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DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FEDERAL Raimundo Márcio Ribeiro Lima Procurador Federal da AGU Especializando em Direito Público pela Universidade de Brasília (UNB). E o erro nos conduz a muitas coisas boas, mas devemos errar sob nossa própria responsabilidade. Digam tolices, mas digam-nas as suas próprias [...] Errar em nosso caminho é melhor que acertar em caminhos alheio. No primeiro caso, é um homem; no segundo, não é melhor que um pássaro. [Personagem Razumikin em Crime e Castigo – Fiódor Dostoievski] RESUMO: O artigo possui o propósito de evidenciar a intrínseca relação entre os direitos fundamentais e os princípios, expressos ou implícitos, do processo administrativo brasileiro, tudo em cotejo às bases constitucionais e legais sobre a matéria, de forma a mensurar a importância deles para a promoção do exercício pleno da cidadania em face da Administração Pública. PALAVRAS-CHAVE. Direitos Fundamentais. Princípios do regime jurídico-administrativo. Processo Administrativo. Participação. Cidadania. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Direitos Fundamentais; 3 Princípios do regime jurídico-administrativo; 3.1 Os Princípios Explícitos; 3.1.1 Princípios albergados no art. 37, caput, da CF/88; 3.1.2 Princípios albergados no art. 2º, caput, da LGPAF; 3.2 Os Princípios Implícitos; 4 Conclusão.5 Referências. 1 INTRODUÇÃO Não se discute que a temática releva interessantes questionamentos, bem como evidentes avanços na relação entre a Administração Pública e o Administrado, seja pela forma com que foram dispostos os deveres da estatalidade em face dos petitórios administrativos porventura realizados, seja pela inegável envergadura dos princípios albergados na Lei nº 9.784/999. Inobstante tais considerações, não se pode olvidar que a referida lei padece, em alguns casos1, de empeços à promoção da efetiva cidadania, o que, e isso não pode ser esquecido, não retira o brilho e a genialidade dos mentores2 desse relevante corpo legislativo. Por certo, apesar das falhas identificáveis, o que pode nem mesmo se constituir numa falha em alguns casos, mas formação diversa quanto ao alcance e o sentido de certos institutos, o que é inerente a todo trabalho humano, a Lei Geral do Processo Administrativo Federal (LGPAF3) possui primorosos dispositivos, de 1 Mais especificamente na temática procedimental, pois, no que concerne aos princípios, é fato, desponta claramente a pujança de elementos principiológicos. Portanto, com o devido aporte dos princípios, os entraves meramente procedimentais serão devidamente afastados quando da aplicação da referida lei federal. Naturalmente, tendo em vista as limitações deste breve condensar gráfico, não há como promover uma efetiva demonstração e análise dos empeços procedimentais existente na lei. 2 E, nesse ponto, por evidente, a capacidade técnica dos autores é invejável. Vale lembrar que a Comissão era constituída, além do Professor Caio Tácito, seu Presidente, pelos Professores Odete Medauar (relatora), Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Inocêncio Mártires Coelho, Diogo de Figueiredo Moreira Netto, Almiro do Couto e Silva, Adilson Abreu Dallari, José Joaquim Calmon de Passos, Paulo Modesto e Cármen Lúcia Antunes Rocha. O projeto de lei, que acolheu o anteprojeto na sua integralidade, também foi aprovado sem alterações pelo Congresso Nacional. 3 Tem-se como lei geral porque traça normas gerais sobre processo administrativo e que, na pior hipótese, tem aplicação subsidiária nos 2 forma que avança, a passos largos, para concretização de uma Administração Pública efetivamente dialógica. Em termos mais claros, não se teve na lei apenas uma imposição retórica para uma efetiva participação do cidadão, não mesmo, ela cotizou instrumentos viáveis à ingerência responsável do administrado na condução das atividades administrativas, mormente no que se referem às supressivas ou restritivas de direitos dos cidadãos. Ademais, e sob o signo de uma análise sistêmica, o nosso ordenamento carecia de uma lei que tratasse, especificamente, sobre o processo administrativo4, pois seria uma forma de promover a necessária dinâmica dos princípios, inerentes ou decorrentes do nosso ordenamento jurídico, no trato das matérias pertinentes aos petitórios extrajudiciais. Não se nega que, antes mesmo da lei em cotejo, já existia normas constitucionais que poderiam salvaguardar, e com êxito, o interesse de um administrado em face da Administração Pública, contudo, razões, que não meramente jurídicas, fazem com que, no Brasil, só tenhamos empenho e respeito por aquilo que se encontra expresso nos códigos, nas leis e nos regulamentos. Um verdadeiro escárnio ao texto constitucional, mas que, felizmente, vem diminuindo, não na velocidade que todos nós desejamos. Todavia, pode-se até dizer que começa a nascer, aqui, um sentimento constitucional. Assim sendo, vamos fazer um breve sobrevôo sobre a temática, com o olhar arguto e sob a ótica dos direitos fundamentais, seja no que se atina a sua prescrição normativa, seja no que concerne ao seu exercício, mas sempre com a perspectiva da máxima aplicabilidade desses direitos. Aliás, outro não poderia ser o entendimento a ser defendido. 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS Falar sobre direitos fundamentais faz exsurgir uma série de questionamentos sobre a própria vida e condição humanas, tudo em face dos mais diversos problemas cotidianos, e não só destes, mas em todas as épocas, contudo, e isso é fato, a discussão mostra-se mais premente e importante quando se alcança um nível mais elevado de aprimoramento do Direito enquanto ciência, tudo, é certo, dentro do contexto da historicidade das garantias e dos direitos tidos, havidos e reconhecidos como fundamentais. Por lógico, problemas é o que não faltam na seara administrativa brasileira, tanto no que concerne aos seus aspectos internos, e que não são poucos, quanto no que se refere ao tratamento dispensado aos administrados, sendo que estes sofrem, ainda, com uma atividade capenga de expressivos resultados na consecução de trabalhos que constituam um atendimento, por assim dizer, digno. Dentro desse contexto, é notória a relevância dos direitos fundamentais para a promoção de uma Administração Pública centrada nos direitos dos cidadãos, de maneira que efetive todo o conjunto de normas constitucionais afeita à temática do processo administrativo, dada a importância da consolidação da Constituição material nesse país, como bem salientou, prefaciando uma obra, Juarez Freitas5, nestes termos: Destarte, em face da elevada hierarquia dos valores em tela, mister que toda a interpretação principialista dos direitos fundamentais tome na devida conta o imperativo de lhes conferir e outorgar a máxima aplicabilidade, pois de nada adianta que permaneçam como exortações abstratas ou construções fadadas ao limbo, quiçá numa falsa homenagem à suposta reserva do possível, que, às vezes, apenas revela contumácia na resistência à inclusão de todos os seres humanos no chamado “reino dos fins”, isto é, no reino da dignidade [...]. processos administrativos específicos, como exemplo deste podemos elencar os seguintes, dentre outros, o processo de licitação (lei nº 8.666/93) e o processo administrativo fiscal (Decreto nº 70.235/72 – que foi recepcionado como lei ordinária federal) 4 Só para lembrar: a Lei do Processo Administrativo da Alemanha é do ano de 1976, já a Itália é do ano de 1990; e a Espanha, por sua vez, de 1992. 5 Apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 5. ed. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2005. 3 Com efeito, a grande questão quanto aos direito fundamentais, hoje, não é mais quanto a sua existência, ou extensão em sim mesma6, mas sim, e a vida constitucional brasileira nos revela isso, a sua efetiva aplicação na sociedade sem mitigações ou velamento. No âmbito da Administração Pública não é diferente. Logo, impõe-se uma mudança nesse cenário e, para tanto, e as mudanças decorrentes da Lei nº 9.784/999 caminham nesse sentido, devemos promover a efetiva aplicação dos dispositivos constitucionais e legais pertinentes ao processo administrativo numa Administração Pública dialógica. Ademais, não há como pensar diversamente num Estado Democrático de Direito, no qual as imbricações entre o Estado e seus súditos devem ser os mais intensos possíveis, sob pena de imperar apenas uma Constituição meramente formal, ou seja, aquela em que se adornam os estudos e a sua criação, mas que não representa mudanças no seio da sociedade, no viver de um povo. Quanto à relação entre direitos fundamentais e o Estado de Direito, vejamos o seguinte trecho de Pérez Luño7: [...] existe um estreito nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, uma vez que o Estado de Direito exige e implica, para sê-lo, a garantia dos direitos fundamentais, ao passo que estes exigem e implicam, para sua realização, o reconhecimento e a garantia do Estado de Direito. Tendo em vista a relação de interdependência entre os direitos fundamentais e o Estado de Direito, numa quase simbiose genético-funcional, aqueles, sob a