Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

�PAGE �
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
INSTITUTO DE CIENCIAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO – ICSC
CURSO DE CIENCIAS ECONÔMICAS
História Econômica Geral
Campinas, SP
2014
1 - O SURGIMENTO DA MODERNA SOCIEDADE ECONÔMICA
1.1 - O Problema Econômico
O homem é um ser social, portanto, ele só pode sobreviver em grupos. Graças aos grupos, ele pode dividir tarefas, especializar-se em determinado setor e, com isto, conseguir uma produtividade maior. Trata-se de uma divisão funcional das tarefas, num só esforço por maior eficiência. Com isso ele vai vencendo a luta pela sua sobrevivência.
Com o passar do tempo, a divisão do trabalho vai resultar num aumento da produtividade individual.
O homem passando a produzir mais do que o estritamente necessário para sobreviver. Por exemplo, Ao plantar trigo, soja, entre outros, ele colhe certa quantidade para consumo, reserva parte para plantar na próxima estação e ainda sobra certa quantidade para comercializar.
Com isso vamos chamar esta sobra de EXCEDENTE ECONÔMICO.
O Excedente econômico é a quantidade de bens que ultrapassa a quantidade necessária para a sobrevivência dos trabalhadores que a produziram. Havendo excedente, pode-se dizer que uma parcela da população pode deixar de trabalhar diretamente na lavoura desses produtos e dedicar-se a outras atividades, tais como, administração, estudar (pintura, música, etc.)
Conclui-se então que para que parte da população deixe o campo produzindo os meios de subsistência é necessário que os que lá ficam produzindo, consigam produzir para ambos, ou seja, terão de gerar um excedente econômico.
É nessa fase que surgem os PROBLEMAS (econômicos), isso porque precisamos justificar esta nova situação, ou seja, definir quem vai dedicar-se a produção dos meios de subsistência e quem vai administrar estudar, entre outras atividades.
Como justificar esta divisão, que não é mais apenas uma divisão funcional, mas uma divisão apoiada em privilégios.
Exemplo: Alguns trabalham mais duramente do que outras e não usufruem totalmente dos frutos de seu trabalho, pois parte é transferida para outros grupos.
1.2 - Problema fundamental:
Quem cria o excedente econômico?
Quem se apropria do excedente econômico? E finalmente,
Com que direitos ele se apropria desse excedente econômico?
Com isso fica evidente que uma sociedade com tais características não poderá sobreviver se não conseguir justificar-se diante de seus membros. Portanto, toda organização social precisa legitimar-se. É a partir daqui que surge o conceito de Ideologia.
A Ideologia é o conjunto de normas, valores, símbolos, idéias e práticas sociais que procuram justificar as relações econômicas e sociais existentes no interior da sociedade. Portanto, é a visão que a sociedade tem de si mesma.
Uma parte importante da IDEOLOGIA é constituída de práticas sociais que, por assim dizer, penetram no sangue sociedade e se tornaram co-extensivas a ela.
O grupo dominante tem muitos mecanismos de preservação de seus interesses, que vão desde o domínio do Estado, até de posse de instrumentos menores, mas extremamente eficazes, tais como: Emissoras de Rádios, TVs, jornais (imprensa) e outros.
A Ideologia é algo elaborado formalmente pelo grupo dominante como se este estivesse tramando um sistema para subjugar a sociedade.
A ideologia é um fenômeno social espontâneo, e não algo produzido para uma visão conspiratória do processo histórico. Ela desempenha funções importantes nas sociedades.
( A ideologia mantém a coesão social;
( A ideologia funciona como uma espécie de sistema de dominação.
Antes de analisarmos estes dois papéis da ideologia, vamos compará-la, agora, com a ciência. É preciso dizer que ambas (ideologia e ciência) se apresentam a nós sob a forma racional, isto é, apoiadas em argumentação lógica. Mas a ciência encaminha-se para a busca da verdade. Seu universo é o universo das "leis" objetivamente estabelecidas. A ideologia move-se no universo dos "valores". Ora, os valores, tais como se apresentam nas diversas sociedades, estão ligados a grupos de interesses. Os valores não são neutros. Cada sociedade tem um quadro de valores dominantes. O perigo da ideologia é que esta se apresenta com a roupagem de ciência, mas defende determinados interesses e não a "verdade". Ao lado dos conjuntos antes apresentados, podemos acrescentar, agora, o conjunto ideologia. Mas atenção! Este conjunto é de natureza diversa. Você já sabe que ele procura explicar o mundo e a sociedade, mas está ligado a valores. É um sistema de idéias que tende a transformar-se num sistema de crenças, segundo a feliz expressão de Jacques Ellul.
	
	
	
	
	
	 
	 
	
	
	 
	 
	
	
	Ideologia
	
	
	 
	 
	
	
	 
	 
	
	
	
	
	
Na prática a coisa complica-se, porque os conjuntos se sobrepõem. Em muitos casos é praticamente impossível separar ciência de ideologia. 
Observe o diagrama abaixo
	
	
	
	
	
	Ciência
	
	
	 
	 
	
	
	 
	 
	
	
	 
	 
	
	
	 
	 
	
	
	Ideologia
	
	
	 
	 
	
	
	
	
	
