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A SUBLIMAÇÃO, ENTRE SOFRIMENTO E PRAZER NO TRABALHO

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Revista Portuguesa de Psicanálise 33 [2]: 9 – 28
A SUBLIMAÇÃO, ENTRE SOFRIMENTO E PRAZER
NO TRABALHO1
Christophe Dejours2
RESUMO: Partindo dos aportes conceptuais da psicodinâmica do trabalho, o autor do 
presente texto procura discutir de que forma a clínica do trabalho permite repensar o 
conceito psicanalítico de sublimação. Com efeito, para dar um conteúdo ao destino 
pulsional que Freud caracterizou como uma mudança de objectivo, é necessário 
recorrermos a uma análise clínica detalhada da inteligência no trabalho, primeiro 
nível da sublimação. Em seguida, importa considerarmos o reconhecimento social da 
acção, enquanto segundo nível da sublimação. Por fim, a contribuição ao trabalho 
de cultura (Kulturarbeit) fornece -nos um terceiro nível da sublimação.
PALAVRAS -CHAVE: sublimação, clínica do trabalho, reconhecimento, psicodinâmica 
do trabalho.
INTRODUÇÃO 
A clínica do trabalho desenvolveu -se em França, em primeiro lugar no 
período entre as duas guerras (I. Billiard, 2011) e depois da guerra sob o 
nome de Psicopatologia do Trabalho. A partir dos anos 80, a sua reno-
vação resulta de trabalhos de pesquisa em que se associam a Psicanálise 
e a Ergonomia. O seu campo alargou -se então para além do estudo das 
doenças mentais relacionadas com o trabalho, passando a incluir também 
a investigação dos recursos psíquicos mobilizados por aqueles que con-
seguem resistir aos efeitos nocivos provocados pelos constrangimentos 
laborais, conseguindo assim permanecer na normalidade. Foi assim que 
foram descobertas as estratégias de defesa contra o sofrimento no traba-
1 Conferência apresentada no Institut Franco -Portugais a 22 de Fevereiro de 2013, orga-
nizada pela Sociedade Portuguesa de Psicanálise.
Artigo traduzido por Duarte Rolo.
2 Médico psiquiatra, psicanalista da Association Psychanalytique de France e Presidente 
do Conselho científico da Fundação Jean Laplanche. Professor no Conservatoire National 
des Arts et Métiers.
| Christophe Dejours10 
lho, cuja diversidade e riqueza permitiram expandir imensamente este 
campo clínico. Para além das defesas e da normalidade, interessámo -nos 
em seguida pelas condições específicas que permitem por vezes o acesso 
ao prazer no trabalho, ou mesmo a construção da saúde mental graças ao 
trabalho. Foi em função da expansão deste domínio clinico que uma nova 
denominação foi proposta em 1992, a saber, a Psicodinâmica do Traba-
lho, englobando as pesquisas que vão do sofrimento ao prazer no traba-
lho, das patologias mentais à realização de si mesmo através do trabalho.
Esta clínica é de uma grande riqueza e de uma extrema diversidade. 
Mas a Psicodinâmica do Trabalho não é apenas uma disciplina clínica, 
ela é também uma teoria centrada na análise dos processos em causa na 
etiologia do sofrimento e das patologias, bem como do prazer e da saúde, 
relacionados com o trabalho. Uma das principais teses desta teoria foi 
formulada sob o nome de “centralidade do trabalho para a subjetividade” 
(J. -P. Deranty & C. Dejours, 2010).
Muito tempo ignorada e mesmo rejeitada pelos psicanalistas, a Psico-
dinâmica do Trabalho desenvolveu -se sobretudo graças ao confronto com 
outras disciplinas: primeiro, com a Ergonomia e a Medicina do Trabalho; 
em seguida, com a Sociologia (Sociologia da Ética e Sociologia da divisão 
sexual do trabalho) e a Antropologia; e depois com a Filosofia (nomea-
damente a fenomenologia de Michel Henry e a Escola de Frankfurt), com 
o Direito e, mais recentemente, com a Economia.
Nos últimos dois anos, as escolas de Psicanálise têm vindo a abrir-se 
à questão do trabalho, primeiro em França, mas depois também nas 
diferentes capitais europeias, no Canadá, no Brasil, na Argentina. Esta 
nova conjuntura relaciona -se sem dúvida com o facto de muitos dos 
psicanalistas receberem pacientes cujo pedido inicial diz respeito ao seu 
sofrimento no trabalho. Como fazer face a uma problemática relacionada 
com o trabalho quando se parte do corpo teórico freudiano?
Para responder a esta questão, o melhor é sem dúvida começar pela 
análise daquilo que convoca a subjetividade na relação com o trabalho. 
Mais do que procedermos a uma investigação acerca dos efeitos pato-
génicos do trabalho, como se faz habitualmente quando a discussão se 
dirige a outras disciplinas, é talvez mais idóneo examinar de que modo a 
Psicodinâmica do Trabalho pode contribuir para a teoria da sublimação. 
Somente depois poder -se -á questionar porque é que certas organizações 
de trabalho, ceifando os recursos subjetivos da sublimação e mesmo 
opondo -se fundamentalmente a esta última, são capazes de desestabilizar 
o indivíduo e de provocar uma crise psíquica, podendo por vezes levar 
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 11
ao suicídio. Tomar em consideração todos estes dados saídos da clínica 
faz -nos conceder à sublimação um lugar específico no funcionamento 
psíquico, significativamente mais importante do que aquele que a psi-
copatologia e a metapsicologia lhe concedem.
TRABALHO, ATIVIDADE E SUBJETIVIDADE 
De um modo geral, considera -se como opostos o trabalho de conceção e o 
trabalho de execução, aquele passando por mais nobre do que este. A dis-
tinção não é completamente falsa, mas convém sublinhar que não existe tal 
coisa como um trabalho de mera execução, se com isto quisermos designar 
uma atividade de estrita obediência às instruções, processos ou ordens.
Todos aqueles que trabalham contornam os regulamentos, infringem 
os procedimentos, transgridem as ordens e ludibriam as instruções. Não 
necessariamente pelo gosto imoderado pela resistência ou pela deso-
bediência, mas de modo mais corrente para fazer bem o seu trabalho. 
