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Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica Por: Ana Mafalda Valente Ana Teresa Cordeiro Andreia Santos Carolina Ruivo Pedro Faria Tiago Silva Vasco Conceição Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 Apontamentos baseados nas aulas do ano letivo 2012/2013, na literatura sugerida e em alguns sites visitados. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 2 Índice 1 RNA de Interferência ............................................................................................................. 8 1.1 Funções do RNAi ........................................................................................................... 9 1.2 Obstáculos à Utilização de RNAi em Terapêutica ....................................................... 10 1.3 Estratégias para Entrega de siRNAs em Terapêutica in vivo ....................................... 11 1.4 RNAi para Estudar a Função dos Genes ...................................................................... 13 1.5 Screening Genético Clássico vs Screening RNAi .......................................................... 14 1.6 Biblioteca TRC .............................................................................................................. 14 1.7 Regulação da Resposta Imunitária Através do Splicing Alternativo ........................... 15 2 Sinalização Celular ............................................................................................................... 16 2.1 Formas de Sinalização ................................................................................................. 17 2.2 Alterações que Induzem o Aparecimento de Células Cancerígenas ........................... 20 2.3 Acetilcolina .................................................................................................................. 20 2.4 Óxido Nítrico ............................................................................................................... 21 2.5 Moléculas Sinalizadoras Hidrofóbicas ......................................................................... 22 2.6 Moléculas Sinalizadoras Hidrofílicas vs Hidrofóbicas .................................................. 22 2.7 Tipos de Resposta........................................................................................................ 22 2.8 Classes de Recetores ................................................................................................... 23 2.9 Interruptores Moleculares .......................................................................................... 26 2.10 Complexos Sinalizadores Intracelulares ...................................................................... 26 2.11 Domínios de Ligação ................................................................................................... 27 2.12 Mecanismo para o Aumento da Brusquidão de Resposta .......................................... 28 2.13 Finalização da Resposta .............................................................................................. 30 2.14 Recetores Acoplados à Proteína G .............................................................................. 31 2.15 Recetores Acoplados a Enzimas .................................................................................. 33 2.15.1 Ativação dos Recetores ....................................................................................... 34 2.15.2 Proteína Ras ........................................................................................................ 35 2.15.3 Proteínas Map-cinase .......................................................................................... 36 2.15.4 Via de Sinalização que Envolve a Proteína PI 3-cinase ........................................ 37 2.15.5 Via de Sinalização que Envolve a Proteína Cinase B ........................................... 38 2.15.6 Via de Sinalização Jak-STAT ................................................................................. 39 2.15.7 Via de Sinalização TGF-β...................................................................................... 40 3 Trânsito Vesicular Intracelular ............................................................................................ 41 Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 3 3.1 Os Compartimentos Intracelulares da Célula Eucariótica e o seu Envolvimento na Via Biossintética Secretora e Vias Eucarióticas ............................................................................. 41 3.2 Vesículas Revestidas .................................................................................................... 42 3.3 Formação de Vesículas Revestidas .............................................................................. 43 3.4 SNAREs ........................................................................................................................ 45 3.5 Entrada de Vírus .......................................................................................................... 47 3.6 Transporte a Partir do RE ............................................................................................ 48 3.7 Fusão Membranar Homotípica ................................................................................... 49 3.8 Via de Recuperação do RE ........................................................................................... 49 3.9 Complexo de Golgi ...................................................................................................... 50 3.10 Lisossomas ................................................................................................................... 52 3.10.1 Vias para o Lisossoma ......................................................................................... 52 3.11 Recetor Manose 6-Fosfato (M6P) ............................................................................... 54 3.12 Vesículas Pinocíticas .................................................................................................... 55 3.13 Endocitose de Macromoléculas .................................................................................. 55 3.13.1 Possíveis Destinos para um Recetor Membranar que foi Endocitado ................ 56 3.14 Transcitose .................................................................................................................. 58 3.15 Domínios Celulares ...................................................................................................... 59 3.16 Vias Secretoras ............................................................................................................ 59 3.17 Diferença entre Domínios ........................................................................................... 60 4 Células Estaminais ............................................................................................................... 62 4.1 Classificação das Células Estaminais ........................................................................... 65 4.1.1 Células Estaminais Pluripotentes ........................................................................ 67 4.1.2 Yamanaka e os seus Estudos sobre Células Estaminais Pluripotentes Induzidas (iPSCs) 73 4.1.3 Células Estaminais Multipotentes ....................................................................... 74 5 Células Estaminais Mesenquimais/Estromais (Seminário) ................................................. 79 5.1.1 Funções ............................................................................................................... 79 5.1.2 Fonte ...................................................................................................................79 5.1.3 Ensaios Clínicos ................................................................................................... 80 5.1.4 Expansão ............................................................................................................. 80 5.1.5 Hipoxia ................................................................................................................. 81 5.1.6 Reatores Biológicos ............................................................................................. 83 6 Isolação e Purificação de Produtos Biológicos .................................................................... 87 Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 4 6.1 Processo de Produção de Produtos Biológicos ........................................................... 89 6.1.1 Matéria-Prima ..................................................................................................... 91 6.1.2 Processamento Upstream ................................................................................... 91 6.1.3 Processamento Downstream .............................................................................. 92 6.1.4 Anticorpos ......................................................................................................... 102 7 Estrutura e Função da Proteína ......................................................................................... 107 7.1 Aminoácidos .............................................................................................................. 108 7.2 Hierarquia Estrutural da Proteína ............................................................................. 