 
Os limites entre ciência e ideologia (bem como entre ciencia e tradição) não são claros. Como distinguir entre estes dois campos? Tarefa difícil, senão impossível, porque não existe um lugar "não ideológico" a partir do qual se possa falar cientificamente sobre ideologia. Todo discurso ou qualquer elaboração mais ou menos sistemática pode estar contaminada pela ideologia, mas apresenta-se a nós com foros de ciência. 
Vamos resumir o que dissemos até agora. A ideologia, para se expressar com eficácia, tende a aglutinar-se num conjunto de idéias. Estas idéias filtram-se até as últimas camadas da pirâmide social e, sorrateiramente, passam a governar o comportamento dos grupos que compõem a sociedade. Embora a ideologia esteja vinculada ao grupo dominante, ela é internalizada pela maioria dos membros da sociedade (pertençam ou não ao grupo dominante). A partir daí, os membros desta sociedade passam a acreditar na retidão das instituições. Apoiado neste sistema de idéias que, agora, se transformou num sistema de crenças, a aceitação da organização social existente torna-se espontânea. Justifica-se o status quo�. 
Por isso mencionamos que uma das funções da ideologia é a coesão social. O que significa isto? Significa que a ideologia, ao tornar mais ou menos uniforme à visão dos diversos grupos que compõem a sociedade, mantem-na unida. Com isto diminui a probabilidade de choques entre grupos que ocupam posições extremamente díspares e evita-se a ruptura do tecido social. A ideologia é uma espécie de projeto da sociedade. Paul Ricoeur dizia que a ideologia desempenha para a sociedade o mesmo papel que a motivação desempenha para a pessoa individual. A pessoa age quando se vê motivada. A sociedade age quando tem um projeto existencial cujas linhas essenciais são perceptíveis na ideologia. 
A segunda função que atribuímos à ideologia é a função de dominação. Esta função decorre da primeira, porque manter coesa uma sociedade hierarquicamente organizada é possibilitar a dominação de determinados grupos sobre outros. É evidente que não estamos falando aqui de hierarquia funcional. Se a organização hierárquica da sociedade fosse apenas funcional, isto é, se fosse baseada em necessidades objetivas de organização do trabalho, não seria preciso o recurso à ideologia. A justificativa de tal sistema seria científica. Mas não é isso O que ocorre. A organização hierárquica das sociedades conhecidas, em grande parte, baseia-se em privilégios. Alguns grupos se beneficiam com ela, outros não. E tal situação deve aparecer aos olhos de todos (inclusive dos beneficiados) como normal. O sistema ideológico procura conseguir isto. E, nesta tarefa, ele substitui, com vantagens, o uso da força e da violência. Procura dominar pela persuasão�. Tenta falar à razão, embora fale muito mais à emoção do que à razão.É por isso que toda ideologia tende a transformarem-se em slogans, símbolos, afirmações simplistas. O simplismo permite que ela alcance as massas e as pessoas pouco afeitas à análise crítica da realidade. Com isto ela perde em rigor científico, mas ganha em eficácia. A verdade deforma-se, mas este é o preço que se paga pela eficácia do sistema ideológico. 
A ideologia opõe-se à ciência. Em certo sentido ela é a anticiência. Mas a própria ciência pode ter função ideológica. Isto ocorre quando ela se torna instrumento de dominação nas mãos de determinados grupos. Tão é raro que um grupo, para se legitimar no poder, apele para a ciência. Os tecnocratas são um exemplo claro do que estamos afirmando. 
É evidente que a economia não fica imune à ideologia. A própria existência de escolas econômicas atesta isto. Até que ponto a economia permanece ciência? Até que ponto ela está contaminada pelo vírus da ideologia? Até que ponto ela é um simples instrumento de defesa de grupos privilegiados? Levantam-se estes problemas sem ter a pretensão de resolvê-los todos. 
Até agora falamos em abstrato. Na vida diária, como se manifesta a ideologia? Você deve ter percebido que ela desempenha papel importante na sociedade. Portanto, ela é funcional para o sistema que defende. Todas as vezes que sistemas de idéias (ou práticas e símbolos sociais) são instrumentalizados para defender interesses parciais dentro da sociedade, eles podem ser chamados legitimamente de sistemas ideológicos. É sua função dentro da sociedade que caracteriza um sistema de idéias ou um conjunto de práticas sociais como sendo ou não ideológico. Neste sentido:
• o sistema jurídico pode ser ideológico e freqüentemente o é; 
• a religião pode ser ideológica e freqüentemente o é: 
• a escola pode ser ideológica e freqüentemente o é; 
• os símbolos pátrios (bandeiras, fardas etc.) podem ser ideológicos e freqüentemente os são. 
Evitamos a afirmação dogmática de que tais sistemas são· ideologias. Esta interpretação afasta-se da interpretação ortodoxa, mas tem uma razão de ser. A afirmação categórica de que os sistemas antes mencionados são ideologia parece-me um equívoco, porque confunde os níveis epistemológicos�. Uma coisa é o estatuto teórico dos sistemas antes mencionados, outra coisa é o papel que cada um deles desempenha no interior da sociedade. Se eles não estiverem a serviço de uma classe ou de um grupo específico, não podem ser classificados como ideologia, pelo menos no sentido em que a definimos. 
Vamos esclarecer mais um problema. Segundo nossa definição, ideologia é qualquer estrutura de pensamento ligada ao grupo dominante. Contudo, há sistemas de idéias com as mesmas características da ideologia, mas não ligados ao grupo dominante. A esses sistemas ligados aos grupos que contestam a validade das instituições e as relações sociais e econômicas existentes na sociedade chamaremos utopias, usando a mesma terminologia de Karl Mannheim. Ideologia e utopia têm o mesmo estatuto teórico. Só que a ideologia está com o grupo dominante e pretende preservar a sociedade, as utopias estão com os contestadores e pretendem transformá-la. 
Resumindo: se você leu com atenção este capítulo, deve ter uma noção mais clara do que é ideologia, utopia, ciência e do estatuto teórico destes conceitos, bem como da função que cada um deles exerce na sociedade. Deve ter percebido que não tem sentido a pergunta, "qual a ideologia de seu partido?", "qual a ideologia do PMDB?". Um partido político deve ter (nem sempre o tem) um ideário, um programa. Não pode ter ideologia. Usar o termo ideologia para designar o programa de um partido é desconhecer a ideologia e qual sua função na sociedade. É usar o termo de maneira incorreta. 
Para terminar, vai aqui uma citação de Joan Robinson�: 
"A economia política sempre foi, em parte, veículo da ideologia domi· 	nante em cada período. em parte, método de investigação científica. 	Cabe ao economista distinguir O que é ideologia do que é ciência." 
1.2 - DE BIZÂNCIO AO FEUDALISMO
A decadência do império romano trouxe por decorrência dois pólos políticos opostos constituídos pelo Império Romano do Ocidente, com sede em Roma, e o Império Romano do Oriente, ou Império Bizantino. A rápida derrocada do primeiro trouxe como conseqüência o afrouxamento dos laços comerciais existentes entre as diversas nações, pela falta de um poder centralizador. Já não existindo a hegemonia militar romana, as fronteiras do império foram cedendo às rebeliões e às invasões de povos bárbaros oriundos do oriente, cujo intuito preponderante era mais o de destruir do que dominar. Os governos centralizados se enfraqueceram, e as cidades e aldeias que sobreviveram fecharam-se em si mesmas, ou simplesmente desapareceram, pela dispersão de seus habitantes, que se espalharam em centros fortificados (os castelos) para garantir a sua sobrevivência. 
Na primeira fase da Idade Média, as condições sociais presentes no Império Bizantino eram bastante superiores às do Império do Ocidente. Neste, grandes porções da Itália e do sul da França já tinham regredido a um ruralismo primitivo, em uma total decadência da civilização que Roma tinha imposto em seus tempos áureos. Já no Império do Oriente, mantinha-se ainda o caráter urbano e suntuoso, com uma classe rica que vivia no luxo e no conforto. 
Constantinopla, Tarso, Edessa e Tessalônica eram cidades populosas, com um comércio ainda florescente. Só em Constantinopla viviam cerca de um milhão de pessoas, e não havia sinais de decadência cultural ou econômica. Mercadores, banqueiros, industriais e ricos proprietários de terras absorviam-se em uma atividade comercial intensa, consumindo artigos de luxo, ricas vestimentas de lã e de seda, tapeçarias, artefatos de vidro e porcelana. O esplendor das artes do Império Bizantino foi tal que até os dias de hoje ainda surpreendem os especialistas. A sua arte do mosaico, por exemplo, influenciou a arte dos vitrais, usados extensamente nas catedrais góticas. 
Apesar da miséria (comum para a época) das classes inferiores, estes ainda assim estavam em melhores condições econômicas do que a dos cidadãos das partes ocidentais do Império. Havia uma estabilidade política e econômica, que permitia uma prosperidade crescente. Foi somente com a ascensão do império sarraceno que teve início a decadência do Império Bizantino. 
1.2.1 – As Invasões Bárbaras
O Império do Ocidente, a invasão dos bárbaros ocorrida entre os anos de 395 d.C. e 571 d.C., deixou terras devastadas e povos trucidados por onde eles passaram. Em sua esteira ficavam apenas ruínas de povoados, de cidades e de terras de cultivo, numa ânsia inconcebível de destruição. Os bárbaros invadiram a Trácia, a Panônia, as Gálias, a África, a Itália, e finalmente a própria cidade de Roma, jogando abaixo séculos de refinamento cultural e de civilização. Se for possível situar no tempo o início das trevas que se abateram sobre o ocidente, dando início à Idade Média, é exatamente no período destas invasões. O ano de 410 d.C. representa aproximadamente este limite entre idades, dando fim à idade antiga e iniciando um período que só veio a ter término por volta do ano de 1300. 
Até a época das primeiras cruzadas pouca coisa tinha mudado após mais de quinhentos anos, no continente europeu. Com o término dos impérios romanos do Ocidente e depois do Oriente, um marasmo se instalou por todo lado e a evolução histórica e cultural dos povos europeus como que estagnou. O feudalismo, regime estático por excelência, tornou-se dominante. A Idade Média estava começando. 
Foi com o Papa Urbano II e com Pedro, o Ermitão, que conclamaram à libertação de Jerusalém e do Santo Sepulcro do jugo muçulmano, que tiveram início as primeiras cruzadas. Estas foram movimentos militares de inspiração religiosa que lançaram as bases para uma mudança profunda nas estruturas sociais, políticas e mesmo religiosas até então vigentes. Seguindo o caminho aberto pelas cruzadas, o comércio intensificou-se portoda as rotas asiáticas, com o que as cidades portuárias de Pizza, Veneza e Gênova alcançaram grande poder marítimo. O comércio intensificou-se a tal ponto que as instituições feudais mostraram-se incapazes de atender a demanda dos territórios conquistados; esta situação, por fim, conduziu à criação de centros urbanos por todo lado, sementes das futuras cidades européias, bem como contribuiu decisivamente para a derrocada do feudalismo e para a ascensão futura de uma nova classe, a burguesia. 
O contato dos cruzados com a civilização árabe, bem mais refinada e culta nesta época, levou por outro lado a mútuos intercâmbios culturais que mais aproveitaram ao Ocidente. Os árabes tinham traduzido os autores gregos clássicos, os quais chegaram, via as traduções muçulmanas, às mãos de vários estudiosos ocidentais. Os sistemas de filosofia, a medicina, a matemática, a geometria, a literatura, a arquitetura, formaram parte deste legado cultural. 
Com o surgimento das cidades e o remIClO das trocas COmerCIaiS, começaram a surgir também associações de trabalhadores artífices. O comércio se dava através de vias de transporte e também de feiras, entre as quais as mais célebres foram as de Flandres� e de Champagne�. O contato cultural proporcionado pelas cruzadas permitiu o desenvolvimento de novas cidades-Estado, tais como Veneza, Florença, Gênova e Pizza, com a criação de grandes corporações de comércio. A especialização em ofícios e a divisão do trabalho se intensificaram, expandindo o mercado; a manutenção das cidades passou a depender dos produtos agrícolas, aumentando a interação urbano-rural. Novas profissões surgiram, e as trocas comerciais entre os centros urbanos e as localidades rurais produtivas se consolidaram. 
A partir do ano 800, já se podia notar, no Ocidente, um lento despertar da letargia da época medieval. O contato com as civilizações bizantinas e sarracena, o embate com os nórdicos, foram algumas das causas deste ressurgimento. Nos quinhentos ou seiscentos anos seguintes (principalmente a partir do século XII) houve um surto de progresso, e o aumento do comércio trouxe prosperidade e estimulou as artes, a ciência e a cultura. 
Basicamente, o feudalismo foi uma estrutura descentralizada da sociedade (ou seja, com um fraco ou inexistente poder central). O poder era dividido entre a nobreza, através de um sistema de suserania� e de vassalagem�. A partir do século VII, os reis merovíngios costumavam recompensar os condes e duques com benefícios e com terras (que se tornavam condados - no primeiro caso - ou ducados - no segundo caso). Posteriormente, os reis carolíngios recompensavam os nobres locais quando estes forneciam tropas de soldados para lutarem contra os mouros. Quem possuía o feudo tinha o direito de propriedade, e por conseqüência o direito de governar. Entre o suserano e os seus vassalos havia uma relação contratual, que envolvia obrigações recíprocas. Os vassalos pagavam tributos aos seus senhores, que se obrigavam a proporcionar-lhes proteção de assistência econômica. 
Aos poucos, aumentou a dependência do governo central com relação às diversas suseranias. Como a maioria adquiria imunidade (isenção de pagamento de impostos), a autoridade central foi diminuindo cada vez mais. Apenas nominalmente, o suserano se submetia à autoridade do rei. Além disso, as constantes invasões de nórdicos, turcos e muçulmanos levavam a população a se voltar para os senhores feudais em busca de proteção. Aos poucos, este sistema evoluiu para um tipo de sociedade estratificada; no segundo período da Idade Média ("Alta Idade Média"), o feudalismo (que já se tornara hereditário) chegou a constituir um tipo legalmente reconhecido de estrutura social, até mesmo encarado como um sistema ideal. A lei era produto do costume ou da vontade de Deus. 
No regime feudal, a principal unidade econômica era a chamada "herdade senhorial", que era geralmente o domínio de um cavaleiro. Alguns chegavam a possuir várias herdades (às vezes, centenas ou milhares), em que o tamanho médio de cada uma podia chegar a 150 hectares. Em cada uma havia uma ou mais aldeias, e as terras cultivadas pelos camponeses se dividiam em três partes: o terreno de plantio da primavera, o terreno de plantio do outono e o "pousio". Todos eram revezados a cada ano (era o sistema chamado de "três campos"). 
LEITURA COMPLEMENTAR: A Economia e a Filosofia Escolástica�
As idéias econômicas predominantes neste período tinham forte influência da Igreja Católica, através de seus pensadores (teólogos, canonistas e filósofos moralistas), que procuraram se alicerçar nos escritos sagrados e nas obras aristotélicas, principalmente. Aristóteles é o pensador de maior influência entre os medievos, e sua noção de "equilíbrio" foi a base para a concepção de justiça nas trocas (preço justo e justo salário), e para o princípio de moderação e moralidade como essência do fenômeno econômico. 
A Igreja Católica admitia a propriedade individual, mas regrada por um princípio social restritivo, que a legitima. O proprietário não deve abusar do seu direito de propriedade em detrimento da coletividade. O direito de propriedade é reconhecido como propiciador de ordem e paz social, além de aumentar o rendimento da produção (essencialmente agrícola). Reconhece, entretanto, que os benefícios da posse da terra não devem ficar restritos a uma minoria privilegiada, porque isto traz desigualdade de condições e injustiça social. Entretanto, tal reconhecimento não foi capaz de evitar a prevalência das condições que exatamente se procurava evitar: a concentração da posse da terra, com a conseqüente ascensão social daqueles que a detinham. a feudalismo, como veremos, foi exatamente isso: a posse privilegiada da terra pela nobreza, que tinha poder total sobre os camponeses que a ocupavam e a faziam produzir. 
O princípio moral regulador, a proibição da usura (empréstimo a juros) bem como o princípio da troca justa era basicamente a base do sistema econômico deste período. Os artífices, organizados em corporações, tinham fixado o seu salário como uma retribuição máxima regulamentada oficialmente (não se fixava um valor mínimo, como se procede na atualidade). O lucro resultaria do equilíbrio entre o trabalho empregado (com a perícia envolvida) e a utilidade do serviço. Condenava-se o lucro imoderado, por ser contrário á "justiça nas trocas". 
Os chamados Padres da Igreja (Tomás de Aquino; Boaventura, entre outros), acompanhando o raciocínio aristotélico, distinguiam entre bens fungíveis e não fungíveis. O dinheiro seria um bem fungível, que desaparece com o consumo. O bem não fungível, por não desaparecer com o uso, pode ser emprestado ou locado por contrato. a seu detentor, por se privar do uso e gozo da coisa, pode exigir uma compensação. Mas no empréstimo de coisa fungível, o cedente entrega simultaneamente o uso e a propriedade da coisa. A justiça e o justo preço se realizariam pela simples devolução do objeto, sem mais nada (ou seja, sem juros sobre o empréstimo). Desse modo, o dinheiro não pode ser objeto de empréstimo a juros. Tal era a concepção inicial da Igreja. 
Além da preocupação com o "preço justo", S. Tomás considerava também a possibilidade de um vendedor vender um produto defeituoso. Ele afirmava que caso isto ocorresse, não deveria ser um ato intencional, e que, se descoberto o defeito, o vendedor deveria compensar o comprador. 
Esta concepção veio a se modificar gradativamente, quando novas condições foram surgindo. Por exemplo, começou-se a se admitir a possibilidade de recebimento de juros pelos empréstimos, nos seguintes casos: se o emprestador sofria danos resultantes do empréstimo; se havia riscos, ou se havia renúncia a um possível lucro imediato. Razões religiosas levaram a liberar a usura para os judeus e para os lombardos�, que se admitia não estarem submetidos às regras católicas. 
Com relação às idéias monetárias, havia grandes debates a respeito do valor e da circulação da moeda, bem como da conveniência de alterarou não o seu valor. Nicolau Oresme, bispo de Lisieux e conselheiro do Rei Carlos V, e Buridan, reitor da Universidade de Paris, foram teóricos que estudaram o assunto. Oresme criticou as mutações monetárias; para ele, o rei não tem legitimidade para fazer estas mutações de valor. O valor da moeda é garantido pela autoridade do Rei, que ordena sua cunhagem, e que teria assim, autoridade para mudar o seu valor. O cunho indicava a qualidade da peça e o seu peso. Entrando, entretanto, em circulação, o seu valor passa a depender da comunidade onde ela circula que decide pela conveniência de lhe alterar o valor�. 
Oresme observou que em sua época praticavam-se cinco diferentes formas de mutações monetárias: 
1) mudanças na efígie, o que acontecia normalmente devido à mudança de governantes;
2) mudança da proporção, ou mudança do valor entre o metal nobre (ouro ou prata) e o valor da moeda;
3) mudança nominal, ou modificação dos preços em moeda corrente (havia uma moeda real, cujas subdivisões em moeda corrente podiam variar); 
4) mudança oficial do peso da moeda (as fraudes se davam, pela diminuição - ou cerceamento - do peso da moeda, limando suas beiradas circulares); 
5) mudança de sua substância: neste caso, mudava-se a sua liga, substituindo um metal por outro. 
Como já dissemos a moeda má expulsa a moeda boa do mercado, e se acontecia de haver muitas mutações, quando a situação econômica se deteriorava, a tentativa de restaurar a ordem econômica pela introdução de uma nova moeda esbarrava neste obstáculo: a moeda boa, capaz de trazer estabilidade monetária, era fundida, ou simplesmente tomava rumo para fora do país. 
BIBLIOGRAFIA
ADAM SMITH/RICARDO. Coleção Os Pensadores. Abril Cultural. 2. ed. São Paulo. 1979. 
AMIN, S. O Desenvolvimento Desigual. Forense-Universitária. Rio de Janeiro. 1976. 
BREAUD, Michel. História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. Brasiliense. São Paulo. 1987. 
CASTRO, Paulo de. Rosa Luxemburgo – Socialismo e Liberdade. Forum Editora. Rio de Janeiro. 1968. 
DOBB, M. A. A Evolução do Capitalismo. 5ª edição. Zahar. Rio de Janeiro. 1987. 
FISCHER, Ernst. O Que Marx Realmente Disse. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 1970. 
