que já não estivesse antes 
nos sentidos, quanto porque é por meio delas que Descartes pretende conectar a res cogitans e a res 
extensa. Este argumento de Descartes é um dos mais controversos e combatidos. Haveria, afirma o filósofo, 
um tipo de ideia que não surge dos sentidos, mas nasce conosco, pois sustenta as operações da própria 
razão. Ideias como as de tamanho, figura e movimento são condições para o funcionamento da razão que 
Descartes, também, chama de bom senso, e sustentam o espírito quando este realiza suas duas operações 
essenciais: a intuição e a dedução. No rol de ideias inatas, Descartes inclui as ideias mais fundamentais da 
matemática expressando sua confiança na razão, mas há também uma outra ideia inata de grande 
importânciaaqui; a ideia de Deus. 
No caminho da dúvida, vimos que Descartes se serve de um artifício para generalizar sua dúvida a fim de 
encontrar uma certeza que fosse capaz de resistir ao mais radical questionamento. O passo forçado, vimos, 
foi o argumento do gênio maligno, que supôs a atuação de um ente poderoso e inteiramente dedicado à 
criação de uma ilusão. Acontece que, dentre as ideias inatas resultantes do próprio funcionamento da razão, 
há duas ideias que remetem para fora do eu penso, para fora do sujeito. São elas, a ideia de infinito e de 
perfeição. Neste ponto, o argumento cartesiano ganha elementos teológicos, uma vez que o leva a 
considerar que as ideias de infinito e de perfeição têm um lugar estranho em sua mente, pois esta é finita e 
imperfeita e, portanto, não pode produzir as ideias de infinito e perfeição. Dito de forma mais simples, mas 
menos exata, a questão aqui é que a ideia de infinito “não cabe” em um espírito finito, e a ideia de perfeição 
não pode ser gerada por um espírito imperfeito. 
De onde vêm, então, estas duas ideias? Certamente não vêm do mundo e dos sentidos, descartados por 
falhas muito menores. Tampouco de certos seres humanos especialmente santos ou inteligentes, pois 
mesmo os melhores humanos são, ainda assim, finitos e imperfeitos. Estas duas ideias só podem ter sido 
criadas por um ser que seja, por si mesmo, infinito e perfeito, pois da finitude não pode surgir a infinitude, 
e da imperfeição não pode surgir a perfeição. Um tal ser deve necessariamente existir, pois a não existência 
é uma imperfeição e seria contraditório que um ser perfeito não existisse. Que nome se pode dar a um ser 
infinito e perfeito se não “Deus”? E qual outra fonte poderia haver para as ideias de perfeição e infinito que 
habitam o espírito humano? E se Deus colocou estas ideias inatas em nosso espírito, por que não teria 
colocado as demais ideias inatas, como a de extensão e a de número? 
 
 
 