Porque o trabalho concreto não se apresenta nunca exatamente como foi 
previsto pelos que o conceberam e organizaram (F. Daniellou, A. Laville, 
& C.  Teiger, 1983). Há sempre imprevistos, bloqueios, disfuncionamen-
tos, incidentes em todo o tipo de trabalho. O que está prescrito é o que 
designa mos sob o nome de tarefa. O que concretamente fazem os traba-
lhadores é a atividade. Resumindo, trabalhar é constantemente ajustar, 
adaptar, reparar, arranjar. Aquele que não sabe fazer batota ou que não o 
tenta fazer é um mau profissional. Porque aquele que se limita a uma exe-
cução estrita das prescrições peca por excesso de zelo. Nenhuma empresa, 
nenhuma oficina, nenhuma organização pode funcionar se as pessoas se 
limitarem à execução dos procedimentos oficiais. Um exército em que 
os homens se contentam em obedecer às ordens é um exército vencido.
Se os enfermeiros executassem rigorosamente as ordens dos médicos, 
haveria muitos mortos nos hospitais, o que precisamente conseguem 
evitar graças ao seu zelo.
Mas o que é afinal o zelo? O zelo são duas coisas:
1. A inteligência que permite inventar as soluções necessárias para 
resolver o desfasamento entre a «tarefa» (o prescrito) e a «ativi-
dade» (o efetivo).
2. A mobilização dessa inteligência em situações de trabalho muitas 
vezes difíceis e apesar dos conflitos que surgem entre os trabalha-
dores sobre a maneira de tratar esse desfasamento entre o prescrito 
e o efetivo.
| Christophe Dejours12 
Desta abordagem do trabalho pela Ergonomia e pela clínica do tra-
balho, depreende -se que o trabalho é aquilo que o próprio trabalhador 
precisa de inventar e acrescentar às prescrições para que as coisas corram 
bem. Este zelo do qual falamos não é outra coisa senão o trabalho vivo, 
sem o qual nenhuma organização laboral pode passar.
O trabalho nesta perspetiva apresenta -se fundamentalmente como 
um enigma. O que é então preciso acrescentar às prescrições para que 
corra bem? Não o sabemos antecipadamente e ainda por cima é preciso 
inventá -lo. Em que consiste a inteligência que é para isso convocada? 
Quais são os recursos psicológicos envolvidos? É um segundo enigma.
A análise mais aprofundadado zelo no trabalho mostra que a apti-
dão no trabalho passa por um envolvimento total da subjetividade do 
trabalhador. Para se tornar competente no seu trabalho, aquele precisa 
de aceitar a experiência do real e do fracasso, suportar o sofrimento até 
não conseguir dormir de noite, até contaminar as relações no espaço 
doméstico, até sonhar com isso. O psicanalista tem essa experiência com 
a aprendizagem do seu próprio trabalho. Mas acontece o mesmo para 
se tornar competente na condução de uma central nuclear, assim como 
em todo o tipo de trabalho.
É por causa deste envolvimento da subjetividade no zelo no traba-
lho que este último nunca pode ser neutro em relação ao ego e à saúde 
mental.
Pode gerar o melhor; neste ponto, em certos casos o trabalho torna -se 
o mediador essencial na construção da saúde mental. Mas pode também 
gerar o pior e conduzir à doença mental, à descompensação psíquica.
O TRABALHO VIVO
O trabalho vivo é o que o sujeito deve acrescentar às prescrições para 
atingir os objetivos. Com efeito, o trabalho está sempre cheio de inciden-
tes, de momentos de mau funcionamento dos recursos técnicos (quer se 
trate da central nuclear, do avião ou do computador), de ordens contra-
ditórias vindas da hierarquia, de perturbações vindas de pedidos urgen-
tes formulados por terceiros, de colegas que faltam às suas responsabili-
dades, de desistências de última hora da parte dos clientes, etc. É o que 
chamamos o «real» do trabalho. O trabalhador conhece este «real» quando 
se confronta com aquilo que foge ao seu controlo.
A experiência do mundo real, quer dizer, daquilo que foge ao controlo, 
leva inevitavelmente ao insucesso. Ou seja, a uma experiência afetiva: 
surpresa, desagrado, desgaste, irritação, deceção, raiva, sentimento de 
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 13
impotência… todos estes sentimentos são parte integrante do trabalho. 
São a matéria -prima fundamental no conhecimento do mundo. É afe-
tivamente que o mundo real se revela ao sujeito que trabalha. Aquele 
que é pouco sensível a isto é inevitavelmente um inapto. Quebra as 
máquinas porque não sabe sentir afetivamente quando estão bloquea-
das. O cuidador inapto desestabiliza o doente porque não reconhece 
emocionalmente a angústia do outro. Para experienciar afetivamente o 
mundo real e, portanto, conhecer o mundo, é preciso em primeiro lugar 
um corpo, porque é com o corpo que se vivenciam os afetos.
Trabalhar é principalmente falhar. Mas é também em seguida 
mostrar-se capaz de encaixar o falhanço, tentar de outra forma, falhar 
de novo, voltar à obra, não abandonar, pensar nisso fora do trabalho, 
aceitar uma certa invasão da preocupação com o real e com a sua 
resistência, mesmo no espaço privado. Como os jovens psicanalistas 
que falam de psicanálise incansavelmente e em toda a situação, das 
dificuldades práticas e dos sucessos que encontram, também o jovem 
engenheiro responsável pela condução ou manutenção de uma central 
nuclear deve aceitar ocupar -se 24h/24h com as vicissitudes do seu 
trabalho. Trabalhar não é só falhar, é também ser capaz de suportar 
o insucesso o tempo que for necessário para encontrar a solução que 
permita superar o real.
A “CORPROPRIAÇÃO” (CORSPROPRIATION)
Na verdade, esta resistência ao falhanço é decisiva. Para encontrar a 
solução, é preciso primeiro estabelecer uma verdadeira intimidade com 
a resistência colocada pelo real; é preciso lutar corpo a corpo com ela. 
E podemos mostrar que o enigma do real, que se apresenta em todo o 
tipo de trabalho, necessita em primeira instância de ser «apropriado» 
segundo modalidades específicas, para poder ser decifrado. Encontrar a 
solução conveniente é impossível sem uma familiarização subjetiva e afe-
tiva do corpo com o real, que o filósofo Michel Henry teorizou sob o con-
ceito de «corpropriação» (corspropriation) do mundo (M. Henry, 2004). 