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Companhia Editora Nacional. 11 ª edição. São Paulo. 1971. 
GALBRAITH, John Kenneth. O Pensamento Econômico em Perspectiva. Uma História Crítica. Pioneira/Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1987. 	
GOLGHER, Isaías. Leninismo. Uma Análise Marxista. Editora Saga. Volume Primeiro. Rio de Janeiro. 1967. 
GOMES, Luiz Souza. O que devemos conhecer da Economia Política e das Finanças. Livraria Tupã Editora. 5ª edição. Rio de Janeiro. S/d. 
GOMES, Luiz Souza. O que devemos conhecer de Moeda e Crédito, Preços e Bancos. Biblioteca Universal Popular. Rio de Janeiro. 1964. 
HOBSBAWN, E. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Forense-Universitária. Rio de Janeiro. 1986. 
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21ª edição. Guanabara. Rio de Janeiro. 1996. 
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. Editora Atlas. 10ª edição. São Paulo. 1969. 
HUNT & SHERMAN. História do Pensamento Econômico. Ed. Vozes. Petrópolis. 1977. 
MAGALHÃES FILHO, Francisco de B. B. História Econômica. 9ª edição. Saraiva. São Paulo. 1987. 
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Zahar Editores. Rio de Janeiro. 1969. 
MARX, Karl. O Capital. Coleção Os Economistas. 2ª edição. São Paulo. 1969. 
MEYERS, A. Elementos de Economia Moderna. Livro Ibero-Americano Ltda. Rio de Janeiro. 1962. 
MUMFORD, Lewis. A Condição de Homem. Editora Globo. Porto Alegre. 1958. 
NOMAD, Max. Heréticos da Política. Editora Fundo de Cultura. Rio de Janeiro. 1965. 
SANTOS, Mário Ferreira dos. Análise Dialética do Marxismo. Logos. São Paulo. 1953. 
SELDON, Arthur & PENNANCE, F. G. Dicionário de Economia. 2ª edição. Bloch Editores S.A. Rio de Janeiro. 1975. 
TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. A Morte do Industrialismo e o Nascimento de uma Nova Civilização. Editora Record. Rio de Janeiro. 1980. 
TRAGTENBERG, Maurício. Planificação – Desafio do Século XX. Editora Senzala. S/l. S/d. 
2 - Feudalismo
A palavra Feudalismo é derivada de feudo� - O feudalismo foi o sistema sócio-econômico dominante na era medieval. Seu período histórico é: 
1 – Século - III a VIII - formação do Feudalismo, onde teve início com as primeiras invasões bárbaras;
2 – Século - VIII a XI – foi seu apogeu máximo, e no;
3 – Século - XI ao XV – foi sua decadência.
O feudalismo teve seu início entre o século V, após a queda do Império Romano, e daí então começa aparecer pequenos reinos, porém esses reinos não foram capazes de solucionar os problemas de segurança de sua população, e esta começa a fazer um êxodo urbano, pois estava indefesa contra os ataques dos Germanos� procurando assim se esconder desses guerreiros “bárbaros’’. 
O Feudalismo tinha uma sociedade formada pela aristocracia proprietária de terras, que era composta pelo alto clero e pela nobreza, bem como pela massa de camponeses, que eram na verdade os servos e vilões não proprietários. 
Nessa época o clero ocupava um papel relevante na sociedade feudal. Os sacerdotes destacavam-se como servidores de Deus e detentores da cultura, além de administradores das grandes propriedades (da Igreja), estes também eram conhecidos por sua marcante ação assistenciais aos desvalidos.
A Igreja procurava justificar o modo de agir da nobreza, dizendo que Deus tinha dado determinadas tarefas a cada homem e que, portanto, uns deviam rezar pela salvação de todos (clero), outros deviam lutar (ou colocar os soldados do rei) para proteger o seu povo (a nobreza) e os outros cidadãos deviam alimentar com seu trabalho, aqueles que oravam e guerreavam (os camponeses). 
O sistema feudal se origina tanto de instituições romanas quanto da germânica. 
A economia ou unidade econômica de produção era o feudo, que se dividia em três partes completamente distintas, que são, a saber: a propriedade privada do senhor, chamada manso senhoril, no interior da qual se erigia um castelo fortificado, o manso servil, que correspondia à porção de terra arrendada aos camponeses em lotes denominados tenências, e ainda o manso comunal, constituído por terras coletivas, pastos e bosques, usados tanto pelo senhor quanto pelos trabalhadores camponeses presos à terra – os servos. Diante da crise econômica e das invasões germânicas, muitos dos grandes senhores romanos abandonaram as cidades e foram morar nas suas propriedades no campo. Esses centros rurais, conhecidos por vilas romanas, deram origem aos feudos medievais. 
Uma grande maioria de romanos, os menos ricos, passaram a buscar proteção e trabalho nas terras desses grandes senhores. Para poderem utilizar as terras, no entanto, eles eram obrigados a entregar ao proprietário parte do que produziam, estava instituído assim, o colonato�. Com isso o sistema escravista de produção no Império Romano foi sendo substituído pelo sistema servil de produção, que iria predominar na Europa feudal. Com isso nascia, então, o regime de servidão, onde o trabalhador rural é o servo do grande proprietário.
No sistema feudal, o rei dava terras a grandes senhores (nobres, parentes), estes, por sua vez, davam essas terras a outros senhores menos poderosos chamados cavaleiros, que, em troca lutavam a seu favor. Quem concedia a terra era um suserano�, e quem a recebia era um vassalo. As relações entre o suserano e o vassalo eram de obrigações mútuas, estabelecidas através de um juramento de fidelidade. Quando um vassalo era investido na posse do feudo pelo suserano, jurava prestar-lhe auxílio militar. O suserano, por sua vez, se obrigava a dar proteção jurídica e militar ao vassalo. O feudo (terra) era o domínio de um senhor feudal. Não se tem conhecimento exato do tamanho médio desses feudos.2.1 - As Principais Características Econômicas e Sociais do Feudalismo
É importante saber que durante a alta idade média (séculos V ao XI), devido, principalmente a instabilidade política, que era fruto das invasões bárbaras, a economia feudal caracterizou-se pela auto-suficiência. Isto quer dizer que o feudo buscava produzir tudo que era necessário para a manutenção da comunidade, significando dizer que não havia excedente de produção, portanto, a quase inexistência de comércio externo entre feudos.
Assim, as principais atividades econômicas eram a produção agrícola e a criação de animais, portanto, estavam ligadas à manutenção das pessoas no feudo.
Entretanto no período chamado de Baixa Idade Média notou-se um rompimento dessa posição de subsistência que apresentava o feudalismo. Foi devido ao fim das invasões bárbaras e o surgimento de novas técnicas agrícolas foi possível a comercialização do excedente de produção.
Com o aumento do comércio houve também o desenvolvimento das cidades medievais, que nessa época ainda tinham um núcleo fortificado com muralhas, chamado burgo�. 
Com o crescimento da população, o burgo foi alargando seus limites para além das muralhas. Os comerciantes e artesãos que viviam em torno dos burgos eram chamados de burgueses.
Aos poucos, o progresso do comércio e das cidades foi tornando a burguesia mais rica e poderosa, passando a disputar interesses com a nobreza feudal. Além disso, a expansão do comércio também influenciou na mentalidade da população camponesa, contribuindo para desorganizar o feudalismo. 
Os servos cansados da exploração feudal, ouvindo entusiasmados as notícias da agitação comercial das cidades. Uma grande parcela deles migrava para as cidades em busca de melhores condições de vida. Com isso as cidades tornaram-se locais seguros para aqueles que desejavam romper com a rigidez da sociedade feudal. 
Os servos que não migraram para as cidades organizaram no campo, diversas revoltas contra a opressão dos senhores. Em muitos casos, conseguiram aliviar o peso de algumas obrigações, como a talha� e a corvéia�. Isso foi forçando a modificação das antigas relações servis (juramento de fidelidade). Por exemplo, começaram a surgir os contratos de arrendamento da terra entre camponeses e proprietários, também surgiram os contratos de pagamentos de salários para o trabalho dos camponeses.
Lentamente foi surgimento rotas de comércio por toda a Europa, merecendo destaque as cidades mais ricas, as rotas do sul que eram organizadas pelas cidades italianas de Gênova e Veneza e as rotas do norte que se desenvolviam na região de Flandres (atualmente Bélgica)
Com o rápido crescimento do comércio e do artesanato nos burgos, a concorrência entre mercadores e artesãos aumentou bastante. Para regulamentar e proteger as diversas atividades surgiu as chamadas Corporações. Cada uma dessas corporações reunia os membros de uma atividade, regulando-lhes a quantidade e a qualidade dos produtos, o regime de trabalho e o preço final. Procurava assim eliminar a concorrência desleal, assegurar trabalho para todas as oficinas de uma mesma cidade e impedindo que produtos similares de outras regiões entrassem no mercado local (Potecionismo). Em cada oficina havia apenas três categorias de artesãos: Mestres, Oficiais ou Companheiros e Aprendizes. Se observarmos bem, veremos que em breve os artesãos foram transformando-se em industriais (pois, o serviço de um foi sendo distribuídos para várias pessoas) 
2.2 - A Sociedade Feudal
A sociedade medieval era dividida em estamentos�. Os três principais grupos eram: nobreza, clero e servos.
Logicamente que havia outros grupos sociais, como já mencionamos anteriormente, mas estes em pequeno número, os comerciantes, na alta idade média, mas foi somente na baixa idade média que surgiu a burguesia, aquela que rompeu com a característica da sociedade apresentada acima.
A sociedade medieval apresentava ausência de ascensão social e quase inexistia mobilidade social. Como o clero e a nobreza comandavam a sociedade, era comum o clero criar justificativas religiosas para que os servos não contestassem a sociedade. Era uma sociedade estamental (modo de estar).
Na sociedade feudal cada grupo social detinha uma função. O clero cumpria a função da salvação da alma de todos, e a nobreza deveria proteger a todos, entretanto os servos deveriam trabalhar para sustentar a todos. Assim se justificava a exploração do servo e a necessidade dele seguir os desígnios da Igreja. 
O camponês é servil, a relação de trabalho é servil. Era comum o servo, para obter as terras dentro do feudo do senhor feudal ou nobre, jurar fidelidade a esse senhor. Essa cerimônia era baseada na relação de suserania e vassalagem realizada entre suserano e vassalo. Ao jurar fidelidade um ao outro, o senhor se comprometia a proteger o servo. Porém, o servo deveria dar em troca um conjunto de obrigações que passaria para a História como obrigações servis. A terra é o maior símbolo de riqueza e poder;
Relações sociais - verticais ou horizontais:
relações sociais de servidão entre o Senhor das terras e o Camponês (servo)- não possuidor de terras- o servo deve obrigações ao senhor feudal. É uma relação vertical;
relações jurídico-políticas de Vassalagem: é a relação entre dois nobres. É uma relação horizontal. Os dois senhores feudais juram fidelidade e trocam benefícios e homenagens recíprocas; 
Pirâmide social "de baixo p/ cima": Laboratores (servos), Belatores (Nobreza), Oratores (Clero)
Suserano: nobre que doa a terra;
Vassalo: nobre que recebe a terra para nela trabalhar;
Investidura: é um ato solene que através do qual o nobre feudal torna-se suserano ou vassalo.
2.3 - As Obrigações do Servo a seu Senhor
Cada feudo compreendia uma ou mais aldeias, as terras cultivadas pelos camponeses, a floresta e as pastagens comuns, a terra pertencente à igreja paroquial e a casa senhorial, que ficava melhor cultivável. A base do sistema feudal eram as relações servis de produção. Os servos viviam em extrema miséria, pois, além de estarem presos à terra por força de lei, estavam presos aos senhores, a quem deviam obrigações como:
a talha
a corvéia
a banalidades
A talha era a obrigação de o servo dar, a seu senhor, uma parte do que produzia. Essa parte, em geral, correspondia à metade.
A corvéia era a obrigação que o servo tinha de trabalhar de graça alguns dias por semana no manso senhorial, ou seja, no cultivo das terras reservadas ao senhor.
As banalidades eram os pagamentos que os servos faziam aos senhores pelo uso da destilaria, do forno, do moinho, do celeiro etc. 
Além, disso, uma parte da sua produção era destinada à Igreja. Tudo isso levava a um baixíssimo índice de produtividade, pois, além de as técnicas serem rudimentares, os servos não tinham a menor motivação para desenvolvê-las porque sabiam que, quanto mais produzissem, mais os senhores lhes sugariam.
Típico feudo
O fator que mais contribuiu para o declínio do sistema feudal foi o ressurgimento das cidades e do comércio. Com o ressurgimento das cidades, os camponeses passaram a vender mais produtos e, em troca, conseguir mais dinheiro. Com o dinheiro alguns puderam comprar a liberdade. Outros simplesmente fugiram para as cidades em busca de melhores condições de vida.
2,4 - As Características Políticas do Feudalismo
Poder Político descentralizado nas mãos do Rei e centralizado nas mãos do senhor Feudal > Característica Política;
Trabalho Servil: os servos trabalhavam em troca de proteção;
Estado monárquico feudal (base - relação de subsistência e vassalagem entre a nobreza e o Rei);
Caráter Ideológico;
Igreja Católica (formadora de idéias).
O que dizer da Igreja Católica e o Feudalismo 
Um dos motivos da igreja Católica, ter sido tão poderosa nesta época, era devido ao grande número de adeptos, além de ser dona de muitos feudos, seus bens vinha a maioria das vezes por doações deixadas por nobres em seus testamentos.A nobreza e a cúpula da igreja pertenciam a mesma classe, a dos senhores feudais.
O domínio da igreja não era só na vida religiosa das pessoas, mas também na cultural, os clérigos faziam parte dos poucos que sabiam ler, por causa disso tudo o que se dizia ou pensava devia ter a permissão da igreja. Caso contrário, a pessoa era considerada um herege, inimigo da fé cristã, quem fosse condenado com tal, tinha punições pesadas entre ela: a fogueira e a masmorra�.
A igreja tinha um papel político de importância, como ela andava de mãos dadas com os senhores feudais, ela podia difundir a idéia de conformidade da sua situação, principalmente em relação aos servos, e deste modo tentar controlar os camponeses revoltosos, logo, muitas revoltas camponesas foram consideradas heresias.
2,5 - O Modo de Produção no Período Feudal
Campos abertos: terras de uso comum. Nelas os servos podiam recolher madeira e soltar os animais. Nesses campos, que compreendiam bosques e pastos, havia uma posse coletiva da terra.
Reserva senhorial: terras que pertenciam exclusivamente ao senhor feudal. Tudo o que fosse produzido na reserva senhorial era de sua propriedade privada.
Manso servil ou tenência: terras utilizadas pelos servos, das quais eles retiravam seu próprio sustento e recursos para cumprir as obrigações feudais.
2.6 - A Relação de Trabalho dos servos no Feudalismo 
Todas elas foram para legitimar as obrigações servis.
1 - Corvéia: trabalhos gratuitos e obrigatórios realizados pelos servos durante alguns dias na semana nas terras do manso senhoril;
2 - Talha: taxa paga pelo servo ao senhor feudal que consistia em metade da produção obtida no manso servil;
3 - Banalidade: taxa paga pelo servo pelo uso de determinadas localidades do feudo;
4 - Capitação: taxa que o servo pagava ao senhor feudal por cada membro de sua família dentro do feudo;
5 - Dízimo: taxa paga à Igreja Católica pelo fato do servo respeitar a Igreja e ainda “comprar um terreno no céu”;
6 - Taxa de casamento: era paga pelo servo ao senhor feudal, quando aquele fosse se casar com uma mulher pertencente a outro feudo;
7 - Taxa de nascimento: taxa paga pelo servo, quando o seu filho nascesse;
8 - Taxa de justiça: é a taxa que o servo pagava ao senhor feudal para que se fizesse justiça dentro do feudo;
9 - Taxa da mão-morta: taxa que o servo pagava ao senhor feudal para ocupar heranças.
Haviam outras taxas que variavam de região para região. Assim, o servo vivia uma grande exploração que permitia o sustento do restante da população.
2.7 - O Poder Ideológico e Coercitivo� da Igreja
A Igreja tinha grande poder ideológico e coercitivo sobre as pessoas da época. Até hoje a Igreja possui grande influência cultural.
2.8 - As Principais causas da decadência do feudalismo 
Com o crescimento da população, verificado entre os séculos XI a XIV, que foi realmente muito grande. Os nobres aumentaram em número e tornaram-se mais exigentes com relação aos seus hábitos de consumo, com isso determinava a necessidade de aumentar suas rendas e para consegui-las, aumentou-se enormemente o grau de exploração da massa camponesa. Esta grande exploração produziu protestos dos servos, consubstanciados em numerosas revoltas e fugas para as cidades. A repressão a esses movimentos foi enorme, mas a nobreza e o alto clero tiveram razões para temer por sua sobrevivência. 
Durante o século XIII, ocorrera paralelamente, importantes alterações do quadro natural, que provocaram sérias conseqüências, uma expansão das áreas agrícolas, devido ao aproveitamento das áreas de pastagens e à derrubada de florestas, esse desmatamento provocou alterações climáticas e chuvas torrenciais e contínuas, enquanto o aproveitamento da área de pastagens levou a uma diminuição do adubo animal, o que se refletirá na baixa produtividade agrícola. Com as péssimas colheitas que se verificaram, ocorreu uma alta de preços dos produtos agrícolas. Os europeus passaram a conviver com a fome.
Dificuldades econômicas de toda ordem assolavam a Europa, que passou a conviver com outro problema: o esgotamento das fontes de minérios preciosos, necessários para a cunhagem de moedas, levando os reis a constantes desvalorizações da moeda. Isso só fazia agravar a crise. 
No plano social, ao lado dos problemas já levantados, importa verificar o crescimento de um novo grupo: a burguesia comercial, residente em cidades que tendiam para uma expansão cada vez maior, pois passaram a atrair os camponeses e os elementos “marginais” da sociedade feudal. 
Politicamente, a crise se traduz pelo fortalecimento da autoridade real, considerado necessário pela nobreza, temerosa do alcance das revoltas camponesas. A unificação política, ou surgimento dos Estados Nacionais, aparece desta forma, como uma solução política para a nobreza manter sua dominação. 
Finalmente, a crise se manifesta também no plano espiritual—religioso. Tantas desgraças afetaram profundamente as mentes dos homens europeus, traduzindo-se em novas necessidades espirituais (uma nova concepção do homem e do mundo) e religiosas (a igreja Católica não conseguia atingir tão facilmente os fiéis, necessitados de uma teologia mais dinâmica). 
Esta crise é o ponto de partida para se compreender o processo de transição do Feudalismo ao Capitalismo. Para melhor compreendê-la, selecionamos alguns documentos que permitirão um entendimento das questões provocadas pela Peste Negra�, no que se refere à demografia e às modificações na mentalidade da sociedade européia 
A palavra feudo significa propriedade. O sistema feudal era um sistema social fechado, fundamentado na propriedade da terra.
Os senhores dos coutos� (propriedades da Igreja) e das honras (propriedades da Nobreza) exerciam autoridade absoluta e só prestavam obediência ao rei.
Revisão geral para leitura (tirando dúvidas)
As Principais Características do Feudalismo
Economia de consumo, trocas naturais, sociedade estática e poder político descentralizado.
Fatores que contribuíram para a formação do Feudalismo
1 - Estruturais: Instituições econômicas, sociais, políticas e culturais dos romanos (Império Romano do Ocidente) e dos povos germânicos que se fixaram dentro do Império a partir do século V. 
2 - Conjunturais: Invasões (germânicos, muçulmanos e normandos). Os magiares (húngaros), de caráter nômade, também se movimentavam pela Europa acentuando a belicosidade�. O mesmo fizeram os eslavos, povos da Europa Oriental.
Como era a Vida feudal​
Economia fechada, sem mercados externos (natural pelo caráter das trocas in natura – sem acréscimos de mão de obra). A produção destinava-se ao consumo, visava a auto-suficiência.
Sociedade estamental. Não existia mudança de posição social. Eram apenas duas as posições: o senhor e o servo. 
O senhor tinha a posse dos servos, posse legal das terras, poder político decorrente que podia ser poder militar, jurídico ou religioso. 
O servo era o oposto do senhor. Era possuído por ele (senhor), pois lhe devia obrigações costumeiras, tinha a posse útil da terra e o direito à proteção pastoral. 
Economia
Ao senhor do feudo (a Igreja ou a Nobreza) era devido uma obrigação sob forma de produtos e serviços ou moedas. Os bens eram possuídos privativamente, mas a terra, um bem econômico fundamental, podia ser possuída pelo senhor e pelo servo ao mesmo tempo, ou por todos os membros da comunidade feudal.