21 
 
Descartes conclui, assim, que as ideias inatas estariam no espírito humano como a “marca do artista 
impressa em sua obra”. Em outras palavras, Deus existe e, por sua bondade, deixou esta marca de sua 
infinidade no espírito humano. Esta marca divina está inserida no próprio funcionamento da razão e toda 
vez que os humanos procedem dentro do funcionamento correto da razão, eles estão cumprindo desígnios 
divinos. 
Resta ainda um problema, pois, lembremos, ainda não há, neste ponto da reflexão cartesiana, garantias de 
que o pensamento seja capaz de conhecer o que está fora do sujeito. Estamos, ainda, sob o regime da dúvida 
e sequer sabemos se o corpo do sujeito é real, quanto menos o resto do mundo exterior. Em outros termos, 
ainda não conectamos res cogitans à res extensa. 
A resposta a este problema se encontra, segundo Descartes, na infinita bondade divina, pois um ser infinito 
e perfeito deve, necessariamente, ser bom, uma vez que a maldade é uma imperfeição. Se Deus tivesse 
oferecido a razão como instrumento de conhecimento, mas esta não tivesse qualquer relação veraz com o 
mundo exterior, ele teria criado os humanos para sistematicamente cometerem erros em sua relação com 
o mundo. Em uma tal situação, não estaríamos diante de Deus, mas do gênio maligno. Ou seja, a bondade 
de Deus, ser perfeito e infinito, impede a hipótese do gênio maligno e justifica a aposta cartesiana na razão 
e na possibilidade de conquistar verdades no mundo exterior por meio das matemáticas. É Deus que garante 
a conexão entre a res cogitans e a res extensa por meio do uso correto da reta razão, é ele quem certifica a 
objetividade do conhecimento científico alcançado por procedimento racionalmente correto, ou seja, em 
acordo com os quatro princípios de que falamos anteriormente (clareza e distinção; divisão em objetos mais 
simples; composição ordenada dos elementos simples; enumeração dos passos dados). 
Com este argumento, Descartes restabelece a existência do mundo exterior ao sujeito, ao eu penso. Trata-
se, no entanto, de um mundo bastante diferente daquele que havia antes da dúvida, pois não é mais um 
mundo de puro erro e engano, mas um mundo em que a razão pode encontrar a verdade se proceder 
adequadamente. Este mundo é essencialmente constituído de extensão e se parece muito com o mundo 
geometrizado que sustenta a ciência feita por Galileu Galilei, o que justifica a afirmação de vários 
historiadores da filosofia, segundo os quais Descartes se tornou o pai da filosofia moderna ao apresentar os 
fundamentos metafísicos do trabalho de Galileu, o pai da ciência moderna. Para ambos e para a maior parte 
da filosofia e da ciência modernas, conhecer é adequar o que está no mundo ao que se tem no espírito bem 
conduzido. 
 
 
 
 
 
22 
 
2.3. Leibniz: múltiplas substâncias 
Como vimos anteriormente, Descartes elabora um sistema filosófico interessado em dar conta das grandes 
mudanças decorrentes da revolução científica. Pode-se dizer, em certo sentido, que Descartes forneceu a 
filosofia que faltava à ciência de Galileu. O cartesianismo, imediatamente, se tornou uma das grandes forças 
filosóficas da Europa e, embora tenha sofrido resistências, conquistou para si inúmeros intelectuais e mesmo 
grandes filósofos. Isto não significa, no entanto, que Descartes não tivesse deixado problemas, nem que os 
filósofos cartesianos tenham aderido a todos os seus princípios e argumentos. 
Como vimos, uma das grandes dificuldades deixadas por Descartes está na separação estrita entre o 
pensamento (res cogitans) e o mundo exterior (res extensa). É a partir desta ideia que abordaremos os 
sistemas filosóficos formulados por dois grandes filósofos do século XVII, Leibniz e Espinosa. 
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) nasceu em Leipzig (hoje, cidade da Alemanha) e, desde muito cedo, 
se familiarizou com os escritores antigos, medievais e modernos graças à biblioteca de seu pai, um professor 
de filosofia. Seguindo o espírito de seu tempo, estudou matemática e procurou vincula-la à filosofia, mas, 
ao contrário de alguns de seus predecessores, não descartou inteiramente o aristotelismo. Leibniz soube se 
mover muito bem na sociedade, pois participou intensamente de círculos científicos e realizou uma notável 
carreira política. Como conselheiro da corte de Mongúcia, foi enviado em missão para negociar com o rei 
Luís XIV; mais tarde, viajou à Rússia para propor ao czar Pedro, o Grande, um plano de organização civil para 
seu país; foi também bibliotecário-chefe da cidade de Hanover; e teve a princesa Sofia como protetora. 
Esta desenvoltura, somada a seus interesses e capacidades científicas, levou-o ao intercâmbio com grandes 
pensadores da época, como Espinosa, Arnauld e Huygens. Seus trabalhos matemáticos o levaram a 
desenvolver o cálculo diferencial. Um grande feito realizado, aproximadamente, na mesma época em que 
Newton chegou às mesmas conclusões, coincidência esta que gerou polêmica. Seus principais trabalhos 
filosóficos foram elaborados mais para o final da vida, mas muito pouco foi publicado antes de sua morte. 
Suas principais obras de filosofia são “A monadologia”, “O discurso de metafísica”, “Novos ensaios sobre o 
entendimento humano” e “A Teodicéia”. 
Assim como Descartes, Leibniz tomou o rigor e a clareza da matemática como critérios para seu sistema e 
teve como preocupação central o fundamento metafísico para a ciência. Este interesse o conduziu, também 
como Descartes, a uma preocupação especial com o conceito de substância, que Leibniz julgava ter recebido 
uma formulação obsoleta pelo aristotélico-tomismo e insuficiente por Descartes. No sistema cartesiano, 
lembremos, há fundamentalmente duas substâncias: res cogitans e res extensa. 
 