112 7.2.1 Outros Tipos de Proteínas ................................................................................. 117 7.3 X-Rays Crystallography – The Tool of Structural Biology .......................................... 117 7.4 Outras Técnicas para Determinar a Estrutura das Proteínas .................................... 119 7.5 Enzimas ...................................................................................................................... 119 8 Estabilidade Estrutural de Proteínas Heme Artificiais Geradas a partir de Mioglobinas e Moléculas Fotoelétricas (Seminário) ......................................................................................... 125 8.1 Cromóforos ............................................................................................................... 125 8.2 Proteína Heme .......................................................................................................... 126 8.3 Mioglobina ................................................................................................................ 127 8.4 Ligação do O2 à Mioglobina ....................................................................................... 127 8.5 Dicroísmo Circular ..................................................................................................... 128 8.5.1 Diagrama de um Espectrofotómetro de Dicroísmo Circular ............................. 129 8.5.2 Condições Típicas .............................................................................................. 129 8.5.3 Estudo da Estrutura Terciária e Secundária ...................................................... 130 8.5.4 Aplicações da Técnica ........................................................................................ 130 8.5.5 Vantagens da Técnica ........................................................................................ 130 8.6 Fluorescência ............................................................................................................. 131 8.6.1 Diagrama de Fluorómetro ................................................................................. 131 8.6.2 Tipos de Fluoróforos ......................................................................................... 131 8.6.3 Microscópio de Fluorescência ........................................................................... 131 8.6.4 Correlação Espetroscópica de Fluorescência (FCS) ........................................... 133 8.6.5 Desnaturação .................................................................................................... 135 8.6.6 Vantagens da Espectroscopia Fluorescente ...................................................... 135 8.7 Alteração de Proteínas Heme ................................................................................... 136 8.8 Extração do Grupo Heme da Mioglobina .................................................................. 136 8.9 Inserção do Novo Grupo Heme na Proteína ............................................................. 137 Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 5 9 Conformação e Função das Proteínas ............................................................................... 138 9.1 Dinâmica do Folding de Proteínas ............................................................................. 140 9.1.1 Métodos Atuais na Previsão da Estrutura das Proteínas .................................. 144 9.2 Estabilização da Estrutura da Proteína...................................................................... 144 9.3 Processo de Naturação/Desnaturação Cooperativo ................................................. 146 9.3.1 Estudo da Desnaturação Térmica da Quimotripsina-α ..................................... 146 9.4 Termodinâmica ......................................................................................................... 148 10 Estabilidade de Proteínas .............................................................................................. 150 10.1 Estabilidade Termodinâmica vs Estabilidade Cinética .............................................. 150 10.2 Estratégias de Estabilização de Proteínas ................................................................. 154 10.2.1 Engenharia do Meio .......................................................................................... 155 10.2.2 Modificações Químicas ..................................................................................... 155 10.2.3 Engenharia de Proteínas ................................................................................... 156 10.2.4 Imobilização ...................................................................................................... 156 10.2.5 Abordagens para Estabilizar a Cutinase ............................................................ 157 11 Engenharia de Proteínas ............................................................................................... 160 11.1 In vitro Approach ....................................................................................................... 161 11.1.1 Site Directed Mutagenesis – Mutagénese Dirigida ........................................... 161 11.1.2 Error prone PCR (PCR Propenso a Erros) ........................................................... 163 11.1.3 DNA Shuffling ou Sexual PCR ............................................................................. 165 11.2 Seleção ...................................................................................................................... 166 11.2.1 Ribosome Display .............................................................................................. 167 11.2.2 mRNA Display .................................................................................................... 167 11.2.3 In vitro Compartmentalization .......................................................................... 168 11.2.4 Cell Surface Display ........................................................................................... 169 11.3 Protein Engineering: Approaches ..............................................................................171 11.3.1 Design ................................................................................................................ 171 11.3.2 Re-Design........................................................................................................... 172 11.4 Protein Terrorism – Exemplos de Aplicação .............................................................. 173 11.4.1 Afinidade de Hemoglobina Sintetizada ............................................................. 174 11.4.2 Modificações na Insulina ................................................................................... 174 11.4.3 Anticorpos para o Tratamento de Cancro ......................................................... 175 11.4.4 Animais – Leite .................................................................................................. 176 11.4.5 Plantas ............................................................................................................... 178 Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 6 11.4.6 Sistemas de Expressão Cell-Free ....................................................................... 179 11.5 Proteínas Fluorescentes ............................................................................................ 180 11.6 Proteínas Motoras ..................................................................................................... 184 11.7 Proteína Dedos de Zinco (ZFP) .................................................................................. 186 12 Engenharia dos Ácidos Nucleicos .................................................................................. 187 12.1 Paradigmas da Biologia Molecular ............................................................................ 187 12.2 Ácidos Nucleicos ........................................................................................................ 187 12.2.1 Nomenclatura de Nucleótidos .......................................................................... 187 12.2.2 Estrutura Primária dos Ácidos Nucleicos........................................................... 189 12.2.3 Estrutura Secundária dos Ácidos Nucleicos ...................................................... 189 12.2.4 Estrutura Terciária dos Ácidos Nucleicos .......................................................... 201 12.2.5 Interação entre Proteínas e DNA ...................................................................... 203 12.2.6 Interação entre Fármacos e DNA ...................................................................... 205 12.2.7 RNA .................................................................................................................... 205 12.2.8 PNA .................................................................................................................... 207 12.2.9 Aplicações dos Ácidos Nucleicos ....................................................................... 207 12.2.10 Síntese de Ácidos Nucleicos .......................................................................... 208 13 Terapia Genética ........................................................................................................... 