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1 1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DE ARTE ESPAÇOS DA MEDIAÇÃO: A ARTE E SUAS HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO Organização CARMEN S. G. ARANHA ROSA IAVELBERG São Paulo 2016 2 São Paulo 2016 © – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História de Arte / Universidade de São Paulo Rua da Praça do Relógio, 160 – Anexo – sala 01 05508-050 – Cidade Universitária – São Paulo/SP – Brasil Tel.: (11) 3091.3327 e-mail: pgeha@usp.br www.usp.br/pgeha Depósito Legal – Biblioteca Nacional Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Lourival Gomes Machado do Museu de Arte Contemporânea da USP Simpósio Internacional Espaços da mediação (3., 2016, São Paulo.) Espaços da mediação : A arte e suas histórias na educação / organização Carmen Aranha, Rosa Iavelberg. São Paulo : Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2016. 321 p. ; il. ISBN 978-85-7229-072-2 1. Arte-educação. 2. História da Arte. 3. Estética (Arte). I. Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Estética e História de Arte. II. Aranha, Carmen S.G. III. Iavelberg, Rosa. CDD – 700.7 Capa: Ismael NERY. Figura Surrealista com Personagem Masculino Deitado. [s.d.]. Nanquim e grafite s/ papel, 21,8 x 16,4 cm. Acervo MAC USP Capa e contracapa: Projeto gráfico: Elaine Maziero Diagramação: Roseli Guimarães Produção editorial e Diagramação: Paulo Marquezini Organização: Carmen S. G. Aranha e Rosa Iavelberg A presente documentação é um desdobramento do III Simpósio Internacional Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação, realizado nos dias 29 de agosto a 1 de setembro de 2016 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, organizado pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História de Arte / Universidade de São Paulo. 3 III Simpósio Internacional Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte PGEHA Comissão Científica Angela Rocha (FAU USP) Carmen S. G. Aranha (MAC USP) Maria Gorete Dadalto Gonçalves (UFES) Moema Martins Rebouças (UFES) Rosa Iavelberg (FE USP) Comissão Geral do Simpósio Águida Furtado Vieira Mantegna Ana Lúcia Siqueira Ana Paula Cattai Pismel Andrea Amaral Biella Andrea Fonseca Andrea Pacheco Carmen S. G. Aranha Carolina Cossi Denise Nalini Evandro Carlos Nicolau Guilherme Weffort Rodolfo Joana D’Arc Ramos Silva Figueiredo Luciane Bonace Lopes Fernandes Paulo Cesar Lisbôa Marquezini Rosa Iavelberg Sara Vieira Valbon Apoio Museu de Arte Contemporânea – MAC USP Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – PGEHA USP Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação – PPGE FEUSP Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo – PRCEU Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP Comunidade Educativa CEDAC 5 Sumário Apresentação Carmen Aranha, Rosa Iavelberg e Paulo Marquezini .............................. 7 A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova nos anos 1920 e 1930 Rachel Duarte Abdala & Diana Gonçalves Vidal ................................. 11 Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula Maria Carolina Cossi Soares Barretti ............................................ 27 Processos de interação entre crianças e o desenvolvimento do desenho na Educação Infantil Maria Carolina Cossi Soares Barretti & Rosa Iavelberg .......................... 37 Famílias em tempo de ócio no museu de arte: Formação de hábitos culturais de crianças e adolescentes Andrea Alexandra do Amaral Silva e Biella ...................................... 51 La creación del dibujo moderno: una revolución educativa Juan Bordes ..................................................................... 73 Os princípios do Movimento Escola Nova como norteadores do trabalho de arte e educação desenvolvido no campo de concentração nazista de Terezín Luciane Bonace Lopes Fernandes ............................................... 101 Qual é a arte dele? Indícios do olhar-pensante na lição emancipadora do artista Andrea Matos da Fonseca ...................................................... 115 Com-partilhas da coleção de Artes da UFES nos processos de formação de professores de Artes Maria Gorete Dadalto Gonçalves ............................................... 131 6 Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea Rosa Iavelberg ................................................................. 147 Escola e museu: lugares do aprender artes visuais Rosa Iavelberg & Denise Grinspum ............................................ 165 Franz Čížek and the Viennese Juvenile Art Rolf Laven ..................................................................... 181 Arte Contemporânea nas creches: como os modos de fazer e pensar a arte afetam os professores e podem contribuir para a criação de novos campos de experiências junto as crianças Denise Nalini .................................................................. 203 O Desenho como estratégia sociopolítica Evandro Nicolau ............................................................... 219 Espaços de mediação entre memória e história Alecsandra Matias de Oliveira ................................................. 241 Estudos (e projetos) da paisagem: por uma perspectiva fenomenológica Catharina Pinheiro & Carmen S. G. Aranha ................................... 255 Memórias e interdiscursividades Moema Martins Rebouças ..................................................... 277 Poder desenhar: uma questão política? Angela Maria Rocha ........................................................... 293 Conceitos iniciais de História da Arte para a graduação: A formação do conceito de história da arte para alunos da graduação em Publicidade e Propaganda Guilherme Weffort Rodolfo ................................................... 309 III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação 2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6 ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. ; MARQUEZINI, P.C.L. Apresentação. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 7-10. Apresentação O I Simpósio Internacional Estratégias de Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais – Espaços da mediação foi realizado em 2011. Ali debatemos conceitos e estratégias educacionais vigentes nas instituições artísticas e museus brasileiros. Os diversos Serviços Educativos da Cidade de São Paulo apresentaram seus pressupostos e programas vigentes. Convidados internacionais, da Inglaterra e dos Estados Unidos, apresentaram projetos específicos realizados em suas instituições. Em 2013, o II Simpósio Internacional Estratégias de Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais – Espaços da mediação / a arte e seus públicos dirigiu suas discussões ao espectador da obra de arte por meio de discussões sobre como cooptá- lo a fazer uma visita com acesso claro ao patrimônio cultural. Neste ano de 2016, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) tem o prazer de sediar o III Simpósio Internacional Espaços da Mediação/ A arte e suas histórias na educação. Na presente edição, o evento foi realizado numa parceria entre o MAC USP com o Programas de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte e o Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Coloca-se agora em discussão certos processos educacionais artísticos, tanto brasileiros como de outras partes do mundo, que possam oferecer o pensar a arte implicada na educação por meio de historicidades que indiquem a construção dessa dimensão que se situa entre a arte e a educação. O conjunto de mesas e palestras do evento situou a educação contemporânea em arte como fruto de múltiplas possibilidades, 8 Carmen S.G. Aranha, Rosa Iavelberg e Paulo Marquezini Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. inclusive como diálogo com a história e o mundo atual, mundo esse em que a informação e a interatividade passaram a compor o sistema educacional, no qual se faz necessário preservar formas de interação construídas no passado e, ao mesmo tempo, trouxeram informações e facilidades tecnológicas de produção de conteúdo que alteram e preservam as conquistas edificadas no tempo. O Simpósio reuniu profissionais de museus, artistas, pesquisadores, educadores e arte-educadores que querem se aproximar de ideias de um pensar criador a ser oferecido aos processos da arte e educação em museus, escolas, instituições culturais e projetos sociais em uma perspectiva contemporânea. Nesse sentido, o evento contou com a presença de Juan Bordes, da Escuela de Arquitectura de Madri, com a reflexão sobre o ensino do desenho moderno que, no século XIX, tornou-se uma questão política debatida entre certos povos e provou que uma educação com o desenho, bem elaborada na infância, pode mudar rumos da história. Rolf Laven, da Universidade de Viena mostrou as influências de Franz Čížek na área da arte e