 
 
23 
 
Descartes convida o leitor, na segunda de suas Meditações, a imaginar um pedaço de cera e perceber que 
nele há uma cor, uma forma, um cheiro e uma extensão. Este mesmo pedaço de cera, entretanto, é 
aproximado do fogo e, ao derreter,muda de cor, de forma e de cheiro, e a única característica que 
permanece deste pedaço de cera é o fato de ter uma extensão. Pode não ser mais a mesma, mas continua 
sendo uma extensão. É a partir disto que Descartes afirma que a única substância do mundo exterior ao 
pensamento é a extensão (res extensa). 
Leibniz julga insuficiente a redução cartesiana das coisas a duas substâncias, bem como a posição de 
Espinosa, para quem só há uma substância e desenvolve um sistema formado por uma multiplicidade de 
substâncias individuais. A estas múltiplas substâncias, Leibniz dá o nome de “mônadas” e dedica-lhes um 
livro curto, “A monadologia”, onde o essencial de seu sistema está apresentado em noventa teses. Na 
primeira destas, lê-se que “A Mônada, de que falaremos aqui, é apenas uma substância simples que entra 
nos compostos. Simples, quer dizer: sem partes” (LEIBNIZ, 1983, p.105) A primeira consequência desta 
afirmação aparentemente banal é a de que, se as mônadas não têm partes, elas não são divisíveis em partes 
menores. Se elas não podem ser divididas, elas também não podem ter extensão, pois toda extensão é 
divisível. Por outro lado, elas também não são espirituais, uma vez que, se fossem, não poderiam formar o 
mundo material. 
As mônadas são substâncias unas, individuais, criadas por Deus e dotadas de uma força. O universo é 
formado por incontáveis mônadas, todas distintas entre si e organizadas em certos graus de perfeição (a 
influência de Aristóteles é visível aqui). Estes graus de perfeição vão dos corpos, que são substâncias 
compostas, até os espíritos, que são substâncias simples. O conceito de mônada é, ao mesmo tempo, lógico 
e metafísico. É lógico porque é uma dedução do princípio segundo o qual a unidade é o fundamento da 
multiplicidade e da extensão; se há o múltiplo e o extenso, é porque há partes menores que os compõem e 
estas partes menores são compostas de partes ainda menores em um processo que chega ao simples e uno 
(que não é extenso). O conceito também é metafísico, pois cada mônada tem sua qualidade própria, sua 
identidade singular, que lhe confere um princípio de atividade único criado por Deus. Cada substância guarda 
em si sua qualidade única e manifesta uma força já no simples fato de se manter una e inconfundível com 
qualquer outra. 
A totalidade do real, formada pela multiplicidade das mônadas, é explicada pelo desdobramento deste 
princípio de identidade. Se cada substância é única e idêntica a si mesma, decorre que ela não pode deixar 
de ser si mesma, não pode mudar, não sofre alterações. Ela não é, portanto, alterada por nenhuma outra 
substância, daí vem a conhecida afirmação de que as mônadas não têm portas nem janelas. Esta concepção 
se choca frontalmente com o mecanicismo de Galileu e Descartes, pois este depende da influência de um 
corpo sobre o outro para explicar o mundo, algo que não acontece na física leibniziana, pois cada movimento 
e cada atividade de cada mônada é a expressão de sua própria substância una e singular. 
 
