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Expansão Cafeeira e Industria Sergio Silva

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Sérgio Silva 
EDITORA ALFA-ÔMEGA 
São Paulo 
1ª Edição – 1976 
5ª Edição – 1981 
Formatação – 2017 
Expansão Cafeeira e 
Origens da Indústria 
no Brasil 
5ª Edição 
Expansão Cafeeira e Origens da 
Indústria no Brasil 
 
Durante os últimos anos, foram 
publicados vários trabalhos que criticam a 
tese (predominante nos textos clássicos sobre 
a formação econômica brasileira) segundo a 
qual a industrialização surge e avança nos 
momentos em que o setor exportador está em 
crise. Entre os estudiosos da economia brasileira fortaleceu-se 
inclusive uma tendência em favor da tese contrária: os primeiros 
passos da indústria estariam diretamente ligados aos progressos do 
setor exportador, isto é, ao café. 
Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil coloca questões 
diferentes das que conduziram às teses opostas nesse importante 
debate. Ao longo do livro, destaca-se a natureza contraditória das 
relações café-indústria, de tal modo que a expansão, cafeeira 
determina, ao mesmo tempo, o nascimento da indústria e os limites 
da industrialização. Entretanto, a contradição entre café e indústria 
está subordinada ao fato de que ambos fazem parte da acumulação de 
capital cujo núcleo é formado pelo capital cafeeiro. Assim, os aspectos 
contraditórios da unidade café-indústria (em geral considerados como 
“obstáculos” à industrialização ou ao desenvolvimento) são 
analisados como contradições próprias ao desenvolvimento do 
capitalismo no Brasil. 
A forma de acumulação que tem como núcleo o capital cafeeiro é 
considerada também como modo de inserção do Brasil na economia 
mundial em formação. As especificidades dessa acumulação, no seio 
da qual nasce a indústria, definem as especificidades do 
desenvolvimento em um país que ocupa uma posição subordinada na 
economia mundial. Dessa forma as relações de subordinação 
internacionais aparecem como elementos constitutivos da própria 
economia brasileira. 
Sumário 
NOTA DA EDITORA ................................................................ 5 
SOBRE O AUTOR ...................................................................... 6 
NOTA DO AUTOR .................................................................... 7 
I. INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA ........................ 8 
1. O café e a indústria ............................................................... 9 
2. Industrialização e capitalismo .............................................. 10 
3. Industrialização e transição .................................................. 14 
4. Transição e economia mundial ............................................ 17 
II. CONDIÇÕES HISTÓRICAS DA EXPANSÃO CAFEEIRA.. 22 
1. Condições externas .............................................................. 22 
1.1. Do mercado mundial à exportação de capitais ............... 22 
1.2. Alguns dados sobre os investimentos britânicos .............. 31 
2. Condições internas .............................................................. 33 
2.1. Capital ......................................................................... 35 
2.2. Torça de trabalho .......................................................... 37 
III. ECONOMIA CAFEEIRA .................................................... 46 
1. Plantações ........................................................................... 47 
1.1. Trabalho assalariado ..................................................... 47 
1.2. Mecanização ................................................................ 52 
1.3. Estradas de ferro ........................................................... 54 
2. Capital cafeeiro ................................................................... 57 
2.1. Diversos aspectos e aspecto dominante do capital cafeeiro
 ........................................................................................... 59 
3. Desenvolvimento da Economia cafeeira no início do século XX
 .............................................................................................. 62 
3.1. Superprodução ............................................................. 62 
3.2 Valorização ................................................................... 67 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
4 
 
4. A questão da terra e da abundância de terras ........................ 72 
IV. ORIGENS DA INDÚSTRIA ................................................ 81 
1. O crescimento da indústria................................................... 81 
2. O crescimento da grande indústria ....................................... 85 
3. Origens da burguesia industrial ............................................ 96 
4. Aspectos contraditórios das relações café-indústria .............. 104 
5. Contradições do desenvolvimento baseado na economia 
cafeeira ................................................................................. 113 
6. O capital industrial ............................................................ 119 
BIBLIOGRAFIA ...................................................................... 126 
 
NOTA DA EDITORA 
Com Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil, de 
Sérgio Silva, a Editora Alfa-Ômega está iniciando a sua coleção de 
Economia, da Biblioteca Alfa-Ômega de Ciências Sociais. Para dirigi-
la, foi convidado o prof. João Manuel C. de Mello, da Universidade 
de Campinas. 
A Alfa-Ômega pretende, com esta série, oferecer ao público 
universitário brasileiro o que de mais recente se tem produzido nas 
nossas Universidades e divulgar a produção intelectual de nossos 
economistas que, de forma geral, raramente encontram oportunidade 
para publicar seus trabalhos. Objetiva, também, formar uma 
biblioteca especializada, com obras de autores preocupados com os 
problemas teóricos e práticos da Economia, voltada essencialmente 
para a realidade brasileira e as necessidades econômicas nacionais. 
Na sequência desta nova série da Alfa-Ômega está programado 
o livro Capitalismo tardio, de João Manuel Cardoso de Mello, que 
aborda os problemas cruciais da transição da economia brasileira para 
o modelo capitalista. Outros trabalhos estão sendo selecionados para 
a coleção, sempre dentro do critério de levar ao público trabalhos de 
real importância na. formação de nossa cultura e na discussão de 
nossos problemas.
SOBRE O AUTOR 
Sérgio Silva economista, fez os seus estudos universitários em 
Paris, como bolsista do governo francês, no Institut d’Etudes du 
Développement Economique et Social da Universidade de Paris I 
(Sorbonne) e na Faculdade de Letras e Ciências Humanas da 
Universidade de Paris X (Nanterre). 
Ainda em Paris, fez o curso de pós-graduação da Ècole Pratique 
des Hautes Etudes, cujo diploma obteve com o mémoire “Le café et 
1’industrie au Brésil”, apresentado à banca examinadora formada 
pelos professores Pierre Vilar, Ignacy Sachs e Charles Bettelheim. 
Retornou ao Brasil, em 1973, e passou a lecionar no 
Departamento de Economia da Escola de Administração de 
Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, Em 1974, 
transferiu-se para o Departamento de Economia e Planejamento 
Econômico do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da 
Universidade Estadual de Campinas, onde trabalha atualmente. 
Participou da XXVII Reunião Anual da. Sociedade Brasileira 
para o Progresso da Ciência (Belo Horizonte, julho de 1975), com o 
trabalho “Sobre as Origens da Indústria no Brasil”, e do III Encontro 
Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia 
(Garanhuns, novembro de 1975), com “Desenvolvimento Econômico 
e Agricultura no Brasil”. 
Expansão cafeeira e origens da Indústria no Brasil é seu primeiro 
livro.
NOTA DO AUTOR 
Essetexto foi preparado dentro do quadro definido por um 
conjunto de pesquisas realizadas no Departamento de Economia do 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual 
de Campinas, em convênio com o Banco Nacional de 
Desenvolvimento Econômico. 
Nele procuro desenvolver teses indicadas em trabalho 
apresentado anteriormente na École Pratique des Hautes Études (Le 
café et l’industrie au Brésil, 1880-1930. Paris, 1973), sob a orientação de 
Charles Bettelheim. 
Aproveito para destacar aqui as minhas dívidas para com os 
colegas que participaram do mesmo convênio de pesquisas, 
analisando o mesmo tema, com as mesmas preocupações, como João 
Manuel Cardoso de Mello (O capitalismo tardio, Campinas, 1975) e 
Wilson Cano (Raízes da concentração industrial em São Pauto, Campinas, 
1975). A ausência de citações desses trabalhos deve-se ao fato de que 
foram elaborados simultaneamente com o presente texto. 
Devo ainda agradecer a colaboração de Luiz Carlos Cintra 
(Auxiliar de Pesquisas do IFCH-Unicamp) e ao estímulo das 
discussões realizadas com diversos amigos da Escola de 
Administração de Empresas de São Paulo e da UNICAMP, em 
particular, Décio Saes e Ligia Silva. 
 
Campinas, 1976.
I. INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
 
O objetivo principal desse trabalho é o estudo das origens da 
industrialização no Brasil. A maior parte de suas páginas são contudo 
consagradas ao exame da economia cafeeira. 
Isso se explica, inicialmente, pela impossibilidade de examinar 
nos limites desse trabalho as diferentes regiões do Brasil: dadas as 
fortes desigualdades econômicas entre essas regiões, um estudo sobre 
as origens da industrialização em todo o Brasil implicaria uma série 
de análises regionais. 
A escolha da economia cafeeira deve-se ao fato de que ela foi o 
principal centro da acumulação de capital no Brasil durante o período. 
É na região do café que o desenvolvimento das relações capitalistas é 
mais acelerado e é aí que se encontra a maior parte da indústria 
nascente brasileira. 
Finalmente, a razão fundamental da posição ocupada pela 
análise da economia cafeeira está em sua importância para explicar as 
características da indústria nascente brasileira. Toda a análise da 
economia cafeeira fundamenta o estudo das relações entre economia 
cafeeira e indústria nascente. 
O aprofundamento do estudo das relações economia cafeeira-
indústria nascente está apoiada em uma problemática onde a 
industrialização aparece como a última fase do período de transição 
capitalista. A indústria nascente é então considerada como resultado 
de um desenvolvimento capitalista prévio. 
O estudo relativamente detalhado da economia cafeeira, mesmo 
se por momentos parece afastar-nos do assunto principal, constitui 
um momento indispensável à compreensão das características da 
indústria nascente brasileira, porque ele é o estudo das formas 
dominantes do capital durante o período em questão. 
INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
9 
 