O regime de trabalho era servil, pois o servo devia ao senhor a corvéia (trabalho na reserva senhorial, ou ainda na pesca, na caça ou trabalhos artesanais), a talha (pago individualmente por cada servo, era uma parte da produção obtida em sua faixa de terra (tenência), as banalidades (presentes, dízimos pagos pelo uso do lagar, forno ou moinho), a mão-morta (imposto pago pelo servo que tomava posse da tenência em substituição ao seu pai falecido) e o vintém (pago para sustentar a igreja paroquial, mas que acabava indo para o senhor feudal.
Obs.: Essas obrigações eramfrutos de costume e variavam conforme a região da Europa.
As Instituições políticas no Feudalismo
O suserano (nobre, proprietário que concedia feudos a seus protegidos através da cerimônia de investidura) dava proteção militar e prestava assistência judiciária aos seus vassalos; recebia de volta o feudo, caso o vassalo morresse sem deixar herdeiros; proibia casamentos entre seus vassalos e pessoas que não lhe fossem fiéis. O vassalo (nobre que recebia feudos do suserano, prometendo-lhe fidelidade), por sua vez tinha que prestar serviço militar durante certo tempo, a seu suserano; libertava o suserano, caso ele fosse caísse prisioneiro; comparecia ao tribunal presidido pelo suserano toda vez que era convocado.
Algumas Curiosidades deste Período
Os nobres gastavam seus rendimentos em jóias e banquetes e ocupavam seu tempo em treinamentos no uso de armas (espada, lança e escudo), em torneios, duelos e caçadas, utilizando cães e cavalos amestrados, símbolo de pompa e riqueza. A necessidade de melhores equipamentos, armaduras e cotas de malhas contribuíram para o progresso da metalurgia.
Pontos Importantes da Revisão
O Sistema Feudal
1. Introdução 
A Alta Idade Média é o período inicial da Idade Média. Começa no século V e termina no século XV. Caracteriza-se pela formação do sistema feudal - feudalismo (do século V ao IX) e por sua cristalização (do século IX ao XI), isto é, quando o feudalismo esteve plenamente estruturado. Após o século XI, o sistema feudal entrou em crise e foi substituído pelo sistema capitalista, num processo muito lento que só se completaria no século XV até o século XVIII. 
2. Origens do sistema feudal 
O feudalismo é um sistema caracterizado pela economia de consumo, trocas naturais, sociedade estática e poder político descentralizado. Os fatores que explicam o surgimento desse sistema na Europa podem ser divididos em estruturais e conjunturais.
Os fatores estruturais estão representados pelas instituições econômicas, sociais, políticas e culturais dos romanos (Império Romano do Ocidente) e dos povos germânicos que se fixaram dentro do Império a partir do século V. 
Os principais elementos romanos que contribuíram para a formação do feudalismo foram: a economia agrária e auto-suficiente das vilas romanas; as relações de meação (sendo o colonato a mais importante) existentes no campo durante o Baixo Império; o distanciamento social entre os proprietários e os trabalhadores (clientes, colonos e precários); e o poder político-militar localizado. Todos estes aspectos eram resultado da crise econômica e política do Império Romano. 
Os elementos germânicos que entraram na formação do feudalismo foram: a economia agropastoril; o regime de trocas naturais; a sociedade, em que os guerreiros se submetiam à autoridade de um chefe militar; e o individualismo político. Entre os germanos não existia a noção de Estado. Cada chefe possuía autonomia, de tal forma que só em época de guerra ou perigo os chefes se submetiam à autoridade suprema de um “rei”. 
Assim sendo, surgiu entre os germanos uma instituição chamada Comitatus. Nessa organização (na verdade um bando armado), as relações entre comandante e comandados eram diretas e recíprocas, baseadas em juramentos de lealdade e fidelidade. Tais características iriam ser mantidas nas relações políticas do feudalismo. 
O processo de integração das estruturas românicas e germânicas foi lento, cobrindo todo o período que vai do século V ao IX. Isto porque a forma de integração dependia dos fatores conjunturais, relacionados com as invasões que assolaram a Europa do século V ao IX, semeando a insegurança, dificultando as comunicações, enfraquecendo o poder político e atomizando à sociedade, de forma a ter no feudo sua unidade fundamental. 
As invasões germânicas (séculos V e VI) visaram inicialmente aos centros urbanos do Império, a fim de saqueá-los; mas depois tenderam a se fixar nas regiões favoráveis às atividades agrárias. Com isso, completaram o êxodo urbano já iniciado no Baixo Império Romano e cortaram as comunicações entre as unidades rurais e urbanas, enfraquecendo as segundas e forçando as primeiras à auto-suficiência. O poder político, incapaz de conter as invasões, viu-se na contingência de transferir as funções de defesa para os proprietários rurais. Dessa forma, completava-se a descentralização do poder, o qual iria se tornar localizado. 
Em seguida às invasões germânicas, vieram os muçulmanos (século VIII). Os árabes tinham se unificado politicamente depois da união religiosa conseguida por Maomé, organizador do islamismo. A religião islâmica, sintetizada no Corão� e na Suna�, pregava a guerra santa aos infiéis, justificava o direito de saquear os infiéis (botim) porque não aceitavam o Deus criador dos bens materiais. A elevada pressão demográfica na Arábia (havia poligamia), mais os fatores religiosos e econômicos, explicam a fulminante conquista empreendida pelos muçulmanos. Conquistaram o Oriente Médio, o Norte da África, a Península Ibérica, o Sul da França e as ilhas do Mar Tirreno (Córsega, Sardenha e Sicília). Mas a pirataria muçulmana impedia a navegação de barcos cristãos pelo Mediterrâneo. Dessa forma, a Europa ficou isolada do Oriente e quase desapareceu o comércio, as cidades e a própria economia de mercado, com suas trocas monetárias. Completa-se então, na Europa Meridional, o processo de ruralização econômica. 
Quando os muçulmanos completaram sua tomada de posição no sudoeste da Europa, o Ocidente europeu começava a sofrer os ataques dos normandos (vikings), procedentes da Noruega e da Dinamarca. Os normandos eram ligados às atividades marítimas, pescadores e piratas que, por volta do século IX, aterrorizaram as Ilhas Britânicas e a França com suas incursões. Não se restringindo aos ataques no litoral, subiam o curso dos rios e saqueavam as populações ribeirinhas, pilhando vilas, mosteiros e igrejas, roubando o gado e escravizando os cristãos. Dado esse duplo caráter, marítimo e fluvial, de suas operações, não havia na Europa força militar adequada para contê-los. As áreas mais atingidas foram a Inglaterra e o noroeste da França, aonde uma parte dos normandos veio a se fixar, dando origem à Normandia. 
Na Europa Oriental, ou, mais precisamente, em terras da Rússia e Ucrânia atuais, os normandos da Suécia (conhecidos como varegues) realizaram uma penetração de caráter principalmente comercial, pois as populações locais eram demasiado atrasadas para oferecer boas perspectivas de pilhagem. Seguindo o curso dos rios que desembocam no Mar Negro, os varegues acabaram estabelecendo contatos mercantis com Constantinopla, onde trocavam trigo e produtos da Europa Setentrional por artigos manufaturados. 
Ainda no século IX, os magiares (húngaros), procedentes da Ásia Central, invadiram a Europa, aumentando a insegurança geral. A situação agravou-se com a chegada dos eslavos, vindos das estepes russas. 
No século IX, portanto, definiu-se na Europa um quadro de instabilidade generalizada, o qual criaria as condições necessárias para a consolidação das estruturas feudais. 
3. O modo de produção do sistema feudal 
A economia feudal 
A economia feudal era fechada, sem mercados externos; era também natural, pois as trocas comerciais se realizavam in natura. A produção do feudo destinava-se ao consumo local, visando à auto-suficiência (economia de subsistência). 
O elemento essencial e definidor do feudalismo eram as obrigações consuetudinárias (costumeiras) devidas pelos servos a seus senhores, tanto em produtos como em serviços. Os bens eram possuídos privativamente, mas a terra — um bem econômico fundamental — poderia ser usufruída por todos (posse coletiva), quando se tratasse de pastagens. 
O regime de trabalho era servil, pois os servos constituíam a mão-de-obra típica do sistema. Eles estavam presos à terra que cultivavam, sendo-lhes proibido abandoná-la. Mas, embora privados de liberdade, não poderiam ser considerados escravos, pois tinham alguns direitose recebiam proteção de seus senhores. Em troca, deviam-lhes diversas obrigações, a saber: 
A corvéia era o trabalho agrícola realizado pelo servo na reserva do senhor (também denominada manso senhorial); mas podia igualmente compreender serviços como a limpeza dos fossos e dos caminhos, a conservação das instalações do castelo ou ainda atividades artesanais. A talha correspondia à entrega da metade do que o servo produzia em sua gleba (também chamada de manso servil), a qual era constituída de faixas cultivadas descontínuas, intercaladas com as glebas de outros servos. As banalidades também eram obrigações em produtos, pagas pelo uso de certas instalações pertencentes ao senhor (lagar, forno e moinho). Havia ainda a mão-morta, paga pelo servo quando herdava a gleba devido ao falecimento de seu pai. Finalmente, o vintém, correspondente a um vigésimo da produção do manso servil, destinava-se à manutenção da igreja paroquial. Deve-se notar que todas essas obrigações eram frutos dos costumes locais (obrigações consuetudinárias), e por isso variavam de uma região para outra. 
A técnica adotada na agricultura era rudimentar. Somente as terras mais férteis eram ocupadas. Adotava-se o sistema de três campos (divisão da gleba em três partes, destinadas sucessivamente à forragem, ao plantio de cereais e ao pousio), fazendo-se rotação trienal para evitar o esgotamento do solo. 
A sociedade feudal 
A sociedade feudal pode ser definida como estamental, devido a sua imobilidade e ao fato de a posição do indivíduo ser determinada pelo nascimento. Os estamentos básicos eram dois: senhores e servos. O senhor se caracterizava pela posse legal da terra, pelo poder sobre os servos e pela conseqüente autoridade política local; esta última incluía o poder militar, jurídico e religioso (no caso dos senhores eclesiásticos). O servo correspondia ao pólo social oposto. Era preso à terra e inteiramente subordinado ao senhor (na medida em que lhe devia obrigações costumeiras); mas tinha a posse útil da terra e o direito à proteção senhorial. 
Afora essas situações sociais básicas, poderia mencionar algumas outras. Os escravos eram em número reduzido e viriam a desaparecer, fosse porque se destinavam aos afazeres domésticos (função pouco relevante em uma população rarefeita), fosse por causa da proibição eclesiástica de se escravizarem cristãos. Os vilões eram homens livres que trabalhavam no feudo mediante arrendamento, mas conservavam o direito de ir embora, se o desejassem descendiam de pequenos proprietários que haviam entregado sua terra ao senhor, em troca de proteção. Devem ainda ser citados os ministeriais, agentes do senhor feudal encangados de manter a ordem no feudo e de cobrar as obrigações devidas pelos servos; em certas regiões, eles eram chamados de bailios; em outras, de senescais�. 
Os ministeriais representavam uma situação de permeabilidade social porque podiam ingressar na pequena nobreza, se o senhor lhes concedesse em benefício uma determinada área, como reconhecimento pelos serviços prestados. 
As instituições políticas 
Politicamente, o sistema feudal embasava-se nas relações de suserania e vassalagem. Suserano era o rei ou nobre que, em troca de determinados compromissos, concedia a outro nobre um benefício — geralmente um feudo, correspondente a uma extensão de terra com tamanho variável. 
Foi a insegurança do período que levou reis e nobres a estabelecer relações diretas entre si, visando à proteção recíproca. Como os nobres pertenciam a unia aristocracia guerreira de ascendência germânica, era importante poder contar com seu apoio. 
Os grandes senhores procuravam ligar-se a outros senhores menores, com o objetivo de contar com o maior apoio militar possível. Para isso, existia a subenfeudação, em que um senhor concedia parte de seu feudo em beneficio a outro nobre. Isso fazia com que os senhores feudais pudessem ser simultaneamente, vassalos de um senhor e suseranos de outros. 
Oficialmente, a autoridade política máxima era o rei, por ser o suserano dos grandes senhores e não prestar vassalagem a ninguém. Na realidade, porém, o poder se fragmentava entre os senhores feudais, caracterizando uma estrutura política descentralizada ou, mais corretamente, localizada. 
Os senhores feudais não constituíam um grupo social uniforme. Devido à existência da subenfeudação, formavam ima hierarquia que começava no rei e se ramificava até alcançar o mais modesto dos cavaleiros. É, portanto possível classificá-los em alta nobreza (aqueles que prestavam vassalagem diretamente ao rei) e pequena nobreza (aqueles que eram vassalos de outros senhores). Tais relações se estabeleciam pela cerimônia de investidura, a qual compreendia três partes: a homenagem, em que o vassalo reconhecia a superioridade do suserano; a investidura propriamente dita, quando o suserano concedia ao vassalo a posse do feudo; e o juramento de fidelidade prestado pelo vassalo, o qual recebia, em contrapartida, a promessa de proteção por parte do suserano. 
Eram obrigações do vassalo para com seu suserano: prestar auxílio militar, se convocado; hospedar o suserano e sua comitiva, quando de passagem pelo feudo; participar do tribunal dos Iguais, presidido pelo suserano, para julgar um senhor acusado de algum crime; e ainda contribuir para o dote das filhas e para a cerimônia em que os filhos do suserano feriam armados cavaleiros. Reciprocamente, o suserano tinha obrigações para com seu vassalo: proporcionar-lhe proteção militar; garanti-lo na posse do feudo dado em beneficio; se o vassalo fosse acusado de um crime, assegurar-lhe o direito de ser julgado por um tribunal de senhores; exercer a tutoria dos herdeiros menores e proteger a viúva do vassalo falecido.
4. As instituições religiosas do sistema feudal
Durante grande parte da Idade Média, a Igreja constituiu a única força realmente organizada dentro da Europa. Tendo plena consciência de sua importância, ela exerceu uma extraordinária influência ao longo do período. Era a Igreja, por exemplo, que teorizava sobre as relações sociais do feudalismo, calcadas em uma rígida hierarquia, atribuindo-as à determinação divina. Segundo essa interpretação, Deus dividiu a sociedade feudal em três categorias: os que lutam (a nobreza senhorial), o que rezam (o clero) e os que trabalham (servos e vilões). 
A partir do século IX, o clero foi expressamente proibido de praticar a usura; para os leigos, a proibição veio no século XI. Usura, especificamente, era o comércio do dinheiro, ou seja, a cobrança de juros. Mas a Igreja também condenava o lucro como pecaminoso, defendendo a prática do justo preço (o comerciante deveria cobrar por uma mercadoria apenas o custo da mesma, acrescido do necessário para sua própria manutenção). 
A posição da Igreja ia ao encontro das necessidades sociais do feudalismo, posto que, numa economia de subsistência, com freqüentes problemas de escassez, preços altos seriam considerados imorais. Além disso, a economia feudal era quase desmonetizada. Assim, se alguém necessitasse urgentemente de dinheiro, seria por um motivo multo grave; portanto, cometeria um grande pecado quem quisesse aproveitar-se da aflição de alguém para cobrar juros. 
Esses ideais foram acatados durante o período de cristalização do feudalismo, entre os séculos IX e XI. Entretanto, tão logo começou o Renascimento Comercial e Urbano (séculos Xll-XIV), os lucros e a cobrança de juros voltaram a ser praticados. Não obstante, a postura oficial da Igreja continuou a ser a defesa do ‘justo preço” e a condenação da usura. 
O clero monopolizava a cultura e o ensino do sistema feudal. Os nobres recebiam quase sempre uma educação apenas elementar, ministrada nas escolas paroquiais ou nos mosteiros. A base do conhecimento estava na Bíblia (principalmente no Novo Testamento) e os livros pagãos eram proibidos. Depois do século XI, as universidades começaram a organizar um currículo básico, denominado Escola de Artes, que compreendia dois graus: o Trivium (Gramática, Dialéticae Retórica) e o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Vinham depois os estudos superiores, na maioria das vezes dedicadas à Teologia (baseada no pensamento de Santo Agostinho). Mas houve universidades que implantaram também cursos de Leis ou de Medicina.
Sociedade Feudal
A sociedade feudal era composta por dois estamentos (dois grupos sociais com status fixo): os senhores feudais e os servos.
Os servos constituídos pela maior parte da população camponesa – presos a terra e sofrendo intensa exploração. Eram obrigados a prestar serviços ao senhor e a pagar-lhe diversos tributos em troca da permissão de uso da terra e de proteção militar.
Embora a vida dos camponeses fosse miserável, a palavra escravo é imprópria.
Veja agora como o poeta franco Benoît de Saint-Maure, um dos poucos literatos medievais a preocupar-se com o destino das classes servis, descreve a triste situação desse grupo: “São eles que fazem viver os outros, os quais alimentam e sustentam; eles próprios sofrem os maiores tormentos: neves, chuvas e tempestades”.
Miseráveis e famintos cavoucam a terra com suas mãos. Levam uma vida rude, sofrendo e mendigando. E sem essa raça de homens, não imagino verdadeiramente como os outros poderiam viver.
A seguir as principais obrigações servis :
Corvéia : trabalho gratuito nas terras do senhor em alguns dias da semana.
Talha : porcentagem da produção das tenências.
Banalidade : tributo cobrado pelo uso de instrumentos ou bens do senhor, como o moinho, o forno, o celeiro, as pontes.
Capitação: imposto pago por cada membro da família servil (por cabeça)
Tostão de Pedro: imposto pago à igreja, utilizado para a manutenção da capela local.
Economia e propriedade
O modo de produção feudal próprio do Ocidente europeu, tinha por base a economia agrária, amonetária, não-comercial, auto-suficiente. A propriedade feudal, pertencia a uma camada privilegiada, composta pelos senhores feudais, altos dignitários da Igreja (o clero) e longínquos descendentes dos chefes tribais germânicos.
A principal unidade econômica de produção era o feudo, que se dividia em três partes distintas: a propriedade privada do senhor chamada, manso senhorial ou domínio, no interior da qual se eregia um castelo fortificado; o manso servil, que correspondia à porção de terras arrendadas aos camponeses e era dividido em lotes denominados tenências; e ainda o manso comunal, constituído por terras coletivas – pastos e bosques - , usadas tanto pelo senhor quanto pelos servos.
Devido ao caráter expropriador do sistema feudal o servo não se sentia estimulado a aumentar a produção com inovações tecnológicas – porém não para si, mas para o senhor.
Por isso, o desenvolvimento técnico foi irrelevante, limitando a produtividade.
A principal técnica adotada foi a agricultura dos três campos que evitava o esgotamento do solo, mantendo a fertilidade da terra.
A sociedade feudal foi regida pela terra e por uma economia natural, na qual nem o trabalho nem seus produtos eram bens. O produtor imediato, o Camponês, estava unido ao solo por uma específica relação social, cultivavam e ocupavam a terra, mas não eram seus proprietários. 
Quando o Feudalismo consolidou-se como uma forma de sociedade, essa força foi legitimada pela instituição da Servidão, que tem como definição legal: Gleba ou ligados a terra, neste contexto os servos juridicamente tinham mobilidade restrita. As propriedades agrícolas eram controladas privadamente por os senhores feudais, que extraiam um excedente de produção dos camponeses através de uma relação político-legal de coação.
Esta coação não-econômica significa que não há negociações de mercado entre os senhores feudais e os camponeses que são obrigados a pagar renda por causa da força superior exercida pelo senhor da terra. A relação entre estes toma a forma de serviços que são pagos em espécie ou obrigações exercidas tanto na terra do senhor como nas faixas pequenas de arrendamentos cultivadas pelo próprio camponês 
Papel importante no estudo da Sociedade Feudal é o da Igreja que na Antiguidade estava sempre ligada ao Estado Imperial, e a ela subordinada, agora se tornava uma instituição eminentemente autônoma dentro desta sociedade. Seu domínio sobre as crenças e valores era imenso, mas sua organização eclesiástica era diferente do de qualquer nobreza ou monarquia secular. No feudalismo ocidental a Igreja podia defender seus próprios interesses particulares, se necessário, a partir de um reduto territorial e pela força armada. Bispos e Abades eram eles próprios grandes senhores feudais.