 
 
 
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Para entender esta recusa da física mecanicista, é necessário recorrermos ainda a um outro princípio 
fundamental do sistema de Leibniz; o princípio de razão suficiente. Ao criar as mônadas, Deus criou tudo o 
que há e, em seu poder infinito, o fez de modo que todas as mônadas estejam em harmonia. A prova disto 
é que não vivemos no caos metafísico. Por exemplo, um ato volitivo (um querer) é um movimento da alma 
e, a ele, corresponde harmoniosamente um movimento do corpo; a um choque sofrido, por exemplo, 
corresponde uma dor na alma. Leibniz exemplifica seu sistema com a imagem de dois relógios sincronizados, 
mas que não interferem um sobre o outro. Esta harmonia entre todas as mônadas existe porque Deus criou 
o mundo sob o princípio de razão suficiente, ou seja, porque há uma razão divina para a existência de cada 
uma das mônadas. Cada ação, cada mudança, cada evento foi determinado por Deus no momento da criação 
das mônadas e não são nada mais do que expressões de sua substância. Deus tem uma razão suficiente para 
ter criado cada mônada e cada alteração que parecem sofrer. 
Se Deus criou o universo formado por incontáveis mônadas; se a criação de cada uma delas obedece à razão 
suficiente; e se, além disto, Deus é uma potência infinita e bondosa, é necessário admitir que o mundo em 
que vivemos é, metafisicamente, o melhor dos mundos possíveis. Deus não teria criado um mundo 
perfeitíssimo, pois isto significaria criar outro Deus, por outro lado, não teria criado um mundo ruim, pois 
isto contradiria sua infinita bondade. Assim, deve-se concluir que o mundo em que vivemos é o melhor 
possível, previamente harmonizado pela infinita bondade divina. 
A argumentação lógica perfeita que sustenta esta conclusão não impediu que ela enfrentasse resistências 
de filósofos contemporâneos e posteriores a Leibniz. A ideia chega mesmo a ser ridicularizada por Voltaire 
em seu livro “O cândido”, onde vemos um personagem marcado por este otimismo leibniziano tendo que 
lidar com desgraças naturais, injustiças e guerras. 
Uma outra crítica bastante comum ao sistema leibniziano está no problema do acaso e da liberdade. Por um 
lado, Leibniz abre espaço para a liberdade individual ao sistematizar o real como uma multiplicidade de 
mônadas independentes umas das outras. A noção tipicamente moderna de indivíduo se adequa bem deste 
ponto de vista. Por outro lado, entretanto, a ideia de que estamos no melhor dos mundos possíveis porque 
Deus assim determinou parece excluir completamente a possibilidade da liberdade e do acaso, pois todos 
os atos estariam já previstos e “calculados” por Deus desde o início. Decorreria disto uma enorme dificuldade 
de pensar a justiça, pois, se todos os atos foram previstos por Deus, os humanos não podem punir os atos 
que julgarem como maus. 
 
 
 
 
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Voltando ao tema do conhecimento, no interior do sistema leibniziano, conhecer significa submeter as 
explicações a duas exigências da razão. A primeira é uma explicação que não seja contraditória, que não se 
derrube em seus próprios termos. A segunda é encontrar a causa da coisa que está sendo explicada, 
encontrar sua razão suficiente, encontrar seu lugar na harmonia universal, no melhor dos mundos possíveis. 
 
2.4. Espinosa: uma só substância 
A separação entre res cogitans e res extensa é um dos problemas deixados por Descartes para os filósofos 
posteriores. Após ver a resposta oferecida por Leibniz, vejamos agora uma muito diferente, talvez até 
mesmo oposta; vejamos agora a resposta de Espinosa. 
Baruch Espinosa (1632-1677) nasceu em Amsterdam. Filho de judeus de origem portuguesa, foi criado na 
comunidade judaica local e, aos 24 anos de idade, foi por ela excomungado. Retirou-se da comunidade e 
passou a polir lentes, ofício que exerceu com maestria e que lhe rendeu o suficiente para viver. Ao contrário 
do que diz certa imagem muito difundida, Espinosa não levou a vida de um heremita solitário, pois manteve 
correspondência com cientistas e políticos importantes, tendo sido amigo de Johannes de Witt, que exerceu 
o cargo de Grande Pensionário da Holanda por quase duas décadas e foi brutalmente assassinado no 
processo que levou a Casa de Orange ao poder. A obra de Espinosa foi muito pouco publicada em vida, pois 
ele tinha consciência do significado de suas ideias para a época. Seu “Tratado teológico-político”; obra em 
que analisa a Bíblia pelo método histórico-crítico e conclui que, nela, não há nenhuma verdade em sentido 
próprio, mas apenas preceitos morais e políticos necessários à preservação da comunidade judaica; foi 
publicado anonimamente e gerou grande crítica da Igreja e dos judeus contra o autor anônimo, classificado 
como ateu, blasfemador e elemento nocivo à república. Sua obra mais importante, “a Ética”, só foi publicada 
postumamente por amigos. 
Assim como Leibniz, Espinosa recusa o dualismo cartesiano entre res cogitanse res extensa, ou melhor, ele 
recusa que a totalidade do real esteja dividida nestas duas substâncias. No entanto, ao contrário de Leibniz, 
ele não concebe múltiplas substâncias como as mônadas, mas apenas uma, que se expressa de modos 
distintos. A filósofa Marilena Chauí, grande especialista da obra de Espinosa, apresenta este movimento da 
seguinte maneira: 
 
