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Patologia – livro Robbins A CÉLULA COMO UNIDADE DE SAÚDE E DOENÇA– capítulo 1 O GENOMA DNA não Codificante: O genoma humano contém cerca de 3,2 bilhões de pares de bases de DNA. Dentro dele, existem cerca de 20 mil genes codificantes de proteínas, que compreendem apenas cerca de 1,5% do genoma. Essas proteínas funcionam de modo variado como enzimas, componentes estruturais e moléculas de sinalização, e são utilizadas para montar e manter todas as células do corpo. O projeto multinacional ENCODE (Enciclopédia dos Elementos do DNA), implantado em 2007 identificou todas as regiões do genoma que poderiam desempenhar alguma função. A conclusão é que pelo menos 80% do genoma humano está ligado a proteínas, o que sugere que está envolvido na regulação da expressão gênica, ou que lhe é atribuída alguma atividade funcional, principalmente relacionada com a regulação da expressão gênica, em geral com um tipo celular específico. As principais classes de sequências não codificadoras de proteínas funcionais encontradas no genoma humano são: As regiões promotoras (promoter) e ativadoras (enhancer), que fornecem sítios de ligação para os fatores de transcrição. Os sítios de ligação para fatores que organizam e mantêm as estruturas da cromatina altamente organizadas. RNAs regulatórios não codificantes. Mais de 60% do genoma é transcrito em RNAs que não são traduzidos em proteínas, mas que podem regular a expressão gênica por meio de uma variedade de mecanismos. Elementos genéticos móveis (p. ex., transpósons). Mais de um terço do genoma humano é composto por esses elementos, popularmente chamados de “genes saltadores”. Esses segmentos podem mover-se em torno do genoma, apresentando grande variação em número e posicionamento, mesmo entre espécies estreitamente relacionadas (p. ex., seres humanos e outros primatas). Estão envolvidos na regulação gênica e na organização da cromatina, mas sua função ainda não está bem estabelecida. Regiões estruturais especiais do DNA, em especial os telômeros (extremidades dos cromossomos) e centrômeros (“coleiras” dos cromossomos). Uma das razões pelas quais esses achados despertam tanto interesse é que muitas das variações genéticas (polimorfismos) associadas a doenças se situam em regiões do genoma não codificantes de proteína. Assim, a variação na regulação gênica deve ser mais importante no surgimento da doença do que as mudanças estruturais em proteínas específicas. Outra revelação admirável dos estudos genômicos recentes é que, em média, dois indivíduos quaisquer compartilham mais de 99,5% de suas sequências de DNA. Talvez seja mais notável ainda saber que somos 99% idênticos aos chimpanzés! Desse modo, a variação de pessoa para pessoa, incluindo a diferente suscetibilidade a doenças e as variadas respostas aos agentes ambientais e medicamentos, é codificada em menos de 0,5% de nosso DNA. As duas formas mais comuns de variação de DNA no genoma humano são os polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) e as variações no número de cópias (CNVs). Os SNPs são variantes nas posições de um nucleotídeo único e, com frequência, são bialélicos (ou seja, existem apenas duas opções em determinada posição na população, como A ou T). Os SNPs ocorrem em todo o genoma: dentro de éxons, íntrons, regiões intergênicas e regiões codificantes. Em geral, cerca de 1% de SNPs ocorrem em regiões codificantes. Os SNPs que se situam em regiões não codificantes ocorrem nos elementos regulatórios no genoma, alterando, assim, a expressão gênica. Nesses casos, o SNP tem influência direta sobre a suscetibilidade a doenças. Em outros casos, o SNP é uma variante “neutra”, que não tem efeito na função gênica ou na transmissão do fenótipo. As CNVs são uma forma de variação genética identificada mais recentemente, consistente de diferentes números de grandes trechos contíguos de DNA. Em alguns casos, esses loci são, assim como os SNPs, bialélicos e simplesmente duplicados ou excluídos em um subconjunto da população. Em outros, existem rearranjos complexos de material genômico, com múltiplos alelos na população humana. Atualmente, estima-se que as CNVs sejam responsáveis por 5 a 24 milhões de pares de bases de diferença sequencial entre dois indivíduos quaisquer. Aproximadamente 50% das CNVs envolvem sequências codificantes dos genes, razão pela qual as CNVs respondem, em grande parte, pela diversidade fenotípica humana. Organização das Histonas: Embora praticamente todas as células do corpo contenham o mesmo material genético, as células terminalmente diferenciadas apresentam estruturas e funções distintas. É óbvio que os tipos celulares são diferenciados por programas linhagem-específicos da expressão gênica. Essas diferenças celulares tipo-específicas na transcrição e na tradução do DNA dependem de fatores epigenéticos, os quais podem ser descritos da seguinte maneira: Histonas e fatores modificadores de histonas: os nucleossomos consistem de segmentos de DNA enrolados em uma estrutura com um núcleo central de proteínas de baixo peso molecular chamadas histonas. O complexo DNA-histona resultante se assemelha a uma série de “contas de um colar” unidas por curtos segmentos de DNA, chamada cromatina. Na maioria das vezes, o DNA não está disposto de forma uniforme e compacta. Assim, a cromatina nuclear se apresenta de duas formas básicas: (1) heterocromatina, citoquimicamente densa e transcricionalmente inativa, e (2) eucromatina, citoquimicamente dispersa e transcricionalmente ativa. Aliás, é a porção da cromatina nuclear que está “desenrolada” que regula a expressão gênica e, portanto, determina a identidade e a atividade da célula. As histonas não são estáticas. Assim, os complexos de remodelagem da cromatina podem reposicionar os nucleossomos no DNA, expondo (ou ocultando) os elementos regulatórios dos genes, como os promotores. Os complexos “escritores de cromatina”, por outro lado, realizam modificações diferentes das histonas, genericamente designadas como marcações (marks). Essas modificações covalentes incluem metilação, acetilação ou fosforilação de resíduos de aminoácidos específicos nas histonas. Genes transcritos ativamente na eucromatina estão associados a marcações de histonas que tornam o DNA acessível às RNA-polimerases. Em contraste, genes inativos apresentam marcações de histonas que permitem a compactação do DNA em heterocromatina. Marcações de histonas são reversíveis por meio da atividade de “apagadores de cromatina”. Além disso, outras proteínas funcionam como “leitores de cromatina”, ao se ligarem às histonas que exibem marcações específicas, regulando, portanto, a expressão gênica. Metilação de histonas: lisinas e argininas podem ser metiladas por enzimas escritoras específicas; em particular, a metilação de resíduos de lisina nas histonas está associada à ativação ou à repressão transcricional, dependendo do resíduo de histona que está “marcado”. Acetilação de histonas: resíduos de lisina são acetilados por histonas acetiltransferases (HAT), cujas modificações tendem a abrir a cromatina e aumentar a transcrição. Por sua vez, essas alterações podem ser revertidas por histonas desacetilases (HDAC), levando à condensação da cromatina. Fosforilação de histonas: os resíduos de serina podem ser modificados pela fosforilação; dependendo do resíduo específico, o DNA é aberto para a transcrição ou condensado para se tornar inativo. Metilação do DNA: tipicamente, altos níveis de metilação do DNA em elementos reguladores de genes resultam no silenciamento transcricional. Assim como as modificações das histonas, a metilação do DNA é rigidamente controlada por metiltransferase, enzimas de desmetilação e proteínas ligadoras de DNA desmetilado. Fatores de organização da cromatina: muito pouco se sabe sobre essas proteínas, as quais, acredita-se, ligam-se a regiões não codificantes e controlam as alças de DNA de longa extensão, o que se revela importante na regulaçãodas relações espaciais entre os ativadores e os promotores de genes que controlam a expressão gênica. Micro-RNA e RNA não Codificantes Longos: Micro-RNA (miRNA) Os miRNAs não codificam proteínas; em vez disso, funcionam como moduladores da tradução de mRNAs-alvo em suas proteínas correspondentes. O silenciamento pós-transcricional da expressão gênica por miRNA é um mecanismo fundamental e bem conservado da regulação dos genes, presente em todos os organismos eucariontes. A transcrição de genes de miRNA produz um miRNA primário que é progressivamente processado em várias etapas, incluindo clivagem pela enzima DICER. Isso gera miRNAs maduros de fita simples de 21 a 30 nucleotídeos, os quais, por sua vez, são associados a um agregado multiproteico denominado complexo de silenciamento induzido por RNA. O subsequente emparelhamento de bases entre o cordão do miRNA e seu RNAm-alvo direciona o RISC para induzir a quebra do RNAm ou reprimir sua tradução. Todos os RNAm contêm uma chamada sequência-semente em sua região 3’ não traduzida (UTR), a qual determina a especificidade de ligação ao miRNA e o silenciamento de genes. Desse modo, o RNAm-alvo é pós transcricionalmente silenciado. RNAs de interferência pequenos (siRNAs) são sequências curtas de RNA que podem ser experimentalmente introduzidas nas células, atuando como substratos para a DICER e interagindo com o complexo RISC de maneira análoga aos miRNAs endógenos. Os siRNAs sintéticos direcionados contra espécies de RNAm específicos se tornaram ferramentas de laboratório úteis para se estudar a função gênica (chamada de tecnologia knockdown). Além disso, também estão sendo desenvolvidos como possíveis agentes terapêuticos para silenciar os genes patogênicos, como os oncogenes envolvidos na transformação neoplásica. RNA não Codificante Longo (lncRNA) Os lncRNAs modulam a expressão gênica de várias maneiras; por exemplo, podem ligar-se a regiões de cromatina, limitando o acesso da RNA polimerase para codificar os genes dentro da região. O exemplo mais conhecido de uma função repressiva envolve o XIST, que é transcrito a partir do cromossomo X e desempenha papel essencial na inativação fisiológica do cromossomo X. O próprio XIST escapa da inativação do X, mas forma uma “capa” repressiva sobre o cromossomo X, a partir do qual é transcrito, o que resulta em silenciamento gênico. Por outro lado, recentemente observou-se que muitos ativadores são sítios de síntese de lncRNA e, com frequência, esses lncRNAs parecem aumentar a transcrição dos promotores de genes através de uma variedade de mecanismos. MANUTENÇÃO CELULAR A viabilidade e a atividade normal das células dependem de uma variedade de funções de manutenção fundamentais que todas as células diferenciadas devem realizar. Essas funções incluem proteção do meio ambiente, aquisição de nutrientes, comunicação, movimento, renovação de moléculas senescentes, catabolismo molecular e geração de energia. Muitas funções de manutenção normais são compartimentadas dentro de organelas intracelulares limitadas por membrana. Ao isolar certas funções celulares em compartimentos distintos e funcionalmente importantes, enzimas degradativas potencialmente prejudiciais ou metabólitos reativos podem ser concentrados ou armazenados, em elevada quantidade, em organelas específicas, sem o risco de danificar outros componentes celulares. Além disso, a compartimentalização permite que se criem ambientes intracelulares exclusivos que, assim, podem regular seletivamente a função de enzimas ou de vias metabólicas. Novas proteínas destinadas à membrana plasmática, ou a outros locais além dela, são sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso (RER) e fisicamente montadas no complexo de Golgi, enquanto as proteínas destinadas ao citosol são sintetizadas em ribossomos livres. O retículo endoplasmático liso (REL) é abundante em determinados tipos de células, como nas gônadas e no fígado, onde é utilizado para a síntese de hormônios esteroides e de lipoproteínas, assim como para a modificação de compostos hidrofóbicos (p. ex., drogas) em moléculas hidrossolúveis para exportação. As proteínas e organelas precisam ser destruídas caso estejam danificadas, do mesmo modo que proteínas e outras moléculas que são captadas pela célula por endocitose. O catabolismo desses componentes ocorre em três locais distintos e desempenham diferentes funções. Os lisossomos são organelas intracelulares contendo enzimas degradativas que permitem a digestão de uma ampla variedade de macromoléculas, incluindo proteínas, polissacarídeos, lipídios e ácidos nucleicos. Os proteossomos, por outro lado, são um tipo especializado de “triturador” que destroça seletivamente proteínas desnaturadas, liberando peptídeos. Os peroxissomos desempenham papel especial na degradação dos ácidos graxos, gerando peróxido de hidrogênio nesse processo. A concentração e a posição das organelas celulares também estão sujeitas a regulação. As vesículas endossômicas veiculam materiais internalizados para os locais intracelulares adequados ou direcionam materiais recém-sintetizados para a superfície da célula ou para determinada organela. O movimento celular, tanto de organelas e proteínas no interior da célula quanto como um todo em seu meio, é realizado através do citoesqueleto. Essas proteínas estruturais também mantêm a forma celular e sua organização interna básica, requisitos para a manutenção da polaridade celular. A maior parte do ATP que alimenta as células é produzida através da fosforilação oxidativa na mitocôndria. Contudo, mitocôndrias também atuam como importante fonte de intermediários metabólicos que são necessários ao metabolismo anabólico. Trata-se de locais de síntese de certas macromoléculas (p. ex., de heme) e contêm importantes sensores de dano celular, os quais podem iniciar e regular o processo de morte celular programada. Em células que estão em crescimento ou em processo de divisão, todas essas organelas têm de ser replicadas (biogênese organelar) e corretamente repartidas entre as células-filhas após a mitose. Além disso, como as macromoléculas e as organelas têm tempo finito de vida (as mitocôndrias, p. ex., duram apenas cerca de 10 dias), também devem existir mecanismos que possibilitem o reconhecimento e a degradação de componentes celulares “desgastados”. Membrana Plasmática: Proteção e Aquisição de Nutrientes Membranas plasmáticas são mais do que apenas invólucros lipídicos estáticos. São bicamadas fluidas de fosfolipídios anfipáticos com extremidades hidrofílicas que enfrentam o ambiente aquoso, apresentando caudas lipídicas hidrofóbicas e que interagem entre si, de modo a formar uma barreira para a difusão passiva de moléculas grandes ou carregadas. A bicamada é constituída por uma coleção heterogênea de fosfolipídios diferentes, que são distribuídos de forma assimétrica. A organização adequada dos fosfolipídios é importante para a saúde das células, pois fosfolipídios específicos interagem com determinadas proteínas de membrana, influenciando sua distribuição e função. Além disso, a distribuição assimétrica dos fosfolipídios é importante em vários outros processos celulares. O fosfatidilinositol no folheto interno da membrana pode ser fosforilado, atuando como uma plataforma eletrostática para as proteínas intracelulares; alternativamente, os polifosfoinositídeos podem ser hidrolisados através da fosfolipase C, a fim de gerar sinalizadores secundários intracelulares como o diacilglicerol e o trifosfato de inositol. Em geral, a fosfatidilserina é restrita à face interna, onde expõe uma carga negativa envolvida nas interações eletrostáticas com proteínas; no entanto, quando se vira para a face extracelular, o que acontece nas células que sofrem apoptose, torna-se um sinal do tipo “coma-me” para os fagócitos. No caso especial das plaquetas, atua como um cofator na coagulação do sangue. Glicolipídios e esfingomielinasão preferencialmente expressos na face extracelular; os glicolipídios são importantes nas interações célula-célula e célula-matriz, incluindo o recrutamento de células inflamatórias e as interações óvulo-esperma. Além disso, certos componentes da membrana têm predileção para a associação através de interações horizontais na bicamada, o que leva à criação de domínios lipídicos distintos, conhecidos como balsas lipídicas. Por sua vez, as proteínas inseridas na membrana com diferentes solubilidades intrínsecas, nos diversos domínios lipídicos, tendem a se acumular em certas regiões da membrana e a se tornar escassas em outras. A membrana plasmática é generosamente cravejada de diversas proteínas e glicoproteínas envolvidas em: (1) transporte de íons e metabólitos, (2) captação de macromoléculas mediada por receptor ou através da fase fluida e (3) interações célula-ligante, célula-matriz e célula-célula. As proteínas se associam à bicamada lipídica por um de quatro arranjos gerais; o modo como elas se integram na membrana informa sua função. A maioria das proteínas é do tipo integral ou transmembrana, possuindo um ou mais segmentos em α-hélice relativamente hidrofóbicos, que atravessam a bicamada lipídica. Tipicamente, as proteínas de membrana integrais contêm aminoácidos positivamente carregados em seus domínios citoplasmáticos, que as ancoram às extremidades negativamente carregadas dos fosfolipídios da membrana. Algumas proteínas são sintetizadas no citosol e, em seguida, ligadas a grupos por prenilação (p. ex., farnesil, relacionado ao colesterol) ou ácidos graxos (p. ex., ácido palmítico ou mirístico), e se inserem no lado citosólico da membrana plasmática. A inserção na membrana pode ocorrer através de âncoras de glicosilfosfatidilinositol (GPI) em sua face extracelular. Proteínas periféricas da membrana podem associar-se de forma não covalente a proteínas transmembrana verdadeiras. Muitas proteínas da membrana plasmática funcionam em conjunto, como grandes complexos; são agregados sob o controle de chaperonas no RER ou através de difusão lateral na membrana plasmática, seguidos pela formação de um