Esta “corpropriação” não é somente cognitiva. A sua essência joga -se no 
corpo a corpo com o real, quer se trate do psicanalista que tenta dete-
tar a angústia do paciente que ameaça a rutura da cura analítica, esfor-
çando-se por dar forma a essa angústia, tentando encontrar os seus con-
tornos e conteúdo, quer seja o técnico que procura sentir a instalação 
nuclear que não reage como habitualmente e que ameaça escapar à sua 
capacidade de controlo.
| Christophe Dejours14 
No fundo, cada nova configuração do real encontrado no trabalho 
exige o desenvolvimento de novas aptidões, de que o trabalhador não 
dispunha até então. Desta forma, o trabalho entendido como trabalho 
de produção – poiésis –, para ser de qualidade, convoca a subjetividade 
ao nível das camadas mais íntimas, a saber, no corpo, lugar da expe-
riência subjetiva. Cada aptidão é de facto o resultado de uma elaboração 
da experiência subjetiva do corpo confrontado com o real. No fundo, 
é o corpo que confere à inteligência o seu génio; por exemplo, o poder 
fazer funcionar a regressão formal ao serviço de uma procura intuitiva 
de soluções. Assim, o trabalho de produção – poésis – é transformado 
graças à persistência, exigindo um outro trabalho – Arbeitsanforderung – 
que se impõe ao psiquismo através da sua relação com o corpo, desde 
que a experiência da resistência do real seja em primeiro lugar feita no 
corpo. O léxico freudiano está repleto de ocorrências do termo Arbeit. 
O trabalho -poésis implica num segundo tempo um trabalho do próprio 
sobre si mesmo – trabalho -Arbeit: Erarbeiten, Durcharbeiten, do qual 
depende a aquisição de novas aptidões. O prazer retirado do facto de con-
seguir levar a cabo o trabalho -Arbeit, despoletado pelo trabalho -poésis, 
é uma experiência emocional e está ligado à expansão da subjetividade. 
Trabalhar não é somente produzirmos, é também transformarmo -nos. 
Com efeito, há no trabalho de qualidade uma promessa de crescimento 
ao nível da sensibilidade e da inteligência do corpo, que é também uma 
promessa de realização de si mesmo.
À força de trabalhar a madeira, o marceneiro distingue as substâncias 
com o seu olfato e o seu tato e desenvolve registos de sensibilidade igno-
rados pelos profanos. O marinheiro, à força de se desenvencilhar no meio 
das ondas, experiencia a água, a ondulação, as vagas, o oceano com um 
prazer ignorado pelos outros. À força de lutar com o seu instrumento, o 
violinista ouve na arte de outro virtuoso sonoridades às quais não teria 
tido acesso antes de se ter dedicado ao seu violino.
Uma longa análise metapsicológica mostraria que este corpo que goza 
do aumento da sua capacidade para sentir não é o corpo biológico, mas 
o corpo erógeno, ou seja, este corpo que eu habito, este corpo que está 
envolvido na expressividade, na mímica, no gesto, que usa os recursos 
do corpo. E é precisamente este mesmo corpo que está envolvido no 
encontro erótico (C. Dejours, 2001).
Assim, o trabalho é para o corpo uma experiência extraordinária, atra-
vés da qual experiencia a vida, mas também através da qual pode transfor-
mar-se e crescer. Trabalhar nunca é só produzir, é também transformar -se.
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 15
Tudo o que disse até agora sobre o trabalho de execução é também 
válido para o trabalho intelectual: é com o corpo que o professor ou o 
ator sentem e percebem como o seu público os escuta em cada momento, 
ajustando depois o seu saber -fazer corporal, o qual designamos sob o 
nome de «ação dramatúrgica», de modo a cativar a sua atenção. É com 
o corpo que experienciamos afetivamente o contacto com os pacientes 
e que adquirimos um conhecimento sobre o seu estado psíquico – é um 
«conhecimento pelo corpo» (expressão vinda de Bourdieu, que por seu 
lado a empregava noutro contexto).
A maneira pela qual o trabalho comum convoca a subjetividade do 
trabalhador competente constitui o primeiro nível da sublimação.
Freud não pressentiu esta dimensãodo trabalho e da sublimação, por 
múltiplas razões. Ainda marcado pelo Romantismo, idealiza o génio e 
não vê o que a inteligência deve ao trabalho quotidiano (ver «Mozart, 
sociologia de um génio», Elias, 1991). Desconfiado em relação ao trabalho 
comum, Freud não pode conceber que a sublimação possa ser indissociá-
vel do trabalho e desconhece que todo o trabalho de qualidade exige um 
trabalho sobre si mesmo, que requer um certo génio. Ainda assim, não 
se trata de negar as diferenças de amplitude entre as obras. Voltaremos 
ao assunto mais à frente.
TRABALHO, COOPERAÇÃO E ATIVIDADE DEÔNTICA
Se bem que o que concerne à relação solipsista do indivíduo com o tra-
balho seja já de si muito complexo, ficar pela centralidade subjetiva 
do trabalho é uma simplificação injustificada. Efetivamente, o trabalho 
implica também, na maior parte das situações, a relação com o outro. 
Trabalha-se para alguém, para um cliente, para um chefe, para os subor-
dinados, para os colegas. Por vezes, o trabalho implica também o cole-
tivo, que tem como eixo central a questão da cooperação.
Acontece com a cooperação o mesmo que acontece com a atividade. 
Ou seja, existe sempre uma discrepância entre a organização do trabalho 
como é concebida, o que designamos como coordenação, e a organiza-
ção do trabalho como acontece efetivamente, o que designamos como 
cooperação.
Trabalhar não é só mobilizar a inteligência do corpo, que os Gregos 
designavam como Métis (M. Detienne & J. -P. Vernant, 2009). Agora é 
de uma outra inteligência que falamos. Uma inteligência que se apa-
renta com uma forma de sabedoria, tanto moral, como política, de que 
Aristóteles falou longamente: a sabedoria prática – phronésis. Porque 
| Christophe Dejours16 
a coordenação prescreve a divisão das tarefas, o que está atribuído a 
quem, as prerrogativas de cada um, as limitações de papéis e de funções. 
A coordenação é o lugar do exercício do poder e do domínio. Mas aí, 
novamente, basta limitar -se a obedecer estritamente ao que é prescrito 
para que o poder se afunde.