 
 
 
 
26 
 
Espinosa parte de um conceito muito preciso, o de substância, isto é, de um ser que existe em si e por 
si mesmo, que pode ser concebido em si e por si mesmo e sem o qual nada existe nem pode ser 
concebido. Toda substância é substância por ser causa de si mesma (causa de sua essência, de sua 
existência e da inteligibilidade de ambas) e, ao causar-se a si mesma, causa a existência e a essência 
de todos os seres do universo. A substância é, pois, o absoluto. (CHAUÍ, 1996, p.46.) 
 
Seguindo a tradição, Espinosa chama esta substância que a tudo engloba de Deus. No entanto, contraria a 
tradição ao não pensar Deus como uma espécie de homem com qualidades infinitas, onisciente e 
onipotente, e cujas ações são misteriosas 
Na filosofia de Espinosa, Deus, também chamado de absoluto ou de substância, nada mais é do que a 
natureza (Deus sive natura — Deus, ou seja, a natureza); não, é claro, no sentido restrito de seres naturais, 
como animais e plantas, mas no sentido mais amplo, como totalidade do cosmos. Esta concepção é 
demarcada com força na expressão, comum na obra espinosana, “infinitos atributos infinitos de Deus” 
A afirmação de que Deus é igual à natureza é revolucionária, em primeiro lugar, porque concebe Deus como 
inseparável do mundo. A divindade não está escondida em algum lugar fora do mundo, como acreditam as 
religiões e mesmo algumas filosofias racionalistas, mas ele é a própria natureza, a própria totalidade do real, 
ele é tudo o que sentimos e pensamos e, mais ainda, ele é tudo o que somos. 
A natureza em Espinosa é uma potência produtora que, em seu ser e em seu existir, causa os mais variados 
efeitos, dentre os quais, a res cogitans e a res extensa, que são dois dos vários modos da substância absoluta. 
Estes dois modos da substância não são, portanto, a totalidade do real, e sim dois modos da substância. Mas 
res cogitans e res extensa têm suas especificidades, pois, dentre todos os infinitos atributos infinitos de Deus, 
eles são aqueles que nós podemos conhecer verdadeira e adequadamente. 
Mas o que significa, para Espinosa, saber? Embora ele se refira ao conhecimento de pseudoformas, conhecer 
em sentido forte significa saber pela causa, ou seja, descobrir o modo pelo qual algo é produzido. Espinosa 
advoga para o conhecimento um método genético, um método que vai à gênese de algo para ver como ele 
se forma. Por exemplo, a definição clássica do círculo, segundo a qual o círculo é a forma em que todos os 
pontos estão à mesma distância do centro, não é propriamente uma definição do círculo, mas uma descrição 
dele. 
 
 
 
 
 
27 
 
A definição real ou ideia verdadeira é aquela que nos mostra que o círculo é a figura geométrica 
causada/produzida pela rotação de um segmento de reta em torno de um centro fixo ou de um ponto 
extremo central. Temos, agora, a razão ou a causa que faz o círculo ser o que é, existir como existe e 
ter as propriedades que tem (CHAUÍ, 1996, p.40) 
 