complexo in situ. O último mecanismo é característico de muitos receptores de proteínas (p. ex., os receptores de citocinas) que dimerizam ou trimerizam na presença de um ligante para formar unidades funcionais de sinalização. Embora as bicamadas lipídicas sejam fluidas no plano bidimensional da membrana, os componentes da membrana também podem ser confinados em domínios discretos. Isso é alcançado por meio da localização das balsas lipídicas ou através de interações proteína-proteína intercelulares (p. ex., em junções de oclusão), que estabelecem limites discretos; de fato, essa estratégia é adotada para manter a polaridade celular (p. ex., superior/apical versus inferior/basolateral) nas camadas epiteliais. De forma alternativa, domínios de membrana exclusivos podem ser gerados pela interação de proteínas com moléculas do citoesqueleto ou da matriz extracelular. A face extracelular da membrana plasmática é difusamente cravejada de carboidratos, não só oligossacarídeos complexos em glicoproteínas e glicolipídios, mas também cadeias de polissacarídeos ligadas a proteoglicanos integrais da membrana. Esse glicocálice funciona como uma barreira química e mecânica, e também está envolvido nas interações célula-célula e célula-matriz. Difusão Passiva na Membrana: Pequenas moléculas não polares, como O2 e CO2, se dissolvem rapidamente em bicamadas lipídicas e, portanto, difundem-se rapidamente através delas; além disso, as moléculas hidrofóbicas (p. ex., as moléculas à base de esteroides, como estradiol ou vitamina D) também atravessam bicamadas lipídicas com relativa impunidade. Do mesmo modo, as moléculas polares prontamente atravessam as membranas (p. ex., água, etanol e ureia). No entanto, em tecidos nos quais a água é transportada em grandes volumes (p. ex., epitélio tubular renal), proteínas integrais especiais de membrana chamadas aquaporinas aumentam o transporte passivo de água. Em contraste, a bicamada lipídica consiste em uma barreira efetiva para a passagem de moléculas polares que pesam mais de 75 dáltons, inclusive aquelas que são apenas ligeiramente maiores, como a glicose. Bicamadas lipídicas também são impermeáveis a íons, não importa quão pequenos sejam, devido à sua carga e ao seu alto grau de hidratação. Carreadores e Canais: Para cada uma das moléculas polares maiores que devem atravessar as membranas para manter as funções celulares normais (p. ex., para a absorção de nutrientes e a eliminação de resíduos), uma proteína específica da membrana plasmática é normalmente necessária. Para espécies de baixo peso molecular (íons e pequenas moléculas), as proteínas de canal e as proteínas carreadoras podem ser utilizadas. Cada molécula transportada (p. ex., íon, açúcar e nucleotídeo) precisa de um transportador, que, em geral, é altamente específico para uma molécula selecionada de cada classe (p. ex., para glicose, mas não para galactose): Proteínas de canal criam poros hidrofílicos que, quando abertos, permitem a rápida movimentação de solutos. Proteínas carreadoras que se ligam ao seu soluto específico e passam por uma série de alterações conformacionais para transferir o ligante através da membrana; seu transporte é relativamente lento. Na maioria dos casos, um gradiente de concentração e/ou elétrico entre o interior e o exterior da célula dirige o movimento dos solutos por meio do transporte passivo. Em alguns casos, o transporte ativo de determinados solutos contra um gradiente de concentração é realizado pelas moléculas carreadoras utilizando a energia liberada pela hidrólise do ATP ou por um gradiente iônico acoplado. ATPases transportadoras também incluem a infame proteína de resistência a múltiplas drogas (MDR) que bombeia os componentes polares (p. ex., drogas quimioterápicas) para fora das células e tornam as células do câncer resistentes ao tratamento. Como as membranas plasmáticas são livremente permeáveis à água, ela se move para dentro e para fora das células por osmose, dependendo das concentrações relativas de solutos. Assim, o sal extracelular em excesso em relação ao citosol (hipertonicidade) resulta no movimento da água para fora das células, enquanto a hipotonicidade tem como consequência sua mobilização para dentro das células. Como o citosol é rico em metabolitos carregados e proteínas que atraem um grande número de íons opostos que tendem a aumentar a osmolaridade intracelular, as células precisam bombear constantemente para fora pequenos íons inorgânicos (p. ex., Na+ e Cl-), tipicamente através da atividade da Na+-K+ ATPase da membrana, para que não fiquem excessivamente hidratadas. Portanto, a perda da capacidade de geração de energia (p. ex., em uma célula lesada por tóxicos ou isquemia) resulta em tumefação osmótica e eventual ruptura das células. Mecanismos de transporte similares também regulam o pH dentro da célula e das organelas. Captação através da fase fluida e mediada por receptor: A captação de líquidos e macromoléculas pela célula, denominada endocitose, ocorre por intermédio de dois mecanismos fundamentais. Algumas pequenas moléculas, incluindo algumas vitaminas, são apanhadas por invaginações da membrana plasmática chamadas cavéolas. Para moléculas maiores, a captação se dá após a ligação a receptores específicos da superfície celular, enquanto a internalização ocorre através de um processo de invaginação da membrana coordenado por proteínas de revestimento chamadas clatrinas. A clatrina é um hexâmero de proteínas que se agrega espontaneamente em uma estrutura em forma de cesto para conduzir o processo de invaginação. O processo por meio do qual as moléculas grandes são exportadas a partir de células é denominado exocitose. Nesse processo, as proteínas sintetizadas e embaladas dentro do RER e do complexo de Golgi são concentradasem vesículas secretoras, que, em seguida, se fundem com a membrana plasmática e expelem seu conteúdo. Transcitose consiste no movimento de vesículas endocíticas entre os compartimentos apical e basolateral das células; esse é um mecanismo para a transferência de grandes quantidades de proteínas intactas através das barreiras epiteliais ou para o movimento rápido de grandes volumes de soluto. De fato, o aumento da transcitose provavelmente desempenha papel relevante no aumento da permeabilidade da parede vascular observado na cicatrização de feridas e em tumores. Endocitose mediada por cavéolas. Cavéolas são invaginações não revestidas da membrana plasmática associadas a moléculas ligadas ao GPI, proteínas ligadas ao monofosfato de adenosina cíclico (cAMP), cinases da família SRC e ao receptor de folato. A caveolina é a principal proteína estrutural da cavéola. A internalização da cavéola com quaisquer moléculas ligadas a líquido extracelular é, às vezes, chamada de potocitose. Embora as cavéolas provavelmente participem da entrega transmembrana de algumas moléculas (p. ex., o folato), estão cada vez mais envolvidas na regulação da sinalização transmembrana e/ou na adesão celular através da internalização de receptores e integrinas. Pinocitose e endocitose mediada por receptor. A pinocitose (“ingestão de líquido pela célula”) descreve um processo da fase fluida durante o qual a membrana plasmática invagina e é destacada para formar uma vesícula citoplasmática. Vesículas endocíticas podem ser recicladas, voltando para a membrana plasmática (exocitose) ou para mais uma rodada de ingestão. A pinocitose e a endocitose mediada por receptor começam em uma região especializada da membrana plasmática denominada depressão revestida por clatrina, que rapidamente invagina e se destaca para formar uma vesícula revestida por clatrina. As vesículas rapidamente se descobrem e se fundem a uma estrutura intracelular ácida denominada endossomo inicial, onde descarregam seu conteúdo para a digestão e posterior passagem para o lisossomo. A endocitose mediada por receptor é o principal mecanismo de captação de algumas macromoléculas, como exemplificado pela transferrina e a lipoproteína de baixa densidade (LDL). Essas macromoléculas se ligam a receptores que se situam em depressões revestidas por clatrina. Após a ligação aos seus receptores específicos, a LDL e a transferrina sofrem endocitose em vesículas que se fundem com os lisossomos. No ambiente ácido do lisossomo, a LDL e a transferrina liberam sua carga (colesterol e ferro, respectivamente), que, subsequentemente, é absorvida para dentro do citoplasma. Notavelmente, os receptores de LDL e de transferrina mostram- se resistentes ao ambiente hostil do lisossomo, o que permite que sejam reciclados de volta para a membrana plasmática. Defeitos no transporte mediado por receptores de LDL são responsáveis pela hipercolesterolemia familial. Citoesqueleto e Interações Célula-Célula: A capacidade das células de adotar uma forma particular, manter sua polaridade, organizar o relacionamento entre as organelas intracelulares e de se mover depende do arcabouço intracelular de proteínas denominado de citoesqueleto. Em células eucarióticas, existem