educação, refletindo sobre suas atuações pioneiras. Čížek foi um catalizador para a reforma pedagógica e inovação artística. Outros pesquisadores nacionais que destacamos desse III Simpósio são Moema Rebouças, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), com artigo que objetiva contribuir para os estudos da arte e da educação que consideram a memória e a história como marcas nas produções artísticas e dos intertextos que com elas dialogam e Maria Gorete Dadalto Gonçalves, também da UFES, discutindo a aproximação e o tornar visíveis, aos alunos e professores, a organização e as propostas desenvolvidas em espaços expositivos e museológicos. Diana Gonçalves Vidal, da Faculdade de Educação da USP (FE USP) e Rachel Duarte Abdala, da Universidade de Taubaté, apresentam reflexão sobre a Escola Nova e sua inovação no ensino da arte nas décadas de 1920 e 1930. Angela Rocha, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU USP), reflete sobre as Apresentação 9 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. diferenças e semelhanças entre o desenho e a escrita enquanto meios de expressão e comunicação intrínsecas à cultura. José Sergio Fonseca de Carvalho, da FE USP, refletiu em sua palestra sobre a crise educacional e o caráter formativo da arte. Rosa Iavelberg, da FE USP, e Denise Grisnspum, do Instituto Moreira Salles, apresentam reflexão sobre os contextos de aprendizagem de artes visuais na escola e no museu, da perspectiva da educação contemporânea, revelando a necessidade de integração entre os conteúdos do currículo escolar e os conteúdos emergentes das exposições que, por meio de mediações educativas, geram múltiplas possibilidades de construção de saberes. Ainda, com o artigo “Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea”, Iavelberg discute as diferenças entre os modelos de ensino da arte/educação de diferentes épocas, partindo das propostas educativas de autores modernos e contemporâneos do ensino de arte, destacando a “simulação”, como estratégia de aprendizagem por intermédio da visão inovadora de Thierry de Duve. O texto de Alecsandra Matias de Oliveira, do Museu de Arte Contemporânea da USP, pontua os principais espaços da memória da Cidade de São Paulo, abordando a contribuição dos imigrantes, especialmente os italianos. Através do percurso histórico da cidade, mapeia seus principais monumentos e desvela a concepção estética que orienta essas edificações. Catharina Pinheiro, FAU USP e Carmen S. G. Aranha, MAC USP, apresentam pesquisa realizada com um grupo de professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Rogê Ferreira, situada dentro do Parque Pinheirinho d’Água, em Pirituba/Jaraguá, sobre o reconhecimento dessa paisagem a partir de uma fenomenologia do olhar. Além dos professores citados, convidamos doutorandos dos dois Programas de Pós-Graduação, Interunidades em Estética e História da Arte e da Faculdade de Educação da USP, no sentido de apresentarem suas pesquisas em andamento. Andrea do Amaral Biella aborda a formação de hábitos de crianças e adolescentes na frequentação de 10 Carmen S.G. Aranha, Rosa Iavelberg e Paulo Marquezini Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. museus e instituições culturais, tendo, como base das informações, pesquisa realizada no Museu de Arte Contemporânea da USP. Andrea Matos da Fonseca articula alguns aspectos da fenomenologia de Merleau-Ponty à observação de duas situações vividas por crianças em visitas a exposições. Evandro Nicolau pensa o desenho em uma compreensão ampliada, relacionando-o à geografia, paisagem, educação e cidade, como estratégia sociopolítica de estar no mundo. Guilherme Weffort Rodolfo apresenta pesquisa sobre análise de obras de arte para alunos da graduação do curso de Publicidade e Propaganda por meio de conceitos fundados em suas experiências, além de preceitos apontados por Erns Gombrich, Rudolf Arnheim e as oposições de Ferdinand de Saussure. Maria Carolina Cossi Soares Barretti, em parceria com Iavelberg, refletem, conjuntamente, algumas modalidades de interação entre crianças enquanto desenham, aprendendo umas das outras, e analisam, ainda, as consequências educacionais do favorecimento e do impedimento da aprendizagem entre pares desenhistas da Pré-escola na sala de aula. Denise Nalini apresenta recorte do processo de formação realizado num grupo de professores da Zona Sul de São Paulo. Utiliza o método pesquisa-ação, com o objetivo de analisar o processo de transformação da prática dos professores em Arte Contemporânea, com as crianças de 0 a 3 anos. Luciane Bonace Lopes Fernandes realiza pesquisa sobre as influências proporcionadas pelos princípios do Movimento Escola Nova na formação do pensamento artístico e pedagógico de Friedl Dicker- Brandeis, professora que orientou a produção artística de parte das crianças que estiveram aprisionadas no campo de concentração nazista de Terezín durante a Segunda Guerra Mundial. Acreditamos que as palestras e mesas-redondas, assim como os textos que ficarão registrados no nosso e-book, serão de grande contribuição para o enriquecimento do debate sobre arte, educação e arte-educação. Carmen S. G. Aranha, Rosa Iavelberg e Paulo Marquezini III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação 2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6 ABDALA, R.D. ; VIDAL, D. A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova nos anos 1920 e 1930. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 11-26. A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova nos anos 1920 e 1930RACHEL DUARTE ABDALA1 & DIANA VIDAL2 Aprender a ver, a observar, é a arte de mais difícil aprendizagem e condição essencial a atividades inteligentemente orientadas. Fernando de Azevedo (1931, p. 75) A citação extraída do texto “A Escola Nova e a Reforma”, publicado originalmente no primeiro Boletim de Educação Pública, expressa um dos princípios da educação ativa, a observação, presente na reforma educacional realizada por Fernando de Azevedo entre 1 Rachel Duarte Abdala é professora assistente da Universidade de Taubaté (UNITAU) e coordenadora pedagógica do Curso de História da mesma instituição. Possui graduação em História (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade de São Paulo (USP) (1999), mestrado em Educação (2003) e doutorado em Educação (2013), ambos pela USP. Coordenadora do subprojeto de História do PIBID-Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência na UNITAU. Líder do Núcleo de Pesquisas em História NPH-UNITAU. Coordenadora de projetos de extensão. 2 Diana Gonçalves Vidal é professora titular em História da Educação e vice-diretora (2014-2018) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq nível 1C, membro do Comitê Executivo da International Standing Conference for the History of Education (ISCHE) (2014-2017) e editora da Global Educational Histories. Livre-docente em História da Educação (2005), possui graduação em História pela Universidade do Vale do Paraíba (1985), mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1990), doutorado em Educação pela USP (1995) e pós-doutorado em Educação no INRP-França (2001) e na Universidade de Santiago de Compostela (2007). Publicou em 2013 seu primeiro livro infantil, intitulado Flora. Em 2015, saiu o segundo, Memel. 12 Rachel Duarte Abdala & Diana Vidal Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. 1927 e 1930 no Distrito Federal. A reforma visava reorganizar a educação carioca, privilegiando a experimentação viabilizada por novas práticas escolares e recursos pedagógicos. O cinema educativo, a fotografia, o ensino do desenho e as formas arquitetônicas dos novos prédios escolares eram considerados importantes meios de educação. Na concepção de Azevedo, a superação do ensino verbalista seria propiciada pela aprendizagem por meio da experiência e da observação efetuada por alunos (VIDAL, 1994, p. 25). O ver, ainda, contribuía para a disseminação de ideais nacionalistas, porque se atribuía função especial à percepção do “meio circundante”. Ver, conhecer o meio a sua volta, era, também, amar sua região e, posteriormente, seu país. Base do nacionalismo. Assim se expressava Azevedo, integrando experiência, nacionalismo e tradição em uma fala que pretendia sintetizar os elementos fundantes da nova concepção educacional (VIDAL, 1994, p. 25). No final da década de 20, eram comuns as discussões sobre a importância da visualidade sob a forma de arte, de fotografia ou de arquitetura. O ver firmava-se como uma das principais características, tanto da década, quanto do início do século. A sociedade vivia, no período, uma espécie de mobilização perceptiva. Segundo Nicolau Sevcenko (1992, p. 163), o início do século XX foi marcado pela velocidade imposta pelo desenvolvimento tecnológico que impulsionou a modernidade. Nesse sentido, além da transformação urbanística e social, a modernidade também invadiu os meios de comunicação. As modernas formas de comunicação de massas, a fotografia, o cinema e os cartazes reiteravam essa ênfase tecnológica sobre a ação e a velocidade, ressaltando ademais o papel privilegiado concedido nessa nova ordem cultural à imagem, à luz e à visualidade. Na arte, as discussões em torno da concepção modernista difundiram-se a toda a sociedade por meio da Semana de Arte Moderna, promovida justamente para ampliar o debate e para divulgá-lo. A fotografia afirmava-se como um dos ícones da A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova... 13 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. modernidade. A polêmica em torno da questão de ser ou não a fotografia uma forma de expressão artística chamou ainda mais a atenção para essa forma de registro imagético. Na década de 20, o pictorialismo firmou-se, no Brasil, com a fundação do Photo Club Brasileiro e a criação da revista Photogramma, em cujas páginas o debate era contundente. Nas primeiras décadas do século, a fotografia expandia sua utilização a partir da inserção nas revistas e nos jornais. Também a arquitetura vivia uma disputa em torno dos partidos mais adequados a funções dos edifícios e a concepções estéticas. O embate entre neocolonial e moderno/modernista mobilizava arquitetos e tingia as páginas de jornais. De modo a evidenciar os impactos desse novo paradigma no discurso educacional, escolhemos nos deter em apenas dois aspectos: o ensino de desenho e a arquitetura escolar. Assim o fizermos por considerar que permitem explorar o objetivo central deste artigo: discorrer sobre a arte como instrumento de educação popular. Para tornar ainda mais precisa a análise, cingimos a narrativa às discussões emergentes na Reforma educacional efetuada por Fernando de Azevedo no Rio de Janeiro, entre 1927 e 1930. O ensino de desenho O interesse de educadores e profissionais da educação pela arte e educação transparece nas conferências anuais promovidas pela Associação Brasileira de Educação. A ABE, fundada em 1924, alcançou importância a partir da atuação de seus associados e das conferências por ela promovidas, tornando-se, na década de 20, uma das “agências multiplicadoras” da Escola Nova, como a percebe Carlos Monarcha (1990, p. 27). Apesar do tema central da primeira Conferência Anual de Educação, realizada em Curitiba em 1927, ser a organização do ensino primário, houve, entre as teses apresentadas e defendidas, algumas que versavam sobre tópicos relacionados à visualidade. Dentre elas: a tese nº 15, intitulada “Organização dos museus escolares: sua importância”, apresentada 14 Rachel Duarte Abdala & Diana Vidal Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. por Nicephoro Modesto Falarz, da Escola Normal Secundária de Curitiba; a tese nº 17, “Pela educação estética”, defendida por Fernando Nereu de Sampaio; a de nº 23, de América Xavier Monteiro de Barros, sobre “O cinematógrafo escolar”; e, a de nº 25, “O teatro e sua influência na educação”, exposta por Décio Lyra da Silva, da Escola Normal Wenceslau Braz, do Distrito Federal. Esse panorama permite inferir que a preocupação em torno das expressões visuais aplicadas à educação estava presente, não só no Distrito Federal, como também em outros Estados do país, como o Paraná. Verificam-se, ainda, referências e alusões à arte e à imagem em outras teses sobre a educação moderna e sobre a unificação da cultura nacional, como, por exemplo, a Tese nº. 5, “Necessidades da pedagogia moderna, defendida por Lindolpho Xavier, e a Tese nº. 6, sobre “Divertimentos infantis”, entre os quais figuram o cinema, o teatro infantil, pinacotecas e museus. Sobre a unificação da cultural nacional foram defendidas duas teses, a de nº 43 e a de nº 44, com o título “A unidade nacional: pela cultura literária, pela cultura cívica e pela cultura moral”. A primeira era de autoria de Isabel Jacobina Lacombe, e a segunda, de Fernando Laboriau. Dentre as teses mencionadas, destacamos a defendida por Fernando Nereu Sampaio, “Pela educação estética” (NEREU, 1997, p.102-122). Arquiteto formado pela Academia Brasileira de Belas- Artes, Nereu Sampaio foi docente da Escola Normal no Distrito Federal,na cadeira de desenho, desde 1916, e membro do conselho diretor da ABE nos anos de 1925, 1927 e 1928. É dele o desenho da bandeira da Associação. Foi designado como arquiteto da Prefeitura do Distrito Federal, sendo o responsável pelos projetos das escolas Argentina, Uruguai e Estados Unidos durante a Reforma de Fernando de Azevedo. Integrou ainda, em 1924, “[...] um grupo de arquitetos, patrocinados por José Mariano Filho, que foi a Minas Gerais levantar dados para a confecção de um álbum A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova... 15 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. destinado à coleta dos modos e dos meios adotados nas construções das cidades históricas de Minas” (RODRIGUES, 1997, p. 112). Na tese, defendida em 1927, Nereu dava especial importância ao tema da arte nas escolas. A iniciação estética foi, portanto, até hoje, lastimavelmente imperfeita, e, agora, reconhecemos que a sociedade não tem cultura estética para sentir as artes do desenho e mal interpreta a música. A razão está unicamente nessa orientação pedagógica deficiente, que transformou o ensino do desenho em horas de suplício onde só os néscios se deleitavam [...] A iniciação estética precisa ser feita dentro da escola primária (NEREU, 1997, p. 121). O arquiteto e professor de desenho parece conclamar à ação, incitar à transformação, com frases como “o que esperamos para agir?”, aproximando-se das aspirações de Fernando de Azevedo e do programa de Reforma de 1927 no Distrito Federal. Transparece, de forma contundente, nas palavras de Nereu Sampaio, a intenção de exaltar as “coisas pátrias”. Defendia a elaboração de projetos arquitetônicos com detalhes decorativos que primassem pela estética e pelo nacional. E como meio para desenvolver essa educação estética sugeria: “[...] aproveitemos a oportunidade para ressaltar o valor do manancial inesgotável que apresenta a nossa flora e fauna ao aproveitamento decorativo, seja na pintura ou na arquitetura, seja na escultura, na música ou, ainda, na literatura” (NEREU, 1997, p. 122). Quando a Inglaterra percebeu a necessidade de difundir a educação estética – porque encarou-a como um problema econômico do Estado, visando à preparação de massas de produtores e consumidores de indústrias de bom gosto e objetos de arte para embelezamento dos lares e prazer do espírito -, a primeira atitude tomada foi com respeito aos programas de desenho e modelagem das escolas primárias e profissionais; refundindo-os integralmente, baseando-os no objetivo fundamental de despertar o interesse e o gosto pelas coisas de arte. Foram tão bons os resultados que as demais nações não trepidaram em acompanhá-las na orientação traçada (Ibidem) 16 Rachel Duarte Abdala & Diana Vidal Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. Nas conclusões, Nereu Sampaio conclamava os educadores a “[...] aconselhar os governos dos estados a cuidar imediatamente da reforma dos programas de desenho, modelagem e trabalhos manuais nas escolas primárias, orientando-se no sentido da educação do gosto sem, contudo, desvirtuar sua função pedagógica.” E ainda, “[...] aconselhar o ensino destas disciplinas nos estabelecimentos profissionais com o caráter rigorosamente técnico e artístico” (1997, p. 122). As ideias apresentadas na tese de 1927 alicerçavam-se na prática docente de Nereu Sampaio e foram sistematizadas em outra tese, esta elaborada para concorrer à cadeira de Desenho da Escola Normal do Distrito Federal, em 1929, intitulada Desenho espontâneo das crianças. Considerações sobre sua metodologia (PERES, 2015, p. 17). O protagonismo de Nereu Sampaio no ensino das artes no Brasil tinha sido ressaltado por Ana Mae Barbosa em 1988, quando a autora chamava a atenção para seu papel de divulgador das ideias de Dewey sobre a arte. De fato, a tradução do texto Art as experience, de 1934, tardaria a chegar, saindo a lume no Brasil apenas em 2010, pela Martins Fontes. No entanto, no Programa de Música e Canto do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 1935, já constava a indicação bibliográfica da obra em inglês (VIDAL, 2001). As teses de Nereu Sampaio aqui referidas, entretanto, são anteriores, o que não invalida a referência a outras obras de Dewey em seu trabalho. De acordo com Peres (2015, p. 90-91), no texto apresentado à banca do concurso em 1929, Nereu Sampaio propugnava por “[...] uma nova metodologia, fundamentada nas teorias de John Dewey e Claparède, a qual consiste na combinação entre observação e livre expressão”. Tomando por base a psicologia, Nereu dividia o ensino de desenho em duas fases. A primeira delas, para crianças até 10 anos, quando recomendava o desenho espontâneo como forma de desenvolver a coordenação motora, uma vez que compreendia que, até aquela idade, o escolar não conseguia se manter mais de 20 segundos na visualização. A segunda fase A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova... 17 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. acontecia após os 10 anos, quando era possível investir no desenho de observação. Nesse caso, “Era proposto ao aluno que fizesse um desenho de um determinado objeto e, após a conclusão desse, ele era estimulado a comparar o seu desenho com o objeto real, buscando enxergar o que necessitava aprimorar para atingir o mais próximo de uma representação realista do objeto” (PERES, 2015, p.91). De acordo com Nereu Sampaio (1941, p. 2), o desenho e as artes contribuíam para a “[...] formação de hábitos necessários à vida, tais como os de observar atentamente, pesquisar, experimentar, analisar, imaginar, formar hipóteses, selecionar, coordenar, deduzir, induzir, concluir, projetar e realizar”. No entanto, como destaca José Roberto Peres (2015, p. 112), “[...] por mais que Nereo Sampaio pregasse a importância do desenho espontâneo das crianças, essa espontaneidade deveria ser orientada pelos professores para que os alunos desenvolvessem cognitivamente a percepção e a crítica para atingirem uma representação realista”. Nereu Sampaio, assim, alicerçava sua concepção de arte nos padrões neoclássicos, colocando-se na contramão da corrente modernista emergente no período. A proposta de desenho espontâneo e o primado neoclássico coadunavam-se com os princípios defendidos por Fernando de Azevedo em sua Reforma da capital carioca. No texto “A arte como instrumento de educação popular na Reforma”, publicado em 1931, mas resultado de Conferência realizada em 25 de fevereiro de 1930 na Sociedade de Educação, em São Paulo, o reformador, fazendo uso também da psicologia, afiançava que os desenhos infantis não decorrem da observação da natureza, mas são “representações plásticas” de estados de alma das crianças, “[...] impregnados de tal ingenuidade e franqueza na sua expressão infantil, que os torna às vezes ininteligíveis para os adultos” (AZEVEDO, 1931, p. 126). E prosseguia: 18 Rachel Duarte Abdala & Diana Vidal Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. O desenho como atividade espontânea e criadora, e os trabalhos manuais, com os novos processos adotados pela reforma, devem levar as crianças à convicção de que podem desenhar, modelar e construir o que querem sem necessidade de copiar, proporcionando-lhe a oportunidade de se exprimirem, por meio do desenho ou da massa plástica, com as características fundamentais de seus trabalhos, sinceros e ingênuos, que tendem a perder o caráter infantil à medida que se vão aproximando das manifestações artísticas dos adultos (AZEVEDO, 1931, p. 126). Azevedo insistia no caráteramplo da arte, que envolvia, para o educador, toda a dimensão educacional, a partir da atividade do desenho, e defendia que: O desenho, que constitui uma necessidade para a criança. Mesmo antes da idade escolar, não se pode considerar uma atividade isolada das matérias que se estudam na escola primária. Êle coopera, de maneira notável, para a compreensão e retenção dêsses conhecimentos naqueles alunos, em que já se encontra desenvolvido o instinto de observação e que têm, no meio que os rodeia, no lar, na escola e nas suas excursões, sempre em relação com o ensino primário, a base de seu trabalho (AZEVEDO, 1931, p. 125). O padrão neoclássico, entretanto, não se restringia à orientação dada para o ensino do desenho. Era constitutivo da concepção de belo abraçada pela Reforma carioca de 1927 e que daria substância à escolha do partido arquitetônico para a construção das escolas: o neocolonial. Arquitetura escolar Anteriormente à sua atuação na Reforma da educação no Distrito Federal, Fernando de Azevedo presidiu, a pedido do diretor do jornal, Júlio de Mesquita Filho, ao inquérito sobre a Arquitetura Colonial Brasileira, publicado em nove edições, de 13 a 30 de abril de 1926, quando entrevistou José Mariano Filho, que “[...] se voltava para a nossa arquitetura tradicional com a ciência de um pesquisador da arte colonial e com os ardores de uma paixão romântica pelas antigas casas senhoriais” (AZEVEDO, 1971, p. 72). Apesar de ser médico por formação, Mariano Filho fora Diretor da Escola Nacional A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova... 19 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. de Belas Artes. Dentre seus interesses, estavam a arquitetura de cunho nacional e a arquitetura voltada à educação. Mariano Filho, Nereu Sampaio e Fernando de Azevedo iniciaram juntos, no Rio de Janeiro, um projeto de arquitetura escolar ancorado no estilo neocolonial. Visavam, por meio da arquitetura, definir valores que moldariam a sensibilidade estética da sociedade daquele período. Assim, [...] a inspiração tradicionalista da arquitetura escolar carioca, não era casual. Ao contrário, seguiu o desejo de Azevedo de imprimir um cunho nacionalizante à sua administração, e de dar visibilidade à sua proposta educacional, denotando, inclusive, a forma como o Diretor Geral se apropriara dos enunciados escolanovistas (VIDAL, 1994b, p. 51). Para Azevedo, a arte era fundamental para a concretização da Reforma. A harmonia, a ordem, o gosto pelo belo seriam incorporados pelas crianças na vivência com o artístico, uma sugestão educativa a partir do ambiente cuidadosamente constituído, e não de uma forma sistemática de aprendizagem. Em suas palavras: A arte é, evidentemente, sutil demais para tentarmos iniciar as crianças nos seus segredos, mas, quando, verdadeira, original e sincera, tem bastante força comunicativa para se transmitir a todos.” [...] A educação estética do povo deve começar pelo próprio ambiente da escola, em que, das linhas arquitetônicas à moldura dos jardins, da paisagem envolvente à decoração interior, tudo possa servir às sugestões da ordem e da harmonia e contribuir assim para despertar e desenvolver, na idade mais acessível e plástica, o sentido da beleza e da arte (AZEVEDO, 1931, p. 123). Estetizar não significava simplesmente levar a beleza à vida cotidiana, mas transformar a vida pela arte. E esse era justamente um dos objetivos de Azevedo ao construir prédios escolares com tão apurado cuidado estético. Para ele, a arte deveria, entre outras funções, desempenhar uma muito peculiar: a pedagógica. Em suas palavras: [...] edifício escolar deve ainda contribuir para a educação estética por sua arquitetura e sua decoração. Não há meio mais eficaz para a educação do gosto popular do que por, sob os seus olhos, nos edifícios públicos, e sobretudo, naqueles destinados à educação popular, exemplares perfeitos de arquitetura AZEVEDO, 1930, p. 88). 20 Rachel Duarte Abdala & Diana Vidal Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. Nesse sentido, “A arquitetura cumpria uma função simbólica e didática. [...] Oferecendo à contemplação elementos tradicionais, servia como exemplo de nacionalidade: manifestava na pedra o culto à ordem e ao equilíbrio” (VIDAL, 1994b, p. 51). Simultaneamente, disseminava um determinado padrão de belo, em um momento em que visões concorrentes opunham neoclássico e moderno/modernista no debate sobre a arte. Para Beatriz Santos de Oliveira, O neocolonial, de uma modernidade contraditória de signo regressivo, apoiado numa tradição arbitrária e num método de projetar classificatório e liberal, foi naquele momento o estilo que correspondeu plenamente aos anseios reformistas, justamente por estas características. (OLIVEIRA, 1991, p. 85) Como afirmado anteriormente, a associação entre neocolonial e arquitetura escolar estava presente na retórica de Azevedo desde 1926, quando efetuara o Inquérito sobre Arquitetura. Em suas conclusões, o educador, reiterando a pregação de José Mariano Filho, chegou a identificar o neocolonial como o estilo arquitetônico mais adequado à construção de escolas, da mesma forma que o neogótico seria o estilo preferencial da construção de igrejas, pelos sentimentos de ascese espiritual que suscita. Não se pode desconsiderar a arquitetura como uma linguagem que se revela na forma de organizar os espaços e de inscrever territórios, conforme assevera Escolano. A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos (ESCOLANO, 1998. p. 26). Ao construir novos prédios escolares, a Diretoria de Instrução Pública impunha, segundo seus objetivos, uma nova forma de conceber e praticar o espaço. Assim, delimitava espaços especialmente destinados a práticas determinadas, como exemplo, as salas de ginástica, os laboratórios e as oficinas. Estabelecia espaços A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova... 21 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. próprios dentro da escola, engendrando formas de controle e disciplinarização das práticas escolares inscritas nos lugares. De acordo com Michel de Certeau (1994), o espaço é o lugar praticado, ou seja, apropriado pela prática. Essencialmente, a proposta escolanovista de Azevedo compreendia na arquitetura escolar e na arte a ela imprimida uma forma de moldar o gosto estético do corpo discente por meio da experiência e da observação, promovendo a aprendizagem (ABDALA, 2003, p. 160). Azevedo interpretava a arquitetura escolar como parte do programa curricular, cujo papel era o de sensibilizar por meio da observação constante, proporcionada pela frequência escolar, e promover a vinculação das novas gerações à memória nacional. A educação estética do povo deve começar pelo próprio ambiente da escola, em que, das linhas arquitetônicas à moldura dos jardins, da paisagem envolvente à decoração interior, tudo possa servir às sugestões da ordem e da harmonia e contribuir assim para despertar e desenvolver, na idade mais acessível e plástica, o sentido da beleza e da arte. A escola não realiza o seu fim primário, essencial e comum, de tornar sensível a alma da criança às incitações da natureza, - o nosso primeiro mestre, - da moral e da arte, senão proporcionando à mocidade das gerações novas um ambiente que seja, na sua eloqüência muda, uma liçãopermanente de beleza, de gosto e de conforto (AZEVEDO, 1931, p. 124). Na Reforma havia, explicitamente, a intenção de exaltar o sentido da beleza e da harmonia, tanto nas práticas quanto nos novos prédios escolares. Azevedo concebia a infraestrutura escolar associada à sua estética arquitetônica como um instrumento pedagógico no qual e por meio do qual seria possível cristalizar uma nova ordem de ensino permeada de simbolismos. Função – inscrita nas práticas educacionais renovadas – e forma – manifestada nos prédios escolares erigidos na Reforma – confluindo para realizar os projetos escolanovistas. A arquitetura escolar estava diretamente relacionada à fotografia. A maior parte dos registros fotográficos oficiais realizados durante a Reforma remetia aos prédios, fosse mostrando sua 22 Rachel Duarte Abdala & Diana Vidal Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. arquitetura, sua construção, seus detalhes arquitetônicos; fosse retratando as salas já habitadas pelas práticas escolares. Podemos ler, por meio dessas imagens, um discurso sobre educação e escola nova. Em suas memórias, Paschoal Lemme, assistente da Subdiretoria Técnica, setor criado pela Reforma, demonstra claramente a importância que Fernando de Azevedo atribuía às construções dos novos prédios escolares e à sua representação fotográfica. Relembra as reuniões com o Diretor de Instrução Pública e os inspetores na sala da Subdiretoria Técnica, durante as quais Fernando de Azevedo demonstrava grande prazer em ver e mostrar as fotografias das construções, o que denota, também, o papel da fotografia como publicidade, que deveria, antes de ser publicada e divulgada, passar por seu aval. Nessas reuniões, que constituíam um refrigério, uma pausa reconfortante, em meio àquela atividade febril, e às vezes, áspera, Fernando de Azevedo nos fazia apreciar as belas fotografias que iam sendo tiradas dos aspectos mais relevantes dos novos prédios escolares que estavam sendo construídos, em estilo tradicional brasileiro. Eram momentos de alegria em ver como ia sendo traduzida em pedra e cal toda uma nova filosofia de educação, em que se procurava dar ás crianças e adolescentes um novo ambiente, em que a comodidade e a adequação às finalidades próprias se aliava a um alto sentido de beleza (LEMME, 1988, p. 41). O expediente era necessário. Para além da discussão estética, a escolha do neocolonial para a edificação escolar carioca suscitava discussões de cunho mais prático e de caráter econômico. Colonial ou modernista? Eis a questão. [...] Colonial ou modernista? Barroco ou de tapioca? Luiz XXX ou Luiz Washington? Os Estylos! [...] Pouco importam os estylos. O que se impõe é abolir os pardieiros ignobeis, os antros, as alforjas que servem de escolas para a infancia carioca. [...] Predios limpos, ventilados, confortaveis, eis o problema. Mas assim não entende o dr. Fernandinho. O dr. Fernandinho declara: - Quero deixar coisa vistosa (O Combate, Rio de Janeiro, 18 jan. 1930). De fato, o que estava na mira dos opositores à Reforma eram os custos elevados dos novos prédios em face das necessidades A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova... 23 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. existentes. Das 236 escolas do Distrito Federal, apenas 89, em 1927, funcionavam em prédios próprios. Uma obra de tal porte demandaria recursos de grande ordem. À Diretoria Geral foram destinadas vultosas somas. No entanto, Fernando de Azevedo construiu apenas 9 prédios, entre 1927 e 1930, numa média de 2 prédios/ano, dentre eles as Escolas Argentina, Estados Unidos, Uruguai, Antônio Prado Jr. e Normal. Esta última, com todas as escolas anexas, custou à municipalidade mais de 15 mil contos de réis. Apenas para efeitos de comparação, na administração de Anísio Teixeira, também no Rio de Janeiro, entre 1931 e 1935, tomando um partido arquitetônico menos elaborado, 25 novas escolas tinham sido edificadas (duas do “Tipo Mínimo”; onze, “Nuclear 12 classes”; uma, “Nuclear 8 classes”; cinco, “Platoon 12 classes”; uma, “Platoon 16 classes”; três “Platoon 25 classes”; e, uma “Escola-Parque”). Foi também reconstruída a Escola Machado de Assis, como tipo especial de 6 classes. Comentários finais O processo de espetacularização é a estética mediática por excelência. Em seu texto A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, Walter Benjamin defende a teoria de que, com a possibilidade de reprodução da obra de arte, efetivada principalmente pela fotografia e pelo cinema, rompe-se com o valor de culto determinado pela “aura” da qual se revestia a obra de arte, estabelecido pela relação direta entre ela e o espectador. O valor de culto foi substituído pelo de exposição; o sagrado, pelo espetáculo. A exposição em massa impõe uma nova relação com a obra de arte, tornando necessária uma mediação entre o espectador e o objeto de apreciação, realizada pela legenda, pela forma de exposição, pela composição. O modo de apresentar ou de expor é fundamental para atingir os objetivos pretendidos na realização das imagens. Assim, Azevedo procurou apresentar, da melhor forma possível, os ideais e os aspectos da renovação educacional na arquitetura e por meio de fotografias. 24 Rachel Duarte Abdala & Diana Vidal Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. Essa articulação teve a responsabilidade de apresentar a concepção de Reforma que se quis materializar (ABDALA, 2003, p. 155). Assim, além da inserção, na formação dos professores, de práticas centradas na observação e da disseminação de métodos de ensino que também se baseavam na observação, como o desenho, a construção de prédios especialmente destinados a abrigar escolas foi uma estratégia central para auferir visibilidade às ações da Reforma Azevedo. Ocupando espaço no tecido urbano, com localização estrategicamente escolhida e arquitetura monumental e esteticamente cuidada, os prédios escolares constituíam-se em elementos significativos no estabelecimento de marcas perenes e concretamente visíveis de ações políticas. O ensino de desenho e a arquitetura escolar, de modo mais espetacular, legavam para o futuro a memória da Reforma efetuada na capital federal entre 1927 e 1930 e asseguravam para aquele presente a defesa de uma determinada concepção de belo e de arte. Fontes documentais “Colonial ou modernista? Enquanto se discute o assumpto, a Prefeitura gasta os olhos da cara, em pardieiros ignobeis. A controvérsia e a verdade.” O Combate, Rio de Janeiro, 18 jan. 1930. Anais das três primeiras Conferências Nacionais de Educação, realizadas pela Associação Brasileira de Educação (ABE/RJ), nos anos: 1927, 1928 e 1929. Referências ABDALA, Rachel Duarte. A fotografia além da ilustração: Malta e Nicolas construindo imagens da Reforma Fernando de Azevedo no Distrito Federal (1927-1930). São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo-FEUSP, 2003. [Dissertação Mestrado]. AZEVEDO, Fernando de. A Reforma do Ensino do Distrito Federal. Discursos e entrevistas. São Paulo: Melhoramentos, 1929. ______. Novos caminhos e novos fins. A nova política de educação no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1931. A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova... 25 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. ______. História da Minha Vida. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1971. ______. “A nova política de edificações escolares”. In: Boletim de Educação Pública, Ano I, n. 1. Rio de Janeiro: Publicação da Diretoria Geral de Instrução Pública do DistritoFederal. 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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação 2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6 BARRETTI, M.C.C.S. Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 27-36. Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula MARIA CAROLINA COSSI SOARES BARRETTI1 Introdução Desde a década de 1970, sobretudo nos Estados Unidos, as investigações que buscaram elevar a qualidade do ensino no campo da arte apontam a necessidade de incluir a leitura de imagens como prática permanente nos currículos escolares. Em espacial, autores como Edmund Feldman, Brent Wilson, Elliot Eisner e Rosa Iavelberg, contribuíram para desequilibrar a hipótese do desenvolvimento natural da produção de imagens, que tanto influenciou e ainda influencia arte educadores. Também as pesquisas sobre o desenvolvimento estético de Michael J. Parsons e Abigail Housen, que buscaram conhecer a gênese da compreensão da arte e do desenvolvimento estético, contribuíram 1 Maria Carolina Cossi Soares Barretti é Mestre pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) na área de Psicologia e Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Aprendizagem em Arte (CNPq). Autora do trabalho: Os processos de intercâmbio entre as crianças e a aprendizagem do desenho em contextos educativos. 2013. Dissertação (Mestrado) – FEUSP, São Paulo, 2013. http://lattes.cnpq.br/2865716079650147 28 Maria Carolina Cossi Soares Barretti Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. para reforçar a importância da educação do olhar e levar aos professores reflexões acerca destas práticas. Embora a grande maioria dos currículos nacionais, incluindo a recente Base Nacional Curricular Comum, envolva a apreciação como componente, os conhecimentos sobre a didática da leitura de imagens e suas contribuições para o fazer, e conhecer arte, ainda não alcançaram muitos professores. Por meio deste trabalho buscaremos compartilhar nossas análises sobre o papel da leitura de obras, que visam o desenvolvimento da produção de imagens que tenham qualidade expressiva e estética, buscando contribuir para a reflexão de arte educadores. Este trabalho incluirá uma reflexão sobre as concepções que o embasam, a análise de algumas práticas de leitura de imagens na sala de aula e suas implicações e, por fim, uma reflexão sobre as ampliações que a leitura de imagens permite em relação à produção de imagens. A busca pela qualidade na educação da arte: fundamentos e concepções As concepções didáticas que embasam este trabalho entendem que a aprendizagem no campo da arte se dá a partir das experiências que o aprendiz reúne na relação com este objeto de estudo ao longo da vida. Experiências de fazer e conhecer arte, ocorrerem a partir das reflexões e relações que podem se estabelecer no intercâmbio entre os pares, e na mediação com educadores. Sobretudo, ressaltamos a ideia de que a aprendizagem da arte não é um fenômeno natural, ela não acontece pelo amadurecimento do indivíduo, mas é um fenômeno que depende da educação. Estas concepções, portanto, veem o contato com as imagens do mundo da arte, a reflexão sobre elas, e os empréstimos de imagens, como situações fundamentais para a aprendizagem dos alunos. Nesta linha, destacamos que a leitura se constitui como prática indispensável para promover avanços no campo da produção de Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula 29 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. imagens. O desenvolvimento artístico do aluno depende do emprego de imagens da arte da cultura de que faz parte (WILSON, 1987). Desde que passou a ser um campo de investigação da didática da arte, as situações que envolvem a leitura de imagens já foram realizadas com finalidades diversas nas salas de aula ao longo do tempo. Ainda hoje, as práticas que integram as aulas vão da releitura, ao próprio abandono da leitura, como ferramenta de aprendizagem. Mais adiante, faremos uma reflexão sobre algumas destas práticas. Antes disso, julgamos importante destacar que entendemos que o valor da leitura para a aprendizagem da arte pode estar ligado a dois elementos: ao desenvolvimento de níveis de apreciação estética – como o aprendiz compreende a arte e pensa sobre ela, como já apontaram Parsons e Housen –, e ao desenvolvimento das habilidades de produção de imagens ou de outras linguagens artísticas, como já apontaram Wilson e Iavelberg. Observamos que embora muitos professores façam uso desta prática com o intuitode promover avanços em relação aos níveis de apreciação estética, esses tendem a não reconhecê-la como ferramenta para o desenvolvimento do fazer, ou seja, a não validar os empréstimos de imagens e das soluções dos artistas como situações de aprendizagem. É exatamente esta reflexão que buscaremos ampliar. Neste ponto, vale retomar a análise das possíveis intensões de uso da leitura de imagens como prática nas salas de aula para buscar compreender as justificativas dos professores para o uso ou o abandono desta ferramenta. Os possíveis usos de imagens na sala de aula e suas implicações Uma das concepções possíveis para o uso de imagens, e equivocadas do nosso ponto de vista, é tomar as obra de arte como um ponto de chegada, uma meta a ser alcançada, inquestionável do ponto de vista estético e expressivo. Esta concepção não favorece uma reflexão mais aprofundada para os alunos, pois não possibilita 30 Maria Carolina Cossi Soares Barretti Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. que analisem criticamente as obras, os sentimentos que despertam em cada um - positivos ou negativos -, suas preferencias, pensamentos. A releitura de obras – situação em que os alunos copiam obras a seu modo - é uma prática que pode estar associada à concepção descrita acima, e que tampouco favorece o desenvolvimento da produção estética e expressiva, pois tira dos alunos a possibilidade de viver os problemas relacionados à construção das imagens e buscar soluções. Ressaltamos que a cópia, quando desejada pelo aluno como ferramenta para apreender recursos e soluções de artistas ou colegas, tende a ser válida, pois envolve um exercício e uma reflexão. Geralmente, os alunos que vivem esta experiência de forma significativa, como pesquisa para a aprendizagem, não se limitam a copiar, mas fazem uso desta situação para ampliar seu repertório e modificam os esquemas posteriormente, recriando suas imagens (COSSI SOARES, 2013). Para outro grupo de educadores, que acredita que o desenvolvimento dos esquemas de representação se dá de forma natural - sem que seja necessária a intervenção de educadores -, o uso de imagens de artistas nas situações didáticas pode bloquear a criatividade e frear o desenvolvimento de uma poética de autoria dos alunos. As práticas que se apoiam nesta concepção, geralmente não envolvem as situações de leitura de obras, se limitam a variação de uso de materiais para produção dos alunos. Embora pesquisas recentes tenham superado esta concepção, ela ainda serve como referência a muitos educadores, que tendem a abandonar as práticas de leitura como ferramenta por acreditar que impeçam o desenvolvimento de poéticas autorais para a elaboração de imagens. Como já descrevemos anteriormente, a concepção que apoia nossas investigações, é a de que a leitura se constitui como ferramenta indispensável para que os alunos conheçam arte e possam produzir imagens de qualidade estética e expressiva. Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula 31 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. Isso porque é também a partir da análise de imagens de artistas e colegas que o aprendiz pode entrar em contato com os problemas já enfrentados pelos artistas e de soluções já encontradas, o que favorece a ampliação de seu repertório gráfico. Além disso, muitas outras habilidades podem ser ampliadas por meio da leitura, como o conhecimento das temáticas da linguagem da arte, da organização estética das imagens, dos elementos de produção (linhas, formas, cores, texturas, ritmo, etc.), das técnicas e usos de materiais, da percepção expressiva, do estilo, e assim por diante. Em coleções didáticas lançadas por Edmund Feldman e Rosalind Ragans, as práticas de leitura devem percorrer uma sequência bastante detalhada de atividades, que envolvem: 1. A descrição (tudo o que se vê na imagem); 2. A análise (como a imagem está organizada do ponto de vista das formas, linhas, cores etc.); 3. A interpretação (o que o artista está tentando dizer); 4. O julgamento (o que se pensa sobre a obra). Também para estes autores, as situações de produção de imagens nas aulas têm como objetivo refletir sobre elementos que envolvem o campo da arte, como linhas, formas, cores e etc., e partem de imagens criadas por artistas para análise e reflexão dos alunos. Em especial, Brent Wilson, reforça a ideia de que a análise de qualquer obra pode desencadear uma boa situação de produção para os alunos, uma vez que trarão oportunidades para que enriqueçam seu repertório gráfico e conheçam os problemas enfrentados pelos artistas, bem como as soluções que já encontraram. É fundamental destacar que pesquisas realizadas por Iavelberg (1993), apontam que as situações de bloqueio, em que os alunos deixam de produzir imagens, ou o fazem de forma muito estereotipada, ocorrem pela falta de repertório de soluções gráficas, e não por seu excesso. Ao contrário disso, quanto mais amplas forem as 32 Maria Carolina Cossi Soares Barretti Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. experiências dos alunos neste sentido, e quanto mais puderem refletir acerca destas experiências com colegas e educadores, maiores serão as suas possibilidades de criar poéticas e de produzir imagens que apresentem qualidades gráficas e estéticas. Do ler ao fazer: o uso da leitura como ferramenta para o desenvolvimento da produção em sala de aula Antes de qualquer outra, destacamos a ideia de que as situações de leitura de imagens nas salas de aula devem buscar o refinamento, a sensibilização e a ampliação do olhar. Elliot Eisner destaca que ver é diferente de olhar. Olhar é perceber, experimentar a qualidade das formas visuais de seu entorno, sejam elas da arte ou da natureza (EISNER, 1972). O exercício do olhar envolve uma investigação da composição estética e expressiva das imagens e possibilita a expansão do repertório do aprendiz, que se configura como fonte para a criação. O ato de criação, nesta perspectiva, não surge do vazio, mas depende das experiências que se acumula ao longo da vida. Experiências que, se não forem repletas de oportunidades de educação visual, não trarão aos alunos fontes para a produção de imagens criativas, com qualidades estéticas e expressivas. Desde muito pequenas as crianças estão frequentemente em contato com as mais diversas imagens, tanto da mídia (por meio de livros, de desenhos animados, revistas, cartazes), quanto de colegas e adultos (irmãos mais velhos, primos, os pais e outros parentes). Estas experiências se vertem em fontes para a criação de imagens e servem de apoio inicialmente. Contudo, a educação no âmbito da escola precisa ir além, e é por isso que aprender a olhar e ampliar o repertório a partir de formas da arte é fundamental. O enriquecimento de fontes de criação se configura como tarefa indispensável de professores. Também para Rosa Iavelberg, a aprendizagem do fazer se dá no encontro entre as experiências do ato da produção (constância de gestos Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula 33 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. e usos dos materiais) com a memória de imagens com as quais a criança já teve contato (tanto de colegas, adultos, da mídia ou de artistas). Como ainda aponta a autora: “O que a criança acredita que pode aparecer nos desenhos está ligado à sua experiência com os desenhos que vê, ou seja, sobre os quais age visualmente; isso depende do acesso que ela tem a outras obras além das suas”. “Essa educação do olhar do pequeno leitor de imagenslhe fornecerá bagagem para socializar, participar do universo da arte e fazer a sua própria arte com referenciais na produção artística social e histórica. Isso refletirá positivamente na evolução e no aperfeiçoamento de seus desenhos.” (IAVELBERG, 2013, pg.75) Em nossa pesquisa realizada sobre a aprendizagem compartilhada entre crianças na Educação Infantil (COSSI SOARES, 2013) mostramos que o processo de desenvolvimento do desenho é impulsionado pelos empréstimos de imagens entre pares na escola. Isto porque, por meio da aprendizagem compartilhada (situação em que a aprendizagem é mobilizada pela troca de saberes desenhistas entre crianças) ocorrem processos de apropriação e recriação de esquemas – o que Iavelberg (1993) denomina como “assimilação recriadora”. Por processos similares, as situações de leitura de obras de arte nas salas de aula se configuram como aprendizagem do fazer, a medida que favorecem o desenvolvimento de esquemas gráficos mais complexos a partir da assimilação e recriação de formas da arte compartilhadas pelos professores com seus alunos. Tomando as concepções descritas acima como referência, destacamos alguns pontos fundamentais para que as situações de leitura de imagens se configurem como ferramentas significativas para a aprendizagem da produção em sala de aula. Um primeiro aspecto é compreender que a seleção das imagens a serem lidas não pode se dar ao acaso, mas deve seguir critérios precisos, que poderão ser elaborados pelos professores a partir das metas de aprendizagem que elegerem. Um princípio a se levar em consideração, é que quanto mais as imagens possibilitarem 34 Maria Carolina Cossi Soares Barretti Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. investigações para os alunos em relação aos desafios que precisam enfrentar, mais significativas serão para a aprendizagem. Um segundo aspecto, que se relaciona com o primeiro, é a necessidade de partir de uma avaliação inicial, ou seja, compreender qual é a possibilidade que os alunos possuem para usar as linguagens da arte como forma de expressão. Esta situação dará ao professor condições para conhecer o repertório dos alunos e traçar caminhos para ampliá-lo, além de permitir o acompanhamento das mudanças - o que exatamente os alunos construirão de novo por meio das experiências vividas nas aulas? Por último, destacamos que avaliação inicial poderá também abarcar outros conceitos além das habilidades de produção, como o nível de compreensão estética, o conhecimento sobre a história da arte e estilos. Isto porque, os critérios de seleção das imagens serão mais significativos, se combinarem ampliações em todos estes sentidos. Conclusão Este trabalho buscou ampliar a reflexão sobre o papel da leitura de obras de arte para a aprendizagem de produção de imagens nos contextos educativos. A leitura de imagens se constitui como ferramenta indispensável para a aprendizagem no campo da arte, uma vez que pode levar aprendizes a conhecer arte e refletir sobre ela a partir da troca de ideias e experiências entre pares e educadores. Se as situações de leitura podem favorecer a aprendizagem no campo do desenvolvimento estético, podem também colaborar imensamente para a aprendizagem da produção de imagens – embora muitos educadores ainda baseiem-se em concepções que desencorajam as situações de empréstimos de imagens de artistas por acreditarem que impeçam avanços de alunos. Assim como alguns autores contemporâneos, acreditamos que a criação não surge do vazio, mas é fruto de experiências que Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula 35 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. acumulamos ao longo da vida a partir do contato com materiais e a partir das oportunidades que tivermos de sensibilizar o olhar para perceber qualidades estéticas e expressivas em formas da arte e da natureza. Ressaltamos que quanto mais experiências de olhar e refletir sobre as imagens com que se tem contato, mais os alunos poderão ampliar o seu repertório gráfico e mais fontes terão para criar. Para que o uso da leitura permita aprendizagens significativas nas salas de aula, é fundamental que o professor estabeleça critérios para selecionar as imagens que deseja levar aos seus alunos. Referências: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez Editora, 2008. ______. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva., 2008. SOARES, Maria Carolina Cossi. Os processos de intercâmbio entre as crianças e a aprendizagem do desenho em contextos educativos. 2013. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. EISNER, Elliot. Educating artistic vision. Nova Iorque: Macmillan Publisching Co., 1972. FELDMAN, Edmund Burke. Becaming human through art. Aesthetic experience in the school. Nova Jersey : Prentice-Hall, 1970. IAVELBERG, Rosa. Desenho na Educação Infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013. ______. O desenho cultivado da criança. Porto Alegre: Zouk, 2006. ______. Para gostar de aprender arte. Sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed Editora, 2003. NOVAK, Joseph D. Learning, Creating and using knowledge. Nova Iorque: Routledge, 2000. 36 Maria Carolina Cossi Soares Barretti Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. PARSONS, J. M. How we understand art. A cognitive developmental account of aesthetics experience. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1987. RAGANS, Rosalind. Arttalk. Mission Hills: Glencoe Publisching, 1988. WILSON, Brent; HURWITZ, Al; WILSON, Marjorie. La enseñanza del dibujo a partir del arte. Barcelona: Paidós, 2004. III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação 2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6 BARRETTI, M.C.C.S ; IAVELBERG, R. Conceitos iniciais de História da Arte para a graduação: A formação do conceito de história da arte para alunos da graduação em Publicidade e Propaganda. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 37-49. Processos de interação entre crianças e o desenvolvimento do desenho na Educação Infantil MARIA CAROLINA COSSI SOARES BARRETTI1 & ROSA IAVELBERG2 Artistas modernos e pós-modernos admiraram a arte das crianças exatamente pelo que sentem em sua clareza de visão, oposta à fotográfica ou ao paradigma da perspectiva linear. Entretanto, até a perspectiva linear, se compreendida de modo apropriado, incorpora aqueles entendimentos iniciais sobre tempo, espaço e movimento formados na infância. (Matthews, 2003, p. 210-211) Desde que entram na escola, crianças costumam receber de seus professores materiais para riscar e registrar marcas, o que fazem, de modo geral, com grande satisfação e interesse. Nos anos 1 Maria Carolina Cossi Soares Barretti é Mestre pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) na área de Psicologia e Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Aprendizagem em Arte (CNPq). Autora do trabalho: Os processos de intercâmbio entre as crianças e a aprendizagem do desenho em contextos educativos. 2013. Dissertação (Mestrado) – FEUSP, São Paulo, 2013. http://lattes.cnpq.br/2865716079650147 2 Rosa Iavelberg é Professora Livre Docente do Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Autora dos livros: Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003;O desenho cultivado da criança: práticas e formação de educadores. Porto Alegre: Zouk, 2006; Desenho na educação infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013; e, com Luciana Arslan, Ensino de Arte. São Paulo: Thomson, 2006. É líder, junto à Profa. Carmen Aranha (MAC USP), do Grupo de pesquisa Formação de Educadores em Arte (CNPq) http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1940688940065691#indicadores 38 Maria Carolina Cossi Soares Barretti & Rosa Iavelberg Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. que passam na educação infantil, seus desenhos podem passar de garatujas desordenadas a esquemas complexos, ricos em detalhes. Autores contemporâneos apontam que dentre as situações que promovem o desenvolvimento do desenho está o contato do aprendiz com esquemas gráficos e procedimentos que observa de seus pares. O Desenho cultivado, termo desenvolvido e criado por Iavelberg (2006), refere-se ao desenho autoral que é alimentado pela cultura de desenhos que a criança acessa e não corresponde, portanto, ao desenho espontâneo. Para a autora, “desde cedo a criança observa e imita atos e formas de desenho realizados em sua presença, incorporando-os, em seu repertório (2006 p. 73)”, o que a faz avançar. Ainda, para Marjorie e Brent Wilson, os desenhos criados por colegas ou irmãos mais velhos, servem de modelos para que as crianças possam aprender novas formas, linhas e temas, e assim passar a usá-los em seus próprios esquemas. Por existir uma proximidade construtiva entre as formas criadas, configuram-se como fontes significativas para que possam aprimorar seus desenhos. Mas por que se tornam cada vez mais diferenciados os desenhos dos estudantes na medida em que estes vão crescendo? Principalmente, porque aumenta sua capacidade cognitiva de processar informação e acumulam mais experiência, tanto com os objetos do mundo sensível como com os desenhos dos outros (estudantes maiores, adultos e artistas). Durante o período de formação e desenvolvimento de sua perícia gráfica, os objetos de seu desenho não alcançam a complexidade dos objetos do mundo e dos desenhos dos outros. Sentem-se insatisfeitos com seus desenhos simples e querem mais informações, detalhes e complexidade para eles. Então os alteram a fim de que se pareçam mais aos objetos do mundo exterior ou, na maioria dos casos, aos desenhos de outros. Tomar emprestado imagens de terceiros costuma motivar saltos no processo de desenvolvimento. (WILSON; WILSON; HURWITZ, 2004, p. 31, tradução nossa) Nessa linha, buscamos investigar, por meio de análise conjunta da pesquisa de mestrado realizada em uma escola particular da Processos de interação entre crianças e o desenvolvimento do desenho na Educação Infantil 39 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. cidade de São Paulo (SOARES, 2013), sob orientação da Profa. Rosa Iavelberg, como se davam os processos de intercâmbio entre as crianças de 4 e 5 anos enquanto desenhavam juntas, e de que forma essas situações contribuíam para que incorporassem novos esquemas, tornando seus desenhos cada vez mais complexos. A aprendizagem compartilhada, ou seja, a aprendizagem que é mobilizada por meio da relação entre os pares, foi a ação central verificada e analisada para elaborar a sistematização sobre os fatos que ocorrem nas aprendizagens entre os alunos aqui trazidas. Ao longo da pesquisa citada observou-se regularidades nas ações realizadas pelas crianças, que apontaram o “momento conceitual” de seus desenhos3, e o que desejavam aprender com seus pares. As situações observadas na pesquisa foram também gravadas em vídeos, para que fosse possível conhecer detalhadamente os gestos, as falas, e as modalidades das trocas entre os alunos. Por meio da análise dos vídeos foi possível observar que, ao entrar em contato com esquemas desenhistas diferentes ou mais complexos do que os seus, o aprendiz deseja assimilá-los, ou seja, as crianças podem aprender entre si a traçar linhas e formas, combinar cores, desenvolver temas, saber usar materiais e aprender modos de fatura nos desenhos, ainda não experimentados ou dominados. Além disso, pode-se documentar que as crianças observavam seus próprios desenhos, quando colegas faziam perguntas ou apontamentos a respeito deles e podiam, então, buscar aprimorar suas criações a partir dessas intervenções. Entendemos, portanto, que os pares exercem um papel fundamental na aprendizagem do desenho, uma vez que podem mobilizar transformações em direção ao aperfeiçoamento gráfico e ao pleno desenvolvimento do desenho, promovendo o alcance de 3 O conceito de momentos conceituais do desenho infantil foi desenvolvido na pesquisa O desenho cultivado da criança, publicada em IAVELBERG (2006, 2013). 40 Maria Carolina Cossi Soares Barretti & Rosa Iavelberg Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. níveis mais avançados e aperfeiçoados. Sendo assim, cabe aos professores validar e criar as condições adequadas para que a aprendizagem compartilhada ocorra nas situações nas quais a criança trabalha nas escolas desde a Educação Infantil O argumento que pretendo desenvolver aqui é que o modo como as crianças se expressam em artes visuais depende das habilidades cognitivas que elas adquiriram e que estas estão relacionadas tanto ao fator biológico como às habilidades aprendidas à medida que estes traços humanos interagem com as situações em que trabalham. A performance humana nas artes é fruto de uma mistura dinâmica de questões em interação: desenvolvimento, situação e as habilidades cognitivas que a criança adquiriu como resultado destas interações. O processo de educação na arte ou em qualquer outra área é promovido por professores quando eles desenham as situações nas quais e por intermédio das quais o desenvolvimento destas habilidades é promovido. (EISNER, 2002, p. 107, tradução nossa) A aprendizagem compartilhada ocorre, quando a observação da própria criança ou os apontamentos feitos por seus colegas, geram conflitos entre aquilo que ela sabe – os esquemas desenhistas que já construiu – e o que percebe ainda não saber– esquemas não construídos. É exatamente esse conflito que a levará a buscar novas soluções para os problemas que a criança se coloca diante da interação com os colegas nos atos de desenho. As variações das formas de aprendizagem que foram observadas, na pesquisa citada anteriormente, estão descritas no Quadro I a seguir: Processos de interação entre crianças e o desenvolvimento do desenho na Educação Infantil 41 Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016. Variações das formas de aprendizagem compartilhada observadas Formas Ação que a criança realiza 1. Observação simples Na observação simples, a criança apenas observa os desenhos de outras crianças, sem se expressar verbalmente, e tenta assimilar esquemas gráficos mais avançados aos seus desenhos. 2. Solicitação verbal Na solicitação verbal, a criança não somente observa, mas pede ajuda oralmente ao colega. 3. Solicitação verbal I Ocorre quando uma criança solicita verbalmente para que outra faça um desenho – em outra superfície – para que observe. Nesse caso, ela pode copiar exatamente o modelo, pode copiar parte dele ou aprimorar seu desenho a partir do modelo, realizando-o na sua folha. 4. Solicitação verbal II Ocorre quando uma criança solicita verbalmente a outra que realize para ela, na sua própria folha, um desenho. Nesse caso, a criança pode simplesmente acrescentá-lo à composição de seu desenho, pode copiá-lo mais vezes seguindo o modelo ou copiar parte
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