1. O café e a indústria 
O café já era o principal produto brasileiro de exportação na 
década de 1840; mas na segunda metade do século XIX, sobretudo a 
partir das décadas de 1860 e 1870, a produção cafeeira passou por 
transformações profundas. A história dessas transformações é a 
história da formação de novas relações de produção não somente na 
economia cafeeira mas no conjunto da sociedade brasileira. 
No seu conjunto, o período da história econômica brasileira aqui 
estudado caracteriza-se pelo desenvolvimento e a crise da economia 
cafeeira; mas esse é também o período da substituição do trabalho 
escravo pelo trabalho assalariado, do desenvolvimento do mercado, 
da rápida expansão das estradas de ferro, da aparição das primeiras 
indústrias. Esse período precede e cria condições necessárias à 
industrialização no Brasil. 
A passagem à industrialização não se faz automaticamente, pelo 
simples jogo das pretendidas leis naturais da economia. Ela é 
resultado de um sistema complexo de contradições sociais. 
Representa uma ruptura com o passado (inclusive o período 
imediatamente anterior à industrialização), que é a consequência de 
um conjunto de lutas econômicas e, sobretudo, lutas políticas e 
ideológicas. 
São justamente as formas dominantes de luta política e 
ideológica pela “industrialização” e pelo “desenvolvimento”1 que, a 
 
1 Mais precisamente, a posição dominante da ideologia desenvolvimentista nos meios 
intelectuais brasileiros. A figura central dessa ideologia está na identificação entre 
desenvolvimento capitalista e desenvolvimento econômico em geral. A 
industrialização aparece aí como uma fase do desenvolvimento econômico em geral 
e não como uma fase do desenvolvimento capitalista. Enquanto tal, a 
industrialização pode ser oposta a todos os períodos que a precedem, sendo estes 
caracterizados pela predominância da agricultura. Em contrapartida, os ideólogos 
anti-industrialistas ou antidesenvolvimentistas se preocupavam em demonstrar que o 
Brasil era um país “de vocação agrícola”. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
10 
 
meu ver, conduziram a obscurecer os verdadeiros laços existentes 
entre a expansão cafeeira e a industrialização e a ressaltar de uma 
maneira unilateral a ruptura entre economia primário-exportadora e 
indústria. 
A partir do exame do conceito de indústria (e de 
industrialização), espero poder contribuir para o esclarecimento 
desses laços e ao mesmo tempo, colocar o período estudado aqui 
dentro de quadro teórico preciso, onde a expansão cafeeira e a 
industrialização aparecem como dois estágios da transição capitalista 
no Brasil. 
Para melhor precisar essa problemática, torna-se necessário 
indicar certas características particulares à transição capitalista no 
Brasil; características que se explicam fundamentalmente pela 
ascensão do modo de produção capitalista a seu estágio supremo, e a 
constituição de uma economia capitalista mundial. 
2. Industrialização e capitalismo 
A industrialização tem sido objeto de numerosos trabalhos de 
sociólogos e economistas que estudaram bastante esse problema, 
especialmente sob seus aspectos sociais. Mas, na sua grande maioria, 
esses estudos examinam as consequências sociais da industrialização: 
trata-se então de analisar as “vantagens” e os “inconvenientes” de um 
certo tipo de industrialização, multas vezes com o objetivo de orientar 
esse processo em direção determinada. 
O importante é que se trata de orientar a industrialização e não 
mudar sua natureza mesma. Essa é uma consequência do fato de que, 
nesses estudos, a industrialização em si mesma é considerada 
unicamente como progresso das forças produtivas ou, para empregar 
os termos correntes nesses estudos, como progresso técnico, aumento 
da produtividade. 
Nesse contexto, o estudo dos aspectos sociais da industrialização 
INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
11 
 
é reduzido à questão: como os frutos da industrialização são 
repartidos? Ou mais precisamente, quais são as relações existentes 
entre tal ou tal tipo de industrialização e tal ou tal tipo de distribuição 
de renda. Em outros termos, trata-se de saber se um perfil 
determinado da demanda, resultado de um dado tipo de 
industrialização, não constitui, em última análise e a mais ou menos 
longo prazo, um obstáculo ao próprio prosseguimento da 
industrialização2. 
Sem negar que essas análises possam produzir – e que produzam 
efetivamente – conhecimentos sobre a sociedade brasileira e as 
formações sociais “subdesenvolvidas” em geral, é necessário notar 
que elas se limitam ao quadro ideológico resultante da 
industrialização.Ou seja, na medida em que a industrialização em si 
mesma, além de não ser posta em questão, permanece sendo o alvo a 
atingir, socialmente falando, então o objetivo final dessas análises é a 
identificação dos “obstáculos” à industrialização e dos meios de 
superá-los. 
Para abandonar essa problemática – e os objetivos que são 
obrigatoriamente os seus – é necessário considerar a industrialização 
em si mesma (isto é, a industrialização enquanto progresso das forças 
produtivas) como um processo social, e mais precisamente como o 
aspecto técnico do desenvolvimento de relações de produção 
determinadas, como uma forma do desenvolvimento das forças 
produtivas adequada a relações de produção determinadas, no caso 
as relações de produção capitalistas. O que equivale dizer que é 
necessário considerar que o desenvolvimento das forças produtivas 
toma as formas adaptadas à reprodução das relações de produção 
 
2 Um exemplo de uma questão dessa problemática: a utilização de técnicas capital-
intensive e suas consequências sobre um mercado de trabalho fortemente marcado 
pelo desemprego. A esse propósito, ver por exemplo Celso Furtado, Um projeto para o 
Brasil, Editora Saga, 1969. Cf. especialmente pp. 37-58. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
12 
 
dominantes. 
O desenvolvimento das forças produtivas sob a dominação do 
capital não é somente desenvolvimento das forças produtivas; é 
também desenvolvimento das relações sociais capitalistas. Em outras 
palavras, o reforço da dominação do capital sobre o trabalho. Os dois 
processos estão intimamente ligados, de modo que um não existe sem 
o outro. Não há desenvolvimento das forças produtivas, senão sob 
relações sociais de produção dadas. Todo desenvolvimento de 
relações de produção implica um tipo específico de desenvolvimento 
das forças produtivas e portanto a transformação3 das relações 
técnicas de produção correspondentes às antigas relações de 
produção. 
A industrialização representa essa transformação 
(revolucionarização) do processo de trabalho pelas relações de 
produção capitalistas. 
“Na manufatura e no artesanato — diz Marx — o trabalhador se 
serve de sua ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o 
movimento do instrumento de trabalho parte dele; aqui ele não faz 
mais do que o seguir. Na manufatura, os trabalhadores formam os 
membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, eles são incorporados a 
um mecanismo morto que existe independentemente deles”4. 
E mais além: “Em toda produção capitalista, na medida em que 
ela não cria somente valores de uso mas ainda a mais-valia, as 
condições de trabalho dominam o trabalhador, bem longe de estarem 
a ele submetidas, entretanto, é a máquina que primeiro faz dessa 
 
3 O termo “transformação” é fraco. Não se trata, na verdade, de simples mudança 
nas formas, mas da revolução das formas de produção. O mais adequado seria 
empregar o termo: revolucionarização. 
4 Cf. K. Marx, Le capital, Ed. Sociales, 1957, T. III, p. 20. 
INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
13 
 
transformação uma realidade técnica”5. 
Nessa mesma ordem de ideias, é interessante examinar os 
resultados de pesquisas da equipe do Instituto de Sociologia da 
Universidade Católica de Milão. Elas ressaltam a ligação existente 
entre desenvolvimento “técnico” e desenvolvimento “social”: 
“As características essenciais do processo de industrialização são, de 
um lado, a extensão e o alargamento da divisão do trabalho no 
interior de um mesmo grupo produtivo, e de outro lado a obrigação 
dos produtores humanos se conformarem ao ritmo e ao movimento 
do processo mecânico. Esse deslocamento técnico do centro de 
gravidade do processo tem os efeitos socioeconômicos seguintes: a 
dependência crescente do trabalho frente ao capital e o papel sempre 
maior do capital enquanto força de coerção e de disciplina frente aos 
produtores humanos dentro da série de suas operações particulares”6 
E ainda: 
“... o advento e a generalização do sistema de fábrica representa com 
uma evidência particular o ponto culminante da ascensão ao poder 
da burguesia capitalista na Europa Ocidental”.7 
A noção de industrialização indica, portanto, a 
revolucionarização das forças produtivas pelas relações capitalistas. 
Mas, tal qual é empregada em um grande número de estudos, a 
noção de industrialização esconde o verdadeiro conteúdo do 
processo, fazendo-o passar por processo de desenvolvimento neutro 
(socialmente neutro) das formas produtivas. 
 