209 13.1 Introdução ................................................................................................................. 209 13.2 Terapia Génica ........................................................................................................... 210 13.2.1 Alvos .................................................................................................................. 211 13.2.2 Requerimentos .................................................................................................. 212 13.2.3 Ensaios Clínicos ................................................................................................. 212 13.2.4 Vetores .............................................................................................................. 213 13.2.5 Mecanismos de Introdução dos Vetores e Genes ............................................. 213 13.2.6 Administração ................................................................................................... 214 13.2.7 Principais Marcos Históricos ............................................................................. 214 13.2.8 Fases do Ensaio Clínico ...................................................................................... 214 13.2.9 Genes na Terapia Génica ................................................................................... 215 13.2.10 Metodologia – Síntese ................................................................................... 218 13.2.11 Vacinas de DNA ............................................................................................. 219 14 DNA Microarrays ........................................................................................................... 220 14.1 Perspetiva Histórica................................................................................................... 220 14.2 Definições e Aplicações Gerais .................................................................................. 220 Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 7 14.3 Fabricação ................................................................................................................. 222 14.3.1 Mecanismo de Reconhecimento ....................................................................... 222 14.3.2 Biomoléculas ..................................................................................................... 223 14.3.3 Suportes Sólidos ................................................................................................ 224 14.3.4 Imobilização das Sondas.................................................................................... 225 14.3.5 Sistemas de Leitura ........................................................................................... 229 14.4 Dispositivos Lab-on-Chip e Testes PoC ...................................................................... 238 14.5 Desafios Futuros ........................................................................................................ 239 15 Doenças Priónicas (Seminário) ...................................................................................... 242 15.1 Investigação Atualmente........................................................................................... 245 Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 8 1 RNA de Interferência O RNAi, ou seja, RNA de interferência, é um processo que decorre em alguns organismos eucarióticos, integrando a maquinaria que controla a expressão genética através do silenciamento de determinados genes. Neste processo existem dois tipos de moléculas que são cruciais: siRNAs (small interfering RNAs) que derivam de cadeias duplas de RNA (dsRNA) e miRNAs (micro RNAs) que são produzidos no núcleo da célula. Os siRNAs são moléculas produzidas no interior da célula, ou são injetadas na célula experimentalmente para estudo da função genética. Os miRNAs são moléculas que possuem auto-complementaridade o que lhes confere a capacidade de se dobrarem sobre si próprias. Este processo inicia-se com a clivagem de dsRNA (RNA de cadeia dupla), que é levada a cabo pela endonuclease Dicer, culminando na formação de miRNA e siRNA. Em seguida, estas pequenas moléculas ligam-se à proteína argonauta (apenas uma das cadeias é selecionada e mantém-se ligada a esta proteína) formando, juntamente com outras proteínas, o complexo proteico RISC (RNA induced silencing complex). Tanto o siRNA como o miRNA induzem a ligação deste complexo proteico com o mRNA. A ligação induzidapor siRNA é muito precisa devido ao alto grau de complementaridade entre o siRNA e o mRNA alvo. Já a ligação induzida por miRNA não é muito precisa, já que apenas uma parte desta molécula se liga ao mRNA alvo. Esta característica possibilita a ligação de um único miRNA a vários mRNA’s. Após a ligação induzida por siRNA a argonauta cliva o mRNA conduzindo à degradação do mesmo. No caso das ligações induzidas por miRNA, além desta hipótese, pode também ocorrer apenas inibição temporária da tradução do mRNA alvo, sem que este seja degradado, impedindo a polimerase de fazer a transcrição do mRNA. Figura 1 - Processo de silenciamento de genes através de RNAi. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 9 1.1 Funções do RNAi Em 2006, Andrew Z. Fire e Craig C. Mello receberam o prémio Nobel da Medicina e Fisiologia pela descoberta do RNA de interferência. Naturalmente que a descoberta deste fenómeno abriu muitas portas no campo da investigação e deixou perspetivas para a sua utilização na cura de várias doenças genéticas congénitas ou adquiridas. Através do silenciar de certos genes podemos entender melhor qual a sua função na célula, validar relações estatísticas entre a expressão genética e os fenótipos, investigar modos de ação combinada, e - como já foi de resto referido - tratar várias doenças de origem genética. Esta perspetiva, embora prometedora, tem-se revelado algo problemática. Na tabela seguinte apresentam-se algumas classes de RNAi e várias informações sobre estas. Classe Tamanho (nucleótidos) Funções Mecanismos Origem Organismos em que é encontrado siRNAs 21 - 25 Regula a expressão genética, fornece resposta antiviral e restringe transposões Degradação de RNA, restrição de transposões Regiões intergénicas, exões, intrões Caenorhabditis elegans, Drosophila melanogaster, Schizosaccharomyces pombe, Arabidopsis thaliana, Oryza sativa (arroz) Endo- siRNAs 21 - 25 Restringe transposões, regula mRNAs e heterocromatina Degradação de RNA Elementos transposable, pseudogenes D. melanogaster, mamíferos miRNAs 21 - 25 Regula a expressão genética após- transcrição Bloqueio da translação, degradação de RNA Regiões intergénicas, intrões C. elegans, D. melanogaster, S. pombe, A. thaliana, O. sativa, mamíferos piRNAs 24 - 31 Regula o desenvolvimento e integridade da linha germinativa Desconhecida Sequências defeituosas de transposões e outras repetições C. elegans, D. melanogaster, Danio rerio, mammals ra- siRNAs 23 - 28 Remodela a cromatina, silencia genes a ser transcritos Desconhecida Elementos de repetição (subconjuntos de piRNAs) C. elegans, D. melanogaster, S. pombe, Trypanosoma brucei, D. rerio, A. thaliana ta- siRNAs 21 - 22 Clivagem de mRNAs endógenos Degradação de RNA Transcritos não codificantes endógenos D. melanogaster, S. pombe, A. thaliana, O. sativa natRNAs 21 - 22 Regula a expressão genética após transcrição Degradação de RNA Convergent partly overlapping transcripts A. thaliana scnRNAs 26 - 30 Regula a estrutura da Eliminação de DNA Meiotic micronuclei Tetrahymena thermophila, Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 10 cromatina Paramecium tetraurelia tncRNAs 22 Desconhecida Desconhecido Regiões não codificantes C. elegans Tabela 1 - Classes de RNAi. 1.2 Obstáculos à Utilização de RNAi em Terapêutica À partida, esta parece uma técnica prática para resolver várias questões pendentes em medicina, contudo, ao esmiuçar bem a questão constatam-se vários problemas. Para começar é complicado fazer com que as moléculas de silenciamento atinjam as células pretendidas. Por exemplo, na doença de Huntington é necessário fazer com que estas moléculas atinjam o cérebro, o que é muito complicado uma vez que o cérebro tem um “escudo” natural contra a entrada de substâncias estranhas através do sangue. Em geral este facto funciona a nosso favor mas, neste caso em particular, dificulta-nos a vida. Por outro lado, mesmo após se atingir as células de interesse e conseguir o silenciamento do gene pretendido há o risco da molécula de silenciamento se ligar a genes cujo o silenciamento não seja do nosso interesse. Além disso, e assumindo que se silenciam apenas os gene de interesse, há o risco desse silenciamento ter repercussões negativas no doente. Por exemplo, ao silenciar o gene responsável pela produção de huntingtina corremos o risco de silenciar também a produção do gene natural da huntingtina, o que é perigoso. Os efeitos off-target ocorrem quando um siRNA é processado pelo complexo RISC e silencia alvos não desejados. Como estas alterações na expressão genética podem levar a fenótipos mensuráveis, é importante compreender o mecanismo por trás do off-targeting para desenvolver estratégias que minimizem os seus efeitos. Na tabela seguinte apresentam-se alguns dos efeitos off-target que surgem com esta técnica, quando aplicada a mamíferos, e as ações tomadas no sentido de minimizá-los. Efeito off-target Tipo Passos para minimizá-lo Saturação da maquinaria endógena do RNAi Independente da sequência Usar efetores na mais baixa concentração possível Usar efetores de controlo negativo para comparação Resposta imunitária Independente da sequência Usar efetores na mais baixa concentração possível Resposta imunitária Dependente da sequência Evitar motifs que se saiba estimularem estas respostas Usar efetores quimicamente modificados Usar múltiplos efetores para confirmar fenótipos Silenciamento de alvos indesejados através de complementaridade parcial Dependente da sequência Usar efetores na mais baixa concentração possível Usar múltiplos efetores para confirmar fenótipos Tabela 2 - Efeitos off-target e respetivas ações que minimizam os seus efeitos. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 11 1.3 Estratégias para Entrega de siRNAs em Terapêutica in vivo Apesar de ser difícil entregar moléculas de siRNA nas células-alvo, in vivo, desenvolveram-se variadas estratégias para atingir esse objetivo. Tais estratégias apresentam- se de seguida. Conjugados de colesterol e siRNA •A conjugação entre siRNA e grupos lipofílicos aumenta o uptake por parte das células e melhora a farmocinética e bio distribuição dos oligonucleótidos pelos tecidos. Estes grupos lipofílicos são colocados na extremidade 3' da cadeia de sentido 5' 3' e aumentam a estabilidade do siRNA. •Desvantagem - interferência destes conjugados com processos celulares normais como o transporte de dipéptidos, o que implica uma avaliação mais detalhada da segurança desta técnica. SNALPs (Solid Nucleic Acid Lipid Particles) •Partículas compostas por lípidos no exterior dos quais há moléculas de PEG (Polietilenoglicol) covalentemente ligadas. No interior destas vesículas insere-se o siRNA a ser entregue. •A acumulação passiva de SNALPs no fígado tem sido aproveitada como um potencial tratamento de hepatite B e infeções pelo vírus da Ébola. Quanto a atingir outros órgãos deverá ser necessário anexar um ligando ou anticorpo específico para os mesmos. •Desvantagens - aumento da resposta imunitária contra o siRNA; geração de anticorpos contra partículas com moléculas PEG na sua superfície, o que gera hipersensibilidade em administrações repetidas; toxicidade destas partículas queacabam por atingir células que não são o seu alvo (devido à acumulação passiva no fígado). Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 12 Partículas dinâmicas de policonjugados •São mais pequenas que as SNALPs mas possuem um ligante que lhes permite entregar o siRNA à célula- alvo. Aptamer–siRNA chimeras •Moléculas compostas pelo siRNA e pelo aptamer, que é responsável pelo mecanismo de reconhecimento do alvo e é composto por RNA. •A designação de quimera deve-se ao facto de esta molécula apresentar dois tipos diferentes de RNA, à semelhança da quimera da mitologia grega (parte leão, parte cabra, parte cobra). •A molécula contém ainda algumas modificações que protegem o RNA da degradação. Anticorpos conjugados positivamente carregados •Permitem a entrega específica a células-alvo. •A carga positiva destes anticorpos provem da protamina à qual estão associados. Nanopartículas de ciclodextrina •Mascaram o siRNA que, assim, não estimula o sistema imunitário, mesmo que o siRNA possua sequências imuno-estimuladoras. Basicamente são constituídas por um núcleo de ciclodextrina ao qual estão anexados PEG e transferrina. •A transferrina confere especificidade a estas nanopartículas, que se ligam, através dessa molécula, aos recetores das células-alvo. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 13 1.4 RNAi para Estudar a Função dos Genes Vamos abordar dois tipos de ensaios para o estudo genético através do RNA de interferência. É possível fazer-se arrays em que reagentes de transfeção contendo shRNAs (small hairpin RNAs), que consistem numa sequencia de RNA que se consegue dobrar sobre si própria formando um “harpin” que pode depois ser utilizado para o silenciamento dos genes selecionados. Esses reagentes podem conter siRNAs, anteriormente descrito, em vez de shRNAs. Estes segmentos de RNA são desenhados recorrendo a bibliotecas de RNAi. Posteriormente, insere-se em cada um dos poços o material apropriado para se executar o RNAi e as células-alvo. Finalmente estuda-se o fenótipo tirando as conclusões de interesse. Outra via comum é através de ensaios realizados em caixas de petri em que se inserem as células de interesse que depois são infetadas por vírus contendo cassetes de expressão shRNA. Posteriormente há que ter duas amostras do tipo de células selecionadas: uma das amostras deve servir como controlo e a outra deve ser a de teste, sendo sujeita às condições que se pretendem estudar. Faz-se extração genómica e recupera-se o gene pretendido através da técnica PCR. Por fim, procede-se à análise das amostras através de hibridização com microarrays e retirando as conclusões de interesse. Figura 2 - Arrayed screens (à esquerda) e pooled screens (à direita). Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 14 1.5 Screening Genético Clássico vs Screening RNAi O screening genético é uma técnica experimental usada para identificar e selecionar indivíduos que, numa população mutada, possuam um fenótipo de interesse. Esta técnica tem grande aplicabilidade na medicina pois permite procurar certos genes que possam causar danos nos indivíduos. Na tabela seguinte comparam-se as técnicas clássicas com a técnica do RNAi para o screening genético. Screening genético clássico Screening com RNAi Alelos gain-of-function podem ser isolados, o que permite descobrir mecanismos de regulação O silenciamento mediado pelo RNAi traduz-se numa redução do produto da estirpe selvagem Alelos de tecidos específicos podem ser recuperados Pode obter-se uma visão, do ponto de vista de mutações pontuais, da relação entre estrutura e função Todos os genes deveriam ser mutáveis através desta técnica Nem todos os genes estão suscetíveis ao RNAi: alguns tecidos são resistentes e genes que codificam proteínas com tempos de semi-vida longos são dificilmente silenciados de forma eficiente O passo de clonagem é trabalhoso A sequência do gene é imediatamente conhecida Genes de efeito materno com exigência zigótica são difíceis de identificar Pode introduzir RNA de cadeia dupla em diferentes etapas de desenvolvimento, ignorando os requisitos anteriores As mutações afetam, normalmente, os genes singulares O silenciamento é aplicável a genes múltiplos, o que permite revelar a redundância Alelos mutantes são hereditários O silenciamento do gene não é hereditário exceto quando é feito através da expressão de transgenes Tabela 3 - Comparação entre screening genético clássico e através de RNAi. Para realizar um screening é necessário seguir os seguintes passos: 1. Desenvolver um ensaio (ensaio, pilot screen, ensaio refinado); 2. Efetuar um screen primário com poços simples ou duplos; 3. Identificar genes para os quais mais de 2 alvos de vírus originam fenótipos similares; 4. Produzir mais vírus para os alvos positivos; 5. Validar os alvos através de curvas dose/resposta baseadas no score do fenótipo e na expressão da transcrição. 1.6 Biblioteca TRC A biblioteca TRC (The RNAi Consortium) é um esforço público-privado baseado no instituto Broad cujas missões são a criação de uma biblioteca de shRNA e a validação de ferramentas e métodos que irão permitir que a comunidade científica use RNAi para determinar a função de genes humanos e de ratos. Os reagentes são compostos por pequenas sequências hairpin transportadas em vetores lentivírus colocados em arrays. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 15 Estabilidade da biblioteca - nenhuma recombinação foi observada nas condições utilizadas para duplicação e re-crescimento de stocks de bactérias; Infectividade - vetores lentivirais fazem a transdução de uma vasta gama de tipos de células, incluindo células que não sofrem divisão; Silenciamento - demonstrou-se que os vetores lentivirais mantêm a expressão transgénica estável por semanas ou meses; Cobertura da biblioteca - todos os genes humanos e de rato com uma média de 5 shRNAs por gene-alvo; Verificação de sequências - as sequências das bibliotecas de clones são verificadas; Eficiência do silenciamento - para 90% dos genes-alvo testados a biblioteca contém pelo menos 1 shRNA que providencia mais de 70% de eficácia de silenciamento. 1.7 Regulação da Resposta Imunitária Através do Splicing Alternativo O genoma humano possui muito menos genes codificantes, cerca de 20 000 a 25 000, do que se julgava inicialmente. Mais de 75% dos transcritos primários sofrem splicing alternativo. O splicing alternativo é um processo que permite a produção de diferentes proteínas partindo de um único gene. A maioria dos genes de genomas eucariotas são compostos por exões e intrões, sendo os segundos removidos do pré-mRNA através de splicing. Alguns exões podem também ser removidos do transcrito final. Este processo não só confere diversidade às células como lhes permite adaptar e responder a mudanças das condições do ambiente em que se inserem. O splicing alternativo permite ainda regular e afinar respostas imunitárias. De facto, já se observaram vários exemplos de splicing alternativo no sistema imunitário, onde diferentes isoformas são responsáveis por respostas diferentes. A interleucina-1β (IL-1β) é uma citocina e um importante mediador na resposta inflamatória. A importância do splicing alternativo no seu processo de produção pode ser estudada recorrendo ao RNAi. Após um screening baseado em RNAi identificaram-se 19 novos reguladores da secreção da IL-1β, 12 dos quais positivos e os restantesnegativos. Identificou- se ainda que o SFRS3 é um regulador negativo na secreção da IL-1β e que o SFRS3 KD induz um aumento do mRNA de IL-1β e de Caspase-1, aumentando igualmente a atividade da Caspase-1. Figura 3 - Processo de splicing alternativo. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 16 2 Sinalização Celular A evolução da unicelularidade para a multicelularidade decorreu de forma lenta, possivelmente devido à dificuldade no desenvolvimento de um mecanismo de comunicação celular, exigido por um organismo multicelular. Os mecanismos de comunicação entre células estão fortemente dependentes de moléculas sinalizadoras extracelulares, produzidas por células com o objetivo de enviar sinais para células vizinhas ou células mais afastadas. Estes mecanismos dependem ainda de um sistema elaborado de proteínas que permite à célula responder a cada sinal de forma específica. Estas proteínas podem ser recetores proteicos na superfície da célula aos quais a molécula sinalizadora se liga, ou podem ser proteínas sinalizadoras intracelulares, tais como cinases, fosfatases, GTP- binding, que fazem a distribuição do sinal por determinadas zonas da célula. No final de cada via sinalizadora existem proteínas-alvo, cuja conformação se altera quando essa via se encontra ativa, provocando uma alteração no comportamento da célula. Alguns exemplos de proteínas-alvo são proteínas reguladoras de genes, canais iónicos, componentes de vias metabólicas, partes do citoesqueleto, entre outras. Estudos recentes sobre leveduras evidenciam que os organismos unicelulares possuíam mecanismos capazes de influenciar células vizinhas, mesmo antes do aparecimento de organismos multicelulares. Apesar de levarem, grande parte do tempo, uma vida independente, as leveduras podem comunicar e influenciar outras semelhantes na preparação do acasalamento. Estudos sobre leveduras mutantes incapazes de acasalar permitiram identificar muitas proteínas necessárias ao processo de sinalização. Essas proteínas formam uma rede sinalizadora que inclui recetores proteicos da superfície celular, proteínas GTP- binding e cinases, havendo proteínas similares a cada uma das referidas nas células animais. Ainda assim, o processo de sinalização nos animais é bem mais elaborado do que aquele existente nas leveduras. Figura 4 - Exemplo de uma via de sinalização simples, ativada por uma molécula extracelular. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 17 2.1 Formas de Sinalização As células de animais mais complexos podem comunicar através de variados tipos de moléculas sinalizadoras: proteínas, pequenos péptidos, aminoácidos, nucleótidos, esteroides, retinoides, ácidos gordos e derivados, e até gases dissolvidos, como o óxido nítrico e o monóxido de carbono. A maioria destas moléculas são segregadas pela célula sinalizadora para o espaço extracelular por exocitose, embora algumas sejam libertadas por difusão através da membrana plasmática. Outras são ainda expostas ao espaço extracelular enquanto permanecem ligadas à superfície da molécula sinalizadora. Independentemente da natureza do sinal, a célula-alvo responde através de um recetor que se liga de forma específica à molécula sinalizadora e inicia a resposta da célula. Normalmente a concentração das moléculas sinalizadoras é baixa (10 a 8 M) mas os recetores têm alta afinidade para as mesmas (K de cerca de 108 L/mol). Os recetores são normalmente proteínas transmembranares na superfície da célula-alvo que, quando ligados ao ligando (a molécula sinalizadora), ficam ativados e geram uma cascata de sinalização intracelular que conduz à alteração do comportamento celular. Existem também recetores intracelulares, o que exige que o ligando entre no interior da célula para os ativar – para tal, o ligando tem de ser pequeno e hidrofóbico para ser difundido através da membrana plasmática. Figura 5 - Tipos de recetores. Existem, essencialmente, quatro formas de sinalização: Sinalização dependente do contacto – as moléculas permanecem ligadas à superfície da célula sinalizadora e influenciam somente células que contactem com esta. Este tipo de sinalização é importante durante o desenvolvimento e em respostas imunitárias. Sinalização parácrina – há segregação de moléculas que agem como mediadores locais, afetando apenas células vizinhas à célula sinalizadora. Estas moléculas não se podem difundir por maiores distâncias para que a sua ação seja localizada, pelo que são muitas vezes recolhidas rapidamente pelas células vizinhas, destruídas por enzimas extracelulares ou imobilizadas pela matriz extracelular. Sinalização endócrina – há segregação de moléculas, as hormonas, que são transportadas até alvos distantes pela circulação sanguínea. Sinalização sináptica – comum em organismos multicelulares complexos, este tipo de sinalização ocorre em células especializadas, os neurónios, que contactam com outras células através dos seus longos axónios. Os neurónios são ativados por sinais exteriores ou por outras células nervosas e enviam impulsos elétricos (potenciais de Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 18 ação) rapidamente ao longo dos axónios; ao alcançarem o fim do axónio, esses impulsos provocam a segregação de neurotransmissores nas sinapses químicas, que são junções celulares especializadas entre o neurónio e a célula-alvo pós-sináptica. Figura 6 - Tipos de sinalização. Sinalização endócrina Sinalização sináptica Rapidez Lenta – as hormonas têm de entrar em circulação Rápida – a transmissão de impulsos dá-se a mais de 100 m/s e a difusão dos neurotransmissores demora menos de 1 ms Precisão Baixa Alta – os neurotransmissores difundem-se por menos de 100 nm até alcançar as células-alvo Distância Longas distâncias Longas distâncias Concentração das moléculas Baixa – menor que 10-8M já que as hormonas se diluem no sangue e líquido intersticial Alta – os neurotransmissores não se diluem tanto como as hormonas e conseguem atingir elevadas concentrações locais Afinidade com o ligando Baixa – os neurotransmissores conseguem dissociar-se rapidamente do recetor para finalizar a resposta Término do sinal Rápido – os neurotransmissores são rapidamente removidos da fenda sináptica por enzimas hidrolíticas que os destroem ou por proteínas de transporte membranares que os bombeiam de volta ao terminal do nervo ou a células gliais vizinhas Tabela 4 - Comparação entre a sinalização endócrina e sináptica. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 19 A velocidade de resposta a um sinal extracelular depende não só do mecanismo de sinalização como também da natureza da resposta da célula-alvo: Para além das formas de sinalização anteriormente referidas destaca-se ainda a sinalização autócrina, em que a célula sinalizadora segrega sinalizadores que se ligam aos seus próprios recetores. Este tipo de sinalização pode dar-se, por exemplo, durante o desenvolvimento, em que a célula, uma vez direcionada para uma determinada via de diferenciação, pode enviar sinais autócrinos para reforçar essa decisão de desenvolvimento. A sinalização autócrina é mais efetiva quando é feita por células vizinhas do mesmo tipo e ocorre para encorajar grupos de células idênticas a seguir a mesma via de desenvolvimento. Pensa-se, portanto, que este tipo de sinalização seja um dos mecanismos responsáveis pelo “efeito de comunidade” que se observa em fases iniciais de desenvolvimento, alturaem que um grupo de células idênticas é capaz de responder a um sinal que induz a diferenciação, ao contrário de uma célula isolada. Este mecanismo é utilizado pelas células cancerígenas para superarem o controlo normal da proliferação celular e sobrevivência – estas células segregam sinais autócrinos que estimulam a sua sobrevivência e proliferação em locais onde células normais do mesmo tipo não o fariam. Outra forma de coordenar as atividades das células vizinhas ocorre através das junções celulares, mais conhecidas por gap junctions (GJ). As GJ são especializações da membrana plasmática das células que têm como função a ligação entre células vizinhas através de canais. Esses canais permitem a troca de mediadores intracelulares, isto é, pequenas moléculas que participam na sinalização intracelular, tais como Ca2+ e AMP cíclico, embora não seja possível trocar macromoléculas como proteínas e ácidos nucleicos. Através destas junções as células podem comunicar entre si diretamente. A resposta requer Alterações em proteínas já existentes Demora milissegundos a segundos Alterações na expressão genética e síntese de novas proteínas Demora horas independentemente da natureza do sinal Figura 7 - Sinalização autócrina. Figura 8 - Gap junction. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 20 2.2 Alterações que Induzem o Aparecimento de Células Cancerígenas Normalmente, as células de um organismo multicelular estão expostas a centenas de sinais diferentes, que podem ser solúveis, ligar-se à matriz extracelular ou ligar-se à superfície da membrana das células vizinhas. Estes sinais podem atuar através de várias combinações, pelo que a célula tem de ter capacidade de responder seletivamente aos mesmos, de acordo com a especialização que obteve no processo de desenvolvimento. Uma célula pode estar programada para, perante uma combinação de sinais, diferenciar-se, e perante outra, multiplicar-se, contrair-se, segregar, ou mesmo sobreviver ou morrer. Por exemplo, na ausência de sinais que estimulem a sua sobrevivência, a célula pode ativar os mecanismos da morte celular programada, ou apoptose. Como células de tipos diferentes requerem diferentes combinações de sinais para sobreviver, cada tipo de célula encontra-se restrito a um meio ambiente diferente no corpo. Quando uma célula não responde a certos sinais de forma correta e se acumular seis alterações fisiológicas vitais – evita a apoptose, é autossuficiente na produção de sinais de crescimento, é insensível a sinais de anti crescimento, é capaz de invadir outros tecidos e criar metástases, tem um potencial replicativo ilimitado e é capaz de fazer angiogénese – então essa célula passa a ter um desenvolvimento maligno, podendo dar origem a cancro. Quando há uma célula maligna no seio de células normais, estas podem parar de enviar sinais de sobrevivência a essa célula, na tentativa de induzir a apoptose da mesma e evitar danos mais graves, como proliferação dessa célula. 2.3 Acetilcolina A forma como uma célula reage ao seu ambiente depende de um conjunto de fatores: dos recetores proteicos da célula (que determinam a que conjunto de sinais a célula pode responder) e da maquinaria intracelular através da qual a célula integra e interpreta o sinal recebido. Assim, é natural que um mesmo sinal provoque diferentes ações em células-alvo distintas. Veja-se o exemplo da acetilcolina, que provoca contração nas células do músculo- esquelético e induz a redução da força e número de contrações nas células musculares do coração. Neste caso, a disparidade da resposta é provocada pela ligação da acetilcolina a diferentes recetores nos dois tipos de células. Figura 9 - Alterações fisiológicas que tornam uma célula normal numa célula maligna. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 21 Figura 10 - Respostas induzidas pela acetilcolina em diferentes tipos de células. 2.4 Óxido Nítrico Outro sinal extracelular importante é o óxido nítrico (NO), que atua tanto em animais como em plantas, atravessando diretamente a membrana ou parede celular, por ser pequeno e lipossolúvel. Nos mamíferos, este mediador regula a contração muscular. A acetilcolina é libertada pelos nervos autónomos nas paredes dos vasos sanguíneos, provocando o relaxamento destes e induzindo as células endoteliais a produzir e libertar NO, que também provoca relaxação dos vasos. Quando libertado pelos nervos autónomos no pénis, o NO estimula a ereção ao induzir a dilatação dos vasos sanguíneos. Quando é produzido por macrófagos e neutrófilos, o NO é utilizado para matar microrganismos invasores. Já nas plantas, este gás participa em respostas defensivas em danos ou infeções. O NO é produzido pela desaminação da arginina, catalisada pela NO sintetase, e passa rapidamente pela membrana, difundindo-se pelas células vizinhas. Como tem um tempo de vida curto, entre 5 a 10 segundos, age apenas localmente antes de ser convertido em nitrato e nitrito pelo oxigénio e água. Nas células-alvo, como as células endoteliais, o NO liga-se ao ferro no centro ativo da guanil ciclase e estimula esta enzima a converter GMP em GMP cíclico, que é um pequeno mediador intracelular, responsável pela relaxação muscular. Figura 11 - Ação do NO na relaxação do músculo de um vaso sanguíneo. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 22 2.5 Moléculas Sinalizadoras Hidrofóbicas Existe um conjunto de pequenas moléculas sinalizadoras hidrofóbicas que se difundem diretamente através da membrana celular das células-alvo e se ligam aos seus recetores proteicos. Deste grupo fazem parte as hormonas esteroides e tiroideias, retinoides e vitamina D. Apesar de terem uma estrutura química e uma função bastante diferente entre si, todas estas moléculas atuam através de um mecanismo similar: quando se ligam ao recetor proteico, ativam-no e este induz a dissociação de proteínas inibidoras; o domínio de ligação ao DNA fica livre, e a proteína liga-se então ao DNA para regular a transcrição de genes específicos. Os recetores estão todos estruturalmente relacionados, fazendo parte da superfamília de recetores nucleares, da qual fazem parte somente cerca de 50 proteínas. Esta família inclui ainda alguns recetores proteicos que são ativados por metabolitos intracelulares em vez de moléculas sinalizadoras segregadas, e tem grande importância já que regula todas as vias metabólicas e regula os vários ciclos biológicos, como o circadiano e o reprodutivo. 2.6 Moléculas Sinalizadoras Hidrofílicas vs Hidrofóbicas As diferenças entre as moléculas sinalizadoras hidrofílicas e hidrofóbicas encontram-se sintetizadas da tabela seguinte. Moléculas Hidrofílicas Hidrofóbicas Solubilidade em água Solúveis Tornam-se temporariamente solúveis (ligando-se a proteínas transportadoras) para poderem ser transportadas na corrente sanguínea ou outros fluidos extracelulares até alcançar o alvo Tempo de vida na corrente sanguínea Curto porque são removidas ou divididas poucos minutos após entrarem em circulação Longo (podendo alcançar horas, como no caso das hormonas esteroides, ou dias, como no caso das tiroideias) Tipo de resposta em que são utilizadas Curta duração Longa duração Tabela 5 - Diferenças entre as moléculas sinalizadoras hidrofílicas e hidrofóbicas 2.7 Tipos de Resposta É possível obter dois tipos de resposta: Resposta primária – ocorre uma ativação direta de alguns genes específicos dentro de cerca de 30 minutos; Respostasecundária – as proteínas provenientes da resposta primária ativam, por sua vez, outros genes. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 23 Figura 12 - Resposta primária e secundária. A identificação de respostas primárias ou secundárias pode ser feita através de microarrays: hibridiza-se uma amostra com o recetor da hormona em estudo e trata-se outra amostra com inibidores de síntese proteica. Na segunda amostra, dado que a resposta secundária depende das proteínas provenientes da resposta primária, os inibidores de síntese proteica impedem a tradução dos transcritos primários, pelo que não haverá ativação dos genes da resposta secundária. Assim, na segunda amostra evidenciam-se os genes ativados pela resposta primária. A resposta produzida a hormonas esteroides, tiroideias, retinoides ou vitamina D dependem da natureza da célula-alvo e da natureza da molécula sinalizadora. Muitas células possuem o mesmo recetor intracelular mas os genes por ele regulados podem ser diferentes, visto que a ativação de um dado gene depende da combinação certa de proteínas reguladoras de genes, que podem ser específicas de cada célula. 2.8 Classes de Recetores Como já referido anteriormente, as moléculas sinalizadoras solúveis em água (como neurotransmissores e proteínas sinalizadoras) ligam-se a recetores proteicos específicos localizados na superfície da célula-alvo. Estes recetores funcionam como transdutores de sinais que convertem um evento extracelular de ligação do ligando em sinais intracelulares que alteram o comportamento da célula. Estes recetores pertencem a uma de três classes: Recetores de canais iónicos – estão envolvidos na sinalização sináptica rápida entre células eletricamente excitáveis. Esta sinalização é mediada por um pequeno número de neurotransmissores que transitoriamente abrem e fecham um canal iónico formado pela proteína à qual se ligam, alterando brevemente a permeabilidade iónica da membrana plasmática e, portanto, modificando a excitabilidade da célula pós- sináptica. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 24 Recetores acoplados à proteína G – são compostos por um recetor transmembranar (a verde escuro na figura seguinte) e por um complexo trimérico que possui uma unidade alfa, beta e gama. Quando o recetor recebe o sinal, há acoplamento do recetor e do complexo, seguido de uma mudança de conformação da proteína G, então completa, com separação entre o componente alfa e o componente beta-gama. Recetores enzimáticos – quando ativados podem funcionar diretamente como enzimas ou podem estar associados a enzimas por eles ativados. São formados por proteínas transmembranares que possuem um local de ligação no exterior da célula e um local catalítico ou de ligação a uma enzima no interior celular. Apesar de serem estruturalmente heterogéneos, a maioria destes recetores são proteínas cinases ou estão associados a cinases que, uma vez ligados ao ligando, provocam a fosforilação de conjuntos específicos de proteínas na célula alvo. Figura 13 - As 3 classes de recetores da superfície celular. Sinais recebidos por recetores enzimáticos ou recetores acoplados à proteína G são transmitidos para o interior da célula por uma combinação de moléculas sinalizadoras intracelulares. O resultado da cadeia de sinalização intracelular é a alteração de proteínas alvo que modificam o comportamento da célula. Os mediadores intracelulares pequenos ou mensageiros secundários (os primários são os extracelulares) são gerados em grande quantidade em resposta à ativação do recetor e difundem-se rapidamente, afastando-se da fonte e