três classes principais de proteínas do citoesqueleto: Microfilamentos de actina são fibrilas de 5 a 9 nm de diâmetro formados a partir da proteína globular actina (actina G), a proteína citosólica mais abundante nas células. Os monômeros de actina G se polimerizam de forma não covalente em longos filamentos (actina F) que se entrelaçam formando hélices duplas, com uma polaridade definida; novas subunidades globulares, então, são adicionadas (ou perdidas) na extremidade“positiva” do cordão. Em células musculares, a proteína filamentosa miosina se une à actina, e se move ao longo dela, impelida pela hidrólise do ATP (a base da contração muscular). Em células não musculares, a actina F é montada por uma variedade de proteínas de ligação da actina em feixes bem organizados e redes que controlam a forma e o movimento da célula. Os filamentos intermediários são fibrilas com 10 nm de diâmetro que compõem uma família grande e heterogênea. Tipos individuais apresentam padrões de expressão tecido-específicos característicos, que podem ser úteis para se determinar a célula de origem em tumores pouco diferenciados. Interações Célula-Célula: As células interagem e se comunicam entre si pela formação de junções que fornecem ligações mecânicas e que permitem que receptores de superfície reconheçam ligantes em outras células. As junções celulares estão organizadas em três tipos básicos: Junções oclusivas selam juntas as células adjacentes, criando uma barreira contínua que restringe o movimento paracelular (entre as células) de íons e outras moléculas. Vistas de frente, as junções oclusivas formam uma rede firme, em forma de malha, de contatos macromoleculares entre as células vizinhas. Os complexos que medeiam as interações célula-célula são compostos por múltiplas proteínas transmembranares, incluindo ocludina, claudina, zonulina e catenina. Além de formar uma barreira de alta resistência ao movimento do soluto, essa zona também representa o limite que permite a segregação dos domínios apical e basolaterais das células, ajudando a manter a polaridade celular. No entanto, essas junções (bem como os desmossomos) são estruturas dinâmicas que podem dissociar-se e se reconstruir conforme necessário, a fim de facilitar a proliferação epitelial ou a migração de células inflamatórias. Junções aderentes (desmossomos) ligam mecanicamente as células − e seus citoesqueletos – a outras células ou à matriz extracelular (MEC). Quando o objetivo é a adesão entre células, e ela é pequena, é denominada desmossomo ou mácula de adesão. Quando o objetivo consiste em ligar a célula à MEC, ela é chamada hemidesmossomo. Domínios de adesão semelhantes também podem ocorrer como amplas faixas entre as células, quando são designados desmossomos em cinturão (também chamadas zônulas de adesão ou zonula adherens). Junções desmossômicas célula-célula são formadas pela associação homotípica de glicoproteínas transmembrana chamadas caderinas. No desmossomo, as caderinas são chamadas de desmogleínas e desmocolinas; elas estão ligadas a filamentos intermediários intracelulares, permitindo que as forças mecânicas extracelulares sejam distribuídas (e dissipadas) sobre várias células. Nos desmossomos em cinturão (zônulas de adesão), as moléculas de adesão transmembrana são chamadas caderinas E e estão associadas aos microfilamentos intracelulares de actina, por meio dos quais é possível influenciar a forma e/ou a motilidade celular. Nos hemidesmossomos, as proteínas conectoras transmembrana são chamadas integrinas; assim como as caderinas, essas se ligam aos filamentos intracelulares intermediários e, assim, ligam funcionalmente o citoesqueleto à matriz extracelular. Complexos de adesão focal são grandes complexos macromoleculares que podem situar-se ao lado de hemidesmossomos e incluem proteínas com a capacidade de gerar sinais intracelulares quando as células são submetidas a aumento na tensão de cisalhamento, como o endotélio na corrente sanguínea ou os miócitos cardíacos na insuficiência cardíaca. Junções comunicantes (gap junctions) medeiam a passagem de sinais químicos ou elétricos de uma célula para outra. A junção é constituída por um arranjo plano, denso, com poros (chamados conéxons), formado por hexâmeros de proteínas transmembrana chamadas conexinas. Esses poros permitem a passagem de íons, nucleotídeos, açúcares, aminoácidos, vitaminas e outras moléculas pequenas; a permeabilidade da junção é rapidamente diminuída pela redução do pH intracelular e pelo aumento dos níveis de cálcio intracelular. As junções comunicantes desempenham papel fundamental na comunicação célula-célula; nos miócitos cardíacos, por exemplo, o fluxo de cálcio célula-célulaatravés das junções comunicantes permite que o miocárdio se comporte como um sincício funcional que realiza ondas de contração coordenadas – os batimentos cardíacos. Maquinaria Biossintética: Retículo Endoplasmático e Complexo de Golgi O retículo endoplasmático (RE) é o local para a síntese de todas as proteínas e lipídios transmembrana para a membrana plasmática e as organelas celulares, incluindo o próprio RE. Trata-se também do local inicial para a síntese de todas as moléculas destinadas à exportação pela célula. O RE é organizado em uma rede interligada de tubos ramificados e lamelas achatadas, configurando um labirinto formado por uma folha contínua que reveste uma luz, que, topologicamente, é equivalente ao ambiente extracelular. O RE é composto por domínios contíguos, mas distintos, que se diferenciam pela presença (RE rugoso ou RER) ou ausência (RE liso ou REL) de ribossomos. Os ribossomos ligados à face citosólica da membrana do RER traduzem o RNAm em proteínas que são liberadas dentro da luz do RE ou que se integram na própria membrana do RE. Esse processo é dirigido por sequências sinalizadoras específicas nas regiões N-terminais das proteínas nascentes. No caso de proteínas que não possuem uma sequência sinalizadora, a tradução ocorre em ribossomos livres no citoplasma. Tipicamente, essas transcrições são lidas de forma simultânea por vários ribossomos (polirribossomos), e a maioria dessas proteínas permanece no citoplasma. As proteínas liberadas dentro do RE se dobram e podem formar complexos polipeptídicos (oligomerizar); além disso, formam-se ligações dissulfeto e são acrescidos oligossacarídeos ligados ao N (açúcares associados aos resíduos de asparagina). As moléculas chaperonas retêm as proteínas do RE até que essas modificações sejam concluídas e sua correta conformação seja alcançada. Se uma proteína não se dobrar ou oligomerizar apropriadamente, é retida e degradada dentro do RE. A mutação patogênica mais comum envolvendo a proteína CFTR, um transportador de membrana que é defeituoso na fibrose cística, ilustra esse mecanismo de controle de qualidade. Essa mutação provoca ausência de um único aminoácido, o que leva a dobramento incorreto, retenção no RE e degradação da proteína CFTR. Além disso, o acúmulo de proteínas maldobradas, que excede a capacidade do RE para editá-las e degradá-las, conduz à resposta denominada estresse do RE (também chamada de resposta à proteína maldobrada ou UPR – do inglês unfolded protein response), que desencadeia a morte celular por apoptose. A partir do RER, proteínas e lipídios destinados a outras organelas ou para exportação extracelular são transportados para o aparelho de Golgi (ou complexo de Golgi). Essa organela é composta por cisternas empilhadas que, progressivamente, modificam as proteínas de forma ordenada da face cis (perto do RE) à face trans (perto da membrana plasmática); as macromoléculas, então, são transportadas entre as várias cisternas no interior de vesículas revestidas por membrana. Como as moléculas se movem da face cis para a face trans, os oligossacarídeos N-terminais originalmente adicionados às proteínas no RE são podados e, após, modificados de maneira escalonada; os oligossacarídeos ligados ao O (porções de açúcares ligadas a serina ou treonina) também são acrescentados. Parte dessa glicosilação é importante no direcionamento de moléculas para os lisossomos (através do receptor de manose-6-fosfato); outros resíduos de glicosilação podem ser importantes para as interações célula-célula ou célula-matriz, ou para a eliminação de células senescentes (p. ex., plaquetas e hemácias). Além da glicosilação escalonada de lipídios e proteínas, a rede cis-Golgi pode reciclar proteínas de volta para o RE; a rede trans-Golgi seleciona as proteínas e os lipídios, enviando-os para outras organelas (incluindo a membrana plasmática) ou para vesículas secretoras destinadas à liberação extracelular. O complexo de Golgi é especialmente proeminente nas células especializadas em secreção, incluindo as células caliciformes do intestino, as do epitélio brônquico (que secretam mucopolissacarídeos) e plasmócitos (que secretam anticorpos). Na maioria das células, o REL é escasso e existe principalmente como zona de transição do RER para transportar vesículas que se deslocam para o Golgi. No entanto, em células que sintetizam hormônios esteroides (p. ex., nas gônadas ou glândulas adrenais), ou que catabolizam moléculas lipossolúveis (p. ex., no fígado), o REL é particularmente conspícuo. De fato, a exposição repetida a compostos que são metabolizados pelo REL (p. ex., catabolismo do fenobarbital pelo sistema do citocromo P-450) pode levar a uma hiperplasia reativa do REL. O REL também é responsável pelo sequestro de cálcio intracelular; a subsequente liberação do REL para o citosol pode mediar respostas a sinais extracelulares (incluindo morte celular por apoptose). Além disso, em células musculares, o REL especializado, chamado retículo sarcoplasmático, é responsável pela liberação e o sequestro cíclico de íons cálcio, que regulam a contração e o relaxamento muscular, respectivamente. Eliminação de Resíduos: Lisossomos e Proteassomos A eliminação de resíduos celulares depende das atividades dos lisossomos e proteassomos. Lisossomos são organelas revestidas por membrana que contêm cerca de quarenta hidrolases ácidas diferentes (ou seja, enzimas que funcionam melhor em pH ácido ≤ 5); essas hidrolases incluem proteases, nucleases, lipases, glicosidases, fosfatases e sulfatases. Inicialmente, as enzimas lisossômicas são sintetizadas na luz do RE e, em seguida, “etiquetadas” com um resíduo de manose-6--fosfato (M6P) dentro do complexo de Golgi. Após, essas proteínas modificadas pelo M6P são entregues aos lisossomos através das vesículas do trans-Golgi, que expressam receptores para MP6. As outras macromoléculas destinadas ao catabolismo nos lisossomos chegam por uma das seguintes três vias: O material internalizado por pinocitose de fase fluida ou por endocitose mediada por receptores passa da membrana plasmática para o endossomo inicial, para o endossomo tardio e, finalmente, para o lisossomo. O endossomo inicial é o primeiro compartimento ácido encontrado, enquanto as enzimas proteolíticas só iniciam a digestão significativa no endossomo tardio; e os endossomos tardios amadurecem e se tornam lisossomos. No processo de maturação, a organela se torna progressivamente mais ácida. Organelas senescentes e grandes complexos de proteínas desnaturadas são transportados para os lisossomos por um processo chamado de autofagia. Por meio de mecanismos malcompreendidos, as organelas obsoletas são encurraladas por uma membrana dupla derivada do retículo endoplasmático; a membrana, então, se expande progressivamente para cercar uma coleção de estruturas e formar um autofagossomo, o qual, por sua vez, se funde com os lisossomos; em seguida, os conteúdos são catabolizados. Além de facilitar a renovação de estruturas velhas ou mortas, a autofagia também é utilizada para preservar a viabilidade celular durante a depleção de nutrientes. A fagocitose de microrganismos ou grandes fragmentos de matriz ou detritos ocorre principalmente em fagócitos profissionais (macrófagos ou neutrófilos). O material é englobado para formar um fagossomo que, posteriormente, se funde com um lisossomo. Proteassomos desempenham papel relevante na degradação das proteínas citosólicas; eles incluem as proteínas desnaturadas ou maldobradas, assim como qualquer outra macromolécula cujo tempo de vida necessite ser regulado (p. ex., fatores de transcrição). Muitas proteínas destinadas à destruição são identificadas por ligação covalente a uma pequena proteína de 76 aminoácidos chamada ubiquitina. Moléculas poliubiquitinadas são, então, desdobradas e canalizadas para o complexo de proteossomo polimérico, um cilindro que contém múltiplas atividades diferentes de protease, cada qual com suaárea ativa apontada para o núcleo oco. Os proteossomos digerem as proteínas em fragmentos pequenos que, posteriormente, podem ser degradados em seus aminoácidos constituintes e, em seguida, reciclados. METABOLISMO CELULAR E FUNÇÃO MITOCONDRIAL As mitocôndrias evoluíram a partir de ancestrais procariontes que foram englobados por eucariontes primitivos há cerca de 1,5 bilhão de anos. Sua origem explica por que as mitocôndrias contêm seu próprio DNA, que codifica 1% do total de proteínas celulares e cerca de 20% das proteínas envolvidas na fosforilação oxidativa. Embora seus genomas sejam pequenos, as mitocôndrias podem realizar todos os passos de replicação de DNA, transcrição e tradução. As mitocôndrias fornecem a maquinaria enzimática para a fosforilação oxidativa (e, assim, a geração relativamente eficiente de energia usando glicose e ácidos graxos como substratos). Elas também desempenham papel importante no metabolismo anabólico e fundamental na regulação da morte celular programada, conhecida como apoptose. Geração de Energia: Cada mitocôndria tem duas membranas separadas e especializadas. A membrana interna, que contém as enzimas da cadeia respiratória, exibe dobras que formam cristas. Ela envolve um espaço matricial central que abriga grande quantidade de enzimas metabólicas, por exemplo, as enzimas do ciclo do ácido cítrico. Fora da membrana interna, está o espaço intermembranoso, local de síntese de ATP, que é, por sua vez, fechado pela membrana externa; esta última é repleta de proteínas porinas que formam canais aquosos permeáveis a pequenas moléculas. As moléculas maiores (e algumas espécies menores polares) precisam de transportadores específicos. A principal fonte de energia para executar todas as funções celulares básicas deriva do metabolismo oxidativo. As mitocôndrias oxidam os substratos a CO2, transferindo os elétrons de alta energia da molécula original (p. ex., açúcar) para o oxigênio molecular, gerando os elétrons de baixa energia da água. A oxidação de vários metabólitos aciona as bombas de íons hidrogênio (próton), que, por sua vez, transferem H+ da matriz central para o espaço intermembranoso. Como o fluxo retrógrado de íons H+ é baixo, forma-se um gradiente eletroquímico, e a energia liberada é utilizada na síntese do trifosfato de adenosina (ATP). Através da função da termogenina, uma proteína da membrana interna, a energia pode ser utilizada para gerar calor. Assim, tecidos com altos níveis de termogenina, como o tecido adiposo marrom, podem gerar calor através da termogênese sem tremor. Como um subproduto natural da oxidação dos substratos e do transporte de elétrons, as mitocôndrias também são importante fonte de espécies reativas do oxigênio (p. ex., radicais livres do oxigênio, peróxido de hidrogênio); e, mais importante, a hipóxia, a agressão tóxica ou mesmo o envelhecimento mitocondrial podem provocar níveis significativamente elevados de estresse oxidativo intracelular. As mitocôndrias estão constantemente se renovando, com meia-vida estimada variando de 1 a 10 dias, dependendo do tecido, do estado nutricional, das demandas metabólicas e das lesões intercorrentes. Metabolismo Intermediário: A fosforilação oxidativa pura produz ATP abundante, mas também “queima” glicose, CO2 e H2O, sem deixar resíduos de carbono adequados para uso como blocos de construção de lipídios ou proteínas. Por esse motivo, células que estão proliferando rapidamente (tanto as benignas quanto as malignas) aumentam a captação de glicose e glutamina e diminuem a produção de ATP por molécula de glicose, um fenômeno conhecido como efeito Warburg. Tanto a glicose como a glutamina fornecem resíduos de carbono que dão início ao ciclo TCA mitocondrial (ciclo dos ácidos tricarboxílicos, ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs), mas, em vez de serem utilizados para gerar o ATP, os intermediários são “desviados” para fazer lipídios, ácidos nucleicos e proteínas. Portanto, dependendo do estado de crescimento da célula, o metabolismo mitocondrial pode ser modulado para suportar a manutenção celular ou o crescimento celular. No final, essas decisões metabólicas são governadas por fatores de crescimento, nutrientes e suprimento de oxigênio, e também por vias e sensores de sinalização celular que respondem a esses fatores exógenos. Morte Celular: Além de fornecer ATP e metabólitos que permitem a maior parte da atividade celular, as mitocôndrias também regulam o equilíbrio entre sobrevivência e morte celular. Existem duas vias principais de morte celular: Necrose: Agressões externas à célula (tóxicos, isquemia, trauma) podem danificar as mitocôndrias, levando à formação de poros de transição de permeabilidade mitocondrial na membrana externa. Esses canais permitem a dissipação do potencial protônico, de modo que a geração de ATP mitocondrial falha e a célula morre. Apoptose: A morte celular programada é uma característica central do desenvolvimento e da renovação normal dos tecidos, podendo ser desencadeada por sinais extrínsecos (incluindo células T citotóxicas e citocinas inflamatórias) ou vias intrínsecas (incluindo danos ao DNA e estresse intracelular). As mitocôndrias desempenham papel fundamental na via intrínseca da apoptose. Se as mitocôndrias estiverem danificadas (um sinal de estresse ou lesão celular irreversível) ou se a célula não puder sintetizar quantidades adequadas de proteínas de sobrevivência (devido à deficiência dos fatores de crescimento), as mitocôndrias se tornam permeáveis. O citocromo c, que é normalmente sequestrado do interior da mitocôndria, é liberado para o citosol, onde forma um complexo com outras proteínas que ativam as caspases, enzimas que levam à apoptose. A falha na apoptose pode contribuir para a oncogênese, e o excesso de apoptose pode conduzir à morte celular prematura, tal como ocorre em algumas doenças neurodegenerativas. ATIVAÇÃO CELULAR A comunicação celular é fundamental nos organismos multicelulares. No nível mais básico, os sinais extracelulares determinam se uma célula vive ou morre, ou se permanece quiescente ou é estimulada a desempenhar sua função específica. A sinalização intercelular é importante para o desenvolvimento embrionário e para a manutenção da organização dos tecidos; também é importante para um organismo sadio, assegurando que os tecidos respondam, de maneira adaptativa e efetiva, às diferentes ameaças, por exemplo, um trauma tecidual local ou uma infecção sistêmica. A perda de comunicação celular e dos “controles sociais” que mantêm as relações normais entre as células pode conduzir a um crescimento desregulado (câncer) ou a uma resposta ineficaz a um agressor extrínseco (como no estado de choque). Sinalização Celular: Uma célula individual, cronicamente exposta a uma variedade notável de sinais, deve selecioná-los e integrá-los em algum tipo de resultado racional. Alguns sinais levam à diferenciação de determinado tipo de célula, enquanto outros estimulam sua proliferação, e outros direcionam a célula para realizar uma função especializada. Além disso, múltiplos sinais recebidos combinados podem desencadear outra resposta totalmente original. Muitas células precisam de certos estímulos para continuar vivendo; na ausência desses sinais exógenos apropriados, elas morrem por apoptose. Os sinais aos quais a maioria das células responde podem ser classificados em vários grupos: Danos a células vizinhas e patógenos. Muitas células têm a capacidade inata de detectar e responder a células danificadas (sinais de perigo), bem como a invasores estranhos, tais como os micróbios. Contato com células vizinhas, mediado por moléculas de adesão e/ou junções comunicantes (gap junctions). A sinalização por junções comunicantes é realizada entre células adjacentes através de conéxons hidrofílicos que permitem o movimento de pequenos íons (p. ex., cálcio), vários metabólitos e moléculas de segundos- mensageiros potenciais como a cAMP,mas não de macromoléculas maiores. Contato com a MEC, mediada por integrinas no contexto da fixação de leucócitos a outras células durante a inflamação. Moléculas secretadas. As moléculas secretadas mais importantes são: os fatores de crescimento; as citocinas, um termo reservado aos mediadores das respostas inflamatória e imunológica; e os hormônios, que são secretados por órgãos endócrinos e atuam em diferentes tipos de células. As vias de sinalização extracelulares célula-célula são classificadas em diferentes tipos, com base na distância na qual o sinal atua: Sinalização parácrina. Apenas células nas proximidades imediatas são afetadas. Para ocorrer isso, deve haver apenas uma difusão mínima, sendo o sinal rapidamente degradado ou absorvido por outras células, ou ainda aprisionado na matriz extracelular. A sinalização autócrina ocorre quando as moléculas secretadas por uma célula afetam a própria célula. Pode ser um meio para convocar grupos de células que sofrem diferenciação sincronizada durante o desenvolvimento, ou pode ser utilizada para amplificar uma resposta celular ou para sua inibição por retroalimentação (feedback). Sinalização sináptica (ou neurócrina). Neurônios ativados secretam neurotransmissores em junções celulares especializadas (sinapses) em células-alvo. Sinalização endócrina. Um mediador é liberado na corrente sanguínea e age sobre as células-alvo à distância. Independentemente da forma do estímulo extracelular (parácrino, sináptico ou endócrino), o sinal é transmitido para a célula através de uma proteína receptora específica. As moléculas de sinalização (ligantes) se ligam a seus respectivos receptores e dão início a uma cascata de eventos intracelulares que culminam na resposta celular desejada. Os ligantes, em geral, apresentam alta afinidade com os receptores e, em concentrações fisiológicas, se ligam aos receptores com extraordinária especificidade. Os receptores podem estar presentes na superfície celular ou situados no interior da célula. Receptores intracelulares são fatores de transcrição ativados por ligantes lipossolúveis que podem facilmente atravessar a membrana plasmática. Exemplos de ligantes hidrofóbicos permeáveis através das células para essa classe de receptores incluem vitamina D e hormônios esteroides, que, por sua vez, ativam os receptores hormonais nucleares. Com menos frequência, o ligante de sinalização se difunde pelas células adjacentes; esse é o caso do óxido nítrico, que ativa diretamente a enzima guanilil-ciclase para gerar GMP cíclico, um segundo mensageiro intracelular. Receptores de superfície celular são, em geral, proteínas transmembrana com domínios extracelulares que se unem a ligantes solúveis secretados. Dependendo do receptor, a interação com o ligante pode: (1) abrir canais iônicos (em geral, nas sinapses entre as células eletricamente excitáveis), (2) ativar uma proteína reguladora ligada ao GTP (proteína G) associada, (3) ativar uma enzima endógena ou associada (muitas vezes, uma tirosina- cinase), ou (4) desencadear um evento proteolítico ou uma alteração na ligação ou estabilidade em proteínas que ativam um fator de transcrição latente. As atividades (2) e (3) estão associadas a vias de sinalização do fator de crescimento que levam à proliferação celular, enquanto a atividade (4) é uma característica comum das múltiplas vias que regulam o desenvolvimento normal. Compreensivelmente, muitas vezes os sinais transduzidos pelos receptores de superfície celular são descontrolados nos distúrbios do desenvolvimento e no câncer. VIAS DE TRANSDUÇÃO DE SINAL A interação de um ligante com seu receptor de superfície celular medeia a sinalização pela indução do agrupamento do receptor (receptor cross-linking) ou por outros tipos de perturbação física. O ponto comum é que todas essas perturbações causam alteração no estado físico do domínio intracelular do receptor, o qual, em seguida, desencadeia eventos bioquímicos adicionais que conduzem à transdução do sinal. Os receptores celulares são agrupados em vários tipos, com base nos mecanismos de sinalização que utilizam e nas vias bioquímicas intracelulares que ativam. Em geral, a sinalização do receptor conduz à formação ou à modificação de intermédios bioquímicos e/ou à ativação de enzimas, e, por fim, à geração de fatores de transcrição ativos que entram no núcleo e alteram a expressão gênica: Receptores associados à atividade de cinase. A fosforilação a jusante é uma via comum (mas não a única) pela qual esses sinais são transduzidos. Desse modo, as alterações na geometria do receptor podem despertar a atividade intrínseca da proteína-quinase do receptor ou promover a atividade enzimática das cinases intracelulares recrutadas, resultando na adição de resíduos de fosfato carregados nas moléculas-alvo. As tirosina- cinases fosforilam resíduos de tirosina específicos, enquanto as serina-treonina-quinases adicionam fosfatos aos resíduos distintos de serina ou treonina e, por fim, as quinases lipídicas fosforilam substratos lipídicos. Para cada evento de fosforilação, há também uma fosfatase, uma enzima que possa remover o resíduo de fosfato e, assim, modular a sinalização; em geral, as fosfatases desempenham papel inibitório na transdução de sinal. Os receptores das tirosina-cinases (RTKs) são proteínas integrais de membrana (p.ex., receptores para insulina, fator de crescimento epidérmico e fator de crescimento derivado da plaqueta), e a ligação cruzada induzida pelo ligantes ativa os domínios intrínsecos da tirosina-cinase localizados em suas caudas citoplasmáticas. Vários tipos de receptores não têm atividade catalítica intrínseca (p. ex., os receptores imunológicos, alguns receptores de citocinas e integrinas). Para esses receptores, uma proteína intracelular, conhecida como tirosina-cinase não receptora, fosforila partes específicas no receptor ou em outras proteínas. Receptores acoplados à proteína G são polipeptídios que atravessam a membrana plasmática sete vezes (daí a sua designação de receptores transmembrana hepta-helicoidais ou receptores serpentina). Após a interação com os ligantes, o receptor se associa a uma proteína de ligação ao GTP (trifosfato de guanosina) intracelular (proteína G), que contém difosfato de guanosina (GDP). A interação da proteína G com o complexo ligante-receptor resulta na ativação através da troca de GDP por GTP. Os futuros eventos de sinalização mediados por receptores resultam na geração de AMP cíclico (AMPc) e inositol-1,4,5, -trifosfato (IP3), este último liberando cálcio do retículo endoplasmático. Receptores nucleares. Os ligantes lipossolúveis podem difundir-se dentro das células, onde interagem com as proteínas intracelulares formando um complexo ligante- receptor, que interage diretamente com DNA nuclear; os resultados podem ser tanto de ativação quanto de repressão da transcrição gênica. FATORES DE CRESCIMENTO E SEUS RECEPTORES O principal papel dos fatores de crescimento é estimular a atividade de genes que são necessários ao crescimento e à divisão celulares. A atividade do fator de crescimento é mediada pela ligação a receptores específicos, influenciando, por fim, a expressão de genes que podem: Promover a entrada de células no ciclo celular. Aliviar bloqueios à progressão do ciclo celular (promovendo a replicação). Evitar apoptose. Ativar a biossíntese dos componentes celulares (ácidos nucleicos, proteínas, lipídios e carboidratos), necessários para que uma célula-mãe dê origem a duas células-filhas. Embora os fatores de crescimento sejam, em geral, considerados proteínas que estimulam a proliferação e/ou a sobrevivência das células, é importante lembrar que também podem dirigir diversas outras atividades na célula, incluindo migração, diferenciação e capacidade de síntese. Os fatores de crescimento estão envolvidos na proliferação de células, tanto no estado de homeostasia quanto apósuma lesão, quando células irreversivelmente lesadas precisam ser substituídas. A proliferação não controlada pode ocorrer quando a atividade do fator de crescimento está desregulada ou quando suas vias de sinalização são alteradas para se tornar constitutivamente ativas. Como muitos genes das vias dos fatores de crescimento são proto-oncogenes, mutações com ganho de função nesses genes podem convertê-los em oncogenes capazes de promover proliferação celular irrestrita e formar tumores. INTERAÇÃO COM A MATRIZ EXTRACELULAR A matriz extracelular (MEC) é uma rede de proteínas intersticiais que constituem uma proporção significativa de qualquer tecido. Interações celulares com a MEC são essenciais ao desenvolvimento e à restauração teciduais, bem como para manter normal a arquitetura dos tecidos. A MEC exerce diversas funções-chave: Suporte mecânico para ancoragem e migração celular, além de manutenção da polaridade celular. Controle da proliferação celular pela exposição e a interação dos fatores de crescimento e de sinalização através de receptores celulares da família das integrinas. A MEC fornece um reservatório para diversos fatores de crescimento latentes, os quais podem ser ativados dentro de focos de lesão ou inflamação. Esqueleto para a renovação tecidual. Como a manutenção da estrutura normal dos tecidos requer uma membrana basal ou um arcabouço de estroma, a integridade da membrana basal ou do estroma das células parenquimatosas é essencial para a regeneração organizada dos tecidos. Dessa forma, a destruição da MEC resulta em regeneração e reparo teciduais defeituosos, como ocorre no desenvolvimento da cirrose hepática que se segue à lesão hepatocelular com colapso do estroma hepático. Estabelecimento de microambientes teciduais. A membrana basal funciona como uma espécie de fronteira entre o epitélio e o tecido conjuntivo subjacente; não apenas fornece suporte ao epitélio, como também é funcional. Por exemplo, no rim, ela integra o aparelho de filtração glomerular. A MEC está em constante remodelamento; sua síntese e degradação acompanham a morfogênese, a regeneração e a reparação dos tecidos, a fibrose crônica e a invasão e metástase de tumores. A MEC ocorre em duas formas básicas: matriz intersticial e membrana basal: A matriz intersticial está presente nos espaços entre as células no tecido conjuntivo, e entre o epitélio parenquimatoso e as estruturas de suporte vasculares e de musculatura lisa subjacentes. A matriz intersticial é sintetizada pelas células mesenquimais (p. ex., fibroblastos), formando um gel relativamente amorfo tridimensional. Seus principais componentes são colágenos não fibrilares e fibrilares, bem como fibronectina, elastina, proteoglicanos, hialuronatos e outros constituintes (ver adiante). Membrana basal. A organização aparentemente aleatória de matriz intersticial dos tecidos conjuntivos torna-se altamente organizada em torno das células epiteliais, endoteliais e musculares lisas, formando a membrana basal especializada. A membrana basal é sintetizada por contribuições tanto do epitélio sobrejacente como das células mesenquimais subjacentes, formando uma malha plana e delgada, (embora rotulada como membrana, ela é bastante porosa). Os principais componentes são o colágeno não fibrilar amorfo tipo IV e a laminina. Componentes da Matriz Extracelular: Os componentes da MEC pertencem a três grupos de proteínas: Proteínas estruturais fibrosas, como os colágenos e as elastinas, que conferem força tênsil e elasticidade. Coloides hidratados, como proteoglicanos e hialuronana (ou ácido hialurônico), que oferecem resistência à compressão e à lubrificação. Glicoproteínas adesivas, que conectam os elementos da MEC entre si e com as células. Colágenos: Colágenos são tipicamente compostos por três cadeias polipeptídicas separadas, entrelaçadas em uma hélice tripla em forma de corda. Alguns tipos de colágeno (p. ex., colágenos tipos I, II, III, V) formam fibrilas lineares estabilizadas por ligações de hidrogênio entre as cadeias; esses colágenos fibrilares formam a parte principal do tecido conjuntivo em estruturas como osso, tendão, cartilagem, vasos sanguíneos e pele, bem como restauram feridas e, em particular, atuam no processo de cicatrização. A força tênsil dos colágenos fibrilares se deve à ligação cruzada lateral das hélices triplas, formada por ligações covalentes promovidas pela atividade da lisil-oxidase. Como esse processo é dependente da vitamina C, crianças com deficiência de ascorbato apresentam deformidades esqueléticas, enquanto pessoas de qualquer idade com deficiência de vitamina C sangram com facilidade devido à frágil membrana basal da parede vascular e apresentam dificuldade no processo de cicatrização. Defeitos genéticos nos colágenos causam doenças como osteogênese imperfeita e certas formas da síndrome de Ehlers-Danlos. Colágenos não fibrilares contribuem para a estrutura das membranas basais (colágeno tipo IV); ajudam a regular os diâmetros das fibrilas de colágeno ou interações colágeno-colágeno através do chamado colágeno associado à fibrila com hélices triplas interrompidas (FACITs, como o colágeno tipo IX na cartilagem); ou fornecem fibrilas de ancoragem à membrana basal sob o epitélio escamoso estratificado (colágeno tipo VII). Elastina: A capacidade elástica que os tecidos possuem de recuperar sua forma após uma deformação física é conferida pela elastina. Isso é especialmente importante nas valvas cardíacas e nos grandes vasos sanguíneos (os quais devem acomodar o fluxo pulsátil recorrente), assim como no útero, na pele e nos ligamentos. Morfologicamente, as fibras elásticas consistem de um núcleo central de elastina associado a uma malha entrecruzada composta de fibrilina. Proteoglicanos e hialuronana: Os proteoglicanos formam um gel altamente hidratado compressível que oferece resistência às forças de compressão; na cartilagem articular, os proteoglicanos também proporcionam uma camada de lubrificação entre as superfícies ósseas adjacentes. Os proteoglicanos consistem de polissacarídeos longos, denominados glicosaminoglicanos (alguns exemplos são o sulfato de queratana e o sulfato de condroitina), unidos a uma proteína central; estas, em seguida, são ligadas a um longo polímero de ácido hialurônico chamado de hialuronano. A natureza altamente eletronegativa dos açúcares sulfatados densamente reunidos atrai os cátions (em especial, o sódio), os quais, por sua vez, atraem osmoticamente água; o resultado é uma matriz gelatinosa e viscosa. Além de suportar a compressibilidade dos tecidos, os proteoglicanos também atuam como reservatórios para fatores de crescimento secretados dentro da MEC. Alguns proteoglicanos são proteínas integrais da membrana celular, que desempenham funções na proliferação, migração e adesão de células, por exemplo, através da interação com os fatores de crescimento e quimiocinas e proporcionando altas concentrações locais desses mediadores. Glicoproteínas adesivas e receptores de adesão são moléculas estruturalmente diversas, envolvidas na adesão célula- célula, ligação de células à MEC e interações entre os componentes da MEC. Glicoproteínas adesivas típicas são a fibronectina (um dos principais componentes da MEC intersticial) e a laminina (um dos principais constituintes da membrana basal). As integrinas são representantes dos receptores de adesão, também conhecidas como moléculas de adesão celular (CAMs); as CAMs também incluem munoglobulinas, caderinas e selectinas. A fibronectina é um grande heterodímero ligado por pontes dissulfeto que existe nas formas tecidual e plasmática; é sintetizada por uma variedade de células, incluindo fibroblastos, monócitos e endotélio. A fibronectina possui domínios específicos que podem ligar-se a diferentes componentes da MEC (p. ex., colágeno, fibrina, heparina e proteoglicanos), bem como às integrinas. Na restauração de feridas, a fibronectinatecidual e plasmática fornece a estrutura para a deposição subsequente da MEC, angiogênese e reepitelização. A laminina é a glicoproteína mais abundante na membrana basal. Trata-se de um heterotrímero cruciforme que conecta as células aos componentes da MEC subjacente, como o colágeno tipo IV e o heparansulfato. Além de mediar a aderência à membrana basal, a laminina também pode modular a proliferação, a diferenciação e a motilidade celulares. As integrinas são uma grande família de glicoproteínas heterodiméricas transmembrana (compostas de α- e β- subunidades) que permitem a adesão das células aos constituintes da MEC, como fibronectina e laminina, ligando funcional e estruturalmente o citoesqueleto intracelular ao mundo exterior. As integrinas na superfície dos leucócitos também são essenciais para mediar a adesão forte e a transmigração (ou diapedese, NR) através do endotélio nos locais de inflamação, e desempenham papel crítico na agregação plaquetária. As integrinas aderem aos componentes da MEC através de um determinante tripeptídico de argininaglicina- aspartato (cuja abreviatura é RGD). Além de proporcionar a aderência focal aos substratos subjacentes, a ligação através dos receptores de integrina também pode desencadear a sinalização em cascatas, influenciando a locomoção, a proliferação, a forma e a diferenciação celulares. MANUTENÇÃO DAS POPULAÇÕES CELULARES Proliferação e Ciclo Celular: A proliferação celular é fundamental para o desenvolvimento, a manutenção do equilíbrio homeostático dos tecidos e a substituição de células mortas ou danificadas. Os elementos fundamentais da proliferação celular são a replicação precisa do DNA, acompanhada da síntese coordenada de todos os outros constituintes celulares, seguida pela partilha igual de DNA e de outros constituintes celulares (p. ex., as organelas) para as células-filhas, através de mitose e citocinese. A sequência de eventos que resulta na divisão celular é chamada de ciclo celular; consiste nas fases: G1 (crescimento pré- sintese), S (síntese de DNA), G2 (crescimento pré-miótico) e M (mitótica). As células quiescentes (estáveis) que não estão ativamente ciclando estão em G0. As células podem entrar na fase G1 a partir do pool de células quiescentes ou após o término de uma rodada de mitose, no caso das células em contínua replicação. Cada etapa exige a conclusão da etapa anterior, bem como a ativação dos fatores necessários; a não fidelidade na replicação do DNA, ou a deficiência de um cofator resulta na parada em diversos pontos de transição. O ciclo celular é regulado por ativadores e inibidores. A progressão do ciclo celular é conduzida por proteínas denominadas ciclinas e enzimas associadas às ciclinas chamadas de cinases dependentes de ciclina (CDKs). As CDKs adquirem a capacidade de fosforilar substratos proteicos (i.e., a atividade de cinase) através da formação de complexos com as ciclinas correspondentes. Transitoriamente, o aumento da síntese de determinada ciclina resulta em aumento da atividade de cinase da correspondente CDK parceira de ligação; quando a CDK completa seu ciclo de fosforilação, a ciclina associada é degradada e a atividade da CDK termina. Assim, quando os níveis de ciclina sobem e descem, a atividade das CDKs associadas aumenta e diminui, respectivamente. Integrados ao ciclo celular, existem mecanismos de vigilância preparados para detectar danos ao DNA ou aos cromossomos. Esses pontos de fiscalização de controle de qualidade (checkpoints) garantem que as células com imperfeição genética não completem a replicação. Assim, o checkpoint G1-S monitora a integridade do DNA antes de a célula comprometer irreversivelmente seus recursos na replicação do DNA. Mais tarde, no ciclo celular, o ponto de restrição de G2-M garante que houve a replicação genética correta antes de a célula realmente se dividir. Quando as células detectam irregularidades no DNA, a ativação dos checkpoints retarda a progressão do ciclo celular e ativa os mecanismos de reparo do DNA. Se o dano genético é grave demais para ser reparado, as células entrarão em apoptose; por outro lado, elas podem entrar em um estado de não replicação chamado de senescência – principalmente através de mecanismos dependentes do p53. Obrigar o ciclo celular a obedecer à fiscalização é o trabalho dos inibidores de CDK (CDKIs); eles fazem isso através da modulação da atividade do complexo CDK-ciclina. Existem várias CDKIs diferentes. Células-tronco: Durante o desenvolvimento, as células-tronco dão origem a todos os diversos tecidos diferenciados; no organismo adulto, substituem células danificadas e mantêm as populações celulares dos tecidos enquanto as células individuais dentro deles sofrem senescência replicativa devido ao desgaste dos telômeros. Existe um equilíbrio homeostático entre replicação, autorrenovação e diferenciação das células-tronco e morte das células maduras totalmente diferenciadas. A relação dinâmica entre as células-tronco e o parênquima totalmente diferenciado é particularmente evidente no epitélio, em contínua divisão, da pele. Nele, as células-tronco da camada basal do epitélio diferenciam-se progressivamente à medida que migram para as camadas superiores do epitélio, antes de morrerem e serem descamadas. As células-tronco apresentam duas propriedades importantes: A autorrenovação, que permite que as células-tronco mantenham seu quantitativo. A divisão assimétrica, na qual uma célula-filha entra na via de diferenciação, dando origem a células maduras, enquanto a outra permanece indiferenciada e mantém sua capacidade de autorrenovação. Fundamentalmente existem apenas duas variedades: As células-tronco embrionárias: são as mais indiferenciadas. Elas estão presentes na massa celular interna do blastocisto, têm capacidade de renovação celular praticamente ilimitada e podem dar origem a todos os tipos de células do corpo; por essa razão, são chamadas de totipotentes. Enquanto as CTE podem ser mantidas por longos períodos sem diferenciação, elas podem ser induzidas, sob condições apropriadas de cultivo, a formar células especializadas de todas as três camadas germinativas embrionárias, incluindo neurônios, células musculares cardíacas, hepatócitos e células das ilhotas pancreáticas. As células-tronco teciduais (também chamadas de células-tronco adultas) encontram-se em íntima associação com as células diferenciadas de determinado tecido. Elas são protegidas dentro de microambientes do tecido especializado chamados de nichos de células-tronco. Tais nichos têm sido demonstrados em muitos órgãos – incluindo cérebro, onde as células-tronco neurais habitam a zona subventricular e o giro denteado. As células- tronco da pele podem ser encontradas na região bulbar dos folículos pilosos e as da córnea, no limbo. Fatores solúveis e outras células dentro dos nichos mantêm as células-tronco quiescentes até haver necessidade de expansão e diferenciação do reservatório precursor. As células-tronco adultas possuem um repertório limitado de células diferenciadas que podem ser geradas a partir delas. Dessa forma, ainda que as células-tronco adultas possam manter os tecidos com taxa de renovação elevada (pele e trato gastrointestinal) ou baixa (coração e cérebro), em qualquer tecido, geralmente só podem produzir células que são constituintes normais daquele tecido. As células-tronco teciduais mais amplamente estudadas são as hematopoiéticas, as quais continuamente repõem todos os elementos celulares do sangue, à medida que são consumidos. As células-tronco hematopoiéticas são isoladas diretamente da medula óssea, bem como a partir do sangue periférico após a administração de certos fatores de estimulação das colônias (CSF), que induzem a sua liberação a partir de nichos na medula óssea. Clinicamente, essas células-tronco podem ser utilizadas para repovoar medulas depletadas após a quimioterapia (p. ex., devido à leucemia) ou parafornecer precursores normais para corrigir diversos defeitos nas células sanguíneas (p. ex., anemia falciforme). Além das células-tronco hematopoiéticas, a medula óssea (e outros tecidos, como, por exemplo, o tecido adiposo) também contém uma população de células-tronco mesenquimais. Trata-se de células multipotentes que podem diferenciar-se em uma variedade de células estromáticas, incluindo condrócitos (cartilagem), osteócitos (osso), adipócitos (tecido adiposo) e miócitos (músculo). Como essas células podem proliferar até grandes números e também gerar um microambiente imunossupressor local (evitando, assim, potencialmente a rejeição), representam uma forma prática de fabricar o arcabouço celular estromático para a regeneração tecidual.
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