5 Ibid., T. II, p. 104 
6 Manoukian e Romagnoli, “Rivoluzione industriale e sistema di fabbrica”, Studi di 
sociologia, IX, nº 3/4. Milão, Julho-dezembro 1971, p. 250. Esse artigo define o campo 
teórico de uma pesquisa sobre o desenvolvimento do capitalismo na Itália, da 
unificação nacional à primeira guerra mundial. 
7 Ibid., p. 257. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
14 
 
Ao nível de uma formação social dada, o que muitos 
economistas e sociólogos denominam nível ou grau de 
industrialização indica, de fato, o nível ou o grau de desenvolvimento 
do capitalismo. A relação entre o valor da produção industrial e o do 
produto nacional bruto, por exemplo, pode ser um índice do 
desenvolvimento do capitalismo, na medida em que essa relação nos 
dá uma ideia quantitativa da produção em que a dominação do capital 
é já uma “realidade técnica”. As relações desse tipo constituem, 
portanto, nos limites da problemática que as engendrou, os índices 
das formas de dominação do capital sobre o conjunto da economia 
em uma formação social dada. 
3. Industrialização e transição 
A industrialização é o estágio final de uma fase mais longa do 
modo de produção capitalista: o período de transição8. No início, o 
capital subordina o trabalho nas condições técnicas dadas pelo 
desenvolvimento histórico anterior. Essas condições técnicas 
implicam a unidade do trabalhador e do meio de trabalho, ao nível do 
processo de trabalho, enquanto que a dominação do capital implica a 
dissociação formal do trabalhador e do meio de trabalho. 
“Essa não correspondência é abolida em seguida, pela revolução 
industrial, cujo desenvolvimento precisamente tomou-se possível pela 
subordinação formal do trabalho ao capital9. 
Mas a transição da subordinação formal, à subordinação real do 
 
8 Sobre a problemática da transição, ver Charles Bettelheim, La transition vers 
l’économie socialiste, p. 9-28 e 153-174. 
9 Charles Bettelheim, ob. cit., p. 23. Em lugar de “subordinação”, para sermos mais 
fiéis ao autor, deveríamos falar de subsunção. Em português esse é também o termo 
mais preciso. O termo subordinação entretanto parece-me suficientemente rigoroso 
para os objetivos em questão. Além disso, sua maior divulgação certamente facilita a 
compreensão do texto. 
INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
15 
 
trabalho ao capital não segue um desenvolvimento linear. O 
desenvolvimento do capitalismo em sua fase de transição – assim 
como o desenvolvimento do capitalismo em geral – é o resultado de 
um conjunto de contradições. 
Isso é muitas vezes indicado pela noção de resistência do antigo 
modo de produção dominante. Para recolocar essa questão na 
problemática que tento expor, é necessário, em primeiro lugar, 
distinguir os problemas da resistência do velho modo de produção 
dominante antes e durante a fase de transição. Esses problemas são 
evidentemente ligados, mas também são qualitativamente diferentes 
porque o modo de produção dominante não é o mesmo, nos dois 
casos. 
Se no primeiro caso a noção de resistência pode ser justificada, 
no segundoela deve ser afastada. Isso, pelas mesmas razões que 
levaram Bettelheim a afastar noções tais como “sobrevivência”, isto 
é, porque o que se indica por resistência é, de fato, um resultado do 
conjunto das relações que constituem a estrutura de transição. 
O fato de que essa estrutura seja entendida enquanto combinação 
de vários modos de produção não justifica o emprego dessa noção. A 
estrutura de transição não é uma simples justaposição de modos de 
produção diferentes. Os diferentes modos de produção em presença – 
digamos, “combinados” – se encontram modificados. 
Os modos de produção dominados, pelo fato mesmo de sua 
dominação, “são outros que não em sua pureza... o que é verdadeiro 
para os modos de produção dominados é verdadeiro, reciprocamente, 
para o modo de produção dominante cujas características são também 
em parte modificadas pelo fato mesmo de seu papel dominante”10. 
Os conhecimentos que possuímos sobre os modos de produção 
não podem constituir mais que um ponto de partida para o estudo das 
 
10 Ibid., p. 13. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
16 
 
contradições próprias à estrutura econômica da transição. A presença 
das relações pré-capitalistas, a predominância dessas relações em 
certos setores ou mesmo em certas regiões de uma formação social em 
que o modo de produção capitalista é o modo de produção 
dominante, não podem ser corretamente explicados por uma 
“resistência” dessas relações às relações capitalistas, porque a própria 
existência dessas relações é o resultado de uma forma determinada de 
dominação do capital. 
A presença de relações pré-capitalistas pode assegurar, por 
exemplo, que uma parte mais ou menos importante dos bens que 
entram na reprodução da força de trabalho não entre no preço dessa 
força de trabalho, os trabalhadores dispondo de um pedaço de terra 
que cultivam eles mesmos ou com a ajuda de sua família; ou ainda – 
caso mais geral – os preços dos produtos alimentares não incluem a 
reprodução da força de trabalho dos trabalhadores agrícolas, que 
asseguram eles mesmos sua subsistência. 
Esses sistemas, assegurados pela existência das relações pré-
capitalistas, podem ser indispensáveis à reprodução do capital. Nesse 
caso, a transformação das relações pré-capitalistas não depende 
simplesmente de uma resistência dessas relações mesmas, mas 
implica a transformação das formas da dominação do capital. 
As relações pré-capitalistas não existem, então, senão enquanto 
relações articuladas-subordinadas às relações dominantes. O que nos 
interessa não são essas relações em geral, mas seu modo de 
articulação na transição capitalista, isto é, as formas específicas de 
dominação das relações de produção capitalista. Em última análise11, 
são essas formas que explicam as contradições próprias à transição 
capitalista e portanto o processo de criação das condições à 
 
11 “Em última análise” porque o desenvolvimento do capitalismo é também o 
resultado das contradições políticas e ideológicas, cuja importância não deve ser 
subestimada. 
INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
17 
 
industrialização. 
4. Transição e economia mundial 
A fase de transição do capitalismo no Brasil se realiza quando o 
capitalismo já é dominante em escala mundial. Seu estudo coloca 
problemas novos, pois essa fase de transição apresenta contradições 
novas. 
A dominação das relações capitalistas mundiais supõe um 
desenvolvimento anterior do modo de produção capitalista e, 
particularmente, a sua existência sob formas já bastante avançadas de 
um mercado mundial. 
A dominação internacional das relações de produção capitalistas 
significa que a reprodução ampliada do capital não se realiza mais 
somente ao nível nacional, mas ao nível internacional. Esse fato já é 
indicado na tese sobre a predominância do movimento de capitais 
sobre o movimento das mercadorias ao nível das relações 
internacionais. 
A dominação das relações capitalistas em escala internacional 
significa também a submissão do desenvolvimento de cada economia 
nacional, isto é, da reprodução do capital em escala nacional à 
reprodução internacional do capital. É a partir desse momento que 
podemos falar de economia mundial, na medida em que ela supõe 
obrigatoriamente um todo estruturado e não uma simples 
justaposição de partes desconexas12. 
Nos países em que o capitalismo é ainda fracamente deenvolvido 
– os países que se encontram na fase de transição capitalista, os países 
em vias de industrialização ou em vias de desenvolvimento 
 
12 Sobre esse conceito de economia mundial, ver Charles Bettelheim, “Remarques 
théoriques”, in A. Emmanuel, L’échange inégal, Maspero, Paris, 1969, pp. 296-341, 
especialmente pp. 318-325. Esse texto está na base da problemática exposta aqui. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
18 
 
(capitalista) – o desenvolvimento do capitalismo apresenta 
contradições particulares devidas à posição subordinada que eles 
ocupam no seio da economia mundial. 
Essas contradições aparecem em um primeiro momento da 
análise como “obstáculos” ao desenvolvimento do capitalismo nesses 
países13. Essa noção é perigosa, na medida em que ela faz pensar em 
“fatores” exteriores a esse desenvolvimento. 
O que se indica pela noção de “obstáculo” é de fato um resultado 
desse desenvolvimento mesmo, isto é, da transição capitalista nas 
condições dadas pela economia mundial. Mais precisamente, esses 
“obstáculos” constituem um dos aspectos do desenvolvimento 
capitalista nos países dominados. O outro aspecto – sem o qual a 
noção de obstáculo perderia todo o sentido – é o desenvolvimento das 
relações capitalistas. Sobre esse ponto, é necessário ir ainda mais 
longe e afirmar o que é indicado (e escondido ao mesmo tempo) pela 
própria noção, de “obstáculo”: o desenvolvimento do capitalismo é o 
aspecto dominante. 
Esse duplo aspecto é melhor indicado pela fórmula segundo a 
qual o imperialismo é ao mesmo tempo “obstáculo” e “elemento 
motor” do desenvolvimento capitalista nos países dominados. Ainda 
uma vez, desse ponto de vista também, o aspecto dominante é o 
desenvolvimento. 
Se vamos ao extremo do raciocínio descritivo autorizado pela 
noção de “obstáculo”, veremos que o “obstáculo” não pode ser 
pensado senão como um momento do desenvolvimento: o 
capitalismo encontra um obstáculo em seu desenvolvimento. 
 
13 A noção de obstáculo remete também às contradições próprias à transição 
capitalista, que examino na parte precedente deste capítulo da crítica da noção (aliás 
mais precisa) de “resistência” do velho modo de produção dominante. Em suas 
“Remarques théoriques” sobre a troca desigual, Charles Bettelheim apresenta uma 
crítica da noção de obstáculo (Cf. a propósito da noção de “blocage” das forças 
produtivas, pp. 314-318). 
INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
19 
 
Finalmente, esses obstáculos não existem senão porque o capitalismo 
se desenvolve. 
Sendo assim, a noção de obstáculo indica um fenômeno bem 
real: as desigualdades do desenvolvimento das forças produtivas nas 
diferentes formações sociais. O desenvolvimento desigual é uma 
característica fundamental do modo de produção capitalista que se 
manifesta de uma maneira particularmente aguda quando ele se toma 
dominante ao nível internacional. 
No seio da economia mundial, as diferentes economias 
“nacionais” são ligadas por relações de subordinação-dominação. As 
leis que asseguram a reprodução ampliada do capital em escala 
mundial asseguram ao mesmo tempo “uma forma determinada de 
dominação-subordinação das diferentes formaçõessociais, a 
reprodução do sistema das posições correspondentes a essas relações 
de dominação-subordinação, os ritmos desiguais de desenvolvimento 
que resultam dessas posições e as condições de troca que delas 
resultam”14. 
Ao nível da formação social, obstáculos e elementos motores são 
efeitos contraditórios de uma mesma estrutura, a estrutura econômica 
própria à formação social em via de desenvolvimento capitalista à 
época da dominação das relações capitalistas em escala mundial, 
 
14 Cf. Charles Bettelheim, loc. citado, p. 321. A dominação das relações capitalistas 
mundiais e as relações de subordinação-dominação correspondentes, se impõem 
através de uma divisão internacional do trabalho desfavorável ao desenvolvimento 
dos países dominados. Ao nível da prática capitalista, essa divisão do trabalho se 
manifesta no mercado, mais precisamente como diferenças entre os preços do capital 
(considerado aqui enquanto mercadoria) e da força de trabalho nos países 
“avançados” e nos países “atrasados”. Nas análises econômicas feitas ao nível do 
mercado (das relações de troca), tende-se a privilegiar um desses dois aspectos do 
problema. O “fator trabalho” aparece como uma preocupação central nos estudos de 
A. Emmanuel (A troca desigual, explicada pelo nível dos salários nos países 
dominados) ou de Celso Furtado (a questão da distribuição das rendas, in Um projeto 
para o Brasil). 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
20 
 
É necessário ainda explicar como essas contradições que 
remetem às relações de dominação-subordinação no seio da 
economia mundial, podem ser consideradas, como contradições 
próprias ao desenvolvimento do capitalismo nos países dominados. 
A explicação deve ser encontrada na própria natureza das novas 
relações que caracterizam a economia mundial capitalista. Essas 
relações, apesar de implicarem em formas de dominação políticas e 
ideológicas tão violentas quanto às da época colonial, apoiam-se 
fundamentalmente sobre relações econômicas. As relações de 
dominação-subordinação internacionais que caracterizam o mundo a 
partir do final do Século XIX são o resultado – ou melhor, uma 
manifestação – da dominação e reprodução das relações capitalistas 
em escala mundial. 
Além disso – e esse fato é particularmente importante para o 
presente trabalho – essas relações econômicas internacionais estão 
inscritas nas estruturas econômicas nacionais, de acordo com a 
posição ocupada por cada nação no seio da economia mundial, 
enquanto formas especificas de reprodução do capital capazes de 
assegurar (não de modo homogêneo, mas através de um conjunto de 
contradições) a própria reprodução internacional do capital. 
Por essa razão, essas contradições aparecem, ao nível de cada 
formação social, sob formas específicas a essas formações sociais, 
como contradições próprias às suas estruturas econômicas. Por essa 
razão, também, a mudança das formas de dominação do capital em 
um pais dominado, a passagem a uma nova fase de desenvolvimento 
do capital em um desses países, geralmente põe em questão as formas 
vigentes de dominação internacional e, em todo caso, implica em uma 
mudança dessas formas. 
As características específicas da transição capitalista nos países 
que ocupam uma posição subordinada na economia mundial, esta é 
a problemática que sustenta esse estudo sobre a economia brasileira 
INTRODUÇÃO SOBRE A PROBLEMÁTICA 
21 
 
do final do Século XIX à crise de 1929/193015.
 
15 Também é impossível traçar uma linha de demarcação histórica e dizer: aqui 
termina o colonialismo, aqui começa a economia mundial capitalista e as relações de 
dominação-subordinação internacional que a caracterizam. As formas concretas de 
dominação não são jamais “puras”. 
II. CONDIÇÕES HISTÓRICAS DA EXPANSÃO 
CAFEEIRA 
1. Condições externas 
Na segunda metade do século XIX, o comércio mundial cresceu 
num ritmo sem precedentes. O crescimento do comércio 
internacional teve uma grande influência sobre a economia dos países 
onde o desenvolvimento do capitalismo ainda era muito fraco. Ele 
criou condições favoráveis a esse desenvolvimento. 
No que se refere ao Brasil, e em particular à economia cafeeira 
brasileira, essas condições foram especialmente favoráveis. As 
cotações internacionais do café, estagnadas ou em baixa desde a 
independência de 1822, apresentam-se em alta a partir dos anos 18501. 
O aparecimento dos navios a vapor no Atlântico Sul deu um novo 
impulso ao comércio de longas distâncias e em particular veio 
favorecer as relações comerciais entre o Brasil, de um lado, e a Europa 
e os Estados Unidos, de outro lado. 
1.1. Do mercado mundial à exportação de capitais 
A importância da expansão do comércio para a formação e o 
desenvolvimento do modo de produção capitalista foi assinalada pela 
maioria dos estudiosos do problema. Marx destaca que: 
“...o prazer e a subsistência dependam mais da venda do que do 
consumo direto dos produtos. Desse modo ele desagrega as antigas 
condições. Ele aumenta a circulação de dinheiro. Ele não se limita 
simplesmente a se apoderar do excedente da produção, mas pouco a 
pouco ele ataca a própria produção e coloca sob a sua dependência 
 
1 Sobre esse ponto, Cf. Celso Furtado, Formação econômica do Brasil¸ Fundo de 
Cultura, Rio de Janeiro, 1964 (6ª edição), p. 139. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
23 
 
setores inteiros da produção”2. 
O desenvolvimento do comércio é indicado então como uma 
condição histórica para o desenvolvimento do capitalismo: 
“Não é nada difícil compreender porque o capital mercantil aparece 
como forma histórica do capital muito antes que o capital tenha 
dominado a própria produção. Sua existência e seu desenvolvimento 
a um certo nível são eles mesmos a condição histórica para o 
desenvolvimento do modo de produção capitalista...”3. 
Do mesmo modo, a existência de um mercado mundial e seu 
desenvolvimento até um certo nível constituem condições históricas 
para as transformações das relações econômicas internacionais no 
final do Século XIX. Entretanto, aqui também o que devemos 
destacar nessas transformações não é o próprio desenvolvimento do 
comércio internacional, mas justamente o fato que o comércio deixa 
de ser o aspecto principal das relações econômicas internacionais. A 
passagem do capitalismo a um estágio superior do seu 
desenvolvimento, se caracteriza precisamente, nesse nível de análise, 
pelo papel dominante que a partir dessa época passa a ser 
desempenhado pelas exportações de capitais4. 
Existe uma diferença fundamental entre um simples crescimento 
do comércio internacional – por mais importante que seja esse 
crescimento – e um crescimento do comércio dominado pelas 
exportações de capitais. Essa diferença está na própria natureza das 
relações econômicas internacionais; no fato que, na época em que as 
 
2 Ob. cit., t. VI, p. 339. 
3 Ibid., p. 335. 
4 A importância das exportações de capitais para a caracterização da economia 
mundial capitalista é destacada por V. Lenin. Cf., em particular, L’impérialisme, stade 
suprême du capitalisme, Ed. du Progrès, Moscou, 1967, p. 79. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
24 
 
exportações de capitais tornam-se dominantes, o desenvolvimento da 
produção capitalista realiza-se em escala mundial. 
O comércio internacional tem uma influência importante, como 
já destacamos, sobre a evolução econômica dos diferentes países nele 
envolvidos. Mas essa influência é sempre uma influência externa, 
enquanto o comércio continua como o aspecto principal das relações 
econômicas internacionais. O comércio,em si mesmo, não muda as 
relações de produção sob o domínio das quais são produzidas as 
mercadorias que ele transfere de um local, de uma região ou de um 
país para outro. As condições de produção dessas mercadorias são, 
elementos fixados previamente e independentemente do comércio, 
como destacava Marx5. 
A partir da segunda metade do século XIX, o capital não se 
limita mais, ao nível internacional, à troca de produtos; ele se apropria 
da própria produção ao nível mundial. A partir desse momento, o 
desenvolvimento do comércio internacional torna-se apenas uma 
parte (aspecto subordinado) do desenvolvimento capitalista (da 
produção capitalista) em escala internacional. É aliás por essa razão 
que o comércio mundial passa a desenvolver-se num ritmo sem 
precedentes: 
“As trocas internacionais de mercadorias... são o produto da 
penetração do “capital” em todos os modos de produção em escala 
mundial; capital que organiza pela sua própria extensão a corrente 
de trocas”6 
São essas transformações ao nível das relações econômicas 
internacionais que são indicadas na tese sobre o papel dominante 
 
5 Sobre esse ponto, cf. ob. cit., t. VI, Capítulo XX (“Aperçu historique sur le capital 
marchand”), notadamente p. 334. 
6 Cf. Christian Palloix, “Critica dell’economia politica e teoria dell’imperialismo”, 
Problemi del socialismo, nº 5/6, setembro-dezembro 1971, p. 696. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
25 
 
exercido pelas exportações de capitais no estágio atual de 
desenvolvimento do capitalismo. Entretanto, muitas vezes a questão 
da exportação de capitais é analisada de um ponto de vista puramente 
quantitativo ou, digamos, contábil. 
É impossível compreender a exportação de capitais deste ponto 
de vista porque ele conduz à desfiguração do próprio conceito de 
capital. O capital é uma relação social que pode assumir diferentes 
formas. Do ponto de vista quantitativo ou contábil é impossível 
considerá-lo desse modo. 
Quando o economista examina o movimento internacional de 
capitais do ponto de vista da contabilidade nacional (estudando as 
balanças de pagamento de diferentes países, por exemplo), ele não 
pode senão captar, de passagem, uma das formas assumidas pelo 
capital durante o seu movimento. O próprio movimento não é levado 
em consideração. Ou, o que é ainda mais grave, ele tende a 
desaparecer dentro do raciocínio que o confunde com uma de suas 
formas. 
A partir de estudos sobre balanços de pagamentos de vários 
países, através da comparação da entrada e saída de capitais nos 
países “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”, muitos economistas 
chegam à conclusão de que a exportação de capitais não existe ou, 
pelo menos, não existe mais, concluem que, na verdade, os países 
“subdesenvolvidos” são os verdadeiros exportadores de capitais. 
Essa tese é muito importante porque, pelo menos 
implicitamente, ela conduz à negação do principal elemento que – ao 
nosso modo de ver – caracteriza a economia mundial capitalista em 
formação. Por essa razão, ela é o objeto de inúmeros debates. 
Em relação a A. Emmanuel, que defende a tese sobre 
exportações de capitais que criticamos aqui, o economista francês G. 
Dhoquois afirma: 
“...Emmanuel ignora o capital financeiro e, por exemplo, quando 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
26 
 
ele estuda as exportações de capitais segundo Lenin, as reduz ao 
simples saldo, ativo ou passivo, dos balanços de pagamentos, 
enquanto Lenin, apesar de algumas imprecisões de linguagem, 
considerava a circulação do conjunto de capitais em escala mundial, 
da qual o saldo do balanço de pagamentos representa somente um 
dos momentos que, ademais, não é o momento mais importante”7. 
A crítica de Dhoquois parece-nos inteiramente fundada. 
Entretanto, para encontrar o núcleo errôneo da tese em questão é 
insuficiente colocar o problema ao nível do conjunto da circulação do 
capital em escala mundial, a menos que consideremos a circulação 
como o local para o estudo do conjunto da reprodução do capital. Se 
a análise ficar ao nível estrito da circulação, ela levará simplesmente 
(emprego os próprios termos de Dhoquois) ao conhecimento de 
outros “momentos” da reprodução, mais uma vez sem captar o 
movimento real do capital8. 
Em outros termos, mesmo se a noção de exportação de capitais 
refere-se à circulação de capitais, a análise do problema não pode ficar 
restrita a esse nível. Para compreender o movimento real, é necessário 
deslocar a análise para a reprodução do capital. Nesse nível, podemos 
entender o capital como uma relação de produção e colocar a questão 
indicada pela noção de exportação de capitais sob luzes totalmente 
diferentes. 
Para evitar longos desenvolvimentos teóricos que fogem ao 
quadro limitado desse trabalho, tentarei ilustrar essa nova 
 
7 Cf. G. Dhoquois, “Il contributo di Arghiri Emmanuel”, Problemi del socialismo, nº 
5/6, setembro-dezembro 1971, p. 817. 
8 Por movimento de capital entendemos o conjunto do processo de reprodução do 
capital, que inclui não somente a circulação mas ainda os processos de produção e 
distribuição. Esse conceito não deve portanto ser confundido com a noção de 
movimento de capitais, tal como ela é empregada, por exemplo, nas Contas 
Nacionais (em particular no Balanço de Pagamentos) e que representa apenas um 
momento do movimento (reprodução) do capital ao nível da circulação. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
27 
 
problemática a partir de um exemplo prático sobre a economia 
brasileira: o caso dos empréstimos públicos, uma das primeiras 
formas de exportação de capitais e a forma dominante no Brasil 
durante o período que estudamos. 
O empréstimo, por definição, deve ser reembolsado com juros. 
No fim de um certo período mais ou menos longo, o país que tomou 
o empréstimo deve devolver todo o dinheiro emprestado e, além 
disso, uma certa quantia como pagamento de juros e comissões; isto 
é, de deve devolver uma quantia maior do que a recebida 
inicialmente. 
No quadro seguinte, apresentamos os dados relativos ao serviço 
da dívida e aos novos empréstimos contraídos pelo Brasil durante o 
período 1851-1900. A comparação entre duas séries, parece 
fundamentar a conclusão de que nada ficou no Brasil, que, durante 
esse período, foi o Brasil que “exportou” capitais. Ao nível das contas 
do Brasil com o exterior, essa conclusão parece correta. Ela choca-se, 
entretanto, com a impossibilidade de explicar o desenvolvimento do 
capitalismo no Brasil, em particular as transformações capitalistas da 
economia cafeeira, se não consideramos o papel fundamental 
desempenhado pelos empréstimos externos. 
 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
28 
 
I. BRASIL – SERVIÇO DA DÍVIDA EXTERNA 
E NOVOS EMPRÉSTIMOS 1851-1900 
(em milhões de mil-réis ou 1000 contos) 
Anos 
Serviço das 
dívidas 
Novos 
empréstimos 
1851-1860 5,3 4,1 
1861-1870 12,0 10,1 
1871-1880 16,7 9,3 
1881-1890 30,5 38,1 
1891-1900 57,4 63,3 
Fonte: Nelson Werneck Sodré, Formação histórica do Brasil, Ed. 
Brasiliense, São Paulo, 1963 (3ª ed.), p. 262. 
 
Na verdade, esses empréstimos serviram, direta ou 
indiretamente, para o financiamento da imigração massiva de 
trabalhadores – e, portanto, para a organização de um mercado de 
trabalho no Brasil – , para a construção de numerosas estradas de 
ferro, para a implantação de vários outros serviços públicos e 
industriais, tais como a eletricidade, o gás, os transportes urbanos etc., 
sem falar na própria construção e consolidação do Estado. 
Esse é o verdadeiro movimento (apenas indicado aqui) do capital 
em escala mundial; movimento impossível de entenderse nos 
situamos unicamente ao nível do balanço de pagamentos ou mesmo 
ao nível estrito da circulação. 
Ao destacar que o resultado líquido dos fluxos de capitais entre 
países “desenvolvidos” e “dependentes” é, em geral, desfavorável a 
esses últimos, o estudo empírico tem um mérito indiscutível. Ele 
conduz à demonstração de caráter errôneo das teses segundo as quais 
esses fluxos resultam diretamente em uma poupança adicional para 
os países “dependentes”. 
No caso específico do Brasil, durante o período estudado aqui, 
deve-se destacar que à importância das entradas de capital estrangeiro 
ECONOMIA CAFEEIRA 
29 
 
somos obrigados a associar a importância das saídas desses capitais, 
sob diversas formas e, em particular, sob a forma de serviços da 
dívida. Se considerarmos o período no seu conjunto, devemos 
destacar o peso do serviço da dívida externa, que estrangulava 
financeiramente o país, apesar dos saldos significativos da balança 
comercial brasileira (Cf. tabela abaixo). 
 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
30 
 
II. BALANÇO COMERCIAL – SALDOS (em contos) 
BRASIL – 1851-1928 
Anos Saldos1 Anos Saldos 
1851/18602 (-11,6) 1908 138,5 
1861/1870 18,9 1909 423,7 
1871/1880 34,3 1910 233,6 
1881/1890 30,9 1911 209,2 
1891 62,4 1912 148,4 
1892 194,9 1913 (-25,7) 
1893 53,2 1914 193,9 
1894 (-15,6) 1915 459,3 
1895 37,5 1916 326,1 
1896 (-20,1) 1917 354,4 
1897 164,9 1918 147,7 
1898 78,0 1919 844,4 
1899 89,0 1920 (-325,0) 
1900 205,4 1921 19,9 
1901 412,4 1922 679,5 
1902 254,8 1923 1.029,9 
1903 256,1 1924 1.074,0 
1904 263,8 1925 645,2 
1905 230,5 1926 485,0 
1906 300,4 1927 371,0 
1907 216,0 1928 275,8 
Notas: 
1 Os saldos negativos indicam um excedente das importações sobre as 
exportações. 
2 Para as quatro primeiras décadas, o quadro apresenta saldos anuais 
médios 
Fontes: Para as quatro primeiras décadas, Werneck Sodré, ob. cit., p. 262. 
De 1891 a 1928, J. F. Normano, Evolução Econômica do Brasil, Companhia 
Editora Nacional, São Paulo, 1939, p. 256. 
 
Dessas observações podemos concluir que, empiricamente, os 
dados sobre o crescimento dos investimentos estrangeiros – por 
ECONOMIA CAFEEIRA 
31 
 
exemplo – são bem mais significativos do que os saldos do balanço de 
pagamentos. Mas mesmo esses dados só adquirem toda a sua 
significação quando examinados do ponto de vista da reprodução do 
capital em escala mundial; porque é somente a esse nível que 
podemos explicar os efeitos contraditórios do desenvolvimento do 
capital internacional. 
Ao nível da circulação, as saídas de capitais dos países 
“subdesenvolvidos” parecem anular o movimento inverso, ao qual faz 
referência a noção de exportação de capitais. Na verdade, exportação 
de capitais e saldos negativos para os países subdesenvolvidos são dois 
aspectos do movimento do capital cm escala mundial e, entre esses 
aspectos, a exportação de capitais é o aspecto dominante. 
1.2. Alguns dados sobre os investimentos britânicos 
Durante o período analisado nesse trabalho, os investimentos 
britânicos eram largamente predominantes9, representando mais da 
metade do total de investimentos estrangeiros no Brasil. 
 
 
9 Empregamos a noção de investimento ao seu sentido mais largo, tal como ele é, 
aliás, usado nas publicações da época. Nesses investimentos estão incluídos, além dos 
investimentos diretos, os financiamentos, que predominavam durante o período. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
32 
 
III. AMÉRICA LATINA – BRASIL 
INVESTIMENTOS BRITÂNICOS 1825-1913 
(em milhões de libras) 
Ano América Latina Brasil 
1825 24,6 4,0 
1840 30,8 6,9 
1865 80,9 20,3 
1875 174,6 30,9 
1885 246,6 47,6 
1895 552,5 93,0 
1905 688,3 122,9 
1913 1.177,5 254,8 
Fonte: Irving Stone, “La distribuzione geografica degli investimenti 
inglesi nell’America Latina. 1825-1913”, in Storia Contemporanea, 
Roma, 1971, pp. 496 e 50010 
 
Em geral, eles predominavam da mesma forma em quase todos 
os países latino-americanos. Os dados relativos ao período 1825-1913 
demonstram o rápido crescimento dos capitais britânicos na América 
Latina e, em particular, no Brasil, sobretudo a partir da década de 
1860. 
Para termos uma ideia da importância relativa desses 
investimentos na economia brasileira durante a segunda metade do 
 
10 J. F. Rippy apresenta cifras um pouco inferiores, mas a tendência é a mesma, como 
se pode notar na tabela abaixo (Cf. British investments in Latin-America. 1822-1949. 
A case study on the operation of private enterprises in retarded regions, University of 
Minnesota Press, Minneapolis, 1959, pp. 25, 37, 68, 75 e 150-158). 
INVESTIMENTOS BRITÂNICOS 1825-1913 
(em milhões de libras) 
Ano América Latina Brasil 
1880 179,5 38,8 
1890 425,7 68,6 
1900 - 90,6 
1913 999,2 223,8 
1928 1.211,0 287,3 
 
ECONOMIA CAFEEIRA 
33 
 
Século XIX, podemos compará-los ao valor das exportações no 
mesmo período, expostos na tabela seguinte. 
 
IV. BRASIL – EXPORTAÇÕES 
(milhões de libras) 
Ano Exportação 
1850 8,1 
1860 13,4 
1870 15,5 
1880 21,2 
1890 30,0 
1900 33,5 
Fonte: Quadro construído a partir das séries sobre exportações 
(em contos) e sobre cotações médias do mil-réis em relação à 
libra, apresentadas em J. F. Normano, Evolução econômica do 
Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1939, pp. 256-
261. Os resultados das transformações correspondem às 
estimativas de Mircea Buescu, no que se refere aos anos de 1850 
e 1900. Cf. História econômica do Brasil – Pesquisas e análises, 
APEC, Rio de Janeiro, 1970, p. 284. 
 
Para os anos de 1850 e 1900, Mircea Buescu estima o produto 
interno líquido brasileiro em 22,08 e 132,93 milhões de libras, 
respectivamente11. Podemos então dizer que o valor total dos 
investimentos ingleses no Brasil elevava-se já em 1900 a, 
aproximadamente, três vezes o valor das exportações e mais de dois 
terços do produto interno líquido. 
2. Condições internas 
O desenvolvimento das relações capitalistas em escala mundial 
é muito desigual. As desigualdades desse desenvolvimento aparecem, 
 
11 Ob. cit., p. 284. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
34 
 
por exemplo, quando consideramos a direção das exportações de 
capitais. A distribuição dos capitais ingleses investidos no estrangeiro 
é bastante desigual. Como mostra a tabela seguinte, a partir do final 
do Século XIX, somente o Brasil e a Argentina recebem cerca de 60% 
dos investimentos britânicos aplicados na América Latina. 
 
V. INVESTIMENTOS BRITÂNICOS NO BRASIL E 
NA ARGENTINA EM RELAÇÃO AO CONJUNTO 
DA AMÉRICA LATINA 1825-1913 
Ano Argentina (% ) Brasil (%) 
1825 4,8 16,2 
1840 3,2 22,3 
1865 3,4 25,1 
1875 12,9 17,7 
1885 18,6 19,3 
1895 34,6 16,8 
1905 36,8 17,9 
1913 40,7 21,6 
Fonte: Irving Stone, art. cit., p. 500. 
 
A existência dessas desigualdades decorre das características 
fundamentais do próprio modo de produção capitalista; a 
profundidade dessas desigualdades entre as nações é uma das 
características fundamentais do modo de produção capitalista 
dominante em escala mundial. Entretanto, como a economia 
capitalista mundial não existe em abstrato, as suas desigualdades 
explicam-se fundamentalmente pelas características das diferentes 
economias nacionais que a compõem. Em particular, quando se trata 
de explicar o desenvolvimento do capitalismo em um país 
determinado, é necessário pôr em evidência e examinar as suas 
contradições particulares, sem perder de vista, é claro, que essedesenvolvimento faz parte do capitalismo internacional (o que 
ECONOMIA CAFEEIRA 
35 
 
determina inclusive as especificidades desse desenvolvimento). 
2.1. Capital 
Após 1808, com a chegada ao Brasil do príncipe regente 
português que fugia das tropas napoleônicas, são assinados 
importantes decretos que garantem a abertura dos portos brasileiros 
às “nações amigas” (concretamente, o fim do monopólio colonial 
português) e a transformação do Brasil em parte do Reino Unido de 
Portugal e Algarves e sede deste Reino (concretamente, o fim do 
estatuto colonial). O Brasil adquire então uma autonomia de fato. 
Como se sabe, a independência política de direito é proclamada em 
1822, após o retorno à Lisboa do Governo real e, em particular, diante 
da ameaça recolonizadora da revolução liberal portuguesa de 1820. 
O processo que conduz à independência do Brasil está inserido 
em um quadro internacional preciso, caracterizado, 
fundamentalmente, pela revolução industrial, pela “decadência” do 
capital mercantil, pela ascensão das potências industriais, como a 
Inglaterra, e em particular pela crise do antigo sistema colonial 
português. Ele não pode, entretanto, ser entendido sem que 
consideremos especificamente a crise do sistema colonial português 
no Brasil, de cuja aceleração as numerosas revoltas de Minas Gerais 
(1789), Rio de Janeiro (1794 e 1797), Bahia (1798) e Pernambuco 
(1801 e 1817) são manifestações contundentes12. 
A abertura dos portos (1808) e a independência política (1822) 
são as datas magnas da burguesia comercial brasileira13. O fim do 
 
12 Uma análise de conjunto desse processo é apresentada por Emília Viotti da Costa, 
“Introdução ao estudo da emancipação política”, Brasil em perspectiva, Difusão 
Europeia do Livro, São Paulo, 1973 (4ª ed.), pp. 64-125. 
13 Isso não implica em considerar que o processo de independência política do Brasil 
realiza-se entre essas duas datas. A independência, entendida como um processo 
complexo de lutas sociais, estende-se praticamente até a abdicação de Pedro I, em 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
36 
 
monopólio comercial português e o fim do estatuto colonial 
determinam o acesso dos comerciantes brasileiros (no caso, não 
necessariamente nascidos no Brasil) ao setor central de uma economia 
ainda colonial: o grande comércio de importação-exportação. A partir 
dessas datas, a burguesia comercial brasileira desenvolve-se 
rapidamente graças, sobretudo, à consolidação e expansão das 
fazendas de café, que essa burguesia organiza juntamente com a 
aristocracia fundiária local. 
Durante a primeira metade do século XIX, as plantações de café 
foram desenvolvidas sobre a base do trabalho escravo. Os fazendeiros 
do café encontravam os escravos necessários ao desenvolvimento das 
plantações graças, em parte, às migrações internas, isto é, graças à 
compra de escravos vindos do Nordeste e sobretudo de Minas Gerais, 
onde havia um número relativamente importante de escravos 
“disponíveis”, dado o declínio das atividades das minas de ouro 
muito desenvolvidas nessa Província durante o Século XVIII. 
Mas a África foi sem dúvida a principal fonte de escravos para o 
café. Furtado estima que o número de escravos que entraram no Brasil 
durante a primeira metade do século XIX foi superior a 750.000 e 
inferior a 1.000.000, isto é, entre 15 e 20.000 em média por ano. O 
tráfico externo era muito importante porque a população escrava 
local, em razão de suas condições de vida e de trabalho, decrescia14. 
A produção de café desenvolve-se sobre essas bases ao longo da 
primeira metade do Século XIX, até tornar-se, na década de 1840, 
responsável pelo primeiro produto brasileiro de exportação, 
representando sozinho mais de 40% do valor total das exportações15. 
Em consequência, na década de 1860 já existe no Brasil uma classe 
 
1831. 
14 Cf. Celso Furtado, op. cit., pp. 141-142. 
15 Ibid. p. 137. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
37 
 
de capitalistas comerciais bastante rica para aproveitar as condições 
favoráveis do mercado internacional. 
2.2. Torça de trabalho 
Contudo as possibilidades de expansão sobre a base do trabalho 
escravo eram muito limitadas. Após a independência de 1822, a Grã-
Bretanha exigiu que o governo brasileiro interditasse esse tráfico. Um 
acordo assinado entre os dois países estipulava mesmo uma data para 
essa interdição: 1830. Este acordo não foi cumprido. Em 1845, o 
Parlamento britânico adota um projeto de lei autorizando a marinha 
de seu país a fiscalizar qualquer navio suspeito de participar do tráfico 
de escravos e, eventualmente, prender os responsáveis para submetê-
los ao julgamento da justiça militar britânica, sob a acusação de crime 
de pirataria. 
Em 1851, com a adoção pelo parlamento brasileiro da Lei 
Euzébio de Queiróz, a interdição do tráfico de escravos tornou-se 
efetiva no Brasil16. Essa lei marca o início de um processo onde 
diferentes leis e decretos representam diferentes momentos ou simples 
– mas não inúteis – reafirmações do princípio da abolição progressiva 
da escravidão no Brasil17. 
Entretanto, a produção continuava apoiada fundamentalmente 
sobre o trabalho escravo. Segundo uma pesquisa cujos resultados 
foram apresentados no Relatório do Presidente de São Paulo à 
Assembleia Legislativa, em 1855, em 2.618 plantações de café dessa 
Província havia 55.834 escravos para 62.216 trabalhadores18. A 
 
16 Para um estudo detalhado dessa questão, ver. L. Bethell, The abolition of the Brazilian 
Slave Trade, Cambridge University Press, 1970. 
17 Ver, sobre essa questão, P. Beiguelman, A formação do povo no complexo cafeeiro: 
aspectos políticos, São Paulo, Livraria Pioneira, Editora, 1968. 
18 A pesquisa foi realizada em 1854. Cf. A. d’E Taunay, História do café no Brasil, DNC, 
Rio de Janeiro, 1939-1943, vol. III, p. 134. Os outros trabalhadores eram: 1) os 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
38 
 
compra de escravos fora das regiões do café não podia assegurar a 
mão-de-obra necessária à expansão cafeeira. Entre 1840 e 1851, 
vieram da África 371.625 escravos, isto é, cerca de 31.000 por ano, 
enquanto que de 1852 a 1859, a entrada de novos escravos, reduzida 
às compras no país, foi de 3.430 por ano19. 
As possibilidades de encontrar a força de trabalho no Brasil 
mesmo eram muito reduzidas. Onde a produção não estava apoiada 
no trabalho escravo, predominava um sistema que retinha o 
trabalhador à terra. Nessas regiões, em geral no interior do país, fora 
das plantações escravagistas situadas sobretudo no litoral, a 
agricultura e a pecuária eram organizadas sobre a base de vastas 
propriedades fundiárias em geral exploradas por um modo extensivo. 
Esses eram os latifúndios. 
Este sistema estava apoiado na autossubsistência. Aquele que 
poderíamos chamar de o camponês brasileiro, devia assegurar ele 
próprio a sua subsistência, explorando por seus meios as terras que 
lhe eram concedidas pelo latifundiário. Em contrapartida, devia 
trabalhar para o latifundiário, recebendo por esse trabalho uma 
retribuição mínima e, em geral, in natura (uma parte da colheita ou 
uma certa porcentagem do gado que ele havia criado, conforme o 
proprietário dedicasse as suas terras à agricultura ou à criação). 
Assim, apesar do fato que esses “camponeses” não eram 
proprietários é de que viviam bastante pobremente, eles permaneciam 
muito ligados ao latifúndio, porque ele assegurava sua subsistência. 
Não é senão com o desenvolvimento da agricultura comercial e na 
medida em que esse desenvolvimento conduz o latifundiário aagregados, nome sob o qual se designa em geral no Brasil aqueles que trabalham em 
uma fazenda principalmente contra o direito de explorar um pedaço de terra para sua 
subsistência; 2) os colonos: trabalhadores imigrados, que eram em geral, nessa época, 
submetidos ao sistema de parceria. 
19 Cf. A d’E Taunay, ob. cit., vol. IV, pp. 152-153. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
39 
 
retomar (no todo ou em parte) as terras que os camponeses exploram 
eles próprios, que esses trabalhadores serão levados a abandonar os 
latifúndios. A inexistência de uma rede de comunicação ligando as 
diferentes regiões do Brasil e a dispersão dos latifúndios, reforçavam 
os laços entre os trabalhadores e o latifúndio20. 
Em resumo, esses trabalhadores, apesar de não disporem de 
terras e não contarem senão com a sua força de trabalho para viver, 
não constituíam um verdadeiro mercado de trabalho para as 
plantações de café. 
Os pequenos proprietários, não muito numerosos, eram 
encontrados, principalmente, nas regiões meridionais, atingidas pela 
imigração de origem europeia estimulada após a Independência. A 
maior parte deles vivia, também, praticamente da autossubsistência 
em um isolamento quase total21. 
Como encontrar a força de trabalho necessária à rápida expansão 
das plantações (e, por conseguinte, à acumulação de capital)? Essa era 
uma das preocupações principais, ou mesmo a preocupação 
fundamental, dos fazendeiros e grandes comerciantes22, que não 
podiam partilhar das ilusões recentes sobre a abundância da mão-de-
obra criada pelos modelos econômicos de “oferta ilimitada de mão-
de-obra”23. Nessas condições, os “pioneiros” do café voltaram-se 
 
20 Sobre o latifúndio no Brasil, ver especialmente: Alberto Passos Guimarães, Quatro 
séculos de latifúndio, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1968; e M. Vinhas, Problemas agrário-
camponeses do Brasil, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968. 
21 Sobre esse ponto, ver Pierre Dennis, Le Brésil au XXème siècle, Armand Colin, Paris, 
1909, notadamente caps. X e XI, pp. 207-250. 
22 Essa preocupação aparece praticamente em todos os relatórios dos Presidentes da 
Província de São Paulo, entre 1850 e 1880, comentados por Taunay, Cf. ob. cit., vol. 
III, caps. XVII a XXI, pp. 101-221. 
23 Para uma crítica dessas ilusões, apoiada na análise concreta do processo complexo 
de transição para o trabalho assalariado, ver João Manuel Cardoso de Mello, O 
capitalismo tardio, Unicamp, 1975 (mimeo.), pp. 69-89. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
40 
 
pouco a pouco para a imigração, vista corno o único modo de resolver 
esse problema crucial. 
As primeiras experiências nesse sentido datam, com efeito, da 
década de 185024. Elas estavam baseadas no seguinte sistema: de um 
lado, para arcar com as despesas relativas à viagem e aos gastos de 
instalação dos trabalhadores imigrados, o fazendeiro obtinha 
financiamento do Estado; de outro lado, os imigrantes se 
comprometiam a reembolsar o fazendeiro com o seu trabalho futuro. 
Os trabalhadores eram contratados como parceiros. Eram então 
pagos unicamente em função da colheita, que era comprada pelo 
próprio fazendeiro. Esse sistema conduziu o trabalhador a uma 
situação próxima à da escravidão. Segundo Denis, os trabalhadores 
imigrantes eram vendidos nos mercados: podia-se comprá-los 
pagando suas dívidas com os seus antigos patrões25. 
Muito bem adaptado à mentalidade escravista das classes 
dominantes brasileiras, um tal sistema apresentava contudo um 
inconveniente maior: não era capaz de provocar uma imigração 
massiva, e essa era uma condição para o crescimento rápido das 
plantações de café. Uma vez que a realidade do “paraíso brasileiro” 
foi conhecida na Europa, a imigração foi entravada. Certos governos 
chegaram até a interditar a imigração para o Brasil. Foram necessários 
mais de 10 anos para que os fazendeiros de café, obrigados pelas 
exigências da acumulação de capital, se decidissem a abandonar seus 
métodos pré-capitalistas e oferecer aos trabalhadores condições de 
trabalho baseadas em contratos salariais, facilitando assim a 
imigração. 
Finalmente, os braços necessários ao desenvolvimento do café 
foram encontrados na Europa, mais precisamente na Itália. O povo 
 
24 Cf., por exemplo, Nelson Werneck Sodré, ob. cit., pp. 250-251. 
25 Cf. Pierre Dennis, ob. cit., pp. 121-124. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
41 
 
italiano, sobretudo o povo do sul da Itália passava por dias 
particularmente difíceis após a Unificação Nacional. Os 
trabalhadores italianos, sobretudo os do Mezzogiorno, vieram, então, 
por dezenas de milhares em cada ano, povoar as terras de São Paulo. 
Eles constituíram a grande maioria (cerca de 65%) dos imigrantes que 
chegaram ao Brasil nos dois últimos decênios do século XIX26. 
Após 1870, o governo da Província de São Paulo tomou a seu 
cargo todas as despesas relativas à imigração: pagamento da viagem 
dos trabalhadores e de suas famílias, criação de um organismo 
encarregado de dirigir a imigração, através de agencias fixadas em 
vários países da Europa (sobretudo na Itália). A partir dos anos 1880, 
a imigração tornou-se massiva. Entre 1887 e 1897, 1.300.000 
imigrantes chegaram ao Brasil. A título de comparação entre 1890 e 
1900, a população do Brasil aumentou cerca de 3.000.000 de pessoas, 
passando de 14 a 17 milhões. A maioria dos imigrantes foi para São 
Paulo: 909.417, entre 1887 e 1900 (essa cifra corresponde a 82% do 
crescimento demográfico desse Estado no mesmo período)27. 
Foi fundamentalmente graças a essa imigração massiva de 
trabalhadores de origem europeia que o mercado de trabalho formou-
se e desenvolveu-se no Brasil até a década de 1920. E nesse mercado 
de trabalho, formado pelos trabalhadores imigrados, se abasteceram 
não somente os fazendeiros de café, más também os primeiros 
industriais brasileiros, como veremos no capítulo consagrado à 
indústria 
2.2.1. Efeitos contraditórios da abolição progressiva 
A escravidão não foi totalmente proibida em todo o território 
nacional senão em 1888, isto é, quando a imigração já se tornava 
 
26 Cf. dados apresentados por Dennis, ob. cit., pp. 131. 
27 Cf. Azis Simão, Sindicato e Estado, Domminus, São Paulo, 1966, p. 32. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
42 
 
massiva e o trabalho assalariado já havia podido mostrar as suas 
vantagens em relação ao trabalho escravo. Antes disso, dois golpes 
parciais foram desferidos contra a escravidão pelo Governo do 
Império, de modo que a abolição foi progressiva e seguiu, de fato, o 
desenvolvimento do mercado de trabalho. Em 1871, uma lei proibiu 
que os filhos de escravos nascidos a partir desse momento fossem 
reduzidos à condição de seus pais. Em 1884, uma outra lei declarou 
“homem livre” todo escravo com mais de 60 anos de idade. Mas em 
1888 havia ainda cerca de 700.000 escravos no Brasil28. 
A eficácia das medidas governamentais que compõe o processo 
progressivo de abolição da escravidão pode ser discutida. A abolição 
do trabalho escravo para os sexagenários, além de tardia, não deveria 
atingir um número relativamente elevado de pessoas, tendo em vista 
as condições de vida dessa parte da população brasileira. Em relação 
à “lei do ventre livre”, pode-se imaginar a liberdade de que dispunham 
os filhos de escravos nas fazendas dos proprietários de seus pais. 
Nem a abolição progressiva da escravidão nem mesmo sua 
proibição total em 1888 foram suficientes para assegurar o rápido 
desenvolvimento do mercado de trabalho. Isso deve ser explicado 
fundamentalmente por razões ideológicas, ligadas a um certo estágiode desenvolvimento do capital. 
Para que o trabalhador venda sua força de trabalho ao capital, é 
necessário que ele não possa viver senão da venda de sua força de 
trabalho, isto é, que ele seja despossuído de todo meio de produção. 
Essa condição material é uma condição primeira do desenvolvimento 
do capital. Mas é necessário ainda que o trabalhador esteja disposto 
(ideologicamente) a vender sua força de trabalho e que ele não prefira, 
à condição de assalariado, a miséria e a mendicidade. Ora, dado que 
os fundamentos ideológicos e políticos da produção capitalista são ao 
 
28 Cf. Werneck Sodré, ob. cit., pp. 251-252. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
43 
 
mesmo tempo condições e resultados da reprodução do capital, nas 
origens da produção capitalista a coação e a violência ocupam sempre 
uma posição determinante29. 
Os antigos escravos, cuja exploração implicava um recurso 
sistemático e direto à violência, estão entre os trabalhadores menos 
adaptados ideologicamente às formas superiores de dominação do 
capital. Nos países como o Brasil, dadas as possibilidades mais ou 
menos grandes de viver em autossubsistência ou integrar-se a formas 
pré-capitalistas de produção predominantes no campo, os antigos 
escravos “escapavam” mais ou menos facilmente ao trabalho 
assalariado. Mesmo os antigos escravos que estavam nas cidades das 
regiões mais desenvolvidas e aí permaneciam, submetiam-se 
dificilmente à disciplina própria à produção capitalista30. Sabe-se que 
os preconceitos raciais encontram, muitas vezes, as suas origens na 
escravidão. As dificuldades da passagem do trabalho escravo para o 
trabalho assalariado, em particular a resistência do ex-escravo à 
disciplina capitalista do trabalho, esta certamente ligada à 
manutenção de tais preconceitos. 
Para entender as contradições particulares do desenvolvimento 
 
29 Sobre essa questão, K. Marx, O capital, Livro Primeiro, Oitava Seção (A 
acumulação primitiva), especialmente caps. XXVII e XXVIII, Cf. ob. cit., vol. III, 
pp. 157-183. 
30 Não se trata, contudo, de uma contradição própria unicamente ao desenvolvimento 
do capitalismo no Brasil. Outros países, onde o capitalismo também é parte da 
economia colonial, essa contradição está presente; muitas vezes, inclusive, sob 
formas ainda mais violentas. Em um estudo sobre a Guiana francesa, M. J. Jolivet 
afirma: “Todos os países que conheceram a escravidão, conheceram igualmente uma 
crise econômica e social após a emancipação. Nas Guianas vizinhas, a crise 
econômica foi resolvida por uma política de imigração intensiva: no Suriname e, 
sobretudo, na Guiana, a numerosa mão-de-obra necessária à manutenção das 
grandes plantações de cana-de-açúcar que os escravos haviam abandonado foi 
buscada nas Índias Orientais. ” Cf. “Une approche sociologique de la Guyane 
française – crise et niveau d’unité de la société créole”, Cahiers de PORSTOM, Série 
Sciences Humaines, vol. VIII, nº 3, XX, 1971, p. 293. 
EXPANSÃO CAFEEIRA E ORIGENS DA INDÚSTRIA NO BRASIL 
44 
 
do capitalismo nas condições históricas determinadas pela economia 
colonial, é necessário dar o devido destaque ao fato de que a 
manutenção do trabalho escravo constitui um obstáculo fundamental 
ao desenvolvimento do mercado de trabalho. A passagem ao trabalho 
assalariado requer a abolição da escravidão. 
Não se examina neste trabalho a passagem de uma economia 
escravista antiga para uma economia capitalista. O capital já domina 
a economia colonial. Trata-se, portanto, de uma passagem a novas 
formas de dominação do capital. A especificidade dessa passagem 
consiste na necessidade da destruição das relações de produção 
escravistas, em lugar da sua simples subordinação. 
O processo concreto da abolição da escravidão no Brasil – a 
chamada “abolição progressiva” – implica em uma contradição 
particular. Essa contradição pode ser notada com destaque na análise 
de Celso Furtado, onde ela aparece como uma contradição formal31. 
Após destacar o “nível mental reduzido do escravo” e suas 
“consequências negativas para o desenvolvimento econômico”, Celso 
Furtado afirma, de um lado, que a abolição da escravidão “foi uma 
medida mais política do que econômica”, incapaz de provocar uma 
“modificação importante na forma de produção” e, de outro lado, que 
a manutenção da escravidão durante o Século XIX foi um fator de 
estagnação econômica32. 
Se, de um lado, a “abolição progressiva” evitava que o valor da 
massa de escravos desaparecesse de um dia para outro, de outro lado 
ela mantinha o quadro escravista e retardava a passagem ao trabalho 
assalariado, inclusive e em particular a transformação dos homens 
livres e ex-escravos em trabalhadores assalariados. 
 
31 Uma contradição formal não significa um simples erro. Muitas vezes ela indica – 
como é o caso aqui – a contradição real. 
32 Cf. Celso Furtado, ob. cit., Cap. XXIV, pp. 162-167. O parágrafo onde se 
encontram as afirmações citadas está na página 167. 
ECONOMIA CAFEEIRA 
45 
 
Em outros termos, a “abolição progressiva” não implicava em 
uma “introdução progressiva” do trabalho assalariado; e na medida 
era que isso não acontecia, ela retardava na mesma proporção o 
desenvolvimento do capitalismo. Desse modo, ao, defender as antigas 
formas da sua dominação – formas que lhe garantiram uma 
acumulação primitiva necessária – as classes dominantes retardavam 
a própria acumulação. 
Em conclusão, as classes dominantes encontraram um meio tão 
formidável para amortecer o golpe da abolição que, no final das 
contas, a própria abolição parece não ter em si mesma efeitos 
econômicos positivos... Mas, evidentemente, os seus representantes 
políticos não deixaram de culpar os brasileiros livres ou libertados 
pelos atrasos na passagem ao trabalho assalariado: deputados e 
dirigentes rurais não se cansavam de denunciar a preguiça, a 
irresponsabilidade e a indisciplina dos trabalhadores livres da 
economia escravista brasileira, com os quais lhes parecia impossível 
levar adiante um bom negócio e constituir o mercado de trabalho que 
tanto desejavam.
III. ECONOMIA CAFEEIRA 
A produção brasileira de café cresceu muito rapidamente durante 
todo o século XIX. No começo da segunda metade do século, ela 
toma proporções muito importantes: a cifra se aproxima de 3 milhões 
de sacas em média por ano. A partir da década de 1870, e sobretudo 
a partir de 1880, quando a produção média anual ultrapassa os 5 
milhões de sacas por ano, o café torna-se o centro motor do 
desenvolvimento do capitalismo no Brasil. 
 
I. BRASIL – PRODUÇÃO DE CAFÉ – 1821-1900 
(em milhões de sacas) 
Anos Produção 
1821-1830 0,3 
1831-1840 1,0 
1841-1850 1,7 
1851-1860 2,6 
1861-1870 2,9 
1871-1880 3,6 
1881-1890 5,3 
1891-1900 7,2 
Fontes: A. d’E Taunay, ob. cit., vol. IX, 
pp. 16-17, e Pierre Dennis, ob. cit., p. 176. 
 
O rápido crescimento da produção cafeeira nas décadas de 1870 
e 1880 é acompanhado por um deslocamento do centro geográfico 
dás plantações: durante a década de 1880 a produção de São Paulo 
ultrapassa a produção do Rio de Janeiro, os planaltos de São Paulo 
praticamente substituem o Vale do Paraíba. Em 1852-1857, o porto 
de Santos não escoava mais que 6% da produção nacional do café, 
enquanto que o do Rio de Janeiro era responsável por 92% das 
exportações desse produto. Em 1867-1872, é ainda o porto do Rio de 
Janeiro que escoa 81% da produção cafeeira brasileira. Mas a partir 
da década de 1870, a Província de São Paulo é de longe a principal 
ECONOMIA CAFEEIRA 
47 
 
responsável pela expansão cafeeira. Se tomamos como base de 
cálculo

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