Esta concepção de conhecimento afasta Espinosa de Aristóteles, pois o grego definia conhecer como 
descrever e classificar alguma coisa, como, por exemplo, quando afirma que o ser humano pertence à 
espécie racional, à espécie animal e ao gênero mortal. Contra este modo de conhecer, Espinosa defende as 
matemáticas, que constroem intelectualmente seus objetos, apresentam esta construção e deduzem as 
propriedades e conexões necessárias entre elas e os demais objetos. O alcance de sua aposta nas 
matemáticas pode ser medido pelo fato de a Ética, sua principal obra, tratar em ordem geométrica até 
mesmo do tema dos afetos, que é geralmente pouco afeito às definições estritas e rigorosas. 
É desta forma que Espinosa constrói um sistema de racionalismo absoluto, onde não há qualquer espaço 
para mistérios ou para superstições de qualquer tipo. Neste sistema, até mesmo as “qualidades naturais” de 
Galileu são abaladas. Assim, como para os demais filósofos racionalistas como Descartes e Leibniz, Espinosa 
também considera que a filosofia fundamenta o conhecimento da natureza, mas com uma diferença 
fundamental; quando Espinosa fala em conhecimento da natureza, está falando também em conhecimento 
de Deus, passo que nenhum outro racionalista jamais ousou dar. 
 
2.5. Pascal, crítico do racionalismo 
Como vimos ao longo desta unidade, a revolução científica e a filosofia a ela associada professam grande fé 
nos poderes da razão. Desde a hipótese de Copérnico; passando pelo mundo geometrizado de Galileu; e 
pelas filosofias de Descartes, Leibniz e Espinosa, as conquistas da razão se mostram fonte de orgulho e 
otimismo. Entretanto, embora o racionalismo tenha formado uma corrente filosófica sólida e especialmente 
influente, nem todos os grandes espíritos da época partilharam deste otimismo. O pensamento oficial da 
Igreja, evidentemente, resistiu o quanto pode a este otimismo e contra-atacou com as forças que tinha, mas 
não foi apenas ele quem se mostrou distante deste otimismo racionalista. Outros grandes pensadores, como 
Pascal, olhavam com desconfiança para os novos poderes da razão. 
 
 
 
 
 
28 
 
Blaise Pascal (1623-1662) nasceu na França e logo mostrou seu gênio. Sua educação ficou a cargo de seu pai, 
um matemático de destaque, e muito rapidamente mostrou frutos; aos onze anos escreveu um tratado 
sobre o som e, aos dezessete, publicou seu Ensaio sobre as cônicas; pouco depois inventou uma “máquina 
aritmética”, que permitia fazer operações sem recorrer a lápis ou papel. Passou um período “mundano” em 
Paris, mas, profundamente tocado por uma experiência mística muito intensa, se retirou para a abadia de 
Port-Royal, um centro espiritual do jansenismo (movimento católico especialmente radical). Começam aqui 
seus interesses mais vigorosos por questões religiosas, que resultaram nas “Cartas provinciais” e nos 
fragmentos e anotações que seriam publicados postumamente sob o título de “Pensamentos”, seu trabalho 
mais importante. 
Pascal é uma voz dissonante em meio ao triunfo do racionalismo contra o aristotélico-tomismo. De fato, sua 
voz se ergue contra o racionalismo, em especial contra o cartesianismo, e é evidente a seu leitor que a fé de 
Pascal anima sua crítica. No entanto, seria um erro atribuir sua posição a uma filiação junto ao aritotélico-
tomismo e seria enganosamente fácil reduzir a crítica pascalina à razão a uma simples reação da fé. 
Assim como os maiores cientistas e filósofos deste período, Pascal era matemático e cientista e, embora 
tenha deixado de lado estas atividades em seu período jansenista, sua filosofia é também fruto da revolução 
científica, mas de maneira distinta da dos demais. Em vez de louvar as ciências e se juntar ao otimismo que 
então tomava conta dos espíritos, Pascal se angustiou profundamente com a passagem do mundo fechado 
ao Universo infinito porque, com ela, o ser humano perdeu seu lugar. Esta angústia é expressa em um dos 
fragmentos mais famosos de seus “Pensamentos”: “O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora”. 
Pascal não expressa, portanto, a recusa da nova ciência em nome da verdade bíblica, uma vez que ele aceita 
que estes espaços infinitos descobertos pelo telescópio de Galileu são reais. O que sua voz destoante 
expressa é a angústia de um homem dilacerado entre o mundo bíblico e os espaços infinitos, entre a 
confiança no método cartesiano e a recusa das ideias que o sustentam. O pensamento de Pascal é uma 
denúncia do otimismo racionalista, que parece cego à condição humana. 
Uma decorrência disto é o recurso constante a paradoxos, sobretudo relacionadosà condição humana. Em 
“Pensamentos”, o ser humano é fraco e forte, grande e pequeno, deve se orgulhar e se humilhar, o que 
indica que, para Pascal, a verdade humana está precisamente na reunião de contrários. De fato, os feitos 
das ciências e da razão são motivo de orgulho e mostram a grandeza e a força dos humanos. No entanto, ao 
contrário do que o otimismo racionalista sugere, isto não é todo o humano, que também é pequeno e frágil 
diante deste infinito, que acentua ainda mais seu isolamento. Este é o sentido de um de seus mais 
conhecidos “Pensamentos”: 
 
 
 
 
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“O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é 
preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água bastam para 
matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o 
mata, porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece 
tudo isso. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. Daí que é preciso nos elevarmos, e 
não do espaço e da duração, que não podemos preencher. Trabalhemos, pois, para bem pensar; eis o 
princípio da moral. Não é no espaço que devo buscar minha dignidade, mas na ordenação de meu 
pensamento. Não terei mais, possuindo terras; pelo espaço, o universo me abarca e traga como um 
ponto; pelo pensamento, eu o abarco” (PASCAL, 1973, p.128) 
 
Embora forte, a razão mostra sua fraqueza em várias ocasiões, sobretudo quando pretende conhecer Deus. 
Descartes precisou inventar um “Deus de filósofo”, ou seja, um Deus que é provado apenas logicamente a 
fim de fazer seu sistema ficar em pé, mas que nunca oferece a experiência íntima da fé ou a segurança da 
companhia divina. Assim, e em consonância com a recusa de considerar a razão como a totalidade do 
humano, Pascal fala em métodos de conhecimento, no plural, adequados aos diferentes objetos a que se 
destinam, e praticados não apenas pelos geômetras e cientistas, mas também pelas pessoas comuns. 
Pascal não faz um “discurso sobre o método” para cada um deles, mas apresenta uma diferença entre o 
espírito geométrico, útil aos trabalhos científicos e filosóficos, e um espírito de finura (finesse), que é de 
outra ordem. Ao contrário do espírito geométrico, que opera por progressões de raciocínios, o espírito de 
finura consiste principalmente em “ver de uma só vez”, em apreender em um só lance, ou seja, em intuir 
alguma coisa. Este espírito é uma forma particular de inteligência praticada em diversas formas de 
conhecimento e visível na apreensão imediata e intuitiva de princípios, matemáticos ou não. 
Segundo Pascal, este conhecimento é realizado pelo coração. “É o coração que sente Deus, e não a razão. 
Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração, não à razão” (PASCAL, 1973, p.111) A afirmação não aponta para 
paixões ou sentimentos, mas para uma inteligência capaz de apreender o que não é demonstrável, o que 
não é discursivo. Dentre os objetos apreendidos pelo coração, temos tanto os axiomas da geometria quanto 
Jesus Cristo como mediador entre o finito e o infinito; tanto que o espaço tem três dimensões quanto que a 
bondade de Deus é infinita. Com a conhecida afirmação segundo a qual “o coração tem razões que a razão 
desconhece”, Pascal está afirmando que a fé é um tipo de conhecimento que a razão é incapaz de realizar, 
ele está denunciando o otimismo do racionalismo. 
 
 
 
 
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Disto não decorre, entretanto, que apenas as pessoas dotadas de espírito de finura, ou seja, pessoas que 
ouvem o coração sejam capazes de se vincular a Deus e sejam, por isto, salvas por sua graça. Quem não 
sente Deus por sua finura tem, como possível acesso à graça, a alternativa da aposta. Não é possível 
demonstrar racionalmente a existência de Deus e, com isto, garanti-la acima de qualquer dúvida, mas vale a 
pena apostar que ele existe, pois o que está em jogo é a vida. Pascal não está aqui realizando nenhum cálculo 
ou elaborando nenhum argumento demonstrativo, mas tentando trazer o leitor para uma experiência vivida. 
O simples fato da vida impõe necessariamente a aposta, pois, quem leva uma vida piedosa está apostando 
na existência de Deus, quem leva uma vida ímpia está apostando na não existência. Viver é apostar em um 
dos lados e Pascal não tem dúvidas a respeito de qual deles é o melhor, pois, de um lado há o finito e, de 
outro, o infinito. 
 
Referências Bibliográficas: 
 
 CHAUÍ, M. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1996. (col. Logos) 
 COTTINGHAM, J. Dicionário Descartes. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. 
 DESCARTES, R. Meditações metafísicas. São Paulo: Abril, 1973a. (col. Pensadores) 
 ____________. O discurso do método. São Paulo: Abril, 1973b. (col. Pensadores) 
 ESPINOSA, B. Ética. São Paulo: EDUSP, 2016. 
 LACERDA, T. A política da metafísica: teoria e prática em Leibniz. São Paulo: Humanitas, 2005. 
 LEBRUN, G. Pascal. São Paulo: Brasiliense, 1983. (col. Encanto radical) 
 LEIBNIZ, G. A monadologia. São Paulo: Abril, 1983. (col. Pensadores) 
 LEOPOLDO E SILVA, F. Descartes: a metafísica da modernidade. Moderna, 1996. (col. Logos) 
 OLIVA, L. C. As marcas do sacrifício: Um estudo sobre a possibilidade da História em Pascal. São 
Paulo: Humanitas, 2004. 
 PASCAL, B. Pensamentos. São Paulo: Abril, 1973. (col. Pensadores) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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BLOCO 3: EMPIRISMO MODERNO 
 
3.1. A particularidade inglesa 
Vimos anteriormente que a revolução feita pelo polonês Nicolau Copérnico recebeu respostas do 
dinamarquês Tycho Brahe, do italiano Galileu Galilei, dos franceses René Descartes e Blaise Pascal, do 
alemão Gottfried Leibniz e do holandês Baruch Espinosa; ou seja, todo o continente europeu se viu engajado 
na revolução em curso. Os pensadores ingleses também se engajaram neste movimento, mas 
desenvolveram características próprias que merecem um estudo em separado. 
A relação da filosofia inglesa com a feita nos demais países Europeus é análoga à situação geográfica da 
Inglaterra. Uma ilha separada do continente, mas não muito distante dele. Esta afirmação justifica-se, pois, 
nesta terra, entre os séculos XVI e XVII, também surgiu uma nova filosofia marcada pela ruptura com a 
tradição vigente. No entanto, em vez de se ingressar no racionalismo, os ingleses elaboraram o empirismo. 
A palavra “empirismo” tem origem grega, vem de empeiría que se traduz por experiência e significa 
sabedoria adquirida por experiência e conhecimento prático (oposto ao teórico). Com este termo, os gregos 
designavam o conhecimento técnico de médicos, artesãos, militares, caçadores etc. 
A filosofia tem se apoiado no conhecimento empírico desde a antiguidade, entretanto foram os britânicos 
que, sem dúvida, se dedicaram mais ao tema. Esta relação teve início com filósofos medievais como Roger 
Bacon e Guilherme de Ockham, passou pelo empirismo clássico e chegou até os dias atuais com Bertrand 
Russel e o empirismo lógico. 
É muito comum que o empirismo seja apresentado como oposto ao racionalismo. Em certo sentido, essa 
afirmação é correta, entretanto não devemos nos conduzir ao erro de acreditar que as duas opções 
filosóficas são inteiramente excludentes entre si, pois a razão tem um papel importante no empirismo e, 
inversamente, a empiria é também relevante no racionalismo. Do mesmo modo, a relação geográfica não é 
absoluta, uma vez que existem racionalismos na Inglaterra e empirismos no restante da Europa. 
São muitas as diferenças entre os dois olhares filosóficos. O empirismo é uma doutrina caracterizada 
fundamentalmente pela tese de que todo conhecimento deriva das experiências dos sentidos e deve ser por 
elas justificado. Já o racionalismo considera a razão, e não a experiência, como a fonte do conhecimento. 
 
 
 
 
 
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Para os empiristas, os objetos exteriores excitam nossos cinco sentidos criando sensações correspondentes. 
Por exemplo, vemos o céu

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