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Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP Faculdade de Direito Caique de Souza Luisa Consentino Renato Garcia Santos Provas Ilícitas Piracicaba – SP 2017 Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP Faculdade de Direito Caique de Souza Luisa Consentino Renato Garcia Santos Provas Ilícitas Trabalho acadêmico apresentado à disciplina de Direito Processual Penal II, como requisito avaliativo do 5º semestre da Faculdade de Direito, da Universidade Metodista de Piracicaba. Orientador: Prof. Dr. José de Medeiros. Piracicaba – SP 2017 RESUMO O presente trabalho acadêmico tem como objetivo discorrer sobre as provas ilícitas no âmbito jurídico e processual. Será analisada a limitação da busca da verdade pela proibição da utilização das provas ilícitas, expressa na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Em seguida, será analisado o princípio da proporcionalidade ou harmonização e o fundamento de que nenhuma garantia constitucional possui valor absoluto a ponto de invalidar outra de igual importância, tornando possível a utilização da prova obtida ilicitamente, sempre em caráter excepcional, tanto “pro reo” quanto “pro societate”. PALAVRAS-CHAVE: Provas ilícitas; Constituição Federal; Processo Penal; Frutos da Árvore Envenenada; “Pro reo”; “Pro societate”; Princípio da Proporcionalidade. SUMMARY The present academic work aims to discuss about how illegal evidence is not comprehensive legal and procedural. A limitation of the search for the truth will be analyzed for the prohibition of the use of illicit evidence, expressed in the Federal Constitution and not Code of Criminal Procedure. Next, the principle of adaptation or harmonization will be analyzed and the ground that no constitutional guarantee has an absolute value to the point of invalidating another of equal importance, making it possible to prove that it has been illegally obtained, always on an exceptional basis, both “pro reo” and “pro societate”. KEY WORDS: Illegal evidence; Federal Constitution; Criminal proceedings; Fruits of the Poisoned Tree; "Pro reo"; "Pro societate"; Principle of proportionality. SUMÁRIO 1. Introdução...............................................................................................................01 2. Conceito de prova..................................................................................................03 2.1. Admissibilidade....................................................................................................06 2.1.1. Histórico............................................................................................................07 3. Ordenamento Jurídico............................................................................................10 3.1. Provas ilícitas sob o prisma constitucional: proteção à prova...............................10 3.1.1. Provas ilícitas e princípios constitucionais: questão da proporcionalidade........12 3.2. A Prova Ilícita no Código de Processo Penal........................................................15 3.2.1. A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (“Fruits of the Poisonous Tree”)....18 3.2.1.1. Exceções da Prova Derivada da Ilícita...........................................................20 3.2.2. Relativização da Vedação à prova ilícita...........................................................22 3.2.2.1. Prova Ilícita “pro reo”......................................................................................23 3.2.2.2. Prova Ilícita “pro societate”.............................................................................24 4. Conclusão...............................................................................................................27 5. Bibliografia..............................................................................................................29 1 1. INTRODUÇÃO O estudo da admissibilidade de determinadas provas vem ganhando atenção e cada vez mais espaço no universo jurídico. Da promulgação da atual Carta Magna a recentes escândalos políticos, é um assunto de extrema relevância, seja em pesquisas acadêmicas, doutrinárias ou jurisprudenciais, o que pode ou não ser aceito num processo. Dentre inúmeros fatos ocorridos no processo penal, existem aqueles os quais se destacam quando falamos em ilicitude de provas, sendo os comumentes citados, como exemplos temos a prova obtida mediante tortura infringindo dentre outras coisas a dignidade do torturado, a prova aquela que se adquire violando a propriedade da pessoa, seja ela investigada ou não, além das provas obtidas durante interceptação telefônica que violam a intimidade do interceptado. Para tanto, há uma série de fatores a serem analisadas, iniciando o estudo com base na Constituição Federal de 1988, na qual encontra-se o conceito de prova ilícita, passando pelo Código de processo Penal brasileiro e esbarrando em leis complementares, certamente há um vagaroso e aprofundado aprendizado para se formar uma singela ideia. Contudo, aquele que se desdobra em conceitos, classificações, leis diversas e fatos interpretativos, ainda se depara com inúmeros princípios, tais como o devido processo legal, contraditório, legalidade, dentre outros, também o princípio da verdade real, devendo o juiz em seu dever de representação do Estado, mesclar ao princípio da proporcionalidade em análise das provas juntadas e buscar a “verdade real”. Considerando tais princípios e sobretudo a proporcionalidade (assim definido pela doutrina alemã e denominada razoabilidade pelos norte-americanos) quando da 2 apresentação de uma dada prova, em outra esfera estará princípios das outras partes resguardando e se contrapondo ao contraditório. Ainda dentro desse diagnóstico jurídico, a admissibilidade ou inadmissibilidade (como descrito em nossa Constituição Federal) das provas denota outro estudo, porém mais claro e objetivo (ou subjetivo, como descreveremos ao longo do trabalho) daquele primeiro, o caso da licitude ou ilicitude de outra prova decorrente de uma ilícita, surgindo teorias a adicionar a análise dos fatos. Por fim, apresentar-se-á neste trabalho, além de conceitos trazidos das leis (sejam elas brasileiras ou estrangeiras), doutrinas e jurisprudências, demonstrando que para apontarmos para uma prova ilícita, necessitamos de uma fórmula que dependerá do caso em concreto. 