difundindo o sinal a outras zonas da célula. De entre estes mediadores destacam-se o AMP e o Ca2+ (que são solúveis em água e se difundem no citosol) e o diacilglicerol (que é solúvel em lípidos e se difunde na membrana plasmática). Estes mediadores transmitem o sinal ligando-se e alterando o comportamento de proteínas sinalizadoras ou proteínas alvo. As moléculas intracelulares grandes são proteínas sinalizadoras intracelulares. Estas transmitem o sinal ativando a próxima proteína sinalizadora na cadeia ou gerando mediadores intracelulares pequenos. Estas proteínas podem ser classificadas de acordo com a sua função: 1. Proteínas transmissoras – passam o sinal ao componente seguinte da cadeia; 2. Proteínas mensageiras – levam o sinal de uma parte da célula para outra (p.e. do citosol para o núcleo); Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 25 3. Proteínas adaptadoras – ligam duas proteínas sinalizadoras sem que estas transmitam o sinal; 4. Proteínas amplificadoras – normalmente enzimas ou canais iónicos, amplificam o sinal recebido produzindo uma grande quantidade de mediadores intracelulares pequenos ou ativando um grande número de proteínas sinalizadoras intracelulares. Quando há muitos passos de amplificação numa cadeia de transmissão tem-se uma cascata de sinalização; 5. Proteínas transdutoras – convertem o sinal; 6. Proteínas bifurcadoras – espalham o sinal por mais que uma via de sinalização; 7. Proteínas integradoras – recebem sinais de duas ou mais vias de sinalização e integram- nos antes de transmitirem outro sinal avante; 8. Proteínas reguladoras de genes latentes – ativam-se na superfície celular por recetores ativados e migram para o núcleo para estimular a transcrição genética. Existem ainda proteínas moduladoras que modificam a atividade de uma proteína sinalizadora e, portanto, regulam a força da sinalização ao longo da via; proteínas ancoradouras que mantêm uma proteína sinalizadora num local específico da célula; e proteínas esqueleto (scaffold) que são proteínas adaptadoras que ligam várias proteínas sinalizadoras umas às outras num complexo funcional e mantêm esse complexo numa zona específica da célula. Figura 14 - Classificação de proteínas sinalizadoras intracelulares. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 26 2.9 Interruptores Moleculares Muitas das proteínas sinalizadoras intracelulares comportam-se como interruptores moleculares: a receção de um sinal faz passar o estado de inativo para ativo até que outro sinal reverta esse estado. É importante que a proteína regresse ao estado inativo para que seja capaz de responder a novo estímulo de ativação. Existem principalmente duas classes de interruptores moleculares que operam de forma diferente embora o ganho ou perda de um grupo fosfato determine, em ambas, se a proteína está ativa ou inativa. Uma delas é composta por proteínas cuja ativação ou inativação resulta de fosforilação. Neste caso o interruptor fica ligado devido uma cinase que adiciona um ou mais grupos fosfato à proteína sinalizadora, ou fica desligado se uma fosfatase remove esses grupos fosfato. Muitas vezes a proteína fosforilada é ela própria uma cinase e pode pertencer a uma cascata de fosforilação, em que uma cinase, ativada por forforilação, fosforila a próxima cinase e por aí adiante, propagando, amplificando e por vezes transmitindo o sinal para outras vias. A outra classe de interruptores moleculares são as proteínas GTPbinding. Neste caso, um interruptor está ligado quando uma molécula de GTP se associa a este, e desligado quando a associação ocorre com GDP. Uma vez ativados, os interruptores têm uma atividade intrínseca de GTPase e desligam-se a si próprios, através da hidrólise de GTP em GDP. Comportamentos celulares complexos, como a sobrevivência e a proliferação celulares, são normalmenteestimulados por uma combinação específica de sinais extracelulares. Assim, a célula tem de integrar a informação proveniente de sinais diferentes para que possa produzir a resposta correta. Essa integração depende de proteínas integradoras, cujo funcionamento se ilustra na figura à direita. Na situação A, a proteína que propaga o sinal só o faz quando recebe informação dos dois recetores, em simultâneo. Por exemplo, a proteína pode ficar ativada apenas quando é fosforilada em dois locais diferentes, por duas enzimas diferentes. Na situação B há duas proteínas diferentes, cada uma ativada pela sua enzima, e só há propagação do sinal quando ambas se juntam. 2.10 Complexos Sinalizadores Intracelulares Um único sinal que estimule um recetor enzimático ou um recetor acoplado à proteína G pode ativar múltiplas vias de sinalização paralelas e, portanto, influenciar vários aspetos do comportamento celular. De facto, estas classes de recetores ativam, por vezes, a mesma via sinalizadora, não havendo nenhuma razão óbvia para a ativação de um recetor ao invés do outro. Figura 15 – Integração de um sinal externo. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 27 Uma das estratégias utilizadas pela célula para responder de forma específica aos vários sinais externos envolve proteínas scaffold, que organizam grupos de proteínas sinalizadoras em complexos de sinalização. Estas proteínas scaffold guiam a interação entre componentes sucessivos de um complexo, permitindo que o sinal seja transmitido de forma precisa, rápida e eficiente. Deste modo evitam-se ainda interferências entre vias sinalizadoras. Para que se dê a amplificação e difusão do sinal por outras partes da célula, alguns componentes da via sinalizadora encontram-se livres pela célula. Noutros casos há formação transitória de complexos sinalizadores, como no caso em que as proteínas sinalizadoras se reúnem em torno de um recetor ativado por sinais externos. Esse recetor pode ter uma cauda citoplasmática fosforilada durante a fase ativa, e os aminoácidos fosforilados dessa cauda funcionam como locais de ligação para as proteínas sinalizadoras. Estes complexos permitem uma resposta mais variada porque aos locais de ligação podem ligar-se diversas proteínas. Existem ainda outros casos em que a ativação do recetor conduz à produção de fosfolípidos modificados na membrana plasmática adjacente. Estes lípidos recrutam proteínas sinalizadoras intracelulares específicas para esse local. Estes complexos formam-se apenas transitoriamente e dissociam-se rapidamente quando o ligando se dissocia do recetor. 2.11 Domínios de Ligação A formação de complexos sinalizadores estáveis ou transientes depende de uma variedade de pequenos domínios de ligação altamente conservados que se encontram em muitas proteínas sinalizadoras intracelulares. Cada um dos módulos compactos proteicos liga- se a um motif estrutural específico na proteína (ou lípido) com a qual a proteína sinalizadora interage. Devido a estes domínios modulares as proteínas ligam-se umas às outras em variadas combinações formando, por vezes, uma rede de interações tridimensional que determina o percurso seguido pela via de sinalização. Juntando domínios já existentes em novas combinações facilitou-se a rápida evolução de novas vias de sinalização. Figura 16 - Dois tipos de complexos intracelulares sinalizadores. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 28 Aos domínios SH2 (Src Homology 2) e PTB (PhosphoTyrosine-Binding) ligam-se tirosinas fosforiladas de uma certa sequência de péptidos de um recetor ativado ou de uma proteína sinalizadora intracelular. Já aos domínios SH3 (Src Homology 3) e PH (Pleckstrin Homology) ligam-se, respetivamente, pequenas sequências de aminoácidos ricas em prolina e grupos carregados de fosfolípidos de inositol fosforilados (produzidos pela membrana plasmática em resposta a um sinal extracelular). Este último domínio permite que a proteína do qual faz parte se ligue à membrana e interaja com outras proteínas recrutadas. Algumas proteínas sinalizadoras funcionam somente como adaptadores para ligar outras duas proteínas entre si numa via sinalizadora, sendo constituídas por apenas mais dois domínios de ligação. Estes domínios são de grande importância, por exemplo, na polarização de uma célula. Figura 17 - Via sinalizadora hipotética que utiliza domínios modulares de ligação. 2.12 Mecanismo para o Aumento da Brusquidão de Resposta Algumas respostas a sinais extracelulares intensificam-se levemente em relação à proporção da concentração do sinal. É o caso da resposta primária a hormonas esteroides, já que a proteína recetora destas hormonas, localizada no núcleo, liga- se a uma única molécula de hormona. Com o aumento da concentração da hormona aumenta proporcionalmente a concentração do complexo recetor-hormona ativado, tal como aumenta o número de complexos ligados a uma sequência reconhecida do gene-alvo, pelo que a resposta da Figura 18 - Mecanismo de sinalização cuja resposta se espera ser do tipo “em degrau”. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 29 célula é, assim, gradual e linear. Outras respostas começam mais abruptamente à medida que a concentração das moléculas aumenta. Algumas respostas ocorrem no forma semelhante ao tudo ou nada, sendo indetetáveis abaixo de um certo nível de concentração da molécula e atingindo um máximo assim que a concentração é excedida. Um mecanismo para tornar a resposta mais abrupta baseia-se no facto de ser necessário mais do que uma molécula efetora intracelular ou complexo ligados a uma macromolécula-alvo para induzir a resposta. Por exemplo, no caso de respostas induzidas por hormonas esteroides, parece ser necessário a ligação simultânea de mais do que um complexo hormona-recetor ao respetivo gene para ativá-lo. Deste modo, com o aumento da concentração da hormona, a ativação do gene começa mais abruptamente do que começaria caso fosse ativado quando a ele se ligasse um único complexo. Algo similar acontece em cascatas de sinalização ativadas por recetores na superfície celular. Por exemplo, a cinase dependente de AMP cíclico só é ativada quando a ela se ligam quatro AMP cíclicos. Esta resposta fica mais abrupta à medida que aumenta a concentração de AMP cíclico, de tal forma que se a concentração for elevada a resposta aproxima-se de uma resposta de tudo ou nada. Este mecanismo é do género cooperativo. Uma resposta torna-se igualmente mais abrupta se uma molécula sinalizadora ativar uma dada enzima e inibir a enzima que catalisa a reação oposta, como acontece com a adrenalina nas células do músculo-esquelético. A adrenalina liga-se a um recetor acoplado à proteína G e isso induz o aumento da concentração de AMP cíclico, que ativa a enzima que promove a degradação de glicogénio e inibe a enzima que promove a síntese do mesmo. Estes mecanismos respondem, de forma geral, gradualmente com o aumento da concentração do sinal extracelular. Contudo, no mecanismo do tudo-ou-nada há um limiar acima do qual passa a haver resposta por parte da célula (abaixo deste não se regista qualquer resposta). Respostas deste tipo dependem normalmente de feedback positivo. Este mecanismo é utilizado pelos nervos e músculos para gerar potenciais de ação em resposta a neurotransmissores. Um mecanismo de feedback positivo acelerado também pode operar através de proteínas sinalizadoras que sejam enzimas e não canais iónicos. Nestemecanismo, o ligando Figura 19 - Curvas de ativação como função da concentração da molécula sinalizadora. As curvas tornam-se mais abruptas à medida que se aumenta o número de moléculas efetoras necessárias para ativar a molécula alvo. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 30 sinalizador intracelular ativa uma enzima da via de sinalização e duas ou três moléculas produzidas pela reação enzimática ligam-se também à enzima para a ativar mais adiante. Como consequência tem-se um nível de produção do produto bastante baixo na ausência do ligando que aumenta devagar com a concentração do mesmo. Ao atingir um certo limiar de ligando, há produção de produto suficiente para ativar a enzima num processo de auto aceleração. A concentração do produto aumenta de repente, o que faz com que este mecanismo permita à célula traduzir uma variação gradual de concentração do ligando numa variação do tipo interrutor, criando-se assim uma resposta de tudo-ou-nada. 2.13 Finalização da Resposta Por vezes, o término de um sinal ou a sua atenuação são mais importantes do que o seu início, dado que estes têm de ocorrer para que um novo sinal possa ser originado. Além disso, um sinal demasiado prolongado ou intenso pode ser deletério para o ser vivo. Por exemplo, quando se desencadeia uma reação de defesa contra um microrganismo, uma vez que este seja eliminado é importante terminar a resposta de defesa ou corre-se o risco de originar uma doença autoimune ou mesmo cancro. Alguns mecanismos para terminar um sinal (desensitization to a signal) são os que se seguem: Uma das vantagens da primeira estratégia é a possibilidade da célula dar uma resposta rápida a um novo estímulo. Esta estratégia é adotada no metabolismo da glucose, pois se não fosse levar-se-ia muito tempo na produção dos recetores. Indução da sua própria endocitose e sequestração temporária em endossomas. Indução da sua própria endocitose e destruição em lisossomas (receptor down- regulation). Inativação por fosforilação, atrasada em relação à sua ativação. Alteração de uma proteína envolvida na transdução do sinal. Produção de um inibidor que bloqueia o processo de transdução. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 31 2.14 Recetores Acoplados à Proteína G Uma das maiores famílias de recetores proteicos é a dos recetores acoplados à proteína G e está envolvida na visão, olfato e paladar. Estes recetores participam em respostas a moléculas como hormonas, neurotransmissores e mediadores locais. Quase metade das drogas conhecidas atuam nos recetores de proteína G. Em geral, estes recetores são constituídos por uma cadeia polipeptídica que atravessa a membrana celular 7 vezes (o que lhes confere o nome de recetores serpentina) com um domínio extracelular ao qual o ligando se liga. Quando isto ocorre há uma alteração na conformação do recetor que permite a ativação das proteínas G (trimeric GTP- binding proteins). Estas proteínas encontram-se ancoradas na face citoplasmática da membrana celular e permitem o acoplamento entre o recetor e enzimas ou canais iónicos da membrana. As proteínas G são constituídas por 3 subunidades, a α (uma GTPase), β e γ. No estado não estimulado a subunidade α está ligada a GDP, pelo que a proteína G está desativada. Quando estimulada pelo recetor ativado, esta subunidade liberta a molécula de GDP e, no lugar desta, liga-se GTP. Este evento leva à ativação da subunidade α e do complexo βγ: a primeira sofre uma alteração de conformação, enquanto o complexo fica livre para interagir com proteínas alvo. Quando a subunidade α hidrolisa a sua ligação ao GTP, tornando este último em GDP, torna a reassociar-se ao complexo βγ, inativando a proteína G. O AMP cíclico (AMPc) é um dos segundos mensageiros mais comuns que se forma na ativação dos recetores acoplados à proteína G. A sua concentração normal intracelular ronda os 10-7 M, podendo ascender a mais de 20 vezes este valor perante um sinal extracelular. Esta molécula é sintetizada a partir de ATP pela enzima adenilato ciclase, que remove dois fosfatos do grupo pirofosfato do ATP, e é rápida e continuamente destruída pela fosfodiesterase, que a hidrolisa, transformando-a em 5-AMP. Muitos sinais extracelulares atuam através do aumento dos níveis de AMPc, preferencialmente aumentando a atividade da adenilato ciclase. A cafeína é um contraexemplo pois inibe a fosfodiesterase, o que provoca o aumento dos níveis de AMPc que, entre outras funções, ativa os neurónios. Embora o AMPc possa ativar diretamente certos tipos de canais iónicos na membrana plasmática de algumas células especializadas, esta molécula atua através da ativação da proteína cinase dependente de AMPc (PKA). Esta enzima catalisa a transferência do grupo fosfato terminal do ATP para serinas ou treoninas específicas de proteínas alvo, regulando, assim, a atividade destas proteínas. No estado inativo, a PKA é composta por um complexo de duas subunidades catalíticas e duas subunidades reguladoras. Quando o AMPc se liga às subunidades reguladoras, promove a alteração de conformação e causa a dissociação do complexo. Figura 20 - Recetor acoplado à proteína G. Apontamentos de Engenharia Biomolecular e Celular 2013 32 Na imagem à direita apresenta-se uma via sinalizadora que começa com a ligação da molécula sinalizadora extracelular ao recetor acoplado à proteína G, ativando a adenilato ciclase e aumentando a concentração de AMPc. Este aumento de AMPc ativa as PKA que se encontram no citosol. As subunidades catalisadoras libertadas dirigem-se para o núcleo, onde fosforilam CREB (cAMP Response Element-Binding protein). Esta proteína, uma vez fosforilada, recruta o coativador CBP (CREB-Binding Protein), que estimula a transcrição de genes alvo. Esta via sinalizadora controla, por exemplo, a síntese de hormonas em células endócrinas e a produção de proteínas necessárias para a memória de longo-prazo no cérebro. Muitos recetores acoplados à proteína G exercem o seu efeito através das proteínas G que ativam a fosfolipase C-β. Esta enzima atua no fosfatidilinositol 4,5-bifosfato, um fosfolípido presente na camada interior da membrana plasmática, clivando-o e dando origem a dois produtos, o inositol 1,4,5-trifosfato (IP3) e o diacilglicerol. O IP3 é uma molécula pequena e solúvel em água que deixa a membrana plasmática e se difunde no citosol. Ao atingir o retículo endoplasmático, o IP3 induz a abertura de canais específicos que deixam passar o Ca2+ que estava armazenado no retículo, aumentando, assim, a concentração deste ião no citosol. O diacilglicerol permanece ancorado na membrana onde desempenha dois papeis importantes. Primeiro pode ser clivado para libertar ácido araquidónico, que tanto pode ser ele próprio um mensageiro como participar na síntese de pequenos lípidos mensageiros, os chamados eicosanóides (como por exemplo as prostaglandinas). O outro papel é a ativação da proteína cinase C (PKC), dependente de Ca2+. A subida drástica dos níveis de Ca2+, provocada pelo IP3, altera a PKC, que se desloca para a face citoplasmática da membrana plasmática e sofre aí a sua ativação pela combinação de Ca2+, diacilglicerol e fosfatidilserina (presente na membrana fosfolipídica). Quando ativada, a PKC fosforila proteínas alvo que variam consoante o tipo de célula. Existem diversos mecanismos pelos quais as células fazem a manutenção dos baixos níveis de Ca2+ no citosol. Esses mecanismos estão ilustrados no esquema abaixo. Figura
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