A cooperação é uma outra coisa. Ela implica um reajustamento con-
sensual da organização tal como foi prescrita. Para isso, aqueles que se 
esforçam para trabalhar juntos como um coletivo ou uma equipa precisam 
de reorganizar a divisão das tarefas e dos recursos humanos, criando 
regras práticas, aceites e respeitadas por todos.
Por falta de tempo, não posso comentar aqui todos os elos interme-
diários do processo de construção da cooperação. Assinalarei somente 
que isto exige que se estabeleça entre aqueles que trabalham relações 
de confiança. É a condição para que cada um possa mostrar aos outros 
como trabalha, sem recear que, ao revelar as suas transgressões, isto 
possa voltar -se contra si.
Desta forma, podem então ser postos à discussão os diferentes modos 
operatórios de cada um, para poder ser decidido em conjunto o que 
pode ser admitido e o que deve ser evitado ou proibido. Para além da 
confiança e da visibilidade, é preciso ainda a capacidade para exprimir o 
seu ponto de vista, e depois ser capaz de justificar e mesmo defender a 
sua opinião. É preciso também ser capaz de escutar os outros. Tudo isto 
consiste afinal em dar a sua contribuição para a deliberação coletiva sobre 
“como” trabalhar em conjunto. Na melhor das hipóteses, conseguem -se 
acordos consensuais sobre as maneiras de fazer e de trabalhar, sobre as 
responsabilidades e as obrigações de cada um. Noutros casos, o acordo 
consensual não pode ser atingido. Há litígio e é preciso a dado momento 
optar por uma decisão que, não sendo consensual, só se torna operante 
caso seja proferida por alguém que goze de uma autoridade efetiva. 
A autoridade é também uma dimensão difícil de estudar. Acrescentando 
mais um grau de complexidade, caso se chegue a um acordo, este ganha 
então o valor de um acordo normativo, quer dizer, um acordo que será 
a partir desse momento a referência para todos. Quando se conseguem 
agregar vários acordos normativos, consegue -se construir o que se chama 
um regulamento de trabalho. Quando por fim várias regras são articuladas 
entre elas, formam um “regulamento profissional”.
Podemos mostrar facilmente, a partir da análise do processo de cons-
trução dos regulamentos, que uma regra nunca tem só uma vocação 
técnica. Ela é, simultaneamente e sem exceção, uma regra social, que 
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 17
organiza a convivência e a vida em conjunto. Trabalhar não é unicamente 
produzir, é também viver em conjunto. Regra de trabalho e convivência 
caminham sempre lado a lado.
Em resumo, as regras de trabalho estruturam o trabalho concreto, 
dando forma à cooperação propriamente dita, a qual é sensivelmente 
diferente da organização que foi prescrita, quer dizer, da coordenação.
A esta atividade de construção de regras, que consome uma boa parte 
do nosso tempo e da nossa energia, damos o nome de atividade deôntica. 
Não existe um coletivo enquanto tal a não ser que hajam regras que 
organizem a atividade comum. Senão não é um coletivo, é um grupo ou 
uma multidão, ou mesmo uma massa.
A atividade deôntica faz parte integrante do trabalho quotidiano e 
conduz a diferenciações, por vezes muito marcadas, entre equipas ou 
coletivos, entre estilos de trabalho. Os coletivos e os grupos profissionais 
têm uma história e esta não é senão a história dos seus regulamentos e 
das transformações sucessivas que estes sofreram.
ATIVIDADE DEÔNTICA, ESPAÇO DE DISCUSSÃO E IDENTIDADE
Como podem dar -se conta, trabalhar em conjunto não está dado à par-
tida e não é natural. Supõe uma enorme implicação, quer dizer, uma 
outra forma de zelo. Mais uma vez, não existe trabalho que seja mera-
mente de execução. Nesta circunstância, para poder cooperar é preciso 
correr riscos: entre outros, o de se manifestar, de mostrar o que faze-
mos e de dizer o que pensamos. Indubitavelmente, isto é correr riscos.
Mas então por que é que os trabalhadores admitem correr riscos em 
vez de fazerem todos greve de zelo? Certamente mais fácil, ela é prati-
cada por um certo número de trabalhadores, que se limitam a fazer o 
mínimo indispensável, apesar das críticas e da cólera dos outros, os quais 
honestamente se implicam na obra comum.
Aqueles que participam na atividade deôntica, na vida do colectivo e 
na vida em comum, trazem de facto uma enorme contribuição à coope-
ração, à organização do trabalho, à empresa ou à instituição e, no limite, 
à sociedade. Se eles se implicam dessa maneira é porque, em troca desta 
contribuição, esperam uma retribuição. Ora, a clínica do trabalho é sobre 
este ponto incontestável – a retribuição que mobiliza a maioria dos traba-
lhadores não é a retribuição material. Não que ela não seja importante, 
certamente, mas não é o motor. A retribuição esperada é antes de tudo 
uma retribuição simbólica. A influência da retribuição material sobre a 
mobilização subjetiva depende ela própria da sua dimensão simbólica e 
| Christophe Dejours18 
reenvia diretamente a critérios de justiça e equidade. A retribuição sim-
bólica esperada toma normalmente a forma do reconhecimento. Na sua 
dupla aceção: reconhecimento no sentido de gratidão pelo serviço pres-
tado; e reconhecimento no sentido de julgamento sobre a qualidade do 
trabalho realizado. Também o reconhecimento só atinge a sua eficácia 
simbólica caso seja obtido e conferido de acordo com procedimentos, 
com critérios extremamente rigorosos.
Não tenho tempo de desenvolver este ponto, que é atualmente bem 
conhecido (I. Gernet & C.Dejours, 2009). Limitar -me -ei apenas a dizer 
que o reconhecimento passa por julgamentos. Existem duas formas de 
julgamentos:
O julgamento de utilidade faz -se sobre a utilidade económica, social 
ou técnica da contribuição de um sujeito na organização do trabalho. 
Este julgamento é essencialmente proferido pelossuperiores hierár-
quicos, bem colocados para aferir a utilidade de um trabalho bem 
feito. Mas também o é pelos subordinados, cujo julgamento sobre a 
qualidade da prestação do chefe pode ser severo, e de facto não have-
ria cooperação no trabalho sem reconhecimento recíproco entre os 
subordinados e o seu chefe. O julgamento de utilidade pode também 
emanar do cliente, do utilizador, do paciente, do aluno, quer dizer, 
do beneficiário da qualidade do serviço. O julgamento de utilidade é 
importante para o sujeito, porque lhe confere um estatuto no seio da 
organização para a qual trabalha e, para além disso, um estatuto na 
sociedade. A condição para poder aceder não só a um salário, mas 
aos direitos sociais, é que a sua atividade seja reconhecida como um 
trabalho e não só como um hobby, um passatempo ou uma ocupação. 