salvaguarda deste, desenvolvem um importante papel na promoção dos fins institucionais duma sociedade organizada, tudo sob o pálio da racionalidade sistêmica dos seus valores, quer dizer: sob o norte e o exercício dos direitos fundamentais, por evidente, o cidadão mais que um simples administrado, carreia sobre si a responsabilidade dos seus direitos, bem como alcança a efetividade deles, porquanto não se desprende dos limites desse exercício, seja na relação com a Administração Pública, rectius eficácia vertical dos direitos fundamentais, seja na relação com os concidadãos, rectius eficácia horizontal dos direitos fundamentais. O exercício de um direito encontra, sempre, limites no Direito, e na própria Moral, donde concluir que a efetividade dos direitos impõe, na mesma medida, uma responsabilidade no seu exercício. Numa revelação conclusiva dos valores albergados na nossa Carta Política, e ao mesmo tempo inconclusa, pois a dinâmica das relações sociais, com os mais diversos matizes axiológico-normativos, assim como a mutação constitucional, todos advindos do evoluir de um povo, não pode ser olvidada, bem como não se pode restringir, no presente, às intenções dos constituintes, se acaso elas existem, sobre quais sejam os anseios da Constituição8, sem falar que “a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica”, já que a mesma “não pode ser separada da realidade concreta do seu tempo” 9; tem-se que os direitos fundamentais, mais que um espelho do efêmero momento decididamente constitucional vivido na sociedade brasileira10, não apenas refletem anseios, mas, também, constroem a imagem do que se deseja espelhar, bem como proporcionam aos administrados o exercício pleno de sua cidadania, sendo que, para tanto, impôs-se uma modular configuração legislativa, como que operacionalizando a contextura democrática dos direitos já aventados em sede constitucional, e que evidenciou os caminhos a serem trilhados por aqueles que desejam, em todos os seus termos, a defesa de uma Administração Pública permeada em princípios e valores 6 Claro que a extensão do direito fundamental, em certa medida, encontra-se sempre associada à sua efetiva aplicabilidade. 7 Apud SARLET, op. cit., p. 69. 8 DWORKIN, Ronald. The forum of principle. New York University Law Review, New York, vol. 56, May-June 1981, p. 476-477. 9 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 24. 10 Já que a nossa tradição notadamente constitucional e democrática possui apenas alguns lustros. 4 voltados à consecução dos interesses não apenas do Estado, mas, e principalmente, dos administrados. Tem-se aí, portanto, de forma clara, o desiderato da Lei nº 9.784/99. No relevo da temática, em que se emprega a importância da participação do cidadão nas decisões políticas, ou não, do Estado, vejamos as considerações, em demorado trecho, de Ingo Sarlet11, his verbis: A imbricação dos direitos fundamentais com a idéia específica de democracia é outro aspecto que impende seja ressaltado. Com efeito, verifica-se que os direitos fundamentais podem ser considerados simultaneamente pressuposto, garantia e instrumento do princípio democrático da autodeterminação do povo por intermédio de cada individuo, mediante o reconhecimento do direito de igualdade (perante a lei e de oportunidade), de um espaço de liberdade real, bem como por meio da outorga do direito à participação (com liberdade e igualdade), na conformação da comunidade e do processo político, de tal sorte que a positivação e a garantia do efetivo exercício de direitos políticos (no sentido de participação e conformação do status político) podem ser considerados o fundamento funcional da ordem democrática e, neste sentido, parâmetro de sua legitimidade. E, com o mesmo fôlego, continua o autor12: A liberdade de participação política do cidadão, como possibilidade de intervenção no processo decisório e, em decorrência, do exercício de efetivas atribuições inerentes à soberania (direito de voto, igual acesso aos cargos públicos, etc), constitui, a toda evidência, complemento indispensável das demais liberdades. De outra parte, a despeito dos inúmeros aspectos que ainda poderiam ser analisados sob esta rubrica, importa referir a função decisiva exercida pelos direitos fundamentais num regime democrático como garantia das minorias contra eventuais desvios de poder praticados pela maioria no poder, salientando-se, portanto, ao lado da liberdade de participação, a efetiva garantia da liberdade- autonomia. No âmbito administrativo, por certo, essa participação democrática se reveste no direito de exigir e atuar, efetivamente, nas consultas e audiências públicas e demais instrumentos afeitos à providencial ingerência do cidadão nas decisões políticas ou técnicas encetadas na seara administrativa, o que lhes dão um tom de inescondível legitimidade. E não se pode negar a importância da legitimidade nos atos perpetrados com o objetivo de promover os misteres estatais, pois, sendo ela um questionamento sobre a justificação e os valores do poder decorrente de lei13, acaba por possibilitar uma maior aceitação dos procedimentos praticados pela estatalidade, vez que empreende condutas que pretendem se adequar às exigências sociais de cada época. Ademais, a idéia de democracia não pode ser levada apenas em termos de representatividade14, em que pese a sua imprescindibilidade nos tempos modernos, logo, a participação administrativa, em que se colhem os frutos do cidadão atuante no campo das escolhas ou decisões públicas, é um instrumento importante de democracia participativa no seio da Administração Pública; seja fomentando informações relevantes, sérias e não apenas, por certo, fundadas em interesses egoísticos quando da análise de situações concretas que dependa do atuar do Estado; seja consubstanciando teses para melhor prover as atividades administrativas em prol da coletividade. 11 SARLET, op. cit., p. 70-71. 12 SARLET, op. cit., p. 71. 13 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, 10. ed. SãoPaulo: Malheiros, 1998. p. 112. 14 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Participação Administrativa. In OSÓRIO, Fábio Medina; SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coord.). Direito Administrativo – Estudos em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 408. 5 Ademais, além de instrumento de participação do cidadão na gestão da coisa pública, consoante os critérios permissíveis e justificáveis pelo nosso sistema jurídico, os direitos fundamentais, dentre as mais diversas facetas que possam apresentar, também devem ser vistos como direitos de defesa, ou seja, como um mecanismo legal capaz de assegurar o cumprimento das liberdades individuais contra as ingerências indevidas do Poder Público15, porém, adverte-se que esse direito de defesa se estende, por certo, às relações fático-jurídicas com terceiros, ou, em melhor expressão, às indevidas interferências de terceiros na liberdade individual de cada cidadão. Notadamente, nessa última hipótese, ganha relevo a temática do direito de proteção, isto é, o direito de exigir do Poder Público, em quaisquer das suas esferas políticas, a devida proteção contra atos de particulares que constituam uma invasão indevida no exercício de uma liberdade individual. 3 PRINCÍPIOS DO REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO Aqui, tendo em vista o objeto deste breve estudo, o que não se concebe maior demorar na análise dos princípios, muito menos na exaustiva exposição dos princípios pertinentes à Administração Pública, assim sendo, nos ocuparemos com aqueles que tenham maior pertinência ao processo administrativo, seja pela instrumentalidade que eles arvoram, seja pela efetiva representação e importância que eles possuem no trato das questões relativas aos processos contenciosos no âmbito da Administração Pública. Em todo caso, têm-se como inevitáveis algumas considerações preliminares sobre os princípios gerais da Administração Pública, haja vista a inegável densidade jurídica dos mesmos, seja no nortear da conduta dos agentes públicos, seja por conta da providencial precedência de análise quando da aplicação das regras. Primeiramente, indaga-se: há como compreender um direito fundamental como um princípio? Ou seria um axioma ou um postulado? E mais: princípio e direito fundamental possuem alguma relação intrínseca ou são entidades completamente distintas? Inexiste razão para maior digressão sobre o assunto, mas não se pode furtar de mencionar que, para uma melhor compreensão do propósito do texto, devemos deixar claro o que seja um direito fundamental e o que se entende por um princípio. Sem que isso constitua uma análise excessivamente apressada, sendo um direito fundamental uma norma, e devemos partir desse pressuposto para levar adiante o nosso raciocínio, até porque partimos da concepção da existência de uma verdadeira historicidade dele, nada impede que ele veicule uma norma-princípio e, portanto, não se limite a, e nem seja, um axioma-princípio ou a um postulado princípio. No que se refere ao sentido da palavra axioma na seara jurídica, vejamos as precisas palavras de Humberto Bergmann Ávila16, nestes moldes: A literatura jurídica faz uso de do termo “axioma” para explicar tipos de raciocínio jurídico aceitos por todos, e por isso mesmo não-sujeitos ao debate. A veracidade dos axiomas é demonstrada pela sua própria e mera afirmação, como se fossem auto-evidentes. Já, em texto mais demorado, têm-se do autor17 as seguintes considerações sobre o contexto jurídico da palavra postulado, his verbis: Os postulados normativos são entendidos como condições de possibilidade do conhecimento do fenômeno jurídico. Eles, também por isso, não oferecem argumentos substanciais para fundamentar uma decisão, mas apenas explicam como pode ser obtido o conhecimento do Direito. As 15 MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Fundamentais e Seus Múltiplos Significados na Ordem Constitucional. Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, n. 1, ano 1 Abril 2003 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=12510>. Acesso em: 5 abril 2009. 16 ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, nº 24, 1998, p. 162. 17 Ibidem. 6 condições de possibilidade do conhecimento jurídico reveladas pela hermenêutica jurídica são postulados normativos. Numa seqüência de inegável brilho didático, exemplifica o autor18: Entre eles, vale salientar os seguintes: o conhecimento da norma pressupõe o do sistema e o entendimento do sistema só é possível com a compreensão das suas normas (postulado da coerência); só é possível conhecer a norma com a análise simultânea do fato, e descrever os fatos com recurso aos textos normativos (postulado da integridade); só é possível conhecer uma norma tendo em vista a sua pré-compreensão pelo sujeito cognoscente, definida como a expectativa quanto à solução concreta, já que o texto sem a hipótese não problemático, e a hipótese, por sua vez, só surge com o texto (postulado da reflexão). Em outro momento, o insigne articulista aventa com maior praticidade o sentido e o alcance dos postulados, nestes moldes19: A definição de postulados normativos aplicativos como deveres estruturantes da aplicação de outras normas coloca em pauta a questão de saber se eles podem ser considerados como princípios ou regras. As considerações feitas acima apontam em sentido contrário. Como os postulados situam-se em um nível diverso das normas objeto de aplicação, defini-los como princípios ou como regras contribuiria para confundir em vez de esclarecer. Além disso, o funcionamento dos postulados difere muito dos princípios e das regras. Com efeito, os princípios são definidos como normas imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, não se podem confundir princípios com postulados. Pelas considerações acima, vê-se, sem maiores problemas, que um direito fundamental, que constitui uma norma, pode carrear uma norma-princípio. Notadamente, um direito fundamental pode, também, veicular uma norma-regra, já que o caráter principiológico contido nele não o esgota e nem o exige, logo, a vertente de uma norma-regra num direito fundamental pode conviver tranquilamente, no mesmo veículo normativo, com a outra vertente, a saber, a norma-princípio. E o que é uma norma-princípio? Primeiramente, vejamos o que seja uma norma, para tanto, nos valemos das palavras do autor20 acima mencionado, nestes moldes: Norma é um conteúdo de sentido de determinada prescrição normativa, em função do qual é delimitado o que um dado ordenamento jurídico determina, proíbe ou permite. A norma-princípio tem fundamento de validade no Direito Positivo, de modo expresso ou implícito. E continua o autor21, e que concordamos em parte, com as seguintes palavras: 18 ÁVILA , op. cit., p. 192. 19 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. Belo Horizonte, Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, n. 1, ano 1 Abril 2003 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=12511>.Acesso em: 15 março 2009. 20 Ávila, op. cit., p. 192. 21 Ibidem. 7 Caracteriza-se estruturalmente por ser concretizável em vários graus: seu conteúdo depende das possibilidades normativas advindas dos outros princípios, que podem derrogá-lo em determinado caso concreto. [...] Os princípios servem de fundamento para a interpretação e aplicação do Direito. A discordância reside no seguinte: inexiste conflito de princípios constitucionais, mas, sim, conflitos de pretensões concretas a direitos opostos, consoante os matizes de cada caso, o que há, por certo, é uma tensão produtiva entre princípios opostos numa relação de complementariedade, bem como não há falar em derrogação de princípios por outros, a relação não é de derrogação, mas, tão-somente, de complementação. Sabe-se o que seja uma norma, agora, o que caracteriza uma norma-princípio? Seria o seu grau de abstração? Seria o seu conteúdo axiológico? A essas indagações podem ser sustentadas diversas respostas, mas no contentamos com um breve raciocínio do já citado e festejado autor22: A dimensão de peso não é algo que já esteja incorporado a um tipo de norma. As normas não regulam sua própria aplicação. Não são, pois, os princípios que possuem uma dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser atribuída uma dimensão de importância. A maioria dos princípios nada diz sobre o peso das razões. É a decisão que atribui aos princípios um peso em função das circunstâncias do caso concreto. A citada dimensão de peso (dimension of weight) não é, então, atributo abstrato dos princípios, mas qualidade das razões e dos fins a que eles fazem referência, cuja importância concreta é atribuída pelo aplicador. Vale dizer, a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princípios, justificador de uma diferença lógica às regras, mas resultado de juízo de valor ativo do aplicador.(grifo do autor) Agora, vejamos o que apregoam dois expoentes sobre a matéria, a saber, (i) Robert Alexy; e (ii) Ronald Dworkin. Para o primeiro, os princípios são verdadeiros mandados23 ou comandos de otimização e se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos em diversos graus e, também, porque a medida ordenada para o seu cumprimento não dependente apenas das possibilidades fáticas, mas, também, das possibilidades jurídicas. Ou seja, se existir maior diversidade para o cumprimento de tal medida em face das possibilidades fático-jurídicas, tem-se um princípio24. Em termos mais claros, sempre que se possa prospectar varias formas de cumprimento de uma medida, exsurge-se um princípio, do contrário, ter-se-á uma regra. Já Ronald Dworkin25, por sua vez, afirma: Os princípios possuem uma dimensão que a regras não têm – a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam [...], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra freqüentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é. O interessante da transcrição anterior, do ínclito Humberto Ávila, é que, por certo, refoge das linhas ordinárias de distinção entre princípios e regras, conforme as já 22 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 51. 23 Em que pese utilizar-se amiúde o termo mandato de otimização, por evidente, não se trata de terminologia das mais corretas, consoante o seu sentido e alcance no direito pátrio. 24 ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. Doxa, Cuadernos de filosofía del derecho, nº 05, p. 143-144, 1988. 25 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 42-43. 8 clássicas proposições de Alexy e Dworkin acima aventadas. Pelo que se pode observar, o autor apregoa a identidade dos princípios nos fins por eles perseguidos ou esperados quando de sua observância, ou seja, a natureza teleológica dos princípios os caracterizaria. Numa ligeira análise sobre a temática, tem-se que esse é um campo aberto a diversos questionamentos, mormente pela liberdade concedida ao julgador no caso concreto, se seguidos os critérios traçados pelo doutrinador pátrio, pois valor cada um tem o seu, porém nos furtaremos a mencioná-los ou acrescê-los, tendo em vista o objeto do presente artigo. Contudo, urge aventar que a valoração judicial deve sempre ser cercada de argumentos de princípios e não argumentos de política, de sorte a manter a coerência interna do Direito, ou seja, que o alcance dos fundamentos de validade dos julgados tenha por fim os dados ou elementos da seara jurídica, de forma a evitar, quando possível, sobreposição de dados políticos sobre os princípios serodiosamente decantados pela ciência do Direito. Evita-se, assim, a força e os levantes meramente fáticos ou políticos sobre a normatividade dos valores constitucionais. Ultimadas essas rápidas considerações, passemos à análise dos princípios do regime jurídico-administrativo, mormente os que detêm estreitos laços com o processo administrativo, embora não se demore em todos, mas nestes é necessário uma maior profundidade na análise. Insta informar que a análise principiológica não se ocupará sobre os fundamentos jusfilosóficos, de maneira que possamos extrair uma maior praticidade, quando possível, das discussões a serem apresentadas. 3.1 OS PRINCÍPIOS EXPLÍCITOS Inicialmente, cumpre salientar que os princípios explícitos ou expressos estão dispostos (i) no art. 37, caput, da CF/88 e (ii) no art. 2º, da Lei nº 9.784/99. Por certo, outras normas que carreiam princípios podem ser encontradas em outros dispositivos legais, contudo, para os fins deste trabalho, nos limitaremos às mencionadas acima, até porque a fecunda plêiade de considerações, delas decorrentes, já implica um largo esforço de síntese para enquadrá-los nas páginas vindouras. E a razão é simples: como os princípios estigmatizam fins, por certo, a cada nuance concreta se pode prospectar uma enormidade de pretensões opostas relativos aos direitos em contenta, sendo que os fins perseguidos deverão ser observados em qualquer caso, em que pese o sacrifício de algumas pretensões dos administrados ou da própria Administração Púbica. Logo, devemos sempre entender que existe uma relação de complementariedade entre os princípios, de forma que a tensão entre eles os complementa para o deslinde do caso, de maneira que sacrifício ou conflito propriamente dito só ocorre com as pretensões concretas a direitos opostos levadas a cabo pelos administrados, como já gizado acima. 3.1.1 PRINCÍPIOS ALBERGADOS NO ART. 37, CAPUT, DA CF/88 O primeiro princípio a ser levantado é o da legalidade, mormente porque vivemos num Estado Democrático, Social e de Direito, de forma que a submissão à lei é uma decorrência inarredável do nosso regime constitucional. Devemos, inicialmente, salientar que o princípio da legalidade está umbilicalmente relacionado aos paradigmas constitucionais da modernidade26, mormente ao último já acima citado. Em termos mais claros, desde os paradigmas anteriores, a saber, (i) do Estado de Direito; e (ii) do Estado de Bem-Estar Social, ambos jungidos ao do Estado Democrático de Direito, tem-se uma crescente e incessante importância tributada à legalidade, não apenas no seu aspecto legiferante, mas, e principalmente, no que concerne ao círculo de atuação e observância da própria lei, bem como na proposição de atendimento dosfins da própria lei, não lei pela lei, mas lei para a promoção dos fins do 26 CARVALHO NETTO, Menelick de. A contribuição do Direito Administrativo enfocado da ótica do administrado para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no Brasil: um pequeno exercício de reflexão de Teoria da Constituição. Belo Horizonte, Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, ano 1, n. 1, mar. 2001. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=1>. Acesso em: 18 dezembro 2008. 9 Estado. Isto é, a lei como um sentimento de expressão e de legitimação popular, sendo que, nesse ponto, resulta patente a sua importância para o círculo de atuação do administrado em face da Administração Pública, mormente quando conquistas de relevo social na lei e atuação positiva através dela é um marco recente na modernidade democrática. O princípio da legalidade impõe a observância da lei na quase totalidade dos casos, vez que não podemos empreender o entendimento de que tudo decorre de lei, o que pode até parecer paradoxal ao disposto no art. 5º, inciso II, da CF/88, porém há casos em que, e não se nega a especificidade de sua ocorrência, a lei não rompe a sua exigência, seja porque é totalmente despicienda, seja porque a disposição legal assim dispensa. Para exemplificar, podemos citar a atividade normativa das Universidades no âmbito de sua autonomia administrativa27. Notadamente, no âmbito da Administração Pública isso constitui a exceção da exceção. Mas isso não explica tudo, pois a Administração Pública deve obediência não só à lei, mas, também, aos princípios e ao Direito como um todo28, o que inclui, por certo, todos os valores validamente admissíveis no nosso ordenamento jurídico. Vê-se uma nítida evolução! Já que o campo de exigência/atuação dos princípios é bem maior do que o da lei, o mesmo se diga quanto ao campo exigencial do Direito. Impende registrar, aqui, a questão da legalidade estrita e da legalidade em sentido amplo, tudo conforme a existência, ou não, de maior liberdade da Administração Pública em exercer uma atividade normativo-prescritiva não inovadora29, já que defendemos a tese da inexistência de decreto autônomo no Brasil, mesmo após a EC 32/2001, na qual deu nova redação ao art. 84, inciso VI, da CF/88, pois as impressões dela extraídas não nos convencem da existência dele, mormente pela diminuta, diria inexpressiva atividade inovadora outorgada; que, a nosso ver, se restringe apenas a extinção de cargo vago, e que se sabe ser criado por lei, e que, agora, pode ser extinto por decreto do Presidente da República30. Ademais, e a nossa história constitucional nos ensina isso, e tendo em vista conceber a Constituição como um fator de aquisição evolutiva, não é de todo pertinente alargar o poder, que já não é dos “menores”, do Chefe do Poder Executivo. Aliás, as constituições brasileiras sempre arvoraram uma enorme concentração de poder nas mãos do Presidente da República, e não precisa ser um exímio estudioso de Ciência Política para entender isso, logo, os limites constitucionais, nesse campo, enquanto conquista da nossa atual Carta Política, não pode ser desprezada ou apequenada, por maiores que sejam os engenhos doutrinários encetando o entendimento o contrário. Ultimamente, tem-se ofertado uma exagerada atenção ao poder normativo, melhor dizer poder normativo técnico, das Agências Reguladoras, e qualquer que seja o termo, todos são igualmente questionáveis no nosso sistema constitucional, quiçá pela intensa transformação porque passa o direito administrativo brasileiro, seja por conta da criação de novos institutos, seja, ainda, pela importação acrítica de outros, e tudo, e por tudo, em decorrência da implantação de um Estado Gerencial no nosso país. Pois bem, tais transformações, em certa medida, estão ferindo de morte o princípio da legalidade e, notadamente, isso tem apresentado nítido reflexo no cotidiano do serviço público, já que, sob o cotejo da sua racionalidade/celeridade no âmbito das ditas agências, são preteridas diversas imposições legais, umas até de capital relevância, como a não aplicação da Lei nº 8.666/93 para contratos de concessão relacionados às atividades de exploração, 27 Poder-se-ia dizer que a Lei Fundamental e a Lei de Diretrizes da Educação Nacional não autorizam esse entendimento, contudo, as normas aplicáveis às universidades, de forma clara, concedem tal atuação normativa, mais como uma necessidade operacional aos seus fins institucionais do que atuação desmedida da atuação normativa política, aliás, todo poder ou direito da Administração Pública tem caráter nitidamente instrumental, de sorte que as prerrogativas existem em função das atividades por elas cometidas. 28 PRIETO, Maria Sylvia Zanella Di. Discricionariedade Administrativa e Discricionariedade Técnica. In FIGUEIREDO, Marcelo; PONTES FILHO, Valmir (Org.). Estudos de Direito Público em homenagem a Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 2006, p.480-504. 29 PRIETO, Maria Sylvia Zanella di. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. 30 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 332-333. 10 desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural, tudo nos termos dos arts. 23 c/c art. 36, todos da Lei nº 9.748/97. Isso, por certo, constitui uma verdadeira farra do Poder Executivo, um banquete nada velado, cuja peleja secular da legalidade é fatiada pela servilidade do nosso Poder Legislativo, tudo em desafogo à saciedade dos interesses inconfessáveis dos mais diversos grupos econômicos, nacionais ou estrangeiros, mormente estes, que governam esse país gentil, não só isso, galhardo e abnegado, diríamos! Nesse ponto, cumpre transcrever uma clara advertência doutrinária31: [...] a Administração Pública, com muita freqüência, coloca-se na frente do legislador. Daí o desprestígio da Constituição e do principio da legalidade. Este é talvez o maior paradoxo: afastamo-nos do direito francês e do sistema common Law, quando colocamos a lei com principal fonte do direito. Mas, na prática, colocamos uma distância grande entre o que está na lei e o que se aplica na prática, pelo afã de copiar modelos estrangeiros nem sempre adaptáveis ao direito positivo brasileiro, em especial à Constituição. Já o princípio da impessoalidade veda o favoritismo no âmbito da Administração Pública ou qualquer sorte tratamento privilegiado, bem como preferência sem supedâneo legal. Isso mesmo, pois a lei pode traçar preferências por razões mais diversas. Para exemplificar, podemos mencionar o disposto nos arts. 42 a 49, da LC nº 123/2006, na qual apregoa uma forma de tratamento diferenciado, na escolha da proposta vencedora, em favor das microempresas. Na atividade administrativa, por mais que se negue ou se questione o fato, ainda persiste, por vezes, a conduta lesiva do servidor que age com favorecimento, que pode até apresentar matiz penal (arts. 317 e 332, do CP), na condução das atividades administrativas afeitas ao seu plexo de competências, cujo impulso é de ofício. Tal mácula no serviço público deve ser superada. Por fim, não se pode olvidar que o princípio da impessoalidade possui estreito laço com a teoria do órgão de Otto Friedrich Gierke, haja vista a relação de total impertinência ou pessoalidade na operacionalidade do servidor público no exercício das suas funções, vez que suas