Definindo a Sociedade Feudal em termos mais amplos do que simplesmente o econômico, as dimensões políticas e ideológicas não devem ser negligenciadas. O poder em geral era exercido através da jurisdição, que era política, a ponto de se poder dizer que os meios pelos quais os senhores arrancavam o excedente dos camponeses serem mais políticos que econômico.
Segundo essa visão orgânica da sociedade, a partir de uma divisão tríplice da sociedade entre Clero, a nobreza e o camponês, o que refletia a visão ideológica de uma sociedade de ordem criada divinamente e dividida entro os que rezam (o clero), os que lutam (a nobreza) e os que trabalham (os camponeses), doutrina instituída pelo clero e caso se afastasse dela seria um crime não só contra a ordem social, mas também contra Deus. 
Esta doutrina social foi aceita e vigente até o século XVII, quando foi destruída pelas várias doutrinas do individualismo burguês produzidas naquele século. É bem verdade que outras classes sociais tiveram que ser acomodadas além das três ordens originais com o desenvolvimento da urbanização, mas a mensagem de harmonia e de imobilidade sociais continuou a mesma. 
Texto escrito pela Professora Patrícia Barboza da Silva licenciada pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Referencia Bibliográficas:
BOTTOMORE, Tom (ed). Verbete – Sociedade Feudal in: Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro; Zaar, 1998.
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo, Brasiliense, 1994 4ª ed.
Autoria: Patrícia Barboza da Silva e Claudia Machado da Silva
Feudalismo - Decadência
A Idade Média, na Europa, foi caracterizada pelo aparecimentos, apogeu e decadência de um sistema econômico, político e social denominado feudalismo. Este sistema começou a se estruturar na Europa ao final do Império Romano do Ocidente (século V), atingiu seu apogeu no século X e praticamente desapareceu ao final do século XV.
O processo de decadência do sistema feudal tem origem nas próprias contradições inerentes a qualquer modo de produção. No século XI, com a necessidade de aumentar a produção de alimentos, os senhores feudais aumentaram a exploração sobre os servos, que iniciaram uma série de revoltas e fugas, agravando a crise já existente.
As cruzadas entre os séculos XI e XIII representaram um outro revés para o feudalismo, já que Jerusalém não foi reconquistada pelos cristãos e o cristianismo não foi reunificado, com as igrejas Católica Romana e Ortodoxa permanecendo separadas. A reabertura da navegação no Mediterrâneo entre Oriente e Ocidente (principal desdobramento das Cruzadas), resultou no crescimento de relações econômicas mais dinâmicas, representadas pelo Renascimento Comercial e Urbano.
O trinômio "guerra, peste e fome", que marcou o século XIV, afetou tanto o feudalismo decadente, como o capitalismo nascente. A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre França e Inglaterra devastou várias regiões da Europa, enquanto que a "peste negra" eliminou cerca de 1/3 da população européia. A destruição dos campos, devastando plantações e rebanhos, trouxe a fome e a morte.
Nesse contexto de transição do feudalismo para o capitalismo (passagem da Idade Média para Moderna), além do desenvolvimento do comércio monetário, notamos transformações sociais, com a projeção da burguesia, políticas com a formação das monarquias nacionais, culturais como antropocentrismo e racionalismo renascentistas, e até religiosas com a Reforma Protestante e a Contra Reforma. Nota-se ainda, o início do processo de expansão ultramarina, que abrirá os horizontes comerciais para os Estados europeus fortalecendo tanto a burguesia como os monarcas absolutistas. 
Transformações na Sociedade Feudal 
Muitas vezes as mudanças acontecem de forma que nem notamos em especial na sociedade, e na maioria dos casos não notamos as forças destas mudanças. Foi o que aconteceu com a sociedade feudal, que aos poucos foram surgindo pequenas novidades na estrutura de sua economia. Mas as pessoas que viveram estas novidades não imaginavam que estas acabariam contribuindo para as transformações econômicas que levariam séculos para serem notadas.
O feudalismo europeu apresenta, portanto, fases bem diversas entre o século IX, quando os pequenos agricultores são obrigados a se proteger dos inimigos junto aos castelos, e o século XIII, quando o mundo feudal conhece seu apogeu, para declinar a seguir. A passagem do século X ao XI foi um momento de mudanças na Europa Feudal. Com o fim das invasões bárbaras, o mundo medieval conheceu um período de paz, segurança e desenvolvimento.
O primeiro dado importante refletindo esse novo momento foi o aumento da população. O crescimento demográfico foi ocasionado pelo fim das guerras contra os bárbaros e pelo recuo das epidemias, gerando uma queda da mortalidade. Além disso, ocorreu uma suavização do clima, proporcionando mais terras férteis e colheitas abundantes. Veja na tabela abaixo como a população da Europa ocidental foi crescendo significativamente no período:
Crescimento Populacional da europa Ocidental 
	ANO
	POPULAÇÃO
	1050
	46 milhões
	1150 
	50 milhões
	1200
	61 milhões
	1300
	73 milhões
Esse crescimento implicou maior demanda de alimentos estimulando o aperfeiçoamento das técnicas agrícolas para aumentar a produção. Assim, o arado de madeira foi substituído pela charrua (arado de ferro), facilitando o trabalho de aragem; atrelagem dos animais foi aperfeiçoada, permitindo o uso do cavalo na tração; os animais passaram a ser ferrados; os moinhos foram melhorados; e o sistema trienal se estendeu por toda a Europa, proporcionando melhor qualidade e maior quantidade de produtos agrícolas. O aperfeiçoamento do artesanato de roupas e objetos pessoais, armas e armaduras asseguravam maior conforto e capacidade militar.
Havia séculos que os camponeses seguiam a mesma rotina de plantação. No começo dos trabalhos, os servos semeavam uma extensão de terra do feudo. A planta crescia e um belo dia era colhido. E assim fazia ano a pós ano, geração após geração. Era a tradição que era muito respeitada na Idade Média, como já viemos discutindo. O problema era que, aos poucos, a terra ia se esgotando, perdendo sua fertilidade. A semente plantada se tornava uma planta cada vez mais fraca e por conseqüência produzindo sementes para o próximo plantio cada vez menores.
Até o século IX, os camponeses dividiam a terra a ser plantada em duas partes. Enquanto plantavam numa das partes, a outra descansava para recuperar a fertilidade. Com esse sistema, metade das terras cultiváveis ficava sem uso. Com o novo sistema, de três campos, plantava-se em dois campos, um, com trigo; outro, com cevada; e o terceiro, as forragens para os animais. As forragens são espécies vegetais que têm a capacidade de recuperar a fertilidade do solo para o plantio de cereais no ano seguinte. Com isso a área plantada e, conseqüentemente, as produções aumentaram. Haveria a colheita de dois cereais por ano em vez de apenas um.
O principal cereal consumido na Europa era o trigo. Mas, para ser consumido, ele precisa ser transformado em farinha. Isso dava muito trabalho para os camponeses, pois era feito manualmente. O uso de moinhos movidos a água diminuiu o esforço para se obter farinha. Lá pelo século XIII foi introduzido o moinho movido a vento. A máquina e a energia dos ventos e da água começavam a substituir a energia humana no trabalho. Os camponeses tiveram, assim, mais tempo e energia para se dedicar a outras tarefas, que não as essencialmente agrícolas.
Os efeitos da maior produção de alimentos logo se fizeram sentir. Comendo melhor, as pessoas passaram a viver mais. As doenças já não as pegariam com tanta facilidade. Com o aumento da população, muitas áreas não aproveitadas para a agricultura passaram a ser plantadas. Dessa maneira, a produção crescia, não somente por causa das técnicas agrícolas, mas também pelo aumento da área plantada.
Com tudo isso, muitos feudos começaram a produzir mais que o necessário. Com estes excedentes, era possível vender e com o dinheiro, comprar outras coisas que vinham das regiões vizinhas. 
Com isso começam a surgir às feiras medievais, estas eram os locais onde os comerciantes faziam seus negócios. Algumas destas feiras se tornaram tão importantes que deram origem às cidades. Nas cidades viviam a maioria dos artesãos e comerciantes. A cidade e o campo foram aprimorando suas atividades econômicas. Ficando da seguinte forma: o campo aprimorando sua agricultura e criação de animais, já as cidades se concentrando no artesanato e no comércio. E os nobres ficaram com a parte que era a força motriz da época: consumir, principalmente as mercadorias vendidas pelos comerciantes e artesãos. 
No entanto, esse inegável desenvolvimento técnico foi limitado, não atendendo ao crescimento da população e, portanto, do consumo. Inicialmente novas terras foram ocupadas e desbravadas. Além disso, ocorreu um fenômeno histórico novo para a Idade Média, o êxodo rural, ou seja, parcelas consideráveis das populações rurais dirigiram-se para as cidades.
É importante notarmos que muitas das invenções tecnológicas avançadas para a época, eram de autoria de pessoas simples do povo, servos e artesãos, a maioria analfabeta. Do que podemos concluir que a inteligência e a criatividade não são qualidades exclusivas de pessoas que estudaram muito ou que são ricas.
Texto escrito pela Professora Patrícia Barboza da Silva licenciada pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Referência Bibliográfica
FERREIRA, José Roberto Martins, História. São Paulo: FTD; 1997.
MORAES, José Geraldo. Caminho das Civilizações. São Paulo: Atual. 1994.
Transição do Feudalismo ao Capitalismo
Os primeiros indícios do pré-capitalismo começaram a despontar já no século XII. O capitalismo é um sistema baseado nas relações de trabalho assalariadas, no espírito de lucro, na função reprodutiva do capital, na busca de uma organização racional para os negócios, na produção voltada ara o mercado e na economia monetária. 
Os primórdios do pré-capitalismo estão ligados à crise o sistema feudal, provocada pelo crescimento demográfico a Europa e pela conseqüente inadequação da produção ao consumo. A nova situação econômica e social que se criou deu origem ao Renascimento Comercial e Urbano. E é claro que este acelerou a decadência do feudalismo, na medida em que se tornou um importante elemento do capitalismo nascente. 
Concomitantemente, a marginalização social resultante ia crise feudal (pessoas que se viram obrigadas a sair dos feudos, por necessidade ou porque foram expulsas) proporcionou os contingentes necessários à expansão da Europa cristã: Guerra de Reconquista contra os mouros, na Península Ibérica; Cruzadas, no Oriente Próximo; e avanço alemão no litoral sul do Mar Báltico, tendo como ponta-de-lança a ordem religiosa e militar dos Cavaleiros Teutônicos�. 
A convivência de dois sistemas acarretou problemas, principalmente se considerarmos o dinamismo de um e a estagnação do outro. Tal contradição produziu as crises de retração (século XIV) e de desenvolvimento (século XV) do comércio europeu, cujas raízes se encontram no choque entre feudalismo e capitalismo e em fatores conjunturais, como as secas e a Peste Negra. 
A crise do século XIV provocou uma retração econômica, devido ao encolhimento dos mercadoseuropeus. Já a crise do século XV teve fatores diametralmente opostos e levaria à expansão do comércio, graças aos Grandes Descobrimentos. 
Com o fim da Idade Média e a Expansão Marítima dos Tempos Modernos, o comércio adquiriu dimensão mundial e o capitalismo entrou em sua primeira etapa real: o capitalismo comercial ou mercantil, voltado para a acumulação de capitais no setor da circulação de mercadorias. Ora, como existe um consenso teórico de que o sistema capitalista deve apresentar maior lucratividade no setor da produção, o capitalismo comercial é considerado apenas uma fase de acumulação primitiva de capitais. Dentro desse enfoque, o verdadeiro capitalismo somente se consolidaria a partir do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial.
3. - AS PRIMEIRAS TEORIAS DE COMÉRCIO INTERNACIONAL: O MERCANTILISMO
3.1 - Introdução
O período compreendido entre os séculos XVI e a metade do século XVIII (aproximadamente entre os anos 1500 a 1750) é conhecido nos livros de história como sendo da “Revolução Comercial”. Foram anos fundamentais para o estabelecimento de uma economia mundial e para a consolidação de uma nova forma de organização política: o estado nacional.
Do ponto de vista do comércio internacional, foi durante esse período que se estabeleceram as bases conceituais de todas as futuras teorias de comércio exterior, que foram e são praticadas até os dias atuais. Além disso, as teorias e práticas econômicas, que no seu conjunto denominamos hoje de mercantilistas, contribuíram para a organização e a consolidação do Estado nacional, como o principal agente econômico no plano mundial.
O estudo do mercantilismo, e conseqüentemente da teoria de comércio exterior que expressa, pode ser feito tendo como base qualquer dos países que o praticaram, pois em essência seus fundamentos são os mesmos. No nosso caso, privilegiaremos ao longo deste trabalho, exemplos relacionados com Portugal e a dominação colonial portuguesa no Brasil que fornece ótimas referências que facilitam a compreensão da política comercial seguida por diferentes nações no período. 
É importante destacar que quando nos referirmos ao mercantilismo, estaremos tratando de um conjunto de práticas e idéias adotadas pelos Estados absolutistas, ao longo dos séculos XVI e XVIII. Quando agrupamos esse conjunto de práticas e idéias nos dias atuais, é que constituem a primeira teoria de comércio internacional de que se tem notícia. Este é um aspecto importante a ser assinalado, pois ao longo de todos os séculos de predomínio do mercantilismo, não surgiu nenhuma teoria mais ou menos articulada elaborada por nenhum pensador, e que poderia ter servido de guia para os governantes da época. Houve isto sim, em cada país onde essas práticas e idéias foram adotadas, indivíduos que elaboraram propostas teóricas e que no seu conjunto ao as reunirmos as caracterizamos como um corpo doutrinário único. Logo, para as pessoas da época, nem a palavra mercantilismo foi utilizada, nem este se constituía numa teoria articulada de desenvolvimento nacional.
3.2 - A construção do sistema econômico mundial
	 A integração de diferentes economias numa só economia-mundo sob a égide do capitalismo, teve seu início na Europa com o desenvolvimento e expansão de práticas comerciais que em linhas gerais podemos denominá-las capitalistas - a partir do século XI . O embrião do futuro sistema capitalista que se consolida após o século XVIII, pode ser encontrado deste modo no período que vai do século XI ao século XIV. A partir deste último século com as grandes navegações, a abertura de uma rota comercial pelo Atlântico Sul rumo ao Oriente, há um crescente desenvolvimento das trocas comerciais levando ao fortalecimento da burguesia européia. Esse fortalecimento se dá com o aumento substancial de sua capacidade de acumulação propiciada pela expansão dos mercados com a descoberta da América, a exploração da África e dos países do Oriente. Esse processo de acumulação se constituiu em grande medida na exploração das minas de ouro e prata das Américas, na escravização do negro africano e na prática predatória das companhias de exploração das grandes potencias coloniais em todo o mundo. 
	A formação dessa economia-mundo, a partir do desenvolvimento de uma economia capitalista européia apresenta vários aspectos que podem ser analisados quando se constata essa realidade de vivermos a tempos em um mundo integrado economicamente, onde cada parte do planeta cumpre uma papel econômico que pode ser fundamental ou periférico. 
3.2.1. A importância da rota do Atlântico
	A conquista do Atlântico correspondia às necessidades da época, por isso foram tão importantes e revolucionárias as suas conseqüências marcando o período com a denominação de revolução comercial. O Atlântico transformou-se na mola propulsora do desenvolvimento capitalista, na fonte principal de acumulação de riqueza. E, com a integração do Atlântico no âmbito das relações internacionais, foram se consolidando as nações absolutistas, desenvolvendo-se novas relações entre as comunidades, consolidando-se no espaço europeu o sentimento de nacionalidade, que seria o embrião de formação dos modernos estados nacionais.
	Com o estabelecimento das rotas atlânticas do ouro africano e das especiarias asiáticas, o capitalismo italiano entrou em colapso. Uma nova camada de capitalistas emergiu então em Flandres, na Inglaterra, na Alemanha do Sul, na França, na Espanha e em Portugal dando o golpe final na estrutura econômica sustentada pelas cidades italianas que entravavam o desenvolvimento do capitalismo moderno. A associação de capitais flamengos, ingleses e alemães com a expansão portuguesa pode ser justificada por esta necessidade de crescimento independente do monopólio mediterrâneo.
	O fato de Portugal passar a tratar diretamente com os produtores de mercadorias eliminando o intermediário muçulmano diminuiu em muito o preço dos artigos asiáticos. Um exemplo dessa redução de preço final é a pimenta, um artigo extremamente procurado, que os negociantes muçulmanos pagavam na Índia a 2,5 a 3 ducados o quintal, era vendida na praça de Alexandria a 80 ducados. Os portugueses, mesmo vendendo a um preço inferior lucravam enormemente com as viagens (DIAS, 1963).
	Com o deslocamento do eixo econômico para Lisboa, esta se vê receptora das finanças européias. Os capitalistas alemães foram os primeiros a transferir suas operações comerciais e bancárias para Lisboa, corria o ano de 1503, e retornava a segunda expedição de Vasco da Gama ao Oriente. Assim como os alemães, os mercadores flamengos foram atraídos pelo carregamento dessa expedição. Muitos capitais italianos - genoveses e florentinos - também começaram a se instalar em Lisboa atraídos pelo retorno das expedições à Índia.
	Em período anterior, muitos banqueiros já tinham se instalado em Portugal para participarem da expansão marítima na África, como Gerônimo Sergini e Bartolomeu Marchioni, magnatas de Florença, que operavam em Lisboa com dinheiro desde meados do século XV. Esses banqueiros italianos contribuíram bastante para atender as necessidades dos reis portugueses - Afonso V, D. João II e D. Manuel - participando e financiando várias expedições portuguesas a Índia e ao Brasil (DIAS, 1963).
	Os comerciantes e banqueiros italianos, alemães e flamengos, cujos interesses não estavam diretamente relacionados a seus países, desenvolviam operações de capital que ultrapassavam o continente europeu. Foi graças a sua participação que a Coroa Portuguesa conseguiu encontrar os capitais necessários para o financiamento da expansão ultramarina e para a sustentação de uma rede comercial de escoamento dos artigos obtidos nas expedições. Por outro lado, com vimos, o capitalismo europeu encontrou no expansionismo marítimo as condições necessárias para o seu crescimento e desenvolvimento. 
	Com o deslocamento da corrente de comércio do Mediterrâneo para o Atlântico, Antuérpia(na atual Bélgica) foi tomando o lugar das cidades italianas como grandes centros comerciais e bancário. Com os mercadores, corretores e banqueiros negociando livremente dentro dos muros de Antuérpia, a cidade tornou-se gradativamente um grande centro de comércio internacional. O comércio de tecidos ingleses se realizava em Antuérpia, assim como o das especiarias da Índia. Os portugueses realizavam a maior parte de seus negócios naquela cidade. Em Antuérpia as grandes casas bancárias alemãs e italianas tinham seus depósitos principais, e as transações em dinheiro passaram a ser mais importantes que o próprio comércio, com a criação de câmaras de compensação evitando-se o manuseio do próprio dinheiro. Desse modo a "maquinaria financeira para enfrentar as necessidades do comércio em expansão foi posta em movimento no século XVI, por mercadores e banqueiros" ( HUBERMAN, 1976: 105).
3.3 - O surgimento do mercantilismo
	Já no século XV, antecipando-se a outros reinos, em Portugal o rei havia assumido o poder absoluto, centralizando o poder de Estado, submetendo a nobreza e estreitando os vínculos com os comerciantes. O Estado que nasce deste movimento logo se tornará o principal agente incentivador das novas descobertas e da expansão marítima européia. Este fenômeno, de formação de Estados Absolutistas, se espalha a partir do século XV para a Espanha, França e Inglaterra. 