O julgamento de utilidade é a condição da sua afiliação na sociedade e 
da sua inscrição na pólis, como o demostram todas as lutas à volta da 
questão dos vistos de residência, tanto em França como no estrangeiro. 
Aquando da restruturação de uma empresa ou de uma administração, 
um assalariado até aí muito considerado e com boas avaliações pode 
passar a ser visto pela hierarquia como inútil, e o sofrimento que daí 
decorre pode ter consequências nocivas. Para se dar conta disto, basta 
pensar nos efeitos terríveis daquilo que normalmente se chama «ser 
posto na prateleira», quer dizer, o ser relegado para tarefas subalternas 
ou inúteis, ou mesmo ser proibido de trabalhar, mas mantendo o salário. 
Um grande número de profissionais que são postos na prateleira são 
devastados pela vergonha e pela perda de confiança em si mesmos e 
afundam -se na depressão.
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 19
O julgamento de beleza: o segundo julgamento é proferido pelos pares. 
Já não diz respeito só à utilidade, mas à beleza do trabalho realizado 
por um trabalhador. Enuncia -se sempre em termos estéticos: é um belo 
trabalho, é uma bela obra, é uma demonstração elegante, é uma linda 
forma. O julgamento de beleza afere primeiro a conformidade do tra-
balho realizado com as regras da arte, com as regras da profissão. Este 
julgamento não pode ser proferido senão por um outro que conheça 
as regras da arte e da profissão a partir de dentro. É o julgamento dos 
pares, certamente o mais severo, mas que é também o mais apreciado. 
O seu impacto sobre a identidade é considerável. Reconhecido pelos 
seus pares, um trabalhador acede ao sentimento de pertença: pertença 
a uma equipa, a um coletivo, a uma comunidade profissional. É através 
do sentimento de pertença que o trabalho permite evitar a solidão. Diz-se 
que é um piloto de guerra como os outros pilotos de guerra, que é um 
investigador como os outros investigadores, que é um psicanalista como 
os outros psicanalistas. 
Existe uma segunda aceção do julgamento de beleza, que diz respeito 
ao reconhecimento por parte dos pares da originalidade, até mesmo do 
estilo, da prestação de um trabalhador. Este julgamento de originalidade 
é certamente o mais precioso, aquele através do qual o trabalhador se 
distingue de todos os outros. É diferente do julgamento de conformidade, 
mas apenas é acessível quando este já tiver sido proferido.
Convém todavia sublinhar que, em relação a estes dois julgamentos 
de utilidade e de beleza, o que é esperado pelo trabalhador é que digam 
respeito à qualidade da prestação, à qualidade do trabalho apresentado. 
Não é senão num segundo tempo que o sujeito pode transferir este jul-
gamento do registo do fazer para o registo do ser, da identidade.
O reconhecimento, por esta razão, tem um impacto considerável sobre 
a identidade. É graças ao reconhecimento que uma parte essencial do 
sofrimento é transformada em prazer no trabalho. Estamos aqui longe 
do masoquismo, quer dizer do prazer retirado diretamente da erotização 
do sofrimento. O caminho para o prazer passando pelo reconhecimento 
é muito mais longo e não vem da excitação sexual, depende sim do jul-
gamento do outro. Assim, pode compreender -se o reconhecimento do 
trabalho como a segunda dimensão da sublimação. Os termos enigmá-
ticos de Freud para qualificar a sublimação tomam, sob a lupa da psi-
codinâmica do trabalho, um significado preciso. «É uma certa espécie 
de modificação do objetivo e de mudança do objeto, na qual a nossa 
escala social de valores entra em linha de conta, que distinguimos sob o 
| Christophe Dejours20 
nome de sublimação» (S. Freud, 1933). A forma como a escala social de 
valores entra em linha de conta na sublimação parece então passar pelos 
julgamentos de reconhecimento dos outros: julgamento de utilidade e 
julgamento de beleza. A psicodinâmica do reconhecimento no trabalho 
constitui o segundo nível da sublimação e introduz na questão uma nova 
dimensão: o sucesso da sublimação depende em boa parte do julgamento 
do outro e da lealdade de todos os envolvidos nesse reconhecimento 
(enquanto que o primeiro nível da sublimação, o da “corpropriação”, é 
estritamente intrasubjetivo). 
Para muitos dos nossos pacientes, no fim da adolescência a identi-
dade é incerta, inacabada, imatura e o risco de crise de identidade com 
as suas consequências psicopatológicas não está longe. É por isso que 
o trabalho, através do reconhecimento, constitui em muitos casos uma 
segunda hipótese de construção da identidade e da saúde mental. 
UM NOVO MÉTODO DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO:
A AVALIAÇÃO INDIVIDUALIZADA DO DESEMPENHO 
No momento em que a invasão do mundo do trabalho pelos novos méto-
dos de gestão atingia o seu auge, um novo método de organização, dire-
tamente ligado à doutrina da gestão, é introduzido na maior parte das 
empresas privadas, assim como no serviço público. Trata -se da avaliação 
individualizada do desempenho. Este método é apresentado como uma 
forma «objetiva» de avaliar o trabalho de cada indivíduo e de estabelecer 
comparações entre trabalhadores. A avaliação individualizada tem como 
princípio uma análise quantitativa e objetiva do trabalho, passando pela 
medição dos resultados. 
A avaliação do trabalho por métodos objetivos e quantitativos de 
mensuração apoia -se em bases científicas erradas. Podemos com efeito 
mostrar que, no estado atual do conhecimento nas ciências do trabalho, 
é impossível medir o trabalho propriamente dito (C. Dejours, 2003). 
Com efeito, como já vimos, se sabemos onde começa o trabalho, somos 
incapazes de estabelecer critérios generalizáveis para delimitar o modo 
como o trabalho convoca a personalidade, bem para além do horário e 
do local de trabalho (indivisibilidade entre o estar no trabalho e fora do 
trabalho). Atualmente, não sabemos medir o tempo psíquico e intelectual 
que um trabalhador dedica ao seu trabalho para adquirir as aptidões e as 
competências que precisa para atingir os objetivos e ter um bom desem-
penho. Por maioria de razão, com o importante desenvolvimento que 
conheceram as atividades que implicam essencialmente competências 
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 21
relacionais, é difícil tornar objetivo e quase impossível medir os recursos 
psicológicos envolvidos no trabalho efetivo.
E, de facto, a avaliação individualizada não mede o trabalho! No 
melhor dos casos, mede o resultado do trabalho. Mas precisamente, não 
há qualquer proporcionalidade entre o trabalho e o resultado do trabalho. 
Se trato doentes idosos com morbilidade múltipla, o meu trabalho é mais 
difícil do que se tratar pacientes jovens que sofrem de uma patologia 
única. E, certamente, os resultados são menos bons do que aqueles que 
obtenho com doentes jovens. Do mesmo modo, é mais fácil fazer um 
grande volume de negócio numa agência bancária de um bairro rico no 
centro da cidade do que nos bairros populares da periferia. O volume de 
negócio não é proporcional ao trabalho prestado.
Este método de avaliaçãoquantitativa é, pois, falso e gera sentimen-
tos de injustiça que têm também efeitos nocivos sobre a saúde mental.
Mas o mais grave são provavelmente os efeitos deste método no tra-
balho coletivo, na cooperação e na convivência.
Efetivamente, a avaliação individualizada e quantitativa do desem-
penho coloca todos os assalariados em concorrência uns com os outros. 
Os sucessos de um colega tornam -se uma ameaça para o outro assala-
riado. É agora cada um por si e todos os golpes são permitidos. A des-
confiança e o medo recaem sobre o mundo do trabalho. A deslealdade 
torna -se banal. A amabilidade e a entreajuda desaparecem. As pessoas 
já não se falam. A solidariedade desaparece. No fim, cada um se encon-
tra só no meio da multidão, num ambiente humano e social repleto de 
hostilidade. A solidão abate -se sobre o mundo do trabalho e isso muda 
radicalmente os dados no que diz respeito à relação subjetiva com o 
trabalho e à saúde mental. 
Contrariamente ao que afirmam certos autores, o assédio no trabalho 
não é novo. Se, efetivamente, as vítimas de assédio aumentam conside-
ravelmente, não é por causa do assédio em si, é por causa da solidão. 
Porque, face ao assédio, face à injustiça, e mesmo mais trivialmente face 
às dificuldades quotidianas do trabalho e aos insucessos que comporta 
toda a vida profissional, não é de todo idêntico enfrentá -los com a ajuda 
e a solidariedade dos outros ou encontrar -se sozinho, isolado e num 
ambiente humano potencialmente hostil.
A multiplicação atual dos suicídios no trabalho não resulta só das 
injustiças, do infortúnio ou do assédio. Resulta principalmente da 
 experiência atroz do silêncio dos outros, do abandono por parte dos 
outros, da recusa em testemunhar dos outros, da cobardia dos outros.
| Christophe Dejours22 
A traição pelos colegas, pelos próximos, é mais dolorosa do que o 
próprio assédio. Assediada, mas beneficiando do apoio moral e da sim-
patia dos outros, a vítima resiste psiquicamente muito melhor. Porquê? 
Porque os sinais de solidariedade moral significam que todos fazem a 
mesma interpretação das críticas e das acusações feitas pela hierarquia 
contra a vítima: estas últimas advém, no entender de todos, da injustiça 
e do assédio.
Enquanto que, encontrando -se só face aos ataques, a vítima não sabe 
se deva compreender a falta de coragem dos outros como uma traição 
ou, pelo contrário, como um julgamento pejorativo partilhado por todos, 
incluindo os mais próximos, sobre a qualidade do seu trabalho. Assaltada 
pela dúvida sobre as suas próprias qualidades, duplica os esforços, pen-
sando poder ainda assim reconquistar a estima e a confiança dos seus 
chefes. E esgota -se, não dorme de noite… até que comete erros que vão 
agravar o assédio e a vão convencer que está em falta e que merece o 
infortúnio que sobre ela se abate.
Então, a espiral da depressão, com sentimentos de fraude, de fracasso, 
de descrédito, etc., pode apoderar -se do trabalhador. O silêncio dos outros 
face ao assédio de um colega desencadeia a desagregação do sentido 
partilhado de justiça, de dignidade, de solidariedade, ou seja, do que 
constitui o «terreno» comum sobre o qual é construído o «mundo», este 
mundo que habitamos juntos na nossa diversidade (H. Arendt, 1993). 
A derrocada deste «terreno comum» conduz ao que H. Arendt designa 
sob o nome de «loneliness», traduzido em francês pelo termo de «dé -sol-
-ation» ou desolação (H. Arendt,1951).
O SOFRIMENTO ÉTICO
É neste contexto perturbado que certos trabalhadores acabam por acei-
tar colocar o seu zelo ao serviço de objetivos que a sua moral reprova. 
Por exemplo, para atingir o volume de negócio a que nos compromete-
mos ao assinar um contrato de objetivos, somos obrigados a explorar os 
clientes. Ou ainda, para aumentar o rendimento da sua equipa, o gestor 
tem que manipular os subordinados, usando alternadamente a promessa 
e a ameaça. Para aprender a arte de enganar o cliente ou de manipular 
os subordinados existem formações ad hoc; afixam -se guiões no ecrã 
do computador destinados a ajudar o operador a responder às questões 
embaraçosas colocadas pelos clientes; ou ensinam -se as formulações mais 
eficazes para impressionar os subordinados. Por outras palavras, daqui 
para a frente temos ordem para mentir aos clientes e aos subordinados 
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 23
e para os manipular. Mentiras e manipulações são prescritas. Quaisquer 
que sejam os meios utilizados e as infrações aos regulamentos, a dire-
ção fechará os olhos se o volume de negócio for atingido.
Outrora, os trabalhadores não teriam aceitado obedecer a estas impo-
sições porque estariam em contradição com os valores do serviço público 
e com a lealdade devida aos utilizadores. Mas hoje em dia o trabalhador 
hesita. Porque todos os outros, dos dirigentes aos colegas, dos quadros 
aos subordinados, toda a gente aceita colocar o seu zelo ao serviço de 
ações que a consciência moral reprova. (É para isso que caminhamos 
com a desestruturação do sentido de justiça, quando afirmamos que o 
mundo tal como o conhecíamos, o terreno comum de convivência, entram 
em derrocada: lloneliness.)
Abre -se aqui um novo capítulo na clínica do trabalho, o do sofri-
mento ético, quer dizer, o sofrimento que desencadeia a experiência da 
traição de si mesmo (C. Dejours, 1998). O que é grave aqui, do ponto 
de vista psicopatológico, é que um recurso suplementar de sublimação 
é anulado. «A nossa escala social de valores», vimo -lo anteriormente, 
reenvia ao reconhecimento. Na nossa primeira abordagem, «a escala 
social de valores» passava pelo julgamento do outro. O novo capítulo do 
sofrimento ético torna mais compreensível uma segunda faceta da forma 
como «a nossa escala social de valores entra em linha de conta», a saber, 
o julgamento que o sujeito faz de si próprio, não só sobre a qualidade da 
sua contribuição no que concerne a produção, mas sobre o valor ético 
da sua prestação. Porque, pela sua atividade de produção, o trabalhador 
compromete, de facto, o destino de outro, em particular do cliente que 
tem obrigação de enganar ou do subordinado que deve «colocar sob 
pressão». Isto significa que o trabalho não se reduz a uma atividade, 
implica dimensões que advém da ação, no sentido que Aristóteles dá ao 
conceito de praxis: ação moralmente justa. As novas patologias ligadas 
ao sofrimento ético mostram que, atrás da noção de valor, se encontra 
implicitamente designada a base ética da sublimação, a qual envolve 
aquilo que, no narcisismo, diz respeito à auto -estima. É de algum modo 
o terceiro nível da sublimação: quando o trabalho vivo é efetivamente 
julgado e deliberadamente orientado com vista a honrar a vida, então 
os efeitos do trabalho sobre a identidade ou sobre o eu traduzem -se em 
acréscimo de auto -estima e de amor próprio.
Quando aceita colocar o seu zelo ao serviço de ordens e de prescri-
ções que desonram a Kultur, no duplo sentido alemão de cultura e de 
civilização, o trabalhador fragiliza ainda mais as bases intrasubjetivas 
| Christophe Dejours24 
da sua identidade e torna -se ainda mais dependente do reconhecimento 
da empresa para manter a sua identidade. É assim que a armadilha se 
fecha. Porque depois de ter servido com zelo a empresa, depois de ter 
contribuído incansavelmente para o sucesso da equipa, é agora a sua vez 
de cair em desgraça e, como recompensa, ver -se humilhado, castigado, 
assediado ou dispensado.
Quem poderia então procurar para falar da sua angústia e tentar 
elaborá -la? Não os colegas, que não precisam de o fazer, nem as pessoas 
próximas, porque seria preciso então revelar -lhes os compromissos suces-
sivos a que se foi submetendo e que eles ignoram. É neste contexto que 
surge, para um trabalhador para o qual até aí tudo corria bem, a solidão 
implacável do infortúnio neste contexto de desolação, eque pode pro-
vocar a passagem brutal ao ato, da angústia ao impulso suicida.
E de facto aqueles que são mais vulneráveis ao suicídio encontram -se 
entre os trabalhadores mais implicados nas suas tarefas e que puseram 
mais empenho no serviço prestado. Aqueles que fazem o mínimo exigido, 
os preguiçosos, não se suicidam quando caem em desgraça.
A clínica do trabalho, procedendo à investigação dos suicídios no 
trabalho, sugere que o trabalho implica a subjetividade e a identidade 
de todos aqueles que se envolvem de forma autêntica na ética de um 
trabalho de qualidade. O trabalho pode gerar o melhor, quando se 
abre à sublimação e permite levar a termo uma atividade socialmente 
valorizada. Os suicídios no trabalho em França apareceram recente-
mente, dado que os primeiros que foram recenseados remontam a 
1995. Marcam uma viragem histórica na medida em que assinalam 
o aparecimento do sofrimento ético naqueles que são levados, pelas 
novas formas de organização do trabalho, a viver a experiência de se 
trair a si próprio.
TRABALHO VIVO E TEORIA SOCIAL
Esta viragem histórica é uma ameaça para os indivíduos, mas é também 
uma ameaça para a civilização, porque marca a possibilidade de rom-
per a continuidade entre o trabalho quotidiano e a cultura. A cultura, 
com efeito, é o que nas obras humanas se acumula ao longo do tempo 
para honrar a vida. E as obras humanas são e serão sempre o resultado 
de um trabalho, desde que este não seja só um trabalho de produção, 
poésis, mas também o resultado de um Arbeit, quer dizer, um trabalho 
do próprio sobre si mesmo, de uma Arbeitsanforderung, que estampa o 
selo da subjetividade numa produção ou numa obra. Ou, para dizê -lo 
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 25
de outra forma, o trabalho da cultura, a Kulturarbeit de Freud, não con-
siste somente nas obras realizadas pelos «große Männer», quer dizer, os 
pintores e os escultores, os compositores e os filósofos, os pensadores e 
os investigadores. A produção das obras culturais passa também pelas 
relações de cooperação e de transmissão, e implica por vezes a partici-
pação de um grande número de indivíduos, quer se trate de construir 
pirâmides ou pontes suspensas, de fundar cidades ou instituições, res-
taurar monumentos históricos ou encenar uma ópera. E quando, em vez 
de agrupar as contribuições de cada um à volta do entusiasmo de parti-
cipar numa obra conjunta, uma empresa ou uma instituição destrói as 
relações de convivência necessárias para a cooperação, quando empurra 
certos indivíduos para o suicídio, a Kulturarbeit já não está na ordem 
do dia. O que se desenha é antes o espectro do falência desta empresa 
ou o colapso desta instituição e, se não conseguirmos travar a expansão 
deste processo, é a decadência da Kultur.
E de facto o trabalho não é neutro face ao viver em conjunto. Ou o 
trabalho, via a atividade deôntica, funciona como meio poderoso para 
criar, para transmitir laços sociais de cooperação, ou destrói esses laços 
sociais e faz surgir a desolação.
Se insisto neste ponto é porque ele levanta questões teóricas interes-
santes. A clínica do trabalho, com efeito, sugere que o motor mais potente 
de formação dos laços sociais é o trabalho. É para poder cooperar em 
obras comuns que os seres humanos procuram vias de deliberação cole-
tiva orientada para a escuta do outro e se esforçam assim para conjurar 
os riscos de violência originados pela economia pulsional, a sexualidade 
e o inconsciente. Freud tinha -o previsto. Cito -o (“Das Unbehagen in der 
Kultur”, OCFP, XVIII, p. 267, nota de rodapé): «Na ausência de uma 
predisposição particular prescrevendo imperativamente a orientação para 
os interesses vitais, o trabalho profissional comum, acessível a todos, 
pode tomar o lugar que lhe é dado pelo sábio conselho de Voltaire. Não 
é possível apreciar de forma satisfatória, no contexto de uma breve 
visão de conjunto, o significado do trabalho para a economia da libido. 
Nenhuma outra maneira de conduzir a sua vida liga tão solidamente 
o indivíduo à realidade como o ênfase posto no trabalho, que o insere 
seguramente pelo menos numa parte da realidade, a comunidade 
humana. A possibilidade de deslocar uma grande parte das componen-
tes libidinais, narcísicas, agressivas e mesmo eróticas para a profissão e 
para as relações humanas a esta associadas confere ao trabalho um valor 
que o torna indispensável para o indivíduo poder afirmar e justificar a 
| Christophe Dejours26 
sua existência na sociedade. A atividade profissional permite procurar 
uma satisfação particular quando é livremente escolhida, logo, permite 
utilizar através da sublimação as inclinações existentes, as moções pul-
sionais perseguidas ou constitucionalmente reforçadas.» Efetivamente 
as relações entre o trabalho e a sublimação, na perspectiva da clínica do 
trabalho, aparecem claramente como base do laço social. Freud é mais 
reservado. Não somente a passagem que acabo de citar figura apenas 
em nota de rodapé, mas esta nota termina com um comentário dúbio 
sobre o trabalho. Cito -o: «E no entanto o trabalho, enquanto via para a 
felicidade, é pouco apreciado pelos homens. Não nos apressamos para 
isso como para outras possibilidades de satisfação. A grande maioria 
dos homens não trabalham senão empurrados pela necessidade e, desta 
natural aversão pelo trabalho que têm, surgem os problemas sociais mais 
árduos.» (ibidem)
Entre uma teoria do laço social fundada sobre o trabalho e a coope-
ração e a teoria social formulada por Freud na «Psicologia das massas 
e análise do eu», não há uma continuidade nada evidente. De resto, na 
sua análise da crise da cultura, Freud faz poucas referências à teoria 
social de 1921.
O objeto teórico desta discussão pode recapitular -se de modo lapidar: 
o que é que está na base do laço social? O amor (e a libido), como o 
defende Freud na «Psicologia das massas», ou o trabalho (e a sublima-
ção)? Não amor e trabalho, mas amor ou trabalho. Não uma afirmação, 
mas antes uma questão que, no decorrer desta exposição, me permito 
dirigir aos psicanalistas interessados pela teoria social, questão que me 
parece constituir um verdadeiro desafio para poder retomar, e de forma 
bastante urgente, a questão fundamental da Kulturarbeit.
CONCLUSÃO
Deste percurso entre a clínica do trabalho e a sublimação, podem tirar-se 
várias conclusões.
1 – A sublimação não é uma. Podemos decompô -la em:
– um primeiro nível, implicando principalmente a relação do sujeito 
consigo próprio, entre “corpropriação” e expansão das capacidades 
do corpo
– um segundo nível, implicando principalmente a relação com o outro, 
entre o reconhecimento e a solidificação da identidade
A Sublimação, entre Sofrimento e Prazer no Trabalho | 27
– um terceiro nível, implicando principalmente a relação com a pólis, 
a cultura, a civilização, entre a Kulturarbeit e a realização de si 
mesmo e da sua idiossincrasia
2 – A sublimação não é apenas apanágio dos «große Männer». Ela está 
em todo o tipo de trabalho sempre que este último for desempenhado 
no sentido da procura da qualidade e quando, para o fazer, houver um 
esforço para respeitar o regulamento profissional (ética profissional).
3 – A sublimação, limitada aos dois primeiros níveis, o da corpropria-
ção do mundo e o do reconhecimento pelo outro, constitui a «sublimação 
comum». Tendo uma influência poderosa sobre a identidade e sobre a 
saúde mental, pode apesar de tudo ser atingida mesmo que o esforço 
seja posto ao serviço do pior (fabricar armas de destruição massivas, por 
exemplo, conduzir os comboios para transportar o rebanho humano para 
os fornos crematórios…). Pelo contrário, quando a sublimação é delibe-
radamente orientada no sentido de honrar a vida e assume as exigências 
da Kulturarbeit, surge a sublimação no sentido mais clássico do termo, 
que poderíamos designarde «sublimação extraordinária».
4 – Potencialmente, a sublimação oferece benefícios essenciais para a 
saúde mental, em termos de crescimento dos registos de sensibilidade do 
corpo, da identidade e do amor -próprio. Pelo contrário, as organizações 
do trabalho que impedem a sublimação, como o Taylorismo ou a avalia-
ção individualizada do desempenho, são nocivas para a saúde mental. 
O trabalho não pode ser neutro no que diz respeito à saúde mental, ou 
gera o melhor por intermédio da sublimação, ou então gera o pior, a 
ponto de poder, via sofrimento ético, conduzir à ruína do amor -próprio 
e à passagem ao ato suicida.
O trabalho vivo pode claramente jogar um papel essencial na estru-
turação ou na desestruturação do laço social. A renúncia à satisfação 
sexual da pulsão (Triebverzicht), que está na origem da sublimação, é 
talvez o melhor candidato para dar conta da natureza do laço social, em 
vez da libido e do amor, como defende Freud na «Psicologia das massas 
e análise do eu».
TITLE: Sublimation, between pleasure and suffering at work
ABSTRACT: Based on the conceptual contributions of, the author discusses how the 
clinic of work allows us to rethink the psychoanalytic concept of sublimation. Indeed, 
in order to give a content to the instinctual destination that Freud characterized as a 
| Christophe Dejours28 
change of purpose, one should resort to a detailed clinical analysis of the first level of 
sublimation, that is to say intelligence at work. Furthermore, one should consider the 
social recognition of activity as a second level of sublimation. Finally, the so called 
Kulturarbeit can provide be assimilated to a third level of sublimation.
KETWORDS: sublimation, clinic of work, recognition, psychodynamics of work.
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