condutas são tributadas ao próprio órgão que, em apertada síntese, não passa de divisões do próprio Estado. Tal princípio é imensamente importante nos processos administrativos que implique supressãode direitos ou bens, pois é de todo pertinente salvaguardar uma condução do processo sem a mácula do favorecimento pessoal ou mesmo institucional. Nesse ponto, resulta interessante salientar, também, a importância do princípio da imparcialidade orgânica, no qual se impõe a preocupação de aferir ou julgar os procedimentos, consoante os critérios decisórios legais, com a devida imparcialidade, mesmo quando a atuação dos servidores vá contra os interesses da estatalidade, tal princípio tem ampla aplicação nos processos administrativos tributários e previdenciários, assim como nos órgãos colegiados administrativos de natureza “judicante”. Como se pode observar, tal princípio tem uma estreita relação com o princípio da impessoalidade no seu aspecto teleológico e com o princípio da legalidade no seu perfil instrumental. O princípio da moralidade, sem que se apresente um largo passo no campo filosófico, pois a ocasião não permite, refere-se, aqui, à exigência de o administrado público ser probo, ou seja, agir em conformidade às exigências legais e à moralidade administrativa, no sentido de que deve observar um conjunto de regras advindas, ao longo do tempo, das relações intestinas da atividade administrativa, sendo que elas absorvem, ou deveriam absorver, os esteios da pura relação de probidade entre o gestor da coisa pública e os recursos públicos. A moralidade não pode ser vista sob o aspecto meramente subjetivo, ou seja, como um conjunto de valores superiores e individuais de cada pessoa ou do agente público, mas, ao contrário, devemos empreender o princípio da moralidade sob o aspecto objetivo, como um parâmetro de vivência administrativa que nos impõe uma conduta reta, seja porque cercada de imposições administrativas 31 PRIETO, Maria Sylvia Zanella Di. Inovações no Direito Administrativo Brasileiro. . Porto Alegre: Notadez, Revista Interesse Público ano 06, n. 30, mar/abr de 2005. p. 44. 11 nesse sentido, seja porque decorre do exercício leal das atividades públicas. No âmbito do processo administrativo a moralidade encampa relevante espaço, na medida em que, a despeito das exigências legais aferíveis, impõe ao agente público uma condução efetivamente respeitosa aos preceitos decorrentes do exercício da atividade administrativa reta, justa e, acima de tudo, digna de se chamar de observadora dos parâmetros de lealdade e probidade. Enfim, a moralidade encontra-se incrustada no seio constitucional pátrio, pois a Constituição elencou uma série de diretrizes morais, a saber, (i) estabeleceu valores fundamentais sob uma perspectiva de plena atuação moral, rectius arts. 1º, 3º, 5º, caput, e inciso XXXVI; (ii) instituiu um modo objetivo e impessoal de atuação administrativa, rectius arts. 1º, 2º, 5º e 37; (iii) criou procedimentos de defesa dos direitos dos cidadãos, fazendo com que estes tenham instrumentos eficazes para o exercício da cidadania, rectius arts. 5º, incisos XXXV, LXIX e LXXIII, 37, § 4º; (iv) estabeleceu condições precisas par ao ingresso no serviço público, rectius arts. 12, 14, 37, incisos II, XVI, XXI, § 1º, 73, 101, 104, 119, 120; e (v) instituiu mecanismos diversos para o exercício do controle da atividade administrativa, rectius art. 7032. No que se refere ao princípio da publicidade, nada é mais elementar em afirmar que o gestor da coisa pública deve revelar, de forma precisa e transparente, suas realizações ou não cumprimento delas no prazo hábil, de forma que a publicidade do ato constitua um elemento inarredável na consolidação das condutas probas e legítimas, haja vista a vigilância efetiva da sociedade e do próprio órgão que emanou o ato, tudo em arrimo ao imperativo de uma gestão pautada na moralidade de suas ações. A publicidade das condutas e atos da Administração Pública se assenta, à evidência, como uma ferramenta imprescindível, num Estado Democrático, Social e de Direito, para o controle e a fiscalização dos atos administrativos, sem falar no seu valor intrínseco, quando exigível, no próprio ato administrativo, isto é, como “elemento” formal do próprio ato ou, ainda, e será maior a sua importância, quando for condição de eficácia de todo um procedimento, verbis gratia art. 26, da Lei nº 8.666/93. Ademais, o princípio da publicidade corresponde a uma exigência de segurança do direito, bem como empreende a proibição de arcana praxis (política de segredo), assim como promove a defesa do cidadão perante os atos do poder público33. No que concerne ao princípio da eficiência, que já decorria do nosso sistema constitucional, rectius art. 74, inciso II, da CF/88, portanto, antes mesmo da EC 19/98, impõe ao gestor da coisa pública a obrigação de promover uma conduta eficiente, a saber, que se obtenha, com os meios ou instrumentos possíveis, a máxima racionalização dos recursos ou expedientes públicos, de forma a alcançar a maior efetividade na aplicação dos mesmos, ou seja, sob o império da otimização do numerário público, em decorrência da conduta eficiente do agente estatal, consigam-se os resultados esperados pela ordem legal. Sobre a relação, sempre espinhosa, entre eficiência e dispêndios financeiros por parte da Administração Publica, na qual se discute a menor onerosidade possível e como isso pode ser de fato efetivado, impende transcrever o seguinte escólio doutrinário34: Alguns entendem a eficiência como o dever de a administração escolher o meio que implique menos dispêndios financeiros. Dentre as várias alternativas, cumpre escolher a opção mais barata. Essa interpretação remete-nos a dois modos de consideração do custo administrativo: a um modo absoluto, no sentido de que a opção menos custosa deve ser adotada, indiferente se outras alternativas, apesar de mais custosas, 32 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, n. 1, ano 1 Abril 2003 Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=12511>. Acesso em: 15 março 2009. 33 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 171. 34 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, n. 1, ano 1 Abril 2003 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=12511>. Acesso em: 15 março 2009. 12 apresentam outras vantagens; a um modo relativo, no sentido de que a opção menos custosa deve ser adotada somente se as vantagens proporcionadas por outras opções não superarem o benefício financeiro. O modo relativo é aquele que melhor se compatibiliza com o ordenamento jurídico brasileiro. Isso significa dizer que não se pode entender, de chofre, como melhor a compra de equipamentos eletrônicos só porque são mais baratos relativamente a outros, sem a consideração, por exemplo, da sua durabilidade, dos serviços de assistência técnica que eles exigem, da sua obsolescência, da sua praticidade. O equipamento mais barato pode ser, até mesmo, o menos adequado para realizar a finalidade de modo satisfatório. Uma elementar vivência no âmbito da Administração Pública revela que o menor preço, algumas vezes, costuma ocasionar enormes transtornos na aquisição de produtos ou bens, mormente nas grandes contratações, rectius com enorme variedade de itens ou com expressiva quantidade, contudo, é defendido tal entendimento, rectius custo administrativo de modo absoluto, sob o falso argumento de que atende, a contento, o princípio da eficiência, o que constitui um desatado erro, vez que ele deve alcançar uma relação ótima entre custos e benefíciosna prestação de um serviço ou na construção de uma obra pública, e não apenas evidenciar um fim meramente quantitativo de valor. Impõe-se, e isso não pode ser olvidado, arvorar esse entendimento a bem do serviço público. Não se nega a comodidade do menor preço para fins decisórios, sem falar que na maioria das vezes revela-se o melhor caminho a tomar, todavia, não se pode prescindir da qualidade dos produtos a serem adquiridos pela estatalidade, já que o círculo vicioso, e quiçá medroso, do menor preço acaba por imprimir, por vezes, uma prestação de serviço com má qualidade, tendo em vista os produtos de adquiridos mediante uma ligeira e nada exigente especificação objeto da licitação. Nesse ponto, deve-se empreender o seguinte entendimento: a conduta do servidor deve ser eficiente, fazendo-se uso de meios ou instrumentos eficazes, de sorte a conseguir os resultados esperados pela ordem jurídica, ou seja, a desejada efetividade. Doravante nos ocuparemos dos princípios explícitos, por assim dizer, “específicos” do processo administrativo. 3.1.2 PRINCÍPIOS ALBERGADOS NO ART. 2º, CAPUT, DA LGPAF. Os princípios elencados no artigo em referência possuem, para a sua maioria, uma maior especificidade quanto temática em apreço, a saber, pertinente ao processo administrativo, contudo, não se discute, são elencados, dentre todos, alguns que possuem a mesma amplitude ou abrangência dos capitulados no art. 37, caput, da CF/88. Iniciemos, portanto, a análise destes princípios a começar pelo da finalidade. A primeira indagação a fazer, o que seja essa finalidade? Ou melhor, o que constitui essa finalidade sem uma qualificadora? Simplesmente nada, já que inexiste fim pelo fim. Por evidente, a finalidade deve possuir uma qualificadora e, só para exemplificar, pode ser política, social, econômica, altruísta etc, todavia, a finalidade em questão, enquanto princípio, só pode ser a pública. Então, temos que o princípio da finalidade pública, ou simplesmente finalidade, procura nortear as condutas dos agentes públicos de forma a atender os fins públicos, sejam os expressamente previstos na norma legal, sejam os decorrentes do nosso sistema jurídico, o que não impede, por vezes, de interesses privados associados ao público. Por exemplo, a autorização de uso, em benefício de um particular, de uma pequena sala de reprografia numa universidade federal, atende, de forma precisa, tanto a interesses privados quanto públicos. A toda evidencia, tal princípio impõe um desatado repudio a prática do desvio de poder e do abuso de autoridade. E, sob um enfoque mais contextualizável com o processo administrativo, ponderáveis são as palavras de Maria Novais Graziano35, nestes termos: 35 GRAZIANO, Mariana Novis. O recurso administrativo no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Belo 13 [...] não se pode olvidar que as prerrogativas públicas possuem caráter meramente instrumental, vale dizer, limitam-se exclusivamente à extensão e à intensidade necessárias ao atendimento da finalidade pública perseguida. Dito de outro modo: o Estado deve ater-se aos exatos limites necessários ao alcance do objetivo a que se predispôs; jamais poderá se exceder ao quanto indispensável para a consecução do fim perseguido. Disso igualmente resulta a importância do iter formal a ser seguido quando da prática de atos administrativos em geral, pois ele definirá exatamente esses limites aos quais se acha o Estado adstrito perante a sociedade. Além da finalidade pública que deve perseguir todo e qualquer ato administrativo, na consecução das atividades estatais nos seus mais diversos campos, impõe-se, também, a motivação dele da forma que a lei assim estabelecer. Destarte, o princípio da motivação, juntamente com o da publicidade, caminha, de forma inarredável, para a promoção de um controle mais efetivo dos atos públicos, seja o interno ou externo, seja, ainda, o particular, que é exercido por todos os cidadãos brasileiros, dentre outras formas, pela via da ação popular (Lei nº 4.717/65). A motivação, em certa medida, confere ao ato administrativo maior legitimidade, já que a presunção desta no ato é juris tantum, logo, qualquer expediente que robusteça as razões fundantes do ato, rectius motivação, acaba por promover maior consistência no plano jurídico, bem como maior sustentáculo na espinhosa relação entre o ato público e sua legitimação. Associada à motivação do ato administrativo, por certo, tem-se, sempre, em mente a teoria dos motivos determinantes, na qual deve existir uma relação de adequação entre o motivo, rectius situação material, e sua justificação36, sob pena de invalidade do ato. E, assim, irrompe-se que a motivação, como já salientado, facilita, e muito, o controle dos atos públicos, mormente nos casos em que não se expõe o dever legal de motivar, já que neste ultimo caso não se vislumbra ato sem ela por ser esperada e exigida por lei, conforme se pode apreender, dentre outras normas que imponha tal encargo, no art. 50, da Lei nº 9.784/99. A motivação, porém, nem sempre tem o condão de identificar os vícios do ato administrativo, pois o móvel do agente, rectius vício de intenção, pode ser de tal forma dissimulado, na própria justificação do ato, que apenas nuances externas a este podem revelá-lo, ex vi, através dos efeitos materiais do ato no tempo. Passemos, agora, ao princípio da razoabilidade. Mas o que seja essa razoabilidade no processo administrativo? E o que se espera, enquanto detida observância a tal princípio, no âmbito da Administração Pública? Naturalmente, sobre qualquer contexto em que se arvorem as indagações, por evidente, exige-se o entendimento de que o gestor da coisa pública seja razoável, quer dizer, seja moderado, aceitável, conforme a razão etc. Contudo, isso, por si só, não responde e nem empreende uma resposta plausível à temática. O princípio da razoabilidade deita sentido e alcance, principalmente, na conduta do agente público, com especial relevo para aquelas que imprimem um atuar “positivo” por parte da estatalidade, ou seja, num programa de atuação positiva em que se observa a importância da materialidade dos atos necessários à satisfação dos mais diversos interesses da coletividade. Não há falar, em tese, em omissão razoável37, um agir é que pode ser razoável ou não. E como limite à atuação prestacional do Estado, rectius positiva, tem-se o princípio da razoabilidade. Este, e outros também se inserem neste perfil, possui uma dimensão de metanorma, pois caminha num prisma diverso dos Horizonte, Biblioteca Digital Fórum Administrativo – Direito Público – FA, ano 7, n. 78, ago. 2007. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=46704>. Acesso em: 1 março 2009. 36 Sendo que a justificação exige a demonstração: (i) da regra legal; (ii) da situação fática ensejadora do ato; e (iii) da pertinência entre o fato, rectius situação material, e o ato praticado. 37 Por evidente, não se afasta a idéia de omissão razoável, nas restritas hipóteses em que ela possa ocorrer, contudo, esse não é, sem dúvida, o colorido esperado de uma atividade pública, já que voltada aos propósitos de bem servir a coletividade mediante prestações positivas que satisfaçam os mais diversos interesses dos administrados. Assim e a priori a razoabilidade está associada a atos comissivos do Estado. 14 demais princípios, pois faz inferências à aplicação de outras normas-princípio, quer-se dizer: a razoabilidade é um dato ou elemento que deve imperar sempre na aplicação de uma regra ou de um princípio, portanto,dirige-se à atuação das regras, bem como disciplina à aplicação dos princípios. Em outros termos, a razoabilidade não imprime um comando intrínseco em per si, como o princípio da ampla defesa, mas sim norteia o exercício ou aplicação de uma regra ou de um princípio, daí o seu caráter de sobrenorma38. O princípio da proporcionalidade, consoante ordinária classificação doutrinária, se subdivide em três subprincípios, a saber; (i) o da adequação ou pertinência ou aptidão; (ii) necessidade; e (iii) e o da proporcionalidade em sentido estrito. A pertinência se refere à existência da escolha do meio certo para levar adiante um fim calcado no interesse público. Já necessidade se vincula à conformação da medida a ser adotada com as amarras da indispensabilidade técnica, jurídica e fática da conduta, ou seja, que não exceda os limites exigíveis para alcançar o fim desejado, pois se destes ultrapassar, é certo, a medida tomada não é necessária, o excesso a fulmina. No que se refere à proporcionalidade em sentido estrito, tem-se, aqui, a obrigação de fazer uso de meios adequados, bem como de repudiar os desproporcionados39. Curiosamente, sobre tal divisão muito já se escreveu, contudo, não há linha definida, rectius precisa, sobre o seu verdadeiro sentido e alcance, muito embora se vislumbre facilmente aproximações entre os autores quanto aos seus escritos, até porque como exercício mental eminentemente classificatório, em que não se discute a verdade dele, mas, sim, sua funcionalidade, não há que tecer objeções a respeito. Ademais, por ser um tema por demais decantado na doutrina dispensam-se maiores tergiversares. Em todo caso, impõe-se, apenas para circundar um colorido ao assunto, apresentar o que se entende por proporcionalidade. Inicialmente, devemos encetar nossos esforços em salientar que proporção guarda relação entre meio e fim. Finalidade e instrumentalidade numa relação de imediata proporção. Ser proporcional é respeitar uma relação de imediata e necessária sintonia, sem demasia ou diminuta atenção, aos aspectos intrínsecos e extrínsecos da realidade fática, ou situação material, que se pretende alcançar com a medida a adotar. Em outros termos, a proporcionalidade advém do alcance dessa precisa e estreita relação de compatibilidade entre o que se deseja e o que se pretende fazer para alcançar o que se deseja, de forma que não se revele além do necessário à promoção dos fins que se pretende empreender. No que se refere ao princípio da ampla defesa, a Administração Pública deve conceder aos administrados toda sorte de expedientes processuais, desde que legalmente previstos e moralmente aceitáveis, que lhes permitam arvorar proposições ou argumentos favoráveis a sua tese, bem como consubstanciá-las com a documentação pertinente. A ampla defesa constitui-se, assim, num leque enorme de possibilidades dentro da ordem processual para garantir uma defesa efetiva e não meramente formal. Todavia, não se pode confundir ampla defesa com defesa amplamente protelatória, ou meramente protelatória. Expedientes vis, e que nutre a deslealdade processual, devem ser liminarmente afastados. Não há como admitir expedientes serodiosos e infrutíferos, seja por parte da estatalidade, seja por parte do cidadão, não só por razões de economia processual, mas, e principalmente, porque se destoam da moral administrativa. Por fim, deve-se ter em mente o seguinte: nos processos administrativos de natureza inquisitória a ampla defesa é suprimida ou, quando isso não for possível, ela é 38 ÁVILA, Humberto. Moralidade, Razoabilidade e Eficiência na Atividade Administrativa. , Belo Horizonte, Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, n. 1, ano 1 Abril 2003 Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=12511>. Acesso em: 15 março 2009. 39 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 396-97. 15 mitigada. Aqui, por certo, não se vislumbra qualquer ofensa à ordem constitucional, como bem demonstra salienta o seguinte excerto doutrinário40: A vigente Constituição, referindo-se no art. 5º, LV, ao princípio da ampla defesa e do contraditório, determinou sua incidência apenas sobre os processos administrativos e judiciais em que estejam envolvidas pessoas litigantes, o que, em outras palavras, indica que o postulado só tem aplicabilidade se houver conflito de interesses a ser dirimido pelos aludidos processos. Registre-se que, exatamente por esse motivo, é que se inclui (sic), entre os processos administrativos não-litigiosos, os processos de mera apuração, ou investigação. Tendo natureza meramente investigatória e, o que é mais relevante, sendo preparatórios de processos principais supervenientes, não comportam incidência da ampla defesa e do contraditório, sendo estas garantias exigíveis apenas para os últimos. É o caso do inquérito policial, do inquérito civil41 e da sindicância. [...] Se o processo, por conseguinte, não estampa litígio e revela mero objetivo de apuração de fatos, sem admitir a aplicação de sanções, não há imposição do princípio constitucional42. A idéia subjacente no escólio doutrinário acima é a existência de um contraditório diferido. Só que, para que isso exista, em alguns casos, é necessário ter em mãos, numa relação de contemporaneidade com os elementos de prova formulados ou adquiridos, a informação sobre a qual se assenta a “inquisição” do Estado. Ultimamente, tendo em vista posicionamento adotado pelo STF em recente instituto jurídico, pode-se questionar, ainda que em dada parcela, o sentido e alcance da transcrição acima, já que o inquérito policial trata-se de um processo administrativo específico, haja vista o teor da Súmula Vinculante nº 1443, nestes moldes: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. No princípio do contraditório, em certa medida, já que não podemos resumir a isso, tem-se o direito de contraposição aos elementos fático-jurídicos ofertados ou lancetados no processo administrativo, desde que desfavoráveis, pois, do contrário, não se vislumbra a existência de interesse processual para rebatê-los. Dá-se a oportunidade para apresentar argumentos, documentos ou, simplesmente, promover uma negativa justificada da tese em que se fulcra a pretensão adversa. Nessa ordem de idéias, é bom lembrar que a Administração tem o direito de exigir a apresentação de documentos quando imprescindível para o deslinde do processo. A informação é sempre necessária, sendo que a instrução insuficiente, mesmo que decorrente da inércia do administrado, não pode acarretar, por si só, uma sanção ao mesmo quando do decisório administrativo, já que também incumbe à Administração Pública promover os elementos de prova em que se baseia a sua decisão. Pois, mesmo quando o particular não apresenta ou produz prova para o deslinde da matéria, por certo, cabe à Administração produzi-la para levar adiante a sua decisão, já que não se pode aceitar manifestação do Poder Público44, com 40 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal – Comentários à Lei nº 9.784 de 29/01/1999. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 25-26 e 58. 41 Não confundir com a fase do inquérito administrativo no Processo Administrativo Disciplinar (PAD). 42 Negrito e itálico no original, aqui, apenas itálico. 43 Tendo com precedentes os seguintes: HC 88520, HC 90232, HC 88190, HC 92331, HC 87827 e HC 82354. 44 GORDILLO, Agustín. Tratadode Derecho Administrativo, Tomo 4 – El procedimiento administrativo. 8. ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2004, passim. 16 caráter decisório, sob a égide do mero achismo. Adverte-se, porém que a noção de contraditório já se insere, efetivamente, na de ampla defesa45¸ na medida em que o exercício do contraditório é apenas um dos esteios do exercício da ampla defesa, de maneira que a ampla defesa é uma noção-gênero e o contraditório é uma noção-espécie. Continuemos. Nada tem preocupado mais a comunidade jurídica brasileira que a segurança jurídica, seja no campo jurisdicional, seja no campo administrativo. E a razão é simples: a complexidade incessante e progressiva da vida moderna, o que inclui sempre a evolução tecnológica e seus claros e irreversíveis efeitos no meio social, faz com que surjam novos institutos ou imprimam novos coloridos aos velhos, ou mesmo novos ramos jurídicos, de sorte que o que se decidia antes com extrema facilidade, hoje, não há negar, nota-se um patente desconforto por conta das novas descobertas e dos novos parâmetros para a “verdade” processual. Soma-se, ainda, a tresloucada e perniciosa “inflação legislativa” que castiga os espíritos sistêmicos e racionais. Urge mencionar que tal princípio, hoje, goza o status de princípio constitucional, precisamente, como um subprincípio do Estado de Direito, consoante entendimento do STF46. Pois bem, diante desse contexto, que podemos chamar de assombroso e inevitavelmente instigante, exsurge a importância do princípio da segurança jurídica ou, como querem alguns, princípio da proteção à confiança, só que, aqui, como será visto mais adiante, se refere à esfera subjetiva na estabilidade das relações jurídicas. Uma das maiores expressões desse princípio na LGPAF é, por certo, a disposição contida no art. 2º, § único, inciso XIII, assim redigido: interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. A interpretação administrativa, ademais de ser um instrumento com estreita relação com o controle dos atos administrativos47, o que influencia essa forma de interpretação, também é um expediente para promover o aperfeiçoamento das atividades administrativas, bem como assegurar os direitos dos administrados. Pois bem, conforme dicção legal, no âmbito administrativo é proibida a interpretação com caráter retroativo como uma clara exigência do princípio da segurança jurídica. Por sua vez, o inciso IX, do mesmo artigo, é categórico: adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados. O texto é por demais preciso e, da clareza dos seus termos, observa-se o imperioso dever da Administração Pública promover todos os procedimentos ou expedientes de forma simples, de maneira a alcançar a devida segurança no trato das atividades administrativas. O inciso IV também possui total pertinência com o princípio em apreço, cujo teor é o seguinte: atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé. Com efeito, a atuação do Poder Público deve primar pela boa-fé das condutas dos seus agentes, já que não se pode conceber a existência de vícios subjetivos nas atividades que sempre se destinam ao cumprimento de determinação ou autorização legal, bem como à satisfação de um interesse público. Tem-se, ainda, como expediente legal, em observância ao principio em apreço, o disposto no art. 54, da LGAF, cuja relevância jurídica é inescondível, já que trata de temas capitais do direito administrativo, tais como decadência, autotutela administrativa, rectius anulação, revogação e convalidação de ato administrativo. Somente esse artigo 54 da LGPAF demandaria um demorado artigo, todavia, dadas as limitações e objeto deste, nos limitaremos a essas breves remições. Ademais, considerando outros textos normativos sobre a temática, observa-se uma preocupação enorme com tal assunto, o que pode ser notado no art. 27, da Lei nº 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, assim como, o art. 11, da Lei nº 9.882, que dispõe sobre o processo e 45 CARVALHO FILHO, op. cit., p. 57. 46 Nesse sentido, observar o entendimento expressado pelo Ministro Gilmar Mendes nos seguintes julgados: (1) MC nº 2.900-RS; (2) MS nº 24268-MG; e (3) MS 22357-DF. 47 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008, passim. 17 julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal. Da breve explanação acima, pode-se gizar que segurança jurídica é um princípio da maior importância, não só porque que a consolidação das situações jurídicas impõe, ou porque há fundamento constitucional nesse sentido, rectius art. 5º, inciso XXXVI, mas porque, e principalmente, é uma elementar exigência da vida em sociedade, vez que todos almejam estabilidade seja em que segmento for. Assim sendo, antes mesmo de ser um fundamento constitucional ou legal, a segurança jurídica é uma premente e inarredável necessidade vivencial do cidadão em face de um Estado, por vezes supressor de direitos. Trataremos, agora, sobre o principio do interesse público. Princípio? Seria uma variante do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular? Em qualquer caso, a análise exige o devido cuidado! Muito já se discutiu sobre esse princípio, inclusive negando a essa qualidade48, todavia, o que se já sabe é o seguinte: como todo princípio sua observância não se dá em abstrato, mas, sim, nas nuances do caso concreto, ademais, tal supremacia do interesse público ou somente interesse público pode e deve ser afastado quando as nuances fáticas assim indicarem. Enfim, não há uma automática supremacia do interesse púbico! No âmbito do processo administrativo, por evidente, o interesse público também se submete às “regras do jogo”, até porque é o próprio Estado que as estabelecem. Porém, bem entendendo o sentido que a dicção legal, aqui, leva a entender, tem-se o seguinte: no processo administrativo não se deve sobrepor os interesses de particulares em detrimento das exigências legais aferíveis em cada caso. O sentido dado a esse interesse público, aqui, guarda total compatibilidade com os princípios da moralidade e da impessoalidade. 3.1 OS PRINCÍPIOS IMPLÍCITOS Após rápida análise dos princípios explícitos, no ocuparemos sobre os princípios implícitos, ou seja, não positivados. Talvez fosse melhor falar em não-expressos, vez que a ausência de positivação expressa de um princípio, por si só, não lhe retira a densidade jurídica quando decorre do nosso sistema jurídico, de forma que, a rigor, e em alguns casos, ele não é implícito, mas, sim, facilmente extraível da disposição legal. Mas isso é o de só menos importante, passemos à análise de alguns deles. O primeiro deles, a saber, o da distribuição equitativa dos ônus e encargos públicos é uma clara variante do princípio da igualdade ou isonomia. Em termos mais claros, não há como conceber a oneração excessiva de um administrado, para a promoção de um fim público, sem a devida compensação material ou imaterial pelo ônus suportado. No âmbito do processo administrativo, poder-se-ia cogitar a sua pouca utilidade, já que seus esteios centram maior atenção na atividade estatal que impõe uma restrição gravosa ou mesmo supressão na propriedade privada, mormente na servidão ou desapropriação, só que tais atividades administrativas, geralmente, são levantadas em demorados processos administrativos. Daí a análise não podeser tão superficial. Não raro, mormente nos processos administrativos referente à transferência de titularidade da propriedade, os administrados são instados a promover uma série de exigências para levar a cabo as suas pretensões, tudo por conta da observância de certas formalidades ou exigências materiais decorrentes de lei. Pois bem, em dadas situações, tem-se como imperativa a distribuição dos encargos entre os administrados, pois a ônus demasiado de um implica o malferimento de tal princípio. Essa distribuição dos encargos se reflete na devida indenização a ser promovida pela Administração Pública. O exemplo mais comum de aplicação de tal princípio ocorre no processo administrativo de desapropriação de terrenos urbanos, no qual, para fins de indenização, é levada em consideração a peculiar situação dos proprietários urbanos em face da obra ou serviço público a ser promovido em prol da coletividade. Claro que, na hipótese, tem-se uma indenização extrajudicial 48 ÁVILA, op. cit., p. 177. 18 por parte do Estado, contudo, mesmo quando infrutífera esta, por evidente, o processo administrativo serve, na pior hipótese, como substrato de prova em juízo. No âmbito judicial o princípio tem ampla aplicação, seja como parâmetro de equidade, seja como expressão do princípio da isonomia, ou mesmo com o emprego dessa terminologia. Logo, acima, falamos rapidamente sobre o princípio do interesse público, lá, tendo em vista a terminologia legal adotada, não traçamos maiores parâmetros com o princípio da supremacia do interesse publico sobre o particular, contudo, aqui, em que o consideramos como um princípio implícito do nosso sistema, aventaremos algumas considerações, por assim dizer, mais demorada. Muito se tem discutido sobre os efeitos desse princípio na interpretação das condutas dos agentes públicos, mais ainda se tem falado sobre a necessidade de repensá-lo para adequá-lo às novas convergências jurídicas do direito administrativo atual. O fato mesmo é que tal princípio é uma verdadeira pedra de torque da Administração Pública. É uma decorrência lógica, ainda que muitos pensem o contrário, da sobreposição do interesses da coletividade sobre o meramente individual. Não há como pensar diversamente sem implicar invencionismo engenhoso e estéril. O interesse público primário (interesse da coletividade), e não se pode negar isso, encontra espeque em tal princípio, todavia, e igualmente não pode ser esquecido, o interesse público secundário (interesse da estatalidade) não tarda, infelizmente, em se beneficiar dele. Diante de tantos abusos já cometidos para a satisfação de interesses meramente estatais ou de gestão de governo, e não da coletividade, fizeram com que exsurgissem vários argumentos contrários à existência de tal princípio. O que vidência um equívoco patente: o problema não se encontra na existência de tal princípio, ou axioma como prefere alguns, mas, sim, na sua aplicação no âmbito da Administração Pública, bem como em sede judicial. Isto é, tem-se, sim, que repensar a aplicação do princípio e não levantar arroubos contra a sua existência. Observar a supremacia nos processos administrativos quer dizer, em primeiro lugar, assegurar o cumprimento de todas as exigências legais que, em tese, são sempre em favor da coletividade; em segundo lugar, sufragar o entendimento de que, nas circunstâncias do caso concreto, o interesse privado somente poderá se sobrepuser ao público se as nuances fático-jurídicas exigirem e desde que a coletividade não tenha sido “apenada” injustificadamente. Observados esses parâmetros, não se pode dizer que tal princípio tem feito um desserviço à coletividade. Quanto ao princípio da indisponibilidade, várias são as decorrências lógicas no sistema vigente. A primeira delas, por certo, é a indisponibilidade dos bens públicos, materiais ou imateriais, e que constitui um fator de coesão com os fins a que se destina todo o aparelho do Estado. A instrumentalidade dos bens e serviços da Administração Pública não se coaduna com a disponibilidade, mesmo que eventual, dos mesmos, vez que tudo tem um fim específico, a saber, a satisfazer as mais diversas demandas públicas e não empreender concessões a particulares, salvo quando autorizadas por lei ou regulamento. A segunda, e também óbvia, é a impenhorabilidade dos bens públicos, pois admiti-la seria conceber uma relação de paridade entre os bens estatais e os privados, bem como negar a forma peculiar de pagamento das dívidas públicas (art. 100, da CF/88) que, por sua vez, já é uma decorrência inescondível desse princípio. O terceiro, e mencionado com redundância pela CF/88 (arts. 183, § 3º e 191, § único), refere-se à impossibilidade de usucapião de imóveis públicos. Outras inferências teóricas poderiam ser aventadas, mas se tem como suficientes as mencionadas para evidenciar a importância de tal princípio. Ademais, o que se deve destacar é o seguinte: se os bens públicos são indisponíveis, então, e não se pode esquecer isso, nos processos administrativos em que se infirma essa assertiva tem-se uma verdadeira afronta a todo sistema vigente, o que inquina todo o procedimento de vicio irremediável na maioria das vezes. Ora, imagine-se uma licitação com valores superfaturados, tem-se uma clara disponibilidade de bens públicos em benefício de terceiros, não há precisar mais considerações para afirmar que tal procedimento não merece ser chancelado pela ordem jurídica. Inumeráveis exemplos, em sede de processo administrativo, poderiam ser lembrados, porém nos contentamos com esse, já que são despiciendas outras considerações no mesmo sentido. 19 Passemos adiante. Agora, nos entregamos à temática pertinente ao princípio da proteção à confiança (legítima). Tal princípio tem uma estreita relação com o princípio da segurança jurídica. Contudo, são diversos no que concerne às esferas de atuação da estabilidade das relações jurídicas. Nesse ponto, cumpre transcrever um longo e elucidante escólio doutrinário sobre o assunto49: A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. [...] A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação. Modernamente, no direito comparado, a doutrina prefere admitir a existência de dois princípios distintos, apesar das estreitas correlações existentes entre eles. Falam os autores, assim, em princípio da segurança jurídica quando designam o que prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em princípio da proteção à confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo. Este último princípio (a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe conseqüências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos. Após esse demorado apanhado doutrinário, não há com confundir as vertentes de cada principio, bem como o seu campo de atuação. Tudo em vista a uma atuação reta do Estado. Com efeito, não se pode admitir contradição ou desarmonia no exercício das prerrogativas públicas, até porque o seu
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