	Antes do aparecimento do estado nacional, em diferentes épocas existiram unidades governamentais sob a forma de comunas, cidades-estados e feudos. As unidades econômicas formaram nesta ordem: a família, o feudo, a comunidade da vila, a cidade e a liga das cidades. Os estados centralizados, portanto, eram diferentes de tudo o que existia anteriormente, surgiram gradativamente e desenvolveram medidas econômicas especializadas, dinheiro e crédito, e instituições e práticas comerciais, com a finalidade de se tornarem auto-suficientes.(Bell, 1982)
	Com o surgimento desses novos Estados, necessita-se de burocratas para administrá-lo, e comerciantes para financiá-lo. É a partir destes dois grupos sociais que surge o Mercantilismo. Este se desenvolve a partir do estreitamento do vínculo entre a riqueza dos comerciantes (a burguesia mercantil) e o Estado fortalecido. Predomina a idéia de que com o crescimento do comércio o Estado terá mais riquezas e portanto mais poder. Por outro lado, o poderio do Estado podia assegurar segurança e rentabilidade às rotas marítimas, bem como os monopólios exigidos pelos comerciantes. 
	Deste modo com o fortalecimento do Estado, ocorre um grande salto rumo a um futuro comércio mundial no final do século XV. Este começa a se concretizar com o avanço marítimo no Atlântico e a descoberta de uma nova rota para a Índia por Portugal, e com a descoberta da América pela Espanha. Com as explorações, zonas de colonização e feitorias comerciais dos dois países ibéricos, além de um incremento do comércio entre os países europeus, deu-se início a um intercâmbio mundial de mercadorias, incorporando-se novas regiões ao comércio originário da Europa, constituindo-se, a partir daí, de fato uma economia-mundo.
	É nesse momento, segundo DEYON(1985:18) que nasce uma “teoria econômica, que inspirou e sustentou os esforços dos monarcas, preocupados com o estado de suas finanças e as necessidades dos exércitos e diplomatas”. É essa teoria que estudaremos nas páginas seguintes em suas linhas gerais.
	Em meados do século XVI a penetração comercial européia já havia chegado às duas costas do Pacífico; os navios espanhóis faziam a rota do Peru a Europa através da região onde se localiza atualmente o Panamá, e os portugueses chegavam as ilhas da atual Indonésia. Esses dois movimentos dos países ibéricos introduziram no comércio internacional, uma abundante quantidade de especiarias vindas da Ásia, e enorme quantidade de metais preciosos com origem na América Espanhola o que provocou na 
Europa, a chamada “revolução dos preços”.
	O primeiro carregamento de metais preciosos vem das Antilhas em 1503, em 1519 começa a pilhagem do tesouro dos astecas do México; em 1534, a dos incas do Peru. Segundo BEAUD(1987:21) “de acordo com os dados oficiais, dezoito mil toneladas de prata e duzentas toneladas de ouro foram transferidos da América para a Espanha entre 1521 e 1660; de acordo com outras estimativas é o dobro”.�
	A revolução dos preços foi causada por esse enorme afluxo de metais preciosos da América para Espanha, quantidade esta que gerou uma inflação sem precedentes. Com a súbita desvalorização da moeda, os preços nominais de todos os produtos tiveram que se elevar.
	O poderio de Portugal e Espanha durante o século XVI era inegável, constituindo-se no principal pólo econômico da economia mundial no período,
 “...o primeiro graças ao virtual monopólio do comércio de especiarias que exercia no oceano Índico, e à produção açucareira do Brasil – 180 mil arrobas em 1570, 350 mil em 1580 e 1,2 milhão de arrobas em 1600, e a segunda, principalmente à produção da minas de suas colônias americanas...(REZENDE Fo., 1997:117)
Seu poderio em fins do século XV e século XVI era tal que em 1494 tentaram dividir o mundo em suas respectivas áreas de influência, assinando sob os auspícios do Papa, o Tratado de Tordesilhas.
	No entanto, mesmo com o controle de imensos territórios, como a Espanha ou com uma formidável rede de feitorias comerciais, como Portugal; as duas potências ibéricas não conseguiram converter-se em verdadeiras metrópoles comerciais e/ou industriais. Não conseguindo se manter isoladas nesta expansão por muito tempo. Já no século XVI, a Holanda despontava como potencia comercial e marítima, fortalecida pelas relações com a coroa portuguesa que negociava os produtos obtidos no além mar principalmente através de sua feitoria instalada em território holandês o que acabava reforçando a burguesia holandesa (flamenca).
	Portugal com um ativo comércio oriental, e necessitando de capitais, estabeleceu uma sociedade comercial com os banqueiros e comerciantes holandeses, para a montagem do complexo açucareiro no Brasil. Nessa associação, ficaram os portugueses encarregados da produção – terras, colonizadores, escravos e primeira refinação do açúcar -, ao holandeses cabia o financiamento do empreendimento, a comercialização nos mercados europeus e a segunda refinação do açúcar, enquanto que o transporte do produto da América para a Europa seria dividido entre ambos(REZENDE Fo.,1997).
	Em seguida franceses e ingleses se juntaram aos holandeses no processo de exploração e pilhagem dos novos mundos, fundando colônias, feitorias, dominando rotas comerciais, atacando as frotas espanholas e portuguesas. Estes países no seu conjunto (Espanha, Portugal, Holanda, Inglaterra e França) recolheram uma extraordinária riqueza das terras descobertas cuja acumulação posteriormente contribuiu de forma decisiva para a Revolução Industrial que teve seu início no século XVIII.
	Os pensadores econômicos do período compreendido entre o século XVI e a primeira metade do século XVIII desenvolveram um conjunto de idéias que tornaram o comércio exterior um dos mais poderosos instrumentos da política econômica. A idéia central consistia em que os grandes estoques de metais preciosos constituiriam a própria expressão da riqueza nacional. Inicialmente em Portugal e Espanha, essas idéias foram seguidas por outros Estados Europeus como: Holanda, França, Inglaterra e Alemanha, assumindo em cada um deles uma característica em função de seus recursos naturais. 
	No século XVI o afluxo de ouro e prata das colônias espanholas foi de tal ordem e influenciou de tal maneira a Europa que em diversos países surgiram pessoas que buscavam explicação para os fenômenos econômicos que decorriam desse movimento de metais preciosos e em particular teorizavam sobre a importância de mantê-los ou traze-los para o País. Preservar e aumentar a acumulação dos metais preciosos era sua preocupação central. DEYON(1985) cita várias manifestações nessesentido:
	Na Inglaterra em 1581 um autor inglês escreve sob o título A compendious or brief examination of certain ordinary complaints que se acabasse com a importação das mercadorias fabricadas no estrangeiro, que poderiam ser fabricadas na Inglaterra, e ao mesmo tempo, restringir a exportação das lãs, peles e outros produtos em estado bruto, e chamando artesãos de fora sob o controle das cidades, fabricando mercadorias que poderiam ser exportadas, as cidades poderiam voltar a reencontrar sua antiga riqueza .
	Na França, em 1515, Claude de Seyssel declara em La grande monarchie de France, “ que o poder do país reside em suas reservas de ouro e prata”.
	Na Espanha, Luiz Ortiz, no seu memorial Para que a moeda não saia do reino defende a multiplicação das manufaturas e a interdição da exportação das matérias-primas têxteis. 
	Esses pensadores, acentua ROSSETTI(1994:98),
 “entenderam que os grandes estoques de metais preciosos constituíam a própria expressão da riqueza nacional. Os Estados que dominavam as novas terras conquistadas, como Portugal e Espanha, deveriam mobilizar as colônias, no sentido de que essas lhes fornecessem as maiores quantidades possíveis de ouro e prata. Os principais pensadores econômicos da Península Ibérica nos séculos XVI e XVII recomendavam a conservação dos metais extraídos das novas colônias e advertiam que as balanças comerciais da Espanha e de Portugal deveriam ser sempre favoráveis, para que os Estados com os quais comerciassem não lhes cobrassem em lingotes de ouro e prata os eventuais déficits resultantes das transações internacionais.” 
	Esse conjunto de práticas econômicas que foram assumidas de diferentes modos pelas potencias européias da época, denominamos hoje de mercantilismo�. Cada estado procurou as medidas que mais se ajustavam às suas peculiaridades: alguns se concentravam na exploração colonial, na obtenção de metais preciosos; outros, nas atividades marítimas e comerciais; e outros, ainda, optaram por incentivar a produção manufatureira. A expansão comercial e colonial européia está fortemente associada à política mercantilista.
	No século XVII “os projetos mercantilistas são universais, e em toda parte, nas deliberações dos Conselhos de governo, encontram-se as mesmas decisões, as mesmas proposições e todos os argumentos que a literatura econômica da época popularizava. A Dinamarca como a Baviera, os Estados dos Habsburgos, como os principados italianos ou germânicos conhecem as companhias monopolizadoras, as manufaturas privilegiadas, as tarifas protecionistas e a instituição dos Conselhos ou Colégios de Comércio”(DEYON, 1985:35)
3.4 - As principais características da política mercantilista.
Em alguns países adotou-se uma denominação particular como: bulionismo� na Espanha, colbertismo na França e cameralismo na Alemanha.
No entanto, embora houvesse variações de adoção de medidas de Estado para Estado, e de acordo com as várias épocas, houve uma série de princípios comuns que orientaram a política econômica mercantilista, particularmente no que diz respeito ao comércio com outras nações. Os principais traços comuns a toda política mercantilista foram: o metalismo, a balança comercial favorável, o protecionismo alfandegário, a intervenção do estado na ordem econômica, o monopólio e o colonialismo.
3.4.1 - O metalismo 
Para os mercantilistas configura-se como a essência da atividade econômica, é uma concepção que identifica a riqueza e o poder de um Estado com a quantidade de metais preciosos por ele acumulados. A obtenção de ouro e prata viabilizou-se com a exploração direta das colônias ou com a intensificação do comércio externo. 
O Estado é que deveria organizar e programar a obtenção do ouro e da prata. O primeiro movimento nesse sentido tomado pelos governantes foi impedir que o ouro e a prata saíssem do reino: na Espanha, no início do século XVI, foi proibida a exportação de ouro e prata sob pena de morte; na França, proibiu-se a saída de numerário desde 1506, e depois em 1540, 1548 e 1574; na Inglaterra, houve tentativas em 1546 e 1576(DEYON, 1985).
3.4.2 - A balança comercial favorável. 
Com o mercantilismo aparece pela primeira vez o conceito de balança comercial, já que os países se vêem forçados a desenvolver ao máximo as exportações de produtos que são pagos em ouro e prata e reduzir ao mínimo possível as importações que seriam pagas nestas mesmas moedas. Deste modo a balança comercial seria sempre favorável;
Um documento inglês do século XVII, o Relatório da comissão sobre a tecelagem ao conselho privado de 22 de junho de 1622, transcrito por DEYON(1985:92) explica como deve se proceder para obter um saldo comercial favorável:
	“No que concerne à raridade das espécies no reino, que se cuide de impedir o transporte de nossas moedas, e que os contraventores sejam severamente punidos...Mas sobretudo que seja remediado o déficit de nosso comércio exterior, porque se as importações de vaidade e de luxo prevalecem sobre as exportações de nossos produtos, as reservas deste reino serão desperdiçadas, pois, será preciso exportar espécies para restabelecer o equilíbrio”.
3.4.3 - O Protecionismo alfandegário
Restringia as importações impondo pesadas taxas alfandegárias aos produtos estrangeiros, ou até mesmo proibindo que certos artigos fossem importados. Em 1664, Thomas Mun, afirmava sobre a política protecionista:
"Os impostos aduaneiros de exportação podem ser nocivos porque encarecem as exportações britânicas... Por outro lado os impostos aduaneiros de importação devem ser suficientemente altos para desencorajar o consumo de bens estrangeiros na Inglaterra”.
3.4.4 - Intervenção na ordem econômica
Para manter uma balança favorável, o Estado exerceu seu poder de forma altamente centralizada, e buscando controlar em todos os seus aspectos a atividade econômica. Isto implicava no estabelecimento de um conjunto de leis que regulassem a produção e o comércio, como vias de se conseguir uma melhor organização que facilitasse a sua implementação, tais como: o desenvolvimento da infra-estrutura do país, das comunicações, dos portos, regulamentarem o trabalho nas manufaturas etc; Em Portugal, no início do período mercantilista havia leis proibindo o uso de panos e artigos de luxo estrangeiros. Havia incentivos à produção nacional, visando a exportação de produtos que seriam pagos em ouro e prata. 
A França no período de Colbert, por volta de 1664, nos oferece um exemplo significativo do grau que poderia assumir a intervenção estatal na economia, pois de acordo com DEYON(1985:25),
 “Não há um único setor da produção manufatureira, um único negócio remoto que escape a sua intervenção. Arsenais, fundições de canhões, manufaturas de renda, de malharia, de meias de lã e de seda, tecidos de luxo ou tecidos finos, Companhia das Índias Orientais, Companhia das Índias Ocidentais, Companhia do Norte, Companhia do Levante gozam alternadamente de sua exigente proteção. (...)Mais de 150 regulamentos de fábrica procuram fazer da produção francesa uma produção de qualidade sem igual na Europa. Especificam a proporção das tintas, a largura dos tecidos, o número de fios na malha, os utensílios e os trabalhos de todos os corpos de ofício. Sob o controle dos intendentes, um novo corpo de inspetores das manufaturas é encarregado de controlar as fabricações e de constatar as contravenções”.
Embora a França, particularmente no período de Colbert, tenha se caracterizado pela excessiva intervenção na economia, nos outros paises europeus as práticas se assemelhavam, marcando o intervencionismo econômico como um dos pilares da política mercantilista.
3.4.5. O Monopólio
Os Estados absolutistas exerciam diversos tipos de monopólio: de comercialização, de exploração, de transporte etc. O monopólio era um importante componente da política comercial do Estado. Quando este não o exercia diretamente, transferia o direito de monopólio a particulares, sejam pessoas ou empresas.A primeira notícia da existência do pau-brasil em terras brasileiras foi dada por Américo Vespúcio em carta dirigida ao rei D. Manuel após a expedição exploratória de 1501/1502, que logo declarou o comércio dessa madeira monopólio da Coroa. Como era monopólio e a sua venda para outras nações proibida, a atividade de qualquer embarcação estrangeira no recolhimento de pau-brasil era considerada ilegal, e justificava a apreensão e o afundamento de seus barcos por naus lusitanas. 
A primeira concessão para exploração do pau-brasil foi outorgada em 1501 a Fernando de Noronha (ou Fernão de Loronha), associado a mercadores judeus, e durou até 1504, havendo relatos de que tenha sido renovada (SIMONSEN, 1978).
O Monopólio colonial era um dos principais fundamentos do mercantilismo, que fundamentalmente era constituído de três pontos: a. toda exportação era dirigida exclusivamente à metrópole; b. toda importação da colônia só poderia ser feita através da metrópole e c. os transportes entre a metrópole e a colônia eram exclusividade dos navios do país colonizador.
Outra forma de controlar o comércio externo era o estabelecimento de monopólios de exploração de determinada atividade ou de uma determinada região.Esse monopólio poderia ser exercido diretamente pelo governo ou entregue a Companhias de Comércio que o exerceriam mediante concessão do Estado Em Portugal, a Casa da Mina, controlava o monopólio de metais preciosos e a Companhia das Índias, o comércio de especiarias. Os monopólios de exploração eram muitas vezes entregues a companhias de comércio que contribuíram enormemente com a expansão colonial das potências européias.
De modo geral, aquele que estivesse interessado em abrir um negócio comprava do Estado a autorização, este em compensação lhe concedia o monopólio do exercício da atividade, produto ou da exploração de uma determinada região.
3.4.6 - O Colonialismo 
Um aspecto essencial da política econômica mercantilista foi à conquista e a exploração das colônias, que foram controladas através de uma relação de domínio político e econômico exercido pelas metrópoles européias. Esta relação, conhecida como Pacto colonial, tinha uma regra básica, que consistia em que a colônia só podia produzir aquilo que fosse autorizado pela metrópole, e só poderia vender seus produtos a ela, a preços sempre baixos, para que fossem revendidos a outros países com grande margem de lucro. A função das regiões colonizadas era exclusivamente servir ao enriquecimento da metrópole, sua exploração era organizada através do monopólio, constituindo-se numa região onde a potência colonial européia detém a exclusividade dessa exploração.
Para garantir os resultados a Metrópole, 
“...se arroga em monopolizadora das compras e vendas dos produtos de sua colônia, o que significa que todas as exportações da colônia se destinam à Metrópole e todas a importações da colônia provêm da Metrópole. E, para assegurar integralmente a aplicação desses dois monopólios, a Metrópole reserva a si também o monopólio dos transportes: somente seus navios têm o direito de realizar o comércio com a colônia, salvo exceções autorizadas e controladas pelo país colonizador”.(Hugon, 1980:79)
A vida econômica das colônias era organizada em função dos interesses da metrópole, não podendo, por exemplo, desenvolver uma produção voltada para as suas necessidades internas. Sua economia deveria ser sempre complementar e jamais concorrer com a atividade econômica da metrópole, a existência de manufaturas, por exemplo, eram rigorosamente proibidas. As colônias serviam de mercados fornecedores de matérias-primas a baixíssimo custo para as metrópoles, funcionando também como mercados consumidores de suas exportações de produtos manufaturados. Em sua essência a política mercantilista em relação às colônias lhes reserva o papel de fonte de matéria prima e de metais preciosos, num segundo momento, tornam-se mercados consumidores de produtos manufaturados na metrópole.
Segundo HUGON(1980:78), 
“A política colonial desta época é uma conseqüência lógica do mercantilismo, dele se deduzindo integralmente. E nos territórios longínquos, subjugados e dependentes, sem possibilidade de tomar medidas de represálias econômicas, o caráter unilateral da política comercial do mercantilismo encontrará ambiente favorável ao seu desenvolvimento. É aí que ele aparece, tal como através de uma lente de aumento, em toda a sua amplitude; é aí que ele é mais nítido e, muitas vezes também, mais brutal”
 Um bom exemplo da política colonial mercantilista pode ser observado pelo fluxo comercial entre o Brasil colonial e a metrópole, nos séculos XVI e XVII. Nesse período a produção brasileira de açúcar superou o que era produzido pelas ilhas portuguesas no Atlântico até então, principalmente, pela implantação de um novo modelo de produção baseado num sistema empresarial, onde a "escala de produção e de investimento no trabalho escravo, bens de capital e facilidades de transporte aumentou de forma tão marcante" a produtividade agrícola. (FRANK, 1977:83). 
O comércio brasileiro no período caracterizou-se por exportação de açúcar, pau- brasil, algumas especiarias ( como o gengibre), mel e cera ( produtos do sertão) e tabaco. Da Europa eram importados produtos manufaturados, alimento, sal e vinho; do rio da Prata chegam couros e prata obtida de modo geral com a troca por escravos; quando aportam navios da Ásia nas costas brasileiras chegam sedas e artigos de luxo.
Do ponto de vista econômico e social esse período, conhecido como ciclo do açúcar, foi fundamental para a consolidação da ocupação do Brasil e sua inserção definitiva no comercio mundial. Numa época em que era o mais importante artigo do escambo marítimo internacional, o açúcar brasileiro dominou o comércio do produto entre 1600 e 1700. A plantação de cana-de-açúcar provocou a fixação do europeu no Brasil e a formação dos primeiros capitais, contribuiu definitivamente para a caracterização de um tipo de população com a importação de escravos negros para trabalharem na lavoura. A população brasileira em 1600 estava por volta de 100.000 habitantes, dos quais 30.000 de raça branca, em 1700 entre colonos e homens livres haviam por volta de 200.000 indivíduos (SIMONSEN, 1978).
 No século XVII o açúcar constituía o eixo central de seu comércio, tudo girava em torno dele, não só estimulou outras atividades acessórias, como também encorajou a ampliação de negócios complementares. O mais importante deles foi o comércio de escravos, o segundo foi fornecer dinheiro para incrementar as transações, na forma de moedas de prata. Essas duas mercadorias dominaram o comércio Triangular - Portugal, África, Brasil - que ligava essas três regiões por volta de 1570 e 1630. No Brasil se comercializava: objetos religiosos, lâmpadas e candeeiros de latão e de vidro, cintos, vestuário, vinho, azeite, vinagre, farinha de trigo, sal, camas, ferramentas, utensílios e panelas de cobre, especiarias e moedas ( JOHNSON, 1992).
A rota triangular desenvolvia-se, por exemplo, com navios saindo de Lisboa transportando vestuário, outros produtos têxteis, quinquilharias, frutas secas, vinagre, vinho, azeitonas, etc. que se destinavam a África. Em Cabo Verde ou em São Tomé esses artigos eram trocados por escravos levados para o Brasil para venda, juntamente com o que restava dos artigos europeus. Do Brasil se levava principalmente açúcar, couros e pau-brasil. Às vezes havia uma mudança nesse circuito, quando um barco que saísse de Lisboa vinha primeiro para o Rio de Janeiro receber um carregamento de mandioca para transportar para a África e, de regresso levar escravos para a Bahia ou para o Recife. Para a África era levada do Brasil ainda a farinha de trigo, a cachaça e mais tarde o tabaco. 
3.5 - As modalidades do mercantilismo
Cada país europeu adotou um tipo de mercantilismo devido às características peculiares do seu desenvolvimento histórico e particularmente em função dos recursos naturais. Deste modo, identificamoso mercantilismo: espanhol ou bulionismo, o francês ou colbertismo, o inglês, o holandês, e o francês. Privilegiamos aqui os tipos de mercantilismo que tiveram de uma ou outra forma importância na história da formação do Brasil.
3.5.1 - O mercantilismo espanhol
Os espanhóis praticaram a forma clássica de mercantilismo, o bulionismo. Como controlavam colônias produtoras de metais preciosos na América, os espanhóis podiam importar todos os alimentos e artigos manufaturados que desejassem dos países estrangeiros, pois mantinham sua balança comercial favorável, na medida em que tinham as minas que produziam o ouro e a prata. Esta política comercial, no longo prazo, impediu o crescimento de uma produção agrícola e industrial própria, favorecendo outros países que se organizaram de maneira a obter os metais preciosos da Espanha através do comércio, e mesmo da pirataria pura e simplesmente (FALCON, 1990). Dito de outro modo, podemos afirmar que a Espanha explorou suas colônias mas não se beneficiou dessa exploração.
Com a abundância dos metais preciosos na Espanha havia um excesso de empregos improdutivos isentos de impostos: no serviço público, clero e outros; que oneravam o tesouro real, juntamente com os gastos voltados para os esforços de guerra. Esse quadro tornou-se insustentável com a queda da produção das minas no novo mundo, contribuindo para a decadência do poderio espanhol no século XVII.
3.5.2 - O mercantilismo francês
O mercantilismo francês foi muito diferente do espanhol, na medida em que a França não possuía minas de ouro ou prata, e que para obtê-los deveria recorrer ao mercado externo. Desse modo, a economia francesa desenvolveu suas manufaturas de luxo para atender o mercado existente na Espanha, onde obtinha os metais preciosos de que necessitava, e ao mesmo tempo expandiu as companhias de comércio e a construção naval�. Por isso o mercantilismo francês é associado a um mercantilismo de tipo industrial.
A política de desenvolvimento das manufaturas foi desenvolvida por Jean Baptiste Colbert ( 1619-1683), ministro de Luis XIV, que implementou uma política de industrialização, geradora de produtos exportáveis e que seriam pagos em ouro e prata. Devido ao sucesso dessa política o mercantilismo francês também é conhecido por colbertismo. Colbert pertencia a uma família de comerciantes têxteis o que pode explicar sua tendência a um fortalecimento das manufaturas.
      Foi com Colbert que o mercantilismo desenvolveu regras mais rigorosas e sistemáticas. Procurou melhorar a economia francesa através da severa intervenção estatal, protegendo e estimulando as atividades econômicas em geral e as indústrias em particular. Abolição de impostos aduaneiros internos, regulamentos para a produção de artigos de luxo, proteção à construção naval, privilégios fiscais e monopólios, elevação de impostos de importação e o restabelecimento de antigas manufaturas foram algumas das medidas tomadas e que tornaram a França, durante o período, famosa pela produção de artigos de luxo.
Como ministro das finanças, Cobert construiu uma marinha mercante e uma marinha de guerra. Foram melhoradas as instalações portuárias para facilitar o movimento das mercadorias. Promoveu as companhias comerciais coroadas de êxito e expandiu o império e o comércio colonial tornando-o monopólio do Estado.(Bell, 1982).
3.5.3 - O mercantilismo inglês
Na Inglaterra desenvolveu-se o mercantilismo comercial, pois os ingleses não possuíam um grande império colonial e suas manufaturas não conseguiam competir com a indústria francesa, que estava consolidada há mais tempo. Os mercantilistas ingleses defendiam que se podiam fazer importações de produtos baratos, transformá-los, tornando-os mais caros, e revendendo-os a um preço mais elevado, obtendo-se deste modo maiores quantidades de ouro e prata. O incremento desta atividade por sua vez, incrementaria o comércio exterior, favorecendo ainda mais a captação de ouro e prata. Incentivavam a construção naval e a formação de grandes companhias de comércio, com privilégios concedidos pelo Estado. São exemplos dessas companhias: Os Mercadores Aventureiros, a Companhia Inglesa das Índias Orientais, a Companhia de Moscovia, a Companhia do Levante etc.
Os atos de navegação foram importantes instrumentos da prática mercantilista inglesa. O primeiro Ato de Navegação foi decretado no ano de 1651 com o objetivo de proteger suas atividades comerciais. Em essência o ato dizia que as mercadorias importadas de outros países só poderiam ser transportadas em navios ingleses ou do país de origem; do mesmo modo os produtos da Ásia, da América ou da África não podiam ser importados senão pela marinha britânica ou colonial. Anos mais tarde, em 1660, é decretado o 2o. Ato de Navegação, que estipulava que o capitão e pelo menos ¾ da tripulação deveriam ser ingleses. Medidas estas tomadas para se evitar fraudes segundo DEYON(1985:33).
No final do século XVII, com a descoberta de ouro no Brasil, no atual Estado de Minas Gerais, a Inglaterra viabiliza um tratado comercial com Portugal, denominado Tratado de Methuen,celebrado em 1703, no qual os ingleses concediam facilidades alfandegárias para que os lusitanos exportassem vinho para a Inglaterra, e em troca receberiam facilidades para exportarem tecidos para os portugueses(SODRÉ, 1957). Com a venda de têxteis para Portugal, a Inglaterra conseguia vencer a barreira à importação desses produtos, que seriam pagos em ouro. O afluxo de ouro para a Inglaterra foi de tal maneira volumoso que influenciou enormemente o aceleramento do início da revolução industrial inglesa no século XVIII. Deve-se destacar que o Tratado de Methuen só favorecia a Inglaterra, pois os vinhos deveriam ser importados de qualquer modo, pois os ingleses não possuíam solo, nem clima favorável à sua produção. Ao passo que para Portugal o tratado impediu o desenvolvimento de uma política industrial consistente. A partir daí em todo o território português os tecidos vendidos eram os ingleses, que eram pagos em ouro. Nas próprias Minas Gerais, as roupas que os comerciantes, escravos e mascates trajavam eram as inglesas.
3.5.4 - O mercantilismo holandês
	O mercantilismo das Províncias Unidas (Holanda) apresentava características bastante diferentes dos demais praticados pelos outros países europeus. Em primeiro lugar, diferentemente dos outros Estados, a burguesia flamenca controlava diretamente o Estado sem intermediação de um Rei e em segundo lugar, desenvolveram profundamente tanto o aspecto comercial quanto o industrial. Deste modo o mercantilismo holandês pode ser caracterizado como comercial e industrial ao mesmo tempo. Os holandeses formaram poderosas Companhias de Comércio, desenvolveram a indústria naval e controlavam de forma quase absoluta o comércio marítimo internacional no século XVI. Possuíam numerosas refinarias de açúcar o que lhes permitiu monopolizar a distribuição de açúcar no norte da Europa. As Companhias de Comércio, eram apoiadas pelo Estado de tal modo que muitos membros do governo eram membros das direções destas empresas. Foi criado o Banco de Amsterdã com o objetivo de dar suporte às empreitadas dessas companhias, particularmente, nos mercados de especiarias do oriente.
3.5.5 - O mercantilismo português
	Entre todos os países europeus foi em Portugal onde se desenvolveu com maior flexibilidade a política mercantilista. Sendo um dos primeiros países europeus a constituir um Estado centralizado, e onde havia uma burguesia mercantil associada a este Estado, Portugal antecipou a prática mercantilista que seria dominante a partir do século XVI. Já no século XV, o metalismo era praticado pelos portugueses devido ao seu controle sobre as minas de ouro no oeste africano. No século XVI, com a descoberta de um novo caminho para as Índias, o declínio da exploração de ouro na África, e com os enormes lucros obtidos com as especiarias, desenvolveu-se o mercantilismo comercial com a compra de especiarias a baixo preço no Oriente e a revendaem Lisboa. Com o aumento da concorrência no Oriente, diminuindo a lucratividade do negócio, os portugueses concentraram sua atenção no Brasil onde desenvolveram a prática do monopólio da produção e comercialização do açúcar. 
3.5.6 - O mercantilismo alemão ou Cameralismo
O mercantilismo adotado pelos alemães e austríacos é conhecido como Cameralismo, e se tornou o termo aplicado a todo o conjunto de práticas políticas e econômicas adotados pelas monarquias absolutistas nesses Estados.
A origem do termo esta associada à Kammer ( do latim, câmera, ou câmara) que na Idade Média era o local onde era guardado o tesouro real. Assim Kammer tornou-se um termo associado ou sinônimo de prosperidade, tesouro ou rendas reais e até mesmo de um procedimento governamental sistematizado. Durante a maior parte do período do Cameralismo, foi empregado todo elemento que pudesse ter significação para a formação do Estado. Em seu âmbito foram incorporadas as orientações políticas, medidas tributárias, leis reguladoras, medidas técnicas relativas à produção, venda e distribuição de mercadorias, bem como políticas econômicas gerais. Todas essas medidas visavam ao mesmo fim que o mercantilismo, ou seja , o aumento do poder do Estado.(Bell,1982).
O Cameralismo de todos os tipos de mercantilismo é mais fortemente caracterizado como fundamentalmente uma política. Foi primordialmente uma teoria e uma técnica de governo, que necessariamente tratou de alguns problemas econômicos.
O Cameralismo atuou fundamentalmente em torno dos propósitos e objetivos do Estado, os que escreveram sobre o assunto na época estavam tão subordinados aos interesses do Estado, quanto os próprios funcionários públicos. Segundo Bell(1982:106)
“O Cameralismo assentou na hipótese fundamental do poder dos interesses coletivos, ou na subordinação dos interesses individuais aos da comunidade ou Estado. Esse conceito de relação entre indivíduo e Estado, que se assemelha à relação entre um sargento instrutor e um recruta,não se encaixa em nossos conceitos de liberdade ou de função do Estado. No entanto, foi isso o que prevaleceu durante quase trezentos anos e constituiu, de fato, um dos mais importantes fatores condicionadores que afetaram o desenvolvimento alemão subseqüente”.
3.6 – o Significado do Mercantilismo
 O mercantilismo estabeleceu as bases de funcionamento do relacionamento entre as nações num período de formação do Estado Nacional. O relacionamento comercial entre diferentes países se baseia hoje em dia nos princípios estabelecidos pelos mercantilistas, muitas de suas definições, conceitos e formulações permanecem profundamente atuais, e muitos de seus programas de governo, poderiam servir para o incremento do comercio exterior de muitas nações ainda hoje.
Por outro lado, o mercantilismo cumpriu um importante papel na consolidação de uma economia mundial, e na criação e fortalecimento dos Estados nacionais para citar apenas dois aspectos que refletem na atual realidade global. O período mercantilista caracterizou-se como uma Revolução Comercial que integrou a América, África e Ásia nos marcos do sistema econômico europeu. Nesse período desenvolveu-se a navegação no Oceano Atlântico, a produção manufatureira consolidou-se, aumentou a circulação de moedas e mercadorias, ampliaram-se as operações financeiras – crédito, seguros e outras - . A agricultura aumentou sua produtividade, a mineração intensificou-se, cresceu a metalurgia, desenvolveu-se a navegação por todo o globo e a divisão técnica do trabalho se aprofundou promovendo uma grande acumulação de capital que favoreceu o surgimento da Revolução Industrial que ocorreu a partir da segunda metade do século XVIII inicialmente na Inglaterra. 
Esse período que tem seus marcos no final do século XV e vai até meados do século XVIII é considerado revolucionário pelas profundas transformações que promoveu na sociedade da época e que se refletem até os dias atuais. Para os brasileiros em particular, o estudo e o conhecimento do mercantilismo é extremamente importante, pois o Brasil viveu a maior parte de sua história sob as práticas políticas mercantilistas, sofrendo influências diretas e indiretas de mais de uma potência colonial, cumprindo um papel significativo no processo de acumulação européia que antecedeu a criação e consolidação do capitalismo como sistema econômico dominante.
4 - A Escola Clássica - I
A escola clássica, cujos principais representantes são Adam Smith, Ricardo, Malthus e John Stuart Mill, só podem ser compreendidos se levarmos em conta as condições institucionais e históricas em que nasceu. Os clássicos sucedem aos mercantilistas e fisiocratas, representantes de duas correntes anteriores que, por não apresentarem um corpo doutrinário completo e coerente, não constituíram escolas. Esta divisão é arbitrária. Sob outros critérios, os fisiocratas, pelo menos, poderiam ser considerados como a primeira escola de economia. 
Na época dos clássicos, a importância crescente da indústria colocava fora de moda a visão naturista (fisis = natureza) dos fisiocratas. E a necessidade de maior liberdade comercial, bem como de uma força de trabalho dotada de maior mobilidade, mostravam que o excesso de regulamentação e intervenção governamental, preconizado pelos mercantilistas, já não se ajustava às necessidades da expansão econômica. Estas duas correntes estavam sendo ultrapassadas pelos fatos. Para os fisiocratas, a verdadeira riqueza das nações estava na agricultura. Num mundo essencialmente agrícola e constantemente ameaçado pela falta de alimentos, isto não nos deve causar admiração. Só a terra tinha a capacidade de multiplicar a riqueza. Um grão de milho germina, cresce e produz espigas com centenas de grãos. Só a natureza (fisis em grego significa natureza e crátein significa dominar) é capaz do milagre da criação. A indústria raciocinava, os fisiocratas, não cria. Apenas transforma insumos em produtos. Os fisiocratas não levaram a sério o fato de a produtividade não ser apenas conseqüência da natureza. O arado, o trator, os fertilizantes e a genética (produtos da indústria) podem quadruplicar uma colheita. Isto está claro para nós, hoje, mas não foi objeto de um estudo atento por parte dos fisiocratas. 
Os mercantilistas, por seu lado, preocupavam-se, sobretudo com a política econômica, com saldos favoráveis na balança comercial, com o estoque de metais preciosos e com o poder do Estado. O Estado seria tanto mais forte quanto maior fosse seu estoque de metais preciosos. Para alcançar isto, ele deveria restringir as importações e estimular as exportações. Mas esta é uma política inconseqüente. Se todos os países restringirem suas importações, quem conseguirá exportar? As importações de um são as exportações do outro. Não podia dar outra coisa. A política mercantilista exacerbou o nacionalismo, estimulou as guerras e uma maior presença do Estado nos assuntos econômicos. Daí a necessidade imperiosa de regulamentações. 
Sem levarmos em conta este contexto, não compreenderemos a obra dos clássicos. Eles estavam combatendo estas correntes já ultrapassadas pelos fatos e procurando explicar a seus contemporâneos o mundo novo que estava nascendo. Estas são as condições institucionais e históricas de que falamos no início deste trabalho. 
Pode parecer arbitrário atribuir o mesmo rótulo a autores com idéias e posições tão diversas como, por exemplo, Ricardo e seu amigo Thomas Malthus. Mas as discordâncias dos autores clássicos giravam em torno das mesmas preocupações fundamentais. A abordagem que adotavam era também muito semelhante. São as preocupações fundamentais e o tipo de abordagem dos problemas que definem a escola. 
Quais seriam essas preocupações? Em outras palavras, quais os temas centrais da escola clássica? 
A preocupação central de todos os autores clássicos é o crescimento econômico no longo prazo e o modo como a distribuição da renda entre as diversas classes sociais influencia este crescimento. 
Modernamentepoderíamos dizer que os clássicos estavam preocupados com uma teoria do crescimento econômico. O crescimento se dá graças à acumulação do capital. 
Como devemos entender a inter-relação entre crescimento econômico e classes sociais? Antes de entrarmos neste assunto, vamos preparar o terreno. A teoria neoclássica, que é o paradigma predominante hoje, nas escolas de economia do Brasil, eliminou de seu campo de preocupações a questão das classes sociais. Natura abhorret vacuum (a natureza tem horror ao vácuo) - diziam os físicos pré-newtonianos. O mesmo se pode dizer da teoria neoclássica com relação às classes: ela tem horror a este tema. No entanto, não poderemos entender nem os fisiocratas nem os clássicos se deixarmos de lado as classes sociais. Para os fisiocratas, a sociedade dividia-se em camponeses, latifundiários e artesãos. Para os clássicos, em trabalhadores, latifundiários e capitalistas. Cada uma dessas classes aufere determinada renda. Parte dessa renda é consumida no sustento dos trabalhadores e das demais classes sociais. A parte restante estará nas mãos dos capitalistas e dos latifundiários, porque os trabalhadores destinam toda sua renda à subsistência. Os latifundiários, com seu consumo supérfluo, ao desviarem parte da renda para si, diminuem o excedente econômico a ser reinvestido. O comportamento desta classe cria obstáculos ao crescimento econômico, porque ela não se preocupa com a acumulação. Os capitalistas, por seu lado, têm a função de acumular. Eles estão sempre procurando reinvestir o excedente e criam, assim, as bases da expansão econômica. Daí seu papel dinâmico e revolucionário para a época. 
A visão que acabamos de apresentar é esquemática e simplificadora. Nem todos os clássicos tinham esta visão do processo econômico. Thomas Malthus, por exemplo, justificava o consumo supérfluo dos proprietários de terra (latifundiários) como sendo necessário para evitar a superprodução. Embora a argumentação de Malthus não tenha sido convincente, foi seguindo esta linha de raciocínio que ele se afastou da "lei de Say" e tornou-se um dos precursores do princípio da demanda efetiva, mais tarde brilhantemente defendido por John M. Keynes. O próprio Keynes dirá que a história do capitalismo teria sido outra se esta linha de raciocínio tivesse prevalecido sobre a linha de Ricardo, que aceitara a "lei de Say"'. 
A “Lei de Say” estabelece que "quando um produtor vende seu produto, o dinheiro que obtém com essa venda está sendo gasto com a mesma vontade da venda de seu produto resumindo: a oferta de um produto gera sua própria demanda (e de outros produtos). Pela teoria de Say, não existem as chamadas crises de "super-produção geral", uma vez que tudo o que é produzido pode ser consumido já que a demanda de um bem é determinada pela oferta de outros bens, de forma que a oferta agregada é sempre igual a demanda agregada. Say aceitava ser possível que certos sectores da economia tivessem relativa superprodução em relação aos outros setores, que sofressem de relativa sub-produção. A lei de Say deve o seu nome a Jean-Baptiste Say (1767-1832), 
Já, Karl Marx atacará Malthus, por ver nele um dos defensores das classes improdutivas. 
Pelo que acabamos de apresentar, você já pode perceber que os pontos de vista dos diversos autores estão condicionados por sua visão do mundo, isto é, por aquilo que designamos como ideologia ou utopia. 
Mencionamos poucas linhas atrás, o termo improdutivo. Para os clássicos, algumas classes sociais eram improdutivas, outras produtivas. Trata-se de um conceito importante entre eles, pois procuravam uma teoria da criação de riquezas. Também os fisiocratas� empregavam os termos produtivo e improdutivo para analisar a realidade econômica. Para estes últimos todas as classes eram improdutivas menos os agricultores. Os clássicos herdaram a terminologia dos fisiocratas, mas alteraram-lhe o conteúdo. Para eles, trabalhadores produtivos eram todos aqueles que criavam a riqueza material da nação. Os demais trabalhadores eram considerados improdutivos. Por exemplo, todos os trabalhadores do setor serviços como médicos, advogados, sacerdotes, professores, intelectuais etc. caíam nesta última categoria. Mas atenção! Trabalho improdutivo não significa trabalho desnecessário ou inútil. Alguns destes trabalhos são essenciais e eram tidos como tais pelos clássicos. Os termos produtivo e improdutivo não trazem em si um julgamento de valor nem conotação negativa, como um leitor menos avisado poderia supor. São categorias para a análise da realidade econômica. Para explicar o crescimento econômico eles foram obrigados a criar um instrumental analítico que lhes permitisse o exame da realidade. Outro conceito (intimamente relacionado com os anteriores) essencial na teoria clássica é o de excedente econômico, ao qual já aludimos. E o destino do excedente que definirá o ritmo da acumulação. Imagine o leitor determinado nível de excedente econômico num dado período de tempo. Suponha dois cenários: num deles o excedente fica nas mãos dos latifundiários e é gasto no consumo supérfluo. Este destino do excedente cria obstáculos para o crescimento. No segundo cenário, o excedente cai nas mãos dos capitalistas que o reinvestem. Neste segundo caso, ele entra no circuito da criação de riquezas. Não é sem razão que Adam Smith se torna um defensor fervoroso da frugalidade�. 
É interessante notar que a escola neoclássica (posterior) deixará de lado por completo o conceito de excedente. Em parte, porque a preocupação neoclássica é a alocação ótima dos recursos e não o crescimento e, em parte também, devido ao potencial explosivo que este conceito traz para o campo da economia. O estudo da criação e apropriação do excedente pelas diversas classes toca em pontos delicados da organização social. Tal estudo obrigaria a uma análise mais profunda dos critérios pelos quais o produto social se divide entre as diversas classes. Num momento em que o capitalismo experimenta enorme êxito e os capitalistas se firmam como classe dominante, não é difícil entender que tal tarefa seria desagradável. Tanto mais que as contestações já eram fortes por parte do operariado. Joan Robinson, ao analisar o declínio da escola clássica por volta de 1860-70, atribui este declínio a duas causas: uma teórica e outra ideológica. São elas: 
	• a incapacidade de dar resposta satisfatória a alguns problemas importantes no campo teórico; 
	• a não-adequação das explicações clássicas aos interesses da classe então dominante. 
Em que sentido deveu entender esta última afirmação? No sentido de que a organização produtiva e social da época estava possibilitando grande crescimento econômico. A máquina de geração de riqueza funcionava bem. Uma análise do tipo clássico (preocupada com a distribuição do produto entre as classes e com o papel de cada classe na geração da riqueza) chamaria a atenção para os pontos fracos do sistema e mostraria o poder oculto atrás da organização, revelando a classe à qual este poder estava beneficiando. Revelaria também o processo de transferência de renda de uma classe para outra. Isto não era conveniente. Poderia dar argumentos mais sólidos à contestação que já lavrava no seio da sociedade. Todos nós sabemos que uma das estratégias de qualquer sistema de poder é manifestar-se como não sendo poder. O autoritarismo é o grande inimigo da autoridade. 
Outro ponto importante: os clássicos irão considerar a ciência econômica como um sistema regido por leis naturais às quais cabe obedecer. Estas leis levariam o sistema ao equilíbrio e à auto-regulação. As conseqüências deste enfoque são importantes. Primeiro, se o sistema é capaz de auto-regulação, a interação entre as diversas forças econômicas deve levá-lo a uma situação ideal e à harmonia entre as classes, desde que não haja interferências estranhas. Daí a política do laissez-faire. Esta expressão significa não-intervenção do Estado nas leis do mercado. A grande maioria dos clássicos (salvo Ricardo e poucos mais) viam harmoniade interesses entre as diversas classes sociais e, portanto, não viam com bons olhos a ação governamental em favor dos pobres ou dos operários. Se o mundo ainda não era o melhor dos mundos, se a situação social era das piores, tal fato devia-se às intervenções e regulamentações governamentais que impediam o pleno funcionamento do sistema. 
A situação social da maioria da população era calamitosa. Qualquer viajante de um país industrial moderno que passasse pela Inglaterra entre 1770 e 1830 ficaria chocado com a miséria, a subnutrição e a exploração do operariado. A jornada de trabalho podia chegar a mais de 14 horas diárias. Crianças e mulheres eram obrigadas a trabalhar em condições sub-humanas. As crianças, às vezes, eram amarradas às máquinas para não fugirem. As condições de higiene também eram péssimas e os costumes brutais. Não é de se admirar que a mortalidade infantil fosse elevada. Existiam mulheres que haviam tido 20 filhos e todos haviam morrido. A sorte era muito desigual para as diversas classes sociais. Este era o preço que a sociedade estava pagando pela acumulação. 
Um mundo novo nascia, cheio de contrastes, promessas e pesadelos. Resumindo as principais características da escola clássica: 
	• preocupação com o crescimento econômico no longo prazo; 
	• preocupação com o destino do excedente e com o modo pelo qual a sua divisão entre as classes afeta o crescimento; 
	• afirmação de que a economia é regida por leis naturais. Auto-reguladoras que levam à harmonia social. Portanto, não há necessidade de intervenção do Estado nas leis do mercado (laissez-faire)�. 
5 - A Escola Clássica – II
5.1 - Adam Smith (1723 – 1790)
Adam Smith nasceu em Kircaldy na Escócia, cidade com cerca de 1.500 habitantes. O pai morrera antes do nascimento do filho. Aos 4 anos o menino foi seqüestrado por um bando de ciganos e só foi libertado graças aos esforços de um tio. Smith nunca se casou e viveu quase toda sua vida junto à mãe. Às vezes esta permanência junto à mãe era interrompida por viagens de trabalho ou de estudo, mas ele sempre voltava à casa materna ou pedia que a mãe o acompanhasse. 
Aos 14 anos, Adam Smith entrou para a Universidade de Glasgow, onde se destacou como aluno brilhante. O professor que mais o influenciou em Glasgow foi Francis Hutcheson, livre-pensador cujas opiniões se chocavam com as idéias da época. Hutcheson tinha visão naturalista das questões morais e era firme adepto da liberdade política e religiosa. 
Em 1740, com 17 anos, ganha uma bolsa de estudos para o Balliol College de Oxford. Permanecendo seis anos nesta universidade. Não se dá bem em Oxford. O ambiente era ruim, pelo menos para ele, e não encontrou estímulo junto aos professores. Passou este período devorando livros, mas sem orientação. Uma prova de que a linha' pedagógica de Oxford, na época, era obscurantista e fechada é que Adam Smith quase foi expulso da universidade por terem encontrado em seu quarto o Tratado da natureza humana de David Hume�.
Cinco anos após deixar Oxford, assume a cadeira de Lógica em Glasgow. No ano seguinte, assume a cadeira de Filosofia Moral deixada por Hutcheson, seu antigo mestre. O campo da Filosofia Moral era vasto e compreendia disciplinas como Teologia Natural, Ética, Jurisprudência e Economia Política. Só um espírito enciclopédico como o de Smith mover-se-ia com facilidade neste vasto campo. Smith ocupa esta cadeira de modo ininterrupto até 1762 ou 1764. Há discordância entre os autores sobre estas duas datas. 
Em 1759 publica a Teoria dos sentimentos morais e ganha reputação nos meios acadêmicos. A partir desse momento será olhado com outros olhos. O próprio Charles Townshend, homem eminente da época e, mais tarde, ministro das finanças da Inglaterra, ofereceu-lhe a tutoria de seu enteado, o duque de Buccleugh. Adam Smith aceita a proposta e parte com o duque para a França. A tutoria era uma espécie de curso universitário informal na Inglaterra daquela época. Os membros da nobreza (após fazerem o secundário) podiam optar por este curso que era feito sob a orientação de um mestre eminente e em viagens por vários países. Os tutores eram muito bem remunerados. Após a tutoria, que durava cerca de dois anos, eles geralmente recebiam uma pensão vitalícia. A oferta feita a Adam Smith foi de 300 libras anuais, quantia muito superior às 170 libras anuais, salário máximo que conseguira em Glasgow. 
A viagem à França abriu-lhe novos horizontes intelectuais. Aí, ele entrou em contato com os princípios fisiocráticos e com alguns de seus representantes mais eminentes, como Turgot e François Quesnay. Para ele, até o momento, o sistema fisiocrático era a maior aproximação da verdade em Economia Política. É evidente que Smith via limitações neste sistema e sonhava com um sistema mais completo. Um espírito nascido na Inglaterra de então, profundamente agitada pelo ímpeto da industrialização, não poderia aceitar a agricultura como a única fonte de riqueza. Smith, como os demais clássicos, levará em conta a agricultura, a indústria e o comércio. Mas muita coisa ele aprendeu junto aos fisiocratas. Um dos pontos em que Smith mais aplaudiu estes últimos foi a condenação radical que eles faziam da política mercantilista. 
A admiração de Adam Smith por François Quesnay era enorme. Tão grande que ele pretendia dedicar-lhe sua obra máxima. Quesnay morreu antes que Smith a tivesse terminado. 
Foi também na França que, dispondo de muito tempo livre, empreendeu a enorme tarefa de escrever A Riqueza das Nações ou, no seu título mais completo, Uma indagação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. O livro saiu pela primeira vez em 1776, muito tempo depois de ter sido iniciado. De início, não teve a repercussão que merecia. Na época, ninguém imaginava a revolução que esta obra iria causar no estudo da Economia Política. Nem mesmo o próprio Adam Smith. Porque o impacto produzido pelo livro só pode ser explicado por uma conjunção favorável de fatores. Estávamos nos inícios da industrialização e de um esforço impetuoso para a abertura de novos mercados. As inúmeras regulamentações existentes na época, relativas à liberdade comercial e industrial, eram como que barreiras ao dinamismo empresarial que estava se iniciando na Inglaterra e que, em breve, contaminaria toda a Europa. A obra de Smith é um libelo� contra estas regulamentações, contra a intervenção excessiva do governo na economia, contra o monopólio concedido pelo Estado a algumas grandes companhias e contra as leis que dificultavam a mobilidade da força de trabalho (lei dos pobres). Enfim, era um ataque cerrado à política mercantilista. A argumentação era convincente por apoiar-se numa visão global e coerente da ciência econômica. Como ele argumentava em favor da livre iniciativa, ganhou o apoio do empresariado que estava lutando exatamente por isto. 
5.2 - Idéias Importantes
Ao tentar resumir uma obra tão vasta e rica de intuições, estamos correndo o risco de parcialidade. Constitui delicada tarefa resumir o pensamento de Smith. Muitos poderão enfatizar outros aspectos da obra ou discordar dos selecionados aqui. Que fazer? Este livro tem limitação de páginas e selecionamos aquilo que nos pareceu importante, no momento. Nunca é demais repetir que o leitor não deve dispensar a leitura do texto original. No caso de A riqueza das nações, apesar do tamanho da obra, o livro é de fácil e agradável leitura. 
Smith preocupa-se com três problemas básicos: 
	a) Que fatores são responsáveis pela riqueza das nações e como se dá o crescimento econômico? 
	b) Que fatores impedem o desmoronamento' da sociedade, composta por pessoas essencialmente egoístas? Ou seja, como explicar a coesão social num mundo onde todos buscam os próprios interesses? 
	c) Para onde caminha a sociedade? Em que direção ela se move? 
A causa da riqueza das nações é o trabalho humano. Este trabalho pode gerar um produto anual maior ou menor, dependendo de dois fatores, divisão do trabalho e proporção de trabalhadoresprodutivos com relação aos improdutivos. O fator decisivo é a divisão do trabalho. Smith abre A Riqueza das Nações com uma verdadeira apologia da divisão do trabalho. Para ele, a divisão do trabalho resulta da tendência inata do homem para a troca e traz consigo uma série de conseqüências positivas, como aumento da destreza pessoal, economia de tempo e condições mais favoráveis para que os trabalhadores inventem ou aperfeiçoem máquinas e instrumentos que lhes poupem esforço. Ao tentar ilustrar sua tese, ele recorre a um exemplo que se tornou clássico na literatura econômica, a fabricação de alfinetes. 
"Tomemos, pois, um exemplo, tirado de uma manufatura muito pequena, mas na qual a divisão do trabalho muitas vezes tem sido notada: a fabricação de alfinetes. Um operário não treinado para essa atividade ... nem familiarizado com as máquinas ali empregadas ... dificilmente poderia fabricar talvez um único alfinete, em um dia, empenhando o máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar vinte. Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, não somente o trabalho todo constitui uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de setores, dos quais, por sua vez, a maior parte também constitui provavelmente um ofício especial. Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete ( ... ) Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas, são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas. Vi uma pequena manufatura desse tipo, com apenas 10 empregados, e na qual alguns desses executavam 2 ou 3 operações diferentes. Mas, embora não fossem muito hábeis ... conseguiam, quando se esforçavam, fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia. Ora, 1 libra contém mais de 4 mil alfinetes de tamanho médio. Por conseguinte, essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia. Assim, já que cada pessoa conseguia fazer um décimo de 48 mil alfinetes por dia, pode-se considerar que cada uma produzia 4.800 alfinetes diariamente. Se, porém, tivessem trabalhado independentemente uma da outra. e sem que nenhuma delas tivesse sido treinada para esse ramo de atividade, certamente cada uma não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia ...". 
A citação mostra o enorme aumento da produtividade resultante da divisão do trabalho. E quem determina a divisão do trabalho? Já dissemos que, segundo Smith, ela decorre de nossa tendência inata para a troca. Em outras palavras, é condicionada pela extensão dos mercados. A linha de raciocínio de Smith é perfeitamente lógica. A produtividade decorre da divisão do trabalho, esta decorre de nossas tendências inatas para a troca, e esta por sua vez, é estimulada pela ampliação dos mercados. Portanto, é preciso ampliar mercados para aumentar a produtividade e a riqueza. 
No Capítulo 3 do Livro II de A Riqueza das Nações, Smith aborda o tema da acumulação de capital e mostra como a acumulação aumenta as forças produtivas da nação. A acumulação decorre da poupança. Daí seu elogio da parcimônia e da frugalidade. Este enfoque receberá, mais tarde, reparos por parte de Keynes, como veremos em tempo oportuno. 
Voltemos à segunda pergunta. Que fatores impedem a dissolução de uma sociedade composta de pessoas essencialmente egoístas? 
Aqui entram as considerações sobre as leis do mercado e a teoria da "mão invisível" de Adam Smith. Todo ser humano é levado a agir pelo desejo de uma recompensa. Este impulso é inato. Inscreve-se na natureza da pessoa. Eis as palavras do próprio Smith: 
"Não é da bondade do açougueiro ou do padeiro que podemos esperar nosso jantar, mas de seu interesse. Nós nos dirigimos não a seu espírito humanitário, mas ao seu interesse e nunca lhes falamos de nossas necessidades e sim de suas vantagens." 
Mas a coisa não pára aí. Ao seguir seus impulsos egoístas, as pessoas interagem umas com as outras. Assim, a busca do próprio interesse "leva ao mais inesperado dos resultados: a harmonia social". Esta harmonia foi provoca da pelo confronto das pessoas no mercado, ou seja, pela competição. Assim, o choque entre egoísmo e competição leva ao melhor dos mundos. Não se deve intervir nas leis do mercado: deixada a si mesma, a economia caminha para o melhor dos resultados, conduzida por uma espécie de mão invisível. Esta é a essência do que ficou conhecido como liberalismo econômico. E é uma conseqüência do suposto de Smith (e dos clássicos em geral) de que a economia é uma ciência regida por leis naturais, universais e eternas, tal como a física newtoniana. 
Esta posição de Smith de não-intervenção do Estado nas leis do mercado foi, em grande parte, responsável pelo sucesso de sua obra. Não nos esqueçamos de que, nesta época, a Inglaterra entrava numa nova era e as regulamentações, decretos e demais intervenções governamentais impediam a livre movimentação do capital e do trabalho, requerida pelos novos empresários. Smith não era tão benevolente para com os empresários como dá a entender uma divulgação pouco fundada de suas principais idéias. Seu arguto senso de observação levou-o a verificar que os empresários raramente se reuniam para tratar de seus assuntos, mas quando o faziam era para tramar algo contra o interesse dos consumidores ou para elevarem os preços. Apesar desse registro, sua obra dá argumentos sólidos para a defesa da burguesia nascente, que combatia com todos os meios as regulamentações e os monopólios comerciais nascidos da legislação mercantilista. 
Qual deveria ser então, o papel do Estado para Smith? O Estado deveria: (a) proteger a sociedade contra os ataques externos; (b) estabelecer a justiça; e (c) manter obras e instituições necessárias à sociedades, mas obras não lucrativas e que, por isso, não seriam empreendidas pela iniciativa privada. Ao Estado caberia ainda o controle de emissão de papel-moeda (que não deveria ficar nas mãos dos banqueiros), o controle da taxa de juros, em determinados casos, e até mesmo a proteção da indústria nacional essencial à defesa do país. Uma não-intervenção do Estado na economia não era a tese de Smith. Por isso, neste livro, preferimos usar a expressão não-intervenção do Estado nas leis do mercado, em vez de não-intervenção do Estado na economia. 
Para onde caminha a sociedade? Esta terceira indagação de Smith é uma decorrência da anterior e do papel que ele atribui à acumulação de capital, resultante do aumento de produtividade, provocado pela divisão do trabalho. Embora fosse péssima a situação do operariado na época, ele via, com a tranqüila certeza dos que acreditam no determinismo das leis naturais, que a riqueza só podia crescer e, crescendo, beneficiaria a todos. Sua visão do mundo era a visão de um otimista.
6 - A Escola Clássica - III
6.1 - David Ricardo (1772 – 1823)
Antes mesmo de falar sobre David Ricardo gostaríamos de dizer que Adam Smith não foi capaz de fornecer uma teoria razoável da distribuição do excedente entre as diversas classes sociais. Esta tarefa caberá a David Ricardo que, numa linguagem concisa e menos colorida que a de seu predecessor será o responsável pela formalização de muitos conceitos econômicos. A influência de Ricardo foi enorme. O próprio Keynes dirá que Ricardo dominou a Inglaterra tão completamente como a Santa Inquisição dominou a Espanha. É considerado o maior dos economistas clássicos. 
David Ricardo era filho de um judeu que, vindo da Holanda, se estabelecera como corretor de valores na bolsa de Londres. Aos 14 anos, já trabalhava na bolsa com o pai. Mas, aos 21 anos, desentendeu-se com ele por ter desposado uma "quaker�" e abraçado o cristianismo. Continuou na boba onde fez fortuna, pois possuía qualidades excepcionais para os negócios. Aos 42 anos de idade já possuía uma fortunacalculada entre 500 mil e um milhão e 600 mil libras! Com esta fortuna, pode retirar-se dos negócios e dedicar-se tranquilamente a seus estudos de economia. Tinha uma inteligência poderosa e analítica. Não recebeu instrução econômica formal. O maior dos economistas clássicos nunca freqüentara as cadeiras de uma universidade. Seu grande conhecimento econômico ele o conseguiu através de leituras e de reflexão. Em 1799 leu A riqueza das nações e ficou profundamente impressionado com o livro de Smith. Parece que data desta época seu interesse intelectual pela economia. Mas esperou ainda uns dez anos antes de lançar sua primeira publicação, em forma de carta no Morning Chronicle. Publicou vários trabalhos importantes. Em 1817 saiu pela primeira vez sua obra máxima Princípios de economia política e de tributação. Nesta época já era famoso e suas idéias tiveram boa acolhida. 
Ricardo interessou·se muito pelos problemas de sua época. Este interesse leva-o em 1819 à Câmara dos Comuns, onde teve destacada influência, embora não gostasse de discursar. Conta-se que Ricardo sