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21 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- Unidade II 5 10 15 20 25 2 EDUCAÇÃO DE SURDOS O propósito deste escrito é fornecer elementos básicos para a compreensão da educação dos surdos e seus desdobramentos. Ao contrário do que se postula, há muitas publicações sobre a educação de surdos, tanto em formato de artigos como em livros, e existe, ainda, uma ampla divulgação na Internet o (arrazoado histórico abaixo pode ser lido com maior detalhe no site www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos/ historia_educacao_surdos/texto29.pdf). No passado, os surdos eram considerados incapazes de ser ensinados, por isso eles não frequentavam escolas. As pessoas surdas, principalmente as que não falavam, eram excluídas da sociedade, sendo proibidas de casar, possuir ou herdar bens e viver como as demais pessoas. Assim, privadas de seus direitos básicos, ficavam com a própria sobrevivência comprometida.3 Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Média, pensava-se que os surdos não fossem educáveis, ou que fossem imbecis. Os poucos textos encontrados referem-se principalmente a relatos de curas milagrosas ou inexplicáveis. Foi no início do século XVI que se começou a admitir que os surdos poderiam aprender por procedimentos pedagógicos sem que houvesse interferências sobrenaturais. Surgiram relatos de pedagogos que se dispuseram a trabalhar com surdos, apresentando diferentes resultados obtidos com essa prática pedagógica. A intenção da 3 Disponível em www.ines.gov.br/ines e www.uraonline.com.br/ saude. 22 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- educação dos surdos, então, era que eles pudessem desenvolver seu pensamento, adquirir conhecimentos e se comunicar com o mundo ouvinte. Para tal, procurava-se ensiná-los a falar e a compreender a língua falada, mas a fala era considerada uma das estratégias, entre outras, de se alcançar esses objetivos (Lacerda, 1998). Mas era frequente, na época, manter em segredo o modo como se conduzia a educação dos surdos. Cada pedagogo trabalhava autonomamente e não era comum a troca de experiências. Heinicke, pedagogo alemão, professor de surdos, escreveu que seu método de educação não era conhecido por ninguém, exceto por seu filho. Alegava ter passado por tantas dificuldades que não pretendia dividir suas conquistas com ninguém. Assim, torna-se difícil saber o que era feito naquele tempo; como consequência, muitos dos trabalhos desenvolvidos se perderam (Lacerda, 1998). A figura do preceptor era muito frequente nesse contexto educacional. Famílias nobres e influentes que tinham um membro surdo contratavam os serviços de professores/preceptores para que ele não ficasse privado da fala e, consequentemente, dos direitos legais, que eram tirados daqueles que não falavam. O espanhol Pedro Ponce de Leon é, em geral, reconhecido nos trabalhos de caráter histórico como o primeiro professor de surdos (Lacerda, 1998). Nas tentativas iniciais de educar o surdo, além da atenção dada à fala, a língua escrita também desempenhava papel fundamental. Os alfabetos digitais eram amplamente utilizados. Eles eram inventados pelos próprios professores, porque se argumentava que, se o surdo não podia ouvir a língua falada, então ele podia lê-la com os olhos. Falava-se da capacidade do surdo em correlacionar as palavras escritas com os conceitos diretamente, sem precisar da fala. Muitos professores de surdos iniciavam o ensinamento de seus alunos através da leitura-escrita e, a partir disso, instrumentalizavam-se diferentes técnicas para 5 10 15 20 25 30 23 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- desenvolver outras habilidades, como leitura labial e articulação das palavras. Os surdos que podiam se beneficiar do trabalho desses professores eram muito poucos (apenas os pertencentes às famílias abastadas). É justo pensar que houvesse um grande número de surdos sem qualquer atenção especial e que, provavelmente, se vivessem agrupados, poderiam ter desenvolvido algum tipo de linguagem de sinais através da qual interagissem. A partir desse período podem ser distinguidas, nas propostas educacionais vigentes, iniciativas antecedentes do que hoje chamamos de “oralismo” e outras antecedentes do que chamamos de “gestualismo’”. Inicialmente, no campo da pedagogia do surdo, havia um acordo unânime sobre a conveniência de que esse sujeito aprendesse a língua que falavam os ouvintes da sociedade em que viviam; porém, no bojo dessa unanimidade, já no começo do século XVIII, foi aberta uma brecha que aumentaria com o passar do tempo e que separaria irreconciliavelmente oralistas de gestualistas. Os primeiros exigiam que os surdos se reabilitassem, superando a surdez, que falassem e, de certo modo, que se comportassem como se não fossem surdos. Os menos tolerantes pretendiam reprimir tudo o que fizesse lembrar que os surdos não poderiam falar como os ouvintes. Impuseram a oralização para que os surdos fossem aceitos socialmente e, nesse processo, deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora de toda a possibilidade educativa, de toda a possibilidade de desenvolvimento pessoal e de integração na sociedade, obrigando-os a se organizar de forma quase clandestina. Os segundos, gestualistas, eram mais tolerantes diante das dificuldades do surdo com a língua falada e viram que os surdos desenvolviam uma linguagem que, ainda que diferente da oral, era eficaz para a comunicação e lhes abria 5 10 15 20 25 30 24 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- as portas para o conhecimento da cultura, incluindo aquele dirigido para a língua oral. Com base nessas posições, já abertamente encontradas no final do século XVIII, configuram- se duas orientações divergentes na educação de surdos, que se mantiveram em oposição até a atualidade, apesar das mudanças ocorridas no desdobramento de propostas educacionais. Como representante mais importante do que se conhece como abordagem gestualista está o “método francês” de educação de surdos. O abade Charles M. De L’Epée foi o primeiro a estudar uma língua de sinais usada por surdos, com atenção para suas características linguísticas. O abade, a partir da observação de grupos de surdos, verifica que eles desenvolviam um tipo de comunicação apoiada no canal viso- gestual, que era muito satisfatória. Partindo dessa linguagem gestual, ele desenvolveu um método educacional apoiado na linguagem de sinais da comunidade de surdos, adicionando a ela sinais que tornavam sua estrutura mais próxima à do francês, sistema que chamou de “sinais metódicos”. A proposta educativa defendia que os educadores deveriam aprender tais sinais para se comunicar com os surdos; eles aprendiam com os surdos e, por essa forma de comunicação, ensinavam a língua falada e escrita do grupo socialmente majoritário. Em relação à abordagem educacional a ser adotada, atualmente não existe, mesmo em nível mundial, um consenso sobre qual delas (oralismo, comunicação total ou bilinguismo) seria a melhor (como aconteceu no Congresso de Milão em 1880). No entanto, de forma isolada, países como a Venezuela apresentam uma política governamental oficial que dirige a filosofia educacional adotada em todas as suas escolas. A despeito de qualquer benefício que este tipo de postura possa trazer, cria-se uma camisa de forças, e a educação perde toda a flexibilidade necessária para formar de fato as pessoas.Mais uma vez, mas de forma (mal) disfarçada, estamos diante daquela velha prática que acompanha a humanidade desde sempre: a normatização de todos. 5 10 15 20 25 30 35 25 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- Diferentemente de seus contemporâneos, De L’Epée não teve problemas para romper com a tradição das práticas secretas e não se limitou a trabalhar individualmente com poucos surdos. Em 1775, fundou uma escola, a primeira em seu gênero, com aulas coletivas, nas quais professores e alunos usavam os chamados sinais metódicos. Divulgava seus trabalhos em reuniões periódicas e se propunha a discutir seus resultados. Em 1776, publicou um livro divulgando suas técnicas. Seus alunos manejavam bem a escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o lugar de professores de outros surdos. Nesse período, alguns surdos destacaram-se e ocuparam posições importantes na sociedade de seu tempo. O abade mostrava-se orgulhoso de que seus discípulos não só liam e escreviam em francês, mas que podiam refletir e discutir sobre os conceitos que expressavam, embora houvesse avaliações contrárias que indicavam haver profundas restrições nesse suposto êxito. Existem vários livros datados dessa época, escritos por surdos, que abordam suas dificuldades de expressão e os problemas ocasionados pela surdez (Lane; Fischer, 1993). Para De L’Epée, a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicação. Ainda, o domínio de uma língua, oral ou gestual, é tido como um instrumento para o sucesso de seus objetivos, e não como um fim em si mesmo. Ele tinha clara a diferença entre linguagem e fala e a necessidade de um desenvolvimento pleno de linguagem para o desenvolvimento normal dos sujeitos. Havia renomados pedagogos oralistas contemporâneos de De L’Epée que o criticavam e desenvolviam outra forma de trabalhar com os surdos, como, por exemplo, Pereira, em Portugal, e Heinicke, na Alemanha. Heinicke é considerado o fundador do oralismo e de uma metodologia que ficou conhecida como o “método alemão”. Para ele, o pensamento só é possível pela língua oral e depende dela. A língua escrita teria importância 5 10 15 20 25 30 26 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- secundária, devendo seguir a língua oral, e não precedê-la. O ensinamento através da linguagem de sinais significava ir em contrário ao avanço dos alunos. Em consequência do avanço e da divulgação das práticas pedagógicas com surdos, foi realizado, em 1878, em Paris, o I Congresso Internacional sobre a instrução de surdos, no qual houve acalorados debates a respeito das experiências e das impressões sobre o trabalho realizado até então. Nesse evento, alguns grupos defenderam a ideia de que falar era melhor que usar sinais, mas que estes eram muito importantes para a criança poder se comunicar. Ali, os surdos tiveram algumas conquistas importantes, como o direito a assinar documentos, tirando-os da “marginalidade” social, mas ainda estava distante a possibilidade de uma verdadeira integração social. Em 1880, foi realizado o II Congresso Internacional, em Milão, que proporcionou uma completa mudança nos rumos da educação de surdos e, justamente por isso, ele é considerado um marco histórico. O congresso foi preparado por uma maioria oralista com o firme propósito de dar força de lei às suas proposições no que dizia respeito à surdez e à educação de surdos. As decisões tomadas no Congresso de Milão levaram a que a linguagem gestual fosse praticamente banida como forma de comunicação a ser utilizada por pessoas surdas no trabalho educacional. A única oposição clara feita ao oralismo foi apresentada por Gallaudet que, desenvolvendo nos Estados Unidos um trabalho baseado nos sinais metódicos do abade De L’Epée, discordava dos argumentos apresentados, remetendo-se aos sucessos obtidos por seus alunos. Com o Congresso de Milão encerra-se uma época de convivência tolerada na educação dos surdos entre a linguagem falada e a gestual e, em particular, desaparece a figura do professor surdo que, até então, era frequente. Era o professor 5 10 15 20 25 30 27 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- surdo que, na escola, intervinha na educação, de modo a ensinar/transmitir certo tipo de cultura e de informação através do canal visogestual e que, após o Congresso, foi excluído das escolas. Assim, no mundo todo, a partir do Congresso de Milão, o oralismo foi o referencial assumido, e as práticas educacionais vinculadas a ele foram amplamente desenvolvidas e divulgadas. Essa abordagem praticamente não foi questionada por quase um século. Os resultados de muitas décadas de trabalho nessa linha, entrentanto, não mostraram grandes sucessos. A maioria dos surdos profundos não desenvolveu uma fala socialmente satisfatória e, em geral, esse desenvolvimento era parcial e tardio em relação à aquisição de fala apresentada pelos ouvintes, implicando um atraso de desenvolvimento global significativo. Somadas a isso estavam as dificuldades ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita: sempre tardia, cheia de problemas, mostrava sujeitos, muitas vezes, apenas parcialmente alfabetizados após anos de escolarização. Muitos estudos desenvolvidos em diferentes realidades e que acabam revelando sempre o mesmo cenário apontam para tais problemas: sujeitos pouco preparados para o convívio social, com sérias dificuldades de comunicação, oral ou escrita, tornando claro o insucesso pedagógico dessa abordagem. Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de comunicação dos surdos, e a aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável para o desenvolvimento integral das crianças. De forma geral, sinais e alfabeto digitais são proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos naturais, e recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via auditiva (devidamente treinada) e pela leitura orofacial. Esse aprendizado de linguagem é desvinculado de situações naturais de comunicação e restringe as possibilidades do desenvolvimento global da criança. 5 10 15 20 25 30 28 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- Na década de 1960, começaram a surgir estudos sobre as línguas de sinais utilizadas pelas comunidades surdas. Apesar da proibição dos oralistas quanto ao uso de gestos e sinais, raramente se encontrava uma escola ou instituição para surdos que não tivesse desenvolvido, às margens do sistema, um modo próprio de comunicação através dos sinais. O descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de sinais deram origem a novas propostas pedagógico- educacionais em relação à educação da pessoa surda, e a tendência que ganhou impulso nos anos 70 foi a chamada “comunicação total”. A comunicação total é a prática de usar sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital para fornecer inputs linguísticos para estudantes surdos, ao passo que eles podem expressar-se nas modalidades preferidas. O objetivo é fornecer à criança a possibilidade de desenvolver uma comunicação real com seus familiares, professores e coetâneos, para que possa construir seu mundo interno. A oralização não é o objetivo em si da comunicação total, mas uma das áreas trabalhadas para possibilitar a integração social do indivíduo surdo. A comunicação total pode utilizartanto sinais retirados da língua de sinais usada pela comunidade surda quanto sinais gramaticais modificados e marcadores para elementos presentes na língua falada, mas não na língua de sinais. Dessa forma, tudo o que é falado pode ser acompanhado por elementos visuais que o representam, o que facilitaria a aquisição da língua oral e, posteriormente, da leitura e da escrita (Moura, 1993). A comunicação total favoreceu de maneira efetiva o contato com sinais, que era proibido pelo oralismo, e esse contato propiciou que os surdos se dispusessem à aprendizagem das línguas de sinais, externamente ao trabalho escolar. 5 10 15 20 25 30 29 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- Com o surgimento da comunicação total, a grande mudança pedagógica foi a entrada dos sinais em sala de aula. O uso dos sinais pode ser muito variado, dependendo da opção feita no trabalho de comunicação total. Pode-se encontrar a língua de sinais sendo usada separadamente da fala, uso do português sinalizado acompanhando a fala numa prática bimodal, fala acompanhada de sinais retirados da língua de sinais, tentativas de representar todos os aspectos do português falado em sinais, etc. Paralelamente ao desenvolvimento das propostas de comunicação total, estudos sobre línguas de sinais foram se tornando cada vez mais estruturados e, com eles, foram surgindo também alternativas educacionais orientadas para uma educação bilíngue. Essa proposta defende a ideia de que a língua de sinais é a língua natural dos surdos, que, mesmo sem ouvir, podem desenvolver plenamente uma língua visogestual. As línguas de sinais são adquiridas pelos surdos com naturalidade e rapidez, possibilitando o acesso a uma linguagem que possibilita uma comunicação eficiente e completa, como aquela desenvolvida por sujeitos ouvintes. Isso também permitiria ao surdo um desenvolvimento cognitivo-social bem mais adequado e compatível com sua faixa etária. O modelo de educação bilíngue contrapõe-se ao modelo oralista porque considera o canal visogestual de fundamental importância para a aquisição de linguagem da pessoa surda. E contrapõe-se à comunicação total porque defende um espaço efetivo para a língua de sinais no trabalho educacional; por isso advoga que cada uma das línguas apresentadas ao surdo mantenha suas características próprias e que não se “misture” uma com a outra. Nesse modelo, o que se propõe é que sejam ensinadas duas línguas, a língua de sinais e, secundariamente, a língua do grupo ouvinte majoritário; no caso do Brasil, a língua portuguesa. 5 10 15 20 25 30 30 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- Ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua competência linguística numa língua que lhe servirá depois para aprender a língua falada do grupo majoritário, como segunda língua, tornando-se, a criança, bilíngue, numa modalidade de bilinguismo sucessivo. O objetivo da educação bilíngue é que a criança surda possa ter um desenvolvimento cognitivo-linguístico equivalente ao verificado na criança ouvinte e que possa desenvolver uma relação harmoniosa também com ouvintes, tendo acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua majoritária. A surdez é uma experiência visual que traz ao sujeito surdo a possibilidade de constituir sua subjetividade por meio de experiências cognitivo-linguísticas diversas, mediadas por formas de comunicação simbólica alternativas, que encontram na língua de sinais seu principal meio de concretização. A filosofia bilíngue possibilita também que, dada a relação entre o adulto surdo e a criança, esta possa construir uma autoimagem positiva como sujeito surdo, sem perder a possibilidade de se integrar numa comunidade de ouvintes. A língua de sinais poderia ser introjetada pela criança surda como uma língua valorizada, coisa que até hoje tem sido bastante difícil, apesar de esta ocupar um lugar central na configuração das comunidades surdas. Um projeto educacional de qualidade para surdos deve enfocar como premissas básicas o acesso à língua de sinais na infância como primeira língua, e o ensino da língua portuguesa como segunda língua. Para que esse objetivo seja atingido, faz-se necessária a atuação de educadores bilíngues (surdos e ouvintes), como interlocutores no processo de aquisição da linguagem. Esses pressupostos 5 10 15 20 31 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- oportunizarão o avanço acadêmico dos alunos surdos, em condições de igualdade com os demais alunos do sistema educacional. Os surdos são pessoas que fazem parte de uma comunidade linguística diferente e que, portanto, têm o direito de participar das experiências de aprendizagem com a mediação de sua língua natural – a língua de sinais. Além disso, tem o direito de aprender a língua oficial de seu país: a língua portuguesa. Essa situação configura a necessidade de uma educação bilíngue para surdos. Pequeno histórico dos últimos 23 anos no Brasil Em relação ao Brasil, tem-se informações de que, em 1855, chegou ao país o professor surdo francês Hernest Huert. Ele veio para o Brasil a convite do imperador D. Pedro II para iniciar um trabalho de educação de duas crianças surdas. Estas tinham bolsas de estudo, que eram pagas pelo governo. Em 26 de setembro de 1857, é fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), em que era utilizada a língua de sinais. Porém, seguindo a tendência determinada pelo Congresso de Milão (1880), em 1911, o INES estabeleceu o oralismo como método de educação dos surdos. Final da década de 70 – chega ao Brasil a filosofia da comunicação total; introduzida a comunicação total no Brasil sob a influência do Congresso Internacional de Gallaudet. 1977 – Criada, no Rio de Janeiro, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos (FENEIDA) com diretoria de ouvintes. 1981 – início das pesquisas sistematizadas sobre a língua de sinais no Brasil. 5 10 15 20 25 30 32 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- 1982 – elaboração em equipe de um projeto subsidiado pela ANPOCS e pelo CNPQ intitulado Levantamento linguístico da língua de sinais dos centros urbanos brasileiros (LSCB) e sua aplicação na educação. A partir dessa data, diversos estudos linguísticos sobre LIBRAS são efetuados sob a orientação da linguista L. Brito, principalmente na UFRJ. A problemática da surdez passa a ser alvo de estudos para diversas dissertações de mestrado. 1983 – criação, no Brasil, da Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos. 1986 – o Centro SUVAG (PE) faz sua opção metodológica pelo bilinguismo, tornando-se o primeiro lugar no Brasil em que efetivamente esta orientação passou a ser praticada. 1987 – criação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), em 16/05/87, sob a direção de surdos. 1991 – a LIBRAS é reconhecida oficialmente pelo governo do estado de Minas Gerais (Lei nº 10.397 de 10/1/91). 1994 – começa a ser exibido na tv Educativa o programa Vejo Vozes (out/94 a fev/95), usando a língua de sinais brasileira. 1995 – criado por surdos no Rio de Janeiro o comitê Pró- Oficialização da Língua de Sinais. 1996 – são iniciadas, no INES, em convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisas que envolvem a implantação da abordagem educacional com bilinguismo em turmas dapré-escola, sob a coordenação da linguista E. Fernandes. 1998 – TELERJ – do Rio de Janeiro, em parceria com a FENEIS, inaugurou a central de atendimento ao surdo - através 5 10 15 20 25 33 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- do número 1402; o surdo, em seu TS, pode se comunicar com o ouvinte em telefone convencional. Acoplador Acústico para nonofone. Visor para texto digitado e recebido. Teclado alfanumérico para digitação das mensagens. 1999 – em março, começam a ser instaladas em todo Brasil telessalas com o Telecurso 2000 legendado. 2000 – closed caption, ou legenda oculta; ela transcreve o que é dito. Após três anos de funcionamento no Jornal Nacional, ela é disponibilizada aos surdos também nos programas Fantástico, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal da Globo e programa do Jô. É o fim da tv “muda”. 2002 – A LIBRAS é oficializada no Brasil em 24 de abril, pela Lei federal nº 10.436. Atendimentos especializados Após a regulamentação da LIBRAS, foram implantados diferentes atendimentos especializados para os alunos surdos; entre eles: Intérprete de LIBRAS/língua portuguesa: • profissional com competência linguística em LIBRAS/língua portuguesa que atua no contexto do ensino regular no qual há alunos surdos matriculados; • o intérprete não substitui a figura do professor em relação à função central na mediação do processo de aprendizagem. Sua atuação será a de mediador na 5 10 15 20 34 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- comunicação entre surdos e ouvintes, nas diferentes situações de aprendizagem e interação social. Instrutor surdo de LIBRAS: • profissional surdo que atua em serviços especializados, desenvolvendo atividades relacionadas ao ensino e a difusão da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e de aspectos socioculturais da surdez na comunidade escolar. Centro de atendimento especializado: • serviço de apoio educacional, em horário oposto ao das aulas, destinado a alunos surdos matriculados na educação básica; • dispõe de professor especialista na área da surdez, cuja função é realizar um trabalho integrado com o ensino regular para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos surdos; • tem como objetivo complementar o atendimento educacional comum, por meio do desenvolvimento de uma proposta de educação bilíngue – LIBRAS/língua portuguesa – para surdos. Instituições especializadas: • serviço especializado que oferece atendimento educacional e/ou de natureza terapêutica (psicologia e fonoaudiologia, entre outros), para alunos surdos matriculados na educação básica; • dispõe de equipe técnico-pedagógica especializada para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos surdos. 5 10 15 20 25 35 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- Escola especial para surdos (educação básica): • serviço especializado com proposta pedagógica de educação bilíngue que oferece escolarização formal, na educação infantil, no ensino fundamental e/ou no ensino médio; • pode oferecer atendimentos complementares de natureza terapêutica (psicologia e fonoaudiologia, entre outros). A forma mais adequada para estabelecer a comunicação com pessoas surdas é por meio da língua de sinais, sua língua natural, que utiliza o canal gestual-visual, o que facilita a interação. No entanto, quando isso não for possível, há algumas dicas que podem ajudar esse processo: • utilize diferentes formas de linguagem – gestos naturais, dramatização, apontações, entre outros; • não é necessário gritar ou exagerar na articulação; seja natural; • use as expressões faciais para demonstrar dúvidas, questionamento, surpresa, entre outros sentimentos e emoções; • tenha calma se você não entender o que uma pessoa surda está querendo dizer; se necessário, peça para ela repetir ou escrever; • ao abordar uma pessoa surda, toque delicadamente seu corpo para ter sua atenção; não adianta chamar ou gritar se ela estiver de costas; • fale sempre de frente, pausadamente e, sempre que possível, dê pistas visuais sobre a mensagem. 5 10 15 20 25 36 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- 3 ASPECTOS CLÍNICOS DA SURDEZ4 A audição é essencial para o desenvolvimento da fala, da linguagem, da socialização e de outras formas de comportamento. Sem a audição, a criança tende a se afastar do seu meio ambiente, isola-se e pode ter a aparência de criança retardada, com distúrbios emocionais e de aprendizagem. Deficiência auditiva é considerada genericamente como a diferença existente entre a performance do indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora de acordo com padrões estabelecidos pela American National Standards Institute (ANSI, 1989). Zero audiométrico (0 dB N.A.) refere-se aos valores de níveis de audição que correspondem à média de detecção de sons em várias frequências; por exemplo, 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz. Considera-se, em geral, que a audição normal corresponde à habilidade para detecção de sons até 20 dB N.A. (decibéis, nível de audição). Classicamente, surdez é descrita como perda de audição para determinado número de decibéis e, frequentemente, não se leva em conta o aspecto funcional da audição como propósito de comunicação. 1. Tipos de deficiência auditiva: • deficiência auditiva condutiva: qualquer interferência na transmissão do som desde o conduto auditivo externo até a orelha interna (cóclea). A orelha interna tem capacidade de funcionamento normal, mas não é estimulada pela vibração sonora. Essa estimulação poderá ocorrer com o aumento da intensidade do estímulo sonoro. A grande maioria das deficiências auditivas condutivas pode ser corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico; 4 As informações contidas neste texto foram extraídas dos seguintes sites: www.boasaude.com e www.sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp Ouvir não é apenas escutar; implica uma interpretação ótima de sons, levando à produção de pensamento e linguagem. 5 10 15 20 25 30 37 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- • deficiência auditiva sensório-neural: ocorre quando há uma impossibilidade de recepção do som por lesão das células ciliadas da cóclea ou do nervo auditivo. Os limiares por condução óssea e por condução aérea, alterados, são aproximadamente iguais. A diferenciação entre as lesões das células ciliadas da cóclea e do nervo auditivo só pode ser feita por métodos especiais de avaliação auditiva. Esse tipo de deficiência auditiva é irreversível. • deficiência auditiva mista: ocorre quando há uma alteração na condução do som até o órgão terminal sensorial associada à lesão do órgão sensorial ou do nervo auditivo. O audiograma mostra, geralmente, limiares de condução óssea abaixo dos níveis normais, embora com comprometimento menos intenso do que nos limiares de condução aérea. 2. Causas da deficiência auditiva condutiva: • cerume ou corpos estranhos do conduto auditivo externo; • otite externa: infecção bacteriana da pele do conduto auditivo externo; • otite média: processo infeccioso e/ou inflamatório da orelha média, que se divide em otite média secretora, otite média aguda, otite média crônica supurada e otite média crônica colesteatomatosa; • estenose ou atresiado conduto auditivo externo (redução de calibre ou ausência do conduto auditivo externo): atresia é, geralmente, uma malformação congênita, e a estenose pode ser congênita ou ocorrer por trauma, agressão cirúrgica ou infecções graves; • miningite bolhosa (termo miringite refere-se à inflamação da membrana timpânica): acúmulo de fluido entre as camadas da membrana timpânica, em geral associado a infecções das vias respiratórias superiores; 5 10 15 20 25 30 38 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- • perfurações da membrana timpânica: podem ocorrer por traumas externos, variações bruscas da pressão atmosférica ou otite média crônica supurada. A perda auditiva decorre de alterações da vibração da membrana timpânica. É variável de acordo com a extensão e a localização da perfuração; • obstrução da tuba auditiva; • otosclerose. 3. Causas da deficiência auditiva sensório-neural: • causas pré-natais de origem hereditárias e não hereditárias (causas exógenas), que podem ser: infecções maternas por rubéola, citomegalovírus, sífilis, herpes, toxoplasmose, drogas ototóxicas e outras, alcoolismo materno, irradiações (por exemplo, raios-x), toxemia, diabetes e outras doenças maternais graves; • causas perinatais; • prematuridade e/ou baixo peso ao nascimento; • trauma de parto - fator traumático/fator anóxico; • doença hemolítica do recém-nascido (ictericia grave do recém-nascido); • causas pós-natais; • infecções - meningite, encefalite, parotidite epidêmica (caxumba), sarampo; • drogas ototóxicas; • perda auditiva induzida por ruído (PAIR). 4. Graus de severidade da deficiência auditiva: • audição normal – limiares entre 0 a 24 dB nível de audição; • deficiência auditiva leve – limiares entre 25 a 40 dB nível de audição; 5 10 15 20 25 30 39 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- • deficiência auditiva moderna – limiares entre 41 e 70 dB nível de audição; • deficiência auditiva severa – limiares entre 71 e 90 dB nível de audição; • deficiência auditiva profunda – limiares acima de 90 dB. Referências bibliográficas ALMEIDA, Elizabeth Crepaldi de. Deficiência auditiva: como evitar e cuidar. São Paulo: Atheneu, 2001. BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na educação dos surdos. Ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. FELIPE, Tanya; MONTEIRO, Myrna S. LIBRAS em contexto. Curso Básico. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria de Educação Especial, 2001. Indivíduos com níveis de perda auditiva leve, moderada e severa são mais frequentemente chamados de deficientes auditivos, enquanto os indivíduos com níveis de perda auditiva profunda são chamados de surdos. 5 40 Unidade II Re vi sã o: A na - D ia gr am aç ão : L éo 2 9/ 05 /0 9 -| |- FERREIRA-BRITO, Lucinda. Uma abordagem fonológica dos sinais da LSCB. In: Espaço informativo técnico-científico do INES. Rio de Janeiro: INES, n 1, jul./dez.,1990. _____. Integração social & educação de surdos. Rio de Janeiro: Babel, 1993. _____. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. GESUELI, Z.; KAUCHAKJE, S.; SILVA, I. Cidadania, surdez e linguagem: desafios e realidades. São Paulo: Plexus, 2003. GÓES, Maria Cristina Rafael. Linguagem, surdez e educação. Campinas: Autores Associados, 1996. LACERDA, Cristina. Um pouco de história das diferentes abordagens na educação de surdos. Disponível em www. sj.cefetsc.edu.br. LACERDA, Cristina. B. 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