3 2. CONCEITO DE PROVA Para se conceituar uma prova ilícita, primeiro é necessário entender a prova propriamente dita no processo penal, para tanto felizmente encontramos seu significado em doutrinas de processualistas penais a dicionários da língua portuguesa, conforme exposto a seguir: [...] O termo prova origina-se do latim – probatio –, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar – probare –, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar.1 [...] O que demonstra a veracidade de uma proposição, ou a realidade de um fato. Desta forma, no âmbito jurídico a palavra prova compreende tudo aquilo que é apresentado em juízo para convencimento (em favor daquele que apresenta) do juiz (ou jurados dependendo do caso) sobre a verdadedos fatos anteriormente exposto. Salientando-se que tal ato de elucidação dos fatos é dever ou direito das partes envolvidas como também poderá partir de ofício do magistrado, assim como nos ensina o professor Capez: [...] Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts.156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação, Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação. Por outro lado, no que toca à finalidade da 1 NUCCI; Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal, 13ª ed. São Paulo: Forense 2014, p.338. 4 prova, destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa.2 Além disso, há de se observar o ônus da prova, no qual também está previsto no artigo 156 do código de processo penal, responsabilizando àquele que alega a comprovação dos fatos. Com efeito das provas apresentadas no processo, finalmente é chegada o momento da apreciação pelo juiz, sendo que a ele é dado o direito do livre convencimento ou persuasão racional para o remate da lide. [...] Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.3 [...] O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.4 Enfim, com os parâmetros expostos, o próximo passo é definirmos a prova ilícita, no entanto, nos cabe observar uma supressão ou omissão do legislador ao defini-la no código de processo penal5: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.” 2 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 241. 3 Art. 93, inciso IX, CF. 4 Art. 155, caput, CPP. 5 Art. 157, caput, CPP. 5 Em seu texto legal, o legislador aparentemente, põe fim a uma discussão doutrinária de suma importância, pois definindo provas ilícitas sendo as “obtidas por violação a normas constitucionais ou legais” acaba amalgamando dois conceitos diferentes, provas ilícitas e provas ilegítimas. Na prova ilícita o seu conteúdo é verdadeiro, mas o meio ao qual se chegou a ela é totalmente ilícito, violando assim um direito material. Por outro lado, a prova ilegítima tem em seu conteúdo uma anormalidade, faltando veracidade em seu teor, podendo ser falsa ou contendo vícios, ou como na maioria das ocorrências, apresentada em momento indevido, infringido normas de direito processual, segundo Capez: [...] a ofensa ao direito pode se verificar no instante em que a prova é colhida, havendo, assim, violação às regras de direito material, dos costumes, dos princípios gerais de direito e da moral, bem como no exato momento em que a prova é introduzida no processo, infringindo, nesse caso, as normas processuais. Assim, no primeiro caso, temos as provas ilícitas, e, na segunda hipótese, as chamadas provas ilegítimas.6 Entretanto podem existir casos em que uma mesma prova poderá violar normas de direito processual e ao mesmo tempo desrespeitar normas de direito material, ficando caracterizado uma prova ilícita e também ilegítima, como ensinado por Grinover e seus colegas: [...] Sendo a norma constitucional-processual norma de garantia, estabelecida no interesse público, o ato processual inconstitucional, quando não juridicamente inexistente, será sempre absolutamente nulo, devendo a nulidade ser decretada de ofício, independentemente de provocação da parte interessada. É que as garantias 6 CAPEZ, F, 2000, p. 243. 6 constitucionais processuais, mesmo quando aparentemente postas em benefício da parte, visam em primeiro lugar ao interesse público na condução do processo segundo as regras do devido processo legal. Resulta daí que o ato processual, praticado em infringência à norma ou ao princípio constitucional de garantia, poderá ser juridicamente inexistente ou absolutamente nulo; não há espaço, nesse campo, para tos irregulares em sanção, nem para nulidades relativas.7 Por ora, colocaremos um parênteses nessa mescla do legislador, pois devemos enfatizar e enraizar o entendimento de provas ilícitas em lato sensu, para então chegar a destacar alguns casos concretos mais adiante. Para tanto, passamos a citar mais alguns entendimentos doutrinários, como o conceito dado por Avena: [...] provas obtidas por meios ilícitos, como tal consideradas aquelas que afrontam direta ou indiretamente garantias tuteladas pela Constituição Federal.8 Assim, diante do exposto vimos que uma prova ilícita é sempre aquela que violar uma norma de direito material ou processual, violando princípios ligados a individualização de uma parte no processo ou ser esses princípios relacionados a coletividade. 2.1. Admissibilidade Tão importante quanto entendermos o que caracteriza a ilicitude de uma prova é sabermos quando ela poderá ser usada. O direito à prova, embora fundamental para o direito de ação e defesa, não é absoluto, pois as partes têm limitações para produzir 7 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. Revista dos Tribunais, 2001. p. 21. 8 AVENA, Noberto. Processo Penal Esquematizado, 3ª ed. São Paulo: Método, 2011. p. 28. 7 provas, devendo, como dito anteriormente, ser respeitado o princípio proporcionalidade. Segundo Magno, além da sopesamento ditado pelo princípio da proporcionalidade, a admissibilidade estará sujeita a quem ela irá beneficiar, conforme expõe em seu livro: [...] Inadmissível a prova ilícita quando sedimentar uma acusação, vale dizer, servir de base para a imputação criminal (inadmissível quando pro societate). Admissível a prova ilícita, no entanto, quando for utilizada em favor do investigado, acusado ou réu (admissível pro reo), aplicada ao caso a teoria da proporcionalidade e da razoabilidade.9 Porém, há aqui uma divisão doutrinária, pois há aqueles que divergem do professor Magno, defendendo que o que se deve ser observado é a Constituição Federal, portanto, inadmitindo eventuais provas que possam surgir ferindo as já mencionadas normas materiais e processuais, essas não devem compor o processo. 2.1.1. Histórico A história das provas vem de milhares de anos, evoluindo em paralelo com o Direito. Podemos citar como forma de prova na qual causaria aversão por todos atualmente, as provas que aos primórdios do Direito, era ligada a religião, onde para se provar sua inocência o acusado era submetido a provas como ordálias, juramentos e duelos. Seguindo-se na história, as provas passaram por diversas “evoluções”, do simples julgar do juiz, passando-se as provas com valores pré-estabelecidos aos9 MAGNO, Levy Emanuel. Processo Penal; 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 124 8 quais o juiz era um mero aplicador de punições e mais adiante, surge em Roma o sistema da íntima convicção do juiz, deixando a cargo dele sentenciar de acordo com sua apreciação das provas, frisando-se aqui que naquele período o juiz não tinha a necessidade de fundamentar sua decisão, conforme cita Tourinho: [...] Sem o perigo do despotismo judicial que o sistema da íntima convicção ensejava e sem coactar os movimentos do Juiz no sentido de investigar a verdade, como aconteceria com o sistema das provas legais, está o sistema da livre apreciação ou livre convencimento [...] O juiz está livre de preceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não está dispensado de motivar a sua sentença.10 Finalmente, após um árduo caminho, as provas passaram a devida valoração, ficando o magistrado, com base nas provas apresentadas, sentenciar, dessa vez de modo fundamentado, apontando as provas que ensejaram sua convicção. Contudo, tais mudanças denotavam significativas evoluções aos princípios que resguardam direitos, rumando cada vez mais uma proteção mais eficaz. No Brasil, constituinte teve inúmeras doutrinas estrangeiras para se basear, conforme falaremos a seguir apresentando a Teoria da árvore envenenada, mas dentre outras fontes, podemos citar a constituição portuguesa, anterior a brasileira, trazendo em seu artigo 32 a definição de provas ilícitas, sobretudo, se faz necessário observar as diferenças de conteúdo processual: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.” 10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.81. 9 De acordo com a constituição portuguesa, as provas ilícitas são nulas, contudo, no que tange a utilidade no processo, a nulidade apenas se caracteriza após o juiz declarar que se trata de uma prova não aceita no ordenamento português. Diferente do estabelecido no Código de Processo Penal brasileiro, pois são inadmissíveis tais provas e caso sejam expostas no processo, deverão ser desentranhadas, assim definido no artigo 157. 10 3. ORDENAMENTO JURÍDICO No ordenamento jurídico pátrio as provas ilícitas são vedadas, por ordem expressa constitucionalmente, sendo esta observada em sede processual, doutrinária e jurisprudencial. Como se verá adiante, sob o olhar constitucional e processual penal, tal princípio não é absolto. 3.1. Provas ilícitas sob o prisma constitucional: proteção à prova Sob a égide da Constituição Federal de 1988, as provas ilícitas são inadmissíveis no processo, sendo tal disposição erigida a título de direito e garantia fundamental ao nível de cláusula pétrea (art. 5º, LVI). Nesse esteio, para Luiz Avolio “os preceitos constitucionais com relevância processual possuem natureza de normas de garantia”.11 Isto implica dizer que a vedação às provas ilícitas no processo consiste em um princípio basilar no ordenamento jurídico pátrio, de modo que diante de sua invalidade (processual e material) são nulas. É esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal: [...] a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal repudia as provas obtidas por meios ilícitos, por mais relevantes que sejam os fatos por elas apurados, uma vez que se subsumem ao conceito de inconstitucionalidade. Numa palavra, inidôneas, imprestáveis, e, por isso, destituídas de qualquer aptidão jurídico-material.12 11 MACIEL, Karina T. S. Prova ilícita e direitos fundamentais. Cadernos Jurídicos: curso de direito UNISAL, Campinas, v. 1, p. 47-70, 2011. p. 55. 12 STF, Pleno – excerto o voto do Ministro Celso de Mello, na AP 307-3/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 13-10-1995. 11 Tais provas, ademais, são vedadas porque constituem uma projeção do devido processo legal. Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal: O réu tem o direito de não ser denunciado, de não ser processado e não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites éticos-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal.13 Como se observa do julgado, para o Pretório Excelso nenhum procedimento pode ter respaldo em meios probatórios contrários a validade da norma jurídica. Sendo assim, pela norma contida no artigo 5º inciso LVI, encontram-se vedadas as provas material e formalmente ilícitas. Constituem as provas formalmente ilícitas aquelas obtidas propedeuticamente por meio ilegal, mesmo que, em sua origem, seja licita. Portanto, a justiça penal não é a realizada a qualquer maneira, É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão aos delitos.14 As normas materialmente ilícitas, por sua vez, são aquelas alcançadas pela infringência de normas substanciais; por exemplo, a inobservância dos ditames legais 13 STF, RE 251.445-4/GO, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 21-06-200, DJU de 03-08-2000. 14 STF, Pleno – excerto o voto do Ministro Celso de Mello, na AP 307-3/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 13-10-1995. 12 para a realização de interceptação telefônica. Destarte, há de se realizar uma ponderação de interesses constitucionais: A ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquela a quem incumbe autorizar previamente a diligência.15 Entretanto, tal dogma constitucional não é absoluto. 3.1.1. Provas ilícitas e princípios constitucionais: questão da proporcionalidade Por corolário da Carta Maior, tais provas são inadmissíveis, pois violam diretivas pautadas no direito à intimidade, privacidade ou integridade física do sujeito, de forma que tais direitos [...] foram considerados especialmente relevantes pelo constituinte para limitar o direito de prova, qualificando-a como ilícita e inadmissível quando produzida mediante a ofensa desses direitos. A finalidade da norma constante no inciso LVI do art. 5º da CF/88 é, portanto, fornecer uma garantia processual à ofensa desses direitos fundamentais, limitando o conhecimento do Estado Juiz ao inadmitir as provas ilicitamente produzidas.16 Concernente a prova ilícita e os princípios constitucionais, no que se refere a sua admissibilidade, é de se utilizar o princípio da proporcionalidade. Insta dizer que, 15 STF, HC 79.512, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16-05-2003. 16 MACIEL, K. 2011, p. 60. 13 a prova ilícita será admitida, excepcionalmente, quando um direito fundamental considerado de maior relevância, com fulcro no caso concreto, for impreterível para o julgamento. Porconsequência, Virgílio Afonso da Silva, assegura que O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições.17 Para a Corte Excelsa, excepcionalmente, e em somente em casos de notória e extrema gravidade, as provas à baila podem ser admitidas, por intermédio do princípio da proporcionalidade. Contudo, para professora e mestre em Direito, Karina Maciel, há uma ponderação importante para ser feita: além dos direitos fundamentais em pauta, deve- se observar em que se sentido tais estão sendo mensurados. Melhor dizendo, [...] diante da ponderação dos interesses e direitos fundamentais em jogo, a doutrina e jurisprudência abraça largamente a utilização da prova ilícita em benefício do réu na seara penal e disciplinar administrativo. Entretanto, a questão varia enormemente nos processos entre particulares, como são os cíveis e empresariais, podendo se apontar uma tendência pela inadmissibilidade da utilização da prova ilícita em favor da proteção da intimidade e privacidade.18 Nesse sentido, Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. 17 MACIEL, K. 2011, p. 65. 18 2000, p. 67. 14 Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu.19 Como se observa, partindo da premissa de que não há liberdade pública absoluta, o Supremo abrandou a vedação imposta pelo inciso LVI do artigo 5º, da Carta Magna. Saliente-se, contudo, que tal cabimento se faz em situações excepcionais, haja vista o princípio da proporcionalidade. Conforme leciona Uadi Bulos (2014), o Supremo vale-se dos seguintes pressupostos para a aplicação da excepcionalidade, quais sejam: 1. Só se pode clamar pelo princípio da proporcionalidade pro reo como uma causa excludente de ilicitude, pois ninguém pode ser tido como culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;20 2. Quando afigurar-se impertinente “apelar ao princípio da proporcionalidade – [...] – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou imputação”21; 3. Se derivar de ofensa a ordem constitucional: Tratando-se de prova ilícita, especialmente daquela cuja produção derivar de ofensa a cláusulas de ordem constitucional – não se revelará aceitável, para efeito de sua admissibilidade, a invocação do critério de razoabilidade do direito norte-americano, que corresponde ao princípio da proporcionalidade do direito germânico, mostrando-se 19 Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6- 97, ambos da Primeira Turma (RE 212.081, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 5-12-97, DJ de 27-3-98). No mesmo sentido: HC 75.338, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 11-3-98, DJ de 25-9- 98. 20 CF, art. 5º, LVII – princípio da presunção de inocência. 21 STF, HC 80.949, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-12-2001. 15 indiferente a indagação sobre quem praticou o ato ilícito de que se originou o dado probatório questionado.22 Em suma, trata-se de um princípio processual constitucionalmente garantido e de suma importância para o devido processo legal; todavia, tal preceito, erigido a cláusula pétrea, não é absoluto. 3.2. A Prova Ilícita no Código de Processo Penal Antes de 2008 apenas a Constituição Federal23 previa a prova, porém, não hávia uma definição sobre o que é prova ilícita, apenas diz-se que são inadmissíveis. Diante disso, o conceito foi definida pela doutrina, baseada principalmente nas lições de Pietro Nuvulone, que distingue as provas ilícitas das provas ilegítimas. Ambas fazem parte do gênero prova vedada (também chamada de prova ilegal). A prova ilícita é obtida com violação das regras de direito material, caracterizadas nas provas obtidas por meio de tortura, coação ou maus-tratos (Violação à integridade física e moral)24, violação de domicílio25, interceptação telefônica ilegal (Violação da correspondência e comunicações telegráficas)26, e também por violação da intimidade (Vida privada, honra e imagem da pessoa).27 22 STF, RE 251.445-4/GO, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 21-06-2000, DJU de 03-08- 2000. 23 “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.” – Art. 5º, inc. LVI, CF. 24 Vide Lei nº 9.455/1997 e Artigo 5º, Incisos III e XLIX, da Constituição Federal de 1988. 25 Vide Artigo 150, do Código Penal, e Artigo 5º, Inciso XI, da Constituição Federal de 1988. 26 Vide Lei nº 9.296/1996 e Artigo 5º, Inciso XII, da Constituição Federal de 1988. 27 Vide Artigo 5º, Inciso X, da Constituição Federal de 1988. 16 A prova ilegítima é obtida com violação de regras de direito processual, caracterizando-se nas provas obtidas sem o devido respeito aos preceitos dispostos no Código de Processo Penal28 (Decreto Lei nº 3.689, de 03 de Outubro de 1941). Por consequências do sistema pré-2008, a prova ilegítima, colhida em detrimento de regras de direito processual penal, era anulada do ato. Dependendo do grau de violação, tinha-se hipóteses de inexistência, nulidade absoluta, relativa ou mera irregularidade. A prova ilícita não produzia efeitos nos autos, e, era desentranhada dos autos. Após a redação dada pela Lei nº 11.690, de 09 de Junho de 2008, que alterou alguns artigos, relativos à prova, do Código de Processo Penal, o artigo 157 trouxe dúvidas em relação as definições de prova ilícita, pois deixou de identificar se prova ilícita é apenas aquela obtida com violação de direito material, ou se também é aquela obtida em detrimento de direito processual. Com isso, gerou dúvidas em relação a superação ou não da antiga conceituação sobre prova ilícita ou ilegítima. Com isso, foram formadas duas posições; a primeira entende que ainda deve ser mantida a antiga posição, fundamentando na conceituação de Nuvolone (Guilherme Madeira); e a segunda, em sentido oposto, entende que deve ser superada a antiga conceituação em relação a prova ilícita e ilegítima29. Sobre esse assunto, discorre o Ilustríssimo Sr. Edilson Mougenot Bonfim: Com a nova redação do art. 157, caput, do CPP, ao mencionar a violação de normas constitucionais, o legislador tratou sob o mesmo pálio as provas ilícitas e ilegítimas, não mais distinguindo como fazia 28 Vide Artigos 155, Parágrafo Único; 158; 207; 479, Caput; e 564, Inciso III, Alínea “b”; ambos do Código de Processo Penal. 29 BADARÓ, Gustavo. “São consideradas provas ilícitas, as obtidas, admitidas ou produzidas com violação das garantias constitucionais, sejam as que asseguram as liberdades públicas, sejam as que estabelecem garantias processuais”. 17 a doutrina. Portanto, a violação às normas constitucionais nada mais é do que a violação de direito constitucional material e processual. Já no tocante à violação de normas legais, entende-se por caracterizada como as provas que violam as normas de direito infraconstitucional material. Permaneceriam, ainda, as provas ilegítimas, que seriam aquelas violadoras das normas de direito infraconstitucional processual. Em suma, as provas ilícitas seriam as violadoras de normas de direito constitucional materiale processual, bem como a de norma legal de direito infraconstitucional material. Não obstante, parte da doutrina entende que o art. 157 do CPP unificou o tratamento quanto às provas, denominando ilícitas tanto aquelas violadoras de norma de disposição material quanto processuais.30 As provas obtidas por meio considera ilícito não poderão ingressar no processo. Segue neste sentido a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: As guardas municipais só podem existir se destinadas a proteção dos bens, serviços e instalações de municípios. Não lhes cabem, portanto, os serviços de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública, de polícia judiciária e de apuração das infrações penais, essa competências foram essencialmente atribuídas a polícia militar e a polícia civil.31 Bem como o entendimento do Supremo Tribunal Federal: EMENTA: Habeas Corpus. 2. Notitia criminis originária de representação formulada por Deputado Federal com base em gravação de conversa telefônica. 3. Obtenção de provas por meio 30 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. - 8. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013. P. 374-375. 31 TJ-SP – Ap. 288.556-3- Indaiatuba -7ªC. Crim – Rel. Dês. Celso Limongi – J. 22.02.2000 – JURIS SINTASE, verbete 13044322. 18 ilícito. Art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Inadmissibilidade. 4. O só fato de a única prova ou referência ao indícios apostados na representação do MPF resultarem de gravação clandestina de conversa telefônica que teria sido concretizada por terceira pessoa, sem qualquer autorização judicial, na linha da jurisprudência do STF, não é elemento invocável a servir de base à propulsão de procedimento investigado. 5. À vista dos fatos noticiados na representação, o Ministério Público Federal poderá proceder à ampla defesa e o contraditório. 6. Habeas Corpus deferido para determinar o trancamento da investigação penal contra o paciente, baseada em elemento da prova ilícita.32 3.2.1. A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (“Fruits of the Poisonous Tree”) A denominação "teoria dos frutos da árvore venenosa" vem da construção jurisprudencial americana que determina a inadmissibilidade da prova ilícita por derivação. É uma extensão da regra de exclusão estabelecida em Silverthorne Lumber Co. Contra Estados Unidos da América, 251 U. S. 385 (1920),33 quando ficou definido que “os direitos contra a busca e apreensão ilegais devem ser protegidos mesmo que o resultado possa ter sido alcançado de maneira legal,” baseando-se na 4ª Emenda americana.34 Alguns anos depois, em 1939, ao julgar o Nardone vs Estados Unidos, O Tribunal se referiu explicitamente à exclusão de provas ilícitas utilizando a terminologia "frutos da árvore venenosa".35 32 STF, 2ª T., HC 80.948-1/ES, Rel. Néri da Silveira, j. 7.8.2001, DJU, 19.12.2001. 33 Wex legal dictionary, Cornell University of Law. Available in: http//www.law.cornell.edu/Wex/fruit_of_the_poisonous_tree 34 “O direito dos cidadãos de estarem protegidos na sua pessoa, casa, papéis, e bens contra buscas e apreensões ilegais não será violado...” 1ª parte da 4ª Emenda – EUA. 35 "Na prática, a generalização desta diretiva poderia camuflar complexidades concretas. Argumentos sofisticados poderiam revelar um nexo de causalidade entre as provas obtidas por interceptação telefônica ilegal e as provas legais obtidas pelos órgãos do Estado. No entanto, como uma questão de bom senso, a linha poderia ser tênue o suficiente para dissipar a mancha que 19 Provas ilícitas por derivação são aquelas lícitas em si mesmas, mas produzidas a partir de outra ilegalmente obtida. É o caso da confissão extorquida mediante tortura, que venha a fornecer informações corretas a respeito do lugar onde se encontra o produto do crime, propiciando a sua regular apreensão. Esta última prova, a despeito de ser regular, estaria contaminada pelo vicio na origem.36 A exclusão da prova ilícita só ocorre quando três elementos fundamentais estão presentes: 1) uma ação ilegal de um agente; 2) uma prova obtida por esta pessoa; 3) a ligação entre a ação ilegal e a prova obtida. Mesmo que a ação ilegal tenha sido provada, se não houver ligação entre esta ação e a prova obtida, a prova não será excluída. Ou seja: Referida doutrina sustenta-se em um argumento relacional, ou seja, para se considerar uma determinada prova como fruto de uma árvore envenenada, deve-se estabelecer uma conexão entre ambos os extremos da cadeia lógica; dessa forma, deve-se esclarecer quando a primeira ilegalidade é condição sine qua non e motor da obtenção posterior das provas derivadas, que não teriam sido obtidas não fosse a existência de referida ilegalidade originária. Estabelecida a relação, decreta-se sua ilicitude.37 compromete a prova. Consoante ao entendimento 605, mas consoante também para os fins de direito penal, deve estar no alcance de um juiz experiente. Em um primeiro momento, a obrigação de estabelecer e demonstrar o registro clandestino cabe ao acusado. Uma vez que já está estabelecido - como aconteceu aqui - o juiz deve dar a oportunidade, porém com restrições, para o acusado demonstrar quais acusações recaem sob o espectro da árvore venenosa. Isso deixa uma grande oportunidade para os órgãos estatais convencerem o juiz de que suas provas tinham uma origem independente". 36 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 17ª. São Paulo: Saraiva, 2009. p.301 e 302. 37 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. - 8. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013. P. 377-378. 20 3.2.1.1. Exceções da Prova Derivada da Ilícita Andrés de la Oliva Santos38, sustenta que “a metáfora da ‘árvore envenenada’ e seus ‘frutos’ não passam de um metáfora, e diante disto, aquele que não tem nada a ver com o ‘envenenamento da árvore’, poderá digerir e aproveitar os ‘frutos’ perfeitamente.39 A doutrina, por trás da teoria, sustenta quatro princípios de exclusão: a fonte independente40; a descoberta inevitável41; a teoria da atenuação42; e a teoria da boa- fé43. Segundo o Código de Processo Penal, existem duas possibilidades de se aproveitar uma prova derivada: quando está ausente o nexo de causalidade, e não se consegue estabelecer a relação entre as provas (a ilícita e a que dela supostamente decorreu), razão pela qual a prova permanecerá no processo; e também quando a prova puder ser obtida por fonte independente, sendo “aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova,”44 assim, se o caminho trilhado na investigação ou a realização normal da instrução criminal puderem levar à prova derivada da ilícita, não se considerará imprestável o elemento carreado aos autos. 38 Catedrático de processo penal da Universidade Complutense de Madri. 39 Andrés de la Oliva Santos, Revista Espanôla de Derecho Procesal, nº 8-9. 40 Permite a admissão de uma prova "contaminada" pela ilicitude quando há elementos que levam à crença de que essa prova também seria descoberta ou obtida por outra fonte sem relação com a primeira. 41 Admite o uso da prova, mesmo com uma eventual relação dependente entre a primeira e uma prova obtida ilegalmente, quando as autoridades investigativas, usando os métodos de investigação que normalmente usam, acabariam, eventualmente, descobrindo a mesma evidência. 42 Teoria que permite o uso da evidência derivada, se a obtenção ocorreu porque há umarelação muito tênue com a ilegalidade original. No caso em apreço, dada a distância entre a ilegalidade e as próprias provas, seria justificada a manutenção da prova do processo. 43 Esta teoria está na suposição que toda a construção jurisprudencial em torno da exclusão de provas obtidas ilegalmente, serviu como um meio educacional para minar qualquer ilícito em investigações policiais. 44 Art. 157, § 2º, do CPP. 21 Tem-se esta decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de considerar admissível uma prova que deriva de ilícita: 1. Hipótese em que Juiz Federal, potencial vítima do “grampo telefônico”, deferiu diligências investigatórias requeridas pela Força- Tarefa composta por membros do Ministério Público e da Polícia Federal. Posteriormente, depois de ter-se deparado com provas contundentes da existência do crime, quando o próprio autor material do “grampo” confessou o delito, acolhendo a exceção oposta pelo Ministério Público Federal, deu-se por impedido/suspeito, remetendo os autos da investigação em andamento para o substituto. 2. É mister observar que a atuação do Magistrado impedido, até aquele momento, se restringiu a deferir diligências as quais se mostravam absolutamente pertinentes e necessárias à continuidade do trabalho inquisitivo-investigatório em andamento. Também não se pode olvidar que o foco central das investigações estava em outros episódios que caracterizariam, em tese, exploração de prestígio ou tráfico de influência, e lavagem de dinheiro. 3. As providências investigatórias determinadas pelo Juízo Federal – que não agiu de ofício, mas sim acolheu requerimento da Força-Tarefa – eram mais do que razoáveis e pertinentes naquelas circunstâncias, razão pela qual se evidenciaram proporcionais e adequadas, sem mal ferimento a direito fundamental do investigado. E, mesmo que o Juízo quisesse proceder de modo tendencioso, pretendendo interferir no resultado da prova a ser colhida, nem assim poderia fazê-lo, simplesmente porque não de tinhao domínio das diligências em questão, que, é claro, foram realizadas pelo aparato policial. 4. O juiz, ainda que formalmente impedido para a futura ação penal, não teve interferência direta na produção dos elementos de prova na fase pré-processual, porque sobre estes não teve ingerência, razão pela qual não se pode tê-los como de origem ilícita. 5. Ainda que assim não fosse, as instâncias ordinárias, soberanas na aferição do quadro fático-probatório, consideraram os elementos de prova, ora impugnados, coligidos na fase pré-processual, prescindíveis, na medida que, mesmo os desconsiderando, 22 sobejariam provas de autoria e materialidade do crime, provenientes de fontes independentes, obstando o pretendido reconhecimento de nulidade por derivação. 6. Não se mostra pertinente a discussão em torno de delação premiada oferecida a Réus pelo Ministério Público, e homologada pelo respectivo Juízo, em outros autos. O que interessa para a ação penal em tela são seus efetivos depoimentos prestados, os quais foram cotejados com as demais provas pelo juiz da causa para formar sua convicção, sendo garantido ao ora Paciente o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. Eventual nulidade desses acordos efetivados em outras ações penais – cuja discussão refoge aos limites de cognição deste writ – não tem o condão de atingir os depoimentos tomados na presente ação penal [...].45 3.2.2. Relativização da Vedação à prova ilícita Em homenagem ao princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade), na busca pelo equilíbrio entre o respeito às garantias fundamentais do cidadão e um processo penal justo e eficaz, os tribunais pátrios têm, diversas vezes, mitigado a vedação às provas ilícitas, admitindo como eficaz a prova que em princípio seria considerada ilícita, desde que ela não seja adotada como único elemento de convicção e que seu teor corrobore os demais elementos probatórios recolhidos no processo. 45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus. Matéria Penal. HC 70.878/PR. Rel. Ministra LAURITAVAZ, QUINTA TURMA. Julgado em 22/04/2008, disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=70878&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>, acesso em 23 de maio de 2017. 23 3.2.2.1. Prova Ilícita “pro reo” A proibição da prova ilícita é uma garantia individual contra o Estado, predominando o entendimento na doutrina de que seja possível a utilização de prova favorável ao acusado, pois, há casos em que o resultado (admissão daquela prova tida como ilícita para poder beneficiar o réu) é mais vantajoso para o sistema jurídico do que a restrição de direitos (liberdade, ampla defesa e presunção de inocência) com a consequência da inadmissibilidade da prova ilícita. “Isto porque, se a vedação quanto à proibição da prova ilícita nada mais é do que garantia do indivíduo, jamais poderia ser interpretado em seu desfavor.”46 Assim, cabe valer-se da proporcionalidade em cada caso para decidir admitir uma prova ilícita em favor do réu ou não. Com efeito, explica Capez que o princípio da vedação não pode amparar condenações injustas, nos seguintes termos: Entre aceitar uma prova vedada, apresentada como único meio de comprovar a inocência de um acusado, e permitir que alguém, sem nenhuma responsabilidade pelo ato imputado, seja privado injustamente de sua liberdade, a primeira opção é, sem dúvida, a mais consentânea com o Estado Democrático de Direito e a proteção da dignidade humana.47 Entendem de maneira semelhante Gomes48, Cunha e Pinto49 e Moraes50. 46 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. - 8. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013. P. 379. 47 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 305. 48 GOMES, Luiz Flávio. Reformas penais (V): provas. Disponível em: <http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art74.htm>. Acesso em: 23 de maio de 2017. 49 CUNHA, Rogério Sanches, PINTO, Ronaldo Batista. Processo Penal – Doutrina e prática. Salvador: JusPodivm, 2008. P. 92. 50 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 128. 24 É de notável importância, para a imposição de uma sentença condenatória, que se prove, além de qualquer dúvida razoável, a culpa do acusado. Remanescendo dúvida, nota-se que a acusação não tirou a incumbência do ônus que lhe cabe, sendo inevitável a absolvição do réu, uma vez que sem demonstração plena de sua culpa, prevalece a inocência presumida. 3.2.2.2. Prova Ilícita “pro societate” O “princípio” significa que, em determinadas fases do processo penal, inverte- se a lógica, ou seja, a dúvida não favorece o réu, e sim a sociedade. Existem discussões relacionadas ao princípio do in dubio pro reo e o “princípio” in dubio “pro societate” que trazem entendimentos contraditórios. Ao admitir a prova em favor da sociedade, haveria restrição pelo Estado dos direitos fundamentais do réu, o que em regra não se admite, em razão de que a vedação “é uma garantia do indivíduo contra o Estado, que não poderia fazer uso desse tipo de prova contra o cidadão”51. É didático e ilustrativo, neste ponto, o seguinte julgado: [...] A cláusula constitucional do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras, pois o réu tem o direito de não ser denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma incompatívelcom os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal. - A prova ilícita – por qualificar-se como elemento inidôneo de informação – é repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de eficácia jurídica. - Qualifica-se como 51 CAPEZ, op. cit., p. 305. 25 prova ilícita o material fotográfico, que, embora alegadamente comprobatório de prática delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado, em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia subtraído. No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe-se repelir, por juridicamente ineficazes, quaisquer elementos de informação, sempre que a obtenção e/ou a produção dos dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo, notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/682 - RTJ 163/709), mesmo que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se revele imputável aos agentes estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de mero particular [...].52 Desse modo, diante da proporcionalidade, é regra que não deve ser admitida em favor da sociedade a prova ilícita, posição respaldada por grande parte da doutrina. No entanto, ao acrescentar ao caso o envolvimento de organização criminosa, o direito à segurança ganha uma dimensão muito maior, como se depreende da basilar explanação a seguir: Trata-se de algo mais profundo. A acusação, principalmente a promovida pelo Ministério Público, visa resguardar valores fundamentais para a coletividade, tutelados pela norma penal. Quando o conflito se estabelecer entre a garantia do sigilo e a necessidade de se tutelar a vida, o patrimônio e a segurança, bens também protegidos 52 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. Matéria Penal. RE 251445, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 21/06/2000, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(251445)%20NAO%20S.PRE S.&base=baseMonocraticas>, acesso em 23 de maio de 2017. 26 por nossa Constituição, o juiz, utilizando seu alto poder de discricionariedade, deve sopesar e avaliar os valores contrastantes envolvidos. Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, que seria dirigida ao chefe de uma poderosa rede de narcotráfico internacional, com extensas ramificações com o crime organizado. Seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, que ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente não.53 Conforme mencionado, não se trata apenas de uma vítima em particular ou de uma afronta singular ao ordenamento jurídico, mas, isto sim, toda uma coletividade afetada diretamente por uma violação sistemática e grandiosa do sistema de leis como um todo. 53 CAPEZ, op. cit., p. 307. 27 4. CONCLUSÃO Dessa maneira, em nosso singelo entendimento, vimos que admissibilidade ou não ficará na maioria das vezes ao ponderamento pelo magistrado, e como conhecido, a fundamentação estará além de sua subjetividade. O princípio processual da vedação as provas ilícitas, previstas na Carta Maior, é de suma importância para o devido processo legal e sobre ele se debruçaram doutrinas e tribunais para construir um arcabouço teórico explicativo; todavia, tal preceito, erigido a cláusula pétrea, não é absoluto, pois no sopesar de bens jurídicos, prevalecerá o qual garanta a justiça no caso concreto; por exemplo, entre o direito a intimidade e a vida humana, esta prevalece. O tempo sedimentou essas ideias e possibilitou o regramento da matéria trazido pela Lei 11.690/2008, que atualizou o CPP na temática das provas de forma geral e, principalmente, recolocou a vedação no centro dos debates atuais. Contudo, mesmo antes do advento da referida lei, no panorama em questão sempre houve tensão entre a vedação das provas ilícitas e outros direitos fundamentais (entre eles, devido processo legal, presunção de inocência e direito à vida, à propriedade e à segurança), ensejando debates sobre exceções à vedação. A análise de tais exceções, por sua vez, dá-se necessariamente por meio do princípio da proporcionalidade, cuja aplicação, embora deva ser observada perante cada caso concreto em particular, pode ter suas linhas gerais delineadas no campo teórico. Dessa forma, a regra é repudiar as provas ilícitas no processo penal, em decorrência do princípio constitucional da vedação das provas ilícitas, de onde provém a Lei 11.690/2008. 28 No entanto, é forçoso reconhecer que todos os princípios constitucionais são relativos entre si e, havendo colisão, devem ter seu alcance medido no caso concreto por meio da proporcionalidade. Assim, podem as provas ilícitas ser admitidas em casos excepcionais, seja em favor do réu ou em favor da sociedade, a depender da livre convicção (portanto, devidamente fundamentada) do magistrado. 29 5. BIBLIOGRAFIA AVENA, Noberto. Processo Penal Esquematizado, 3ª ed. São Paulo: Método, 2011. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. - 8. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal BRASIL. Decreto-Lei nº3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal brasileiro) BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 5ª. São Paulo: Saraiva, 2000. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16ª. São Paulo: Saraiva, 2009. CUNHA, Rogério Sanches, PINTO, Ronaldo Batista. Processo Penal – Doutrina e prática. Salvador: JusPodivm, 2008. 30 GOMES, Luiz Flávio. Reformas penais (V): provas. Disponível em: <http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art74.htm>. Acesso em: 23 de maio de 2017. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. Revista dos Tribunais, 2001. MACIEL, Karina T. S. Prova ilícita e direitos fundamentais. Cadernos Jurídicos: curso de direito UNISAL, Campinas, v. 1, p. 47-70, 2011. MAGNO, Levy Emanuel. Processo Penal; 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. NUCCI; Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal, 13ª ed. São Paulo: Forense 2014, p.338 PORTUGAL. Constituição (1974). Constituição da República Federativa De Portugal. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Wex legal dictionary, Cornell University of Law (Dicionário Jurídico de Wex, Universidade de Direito de Cornell). Disponível em: 31 <http//www.law.cornell.edu/Wex/fruit_of_the_poisonous_tree>.Acessado em: 06 de maio de 2017. Dicionário Online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/prova>. Acessado em: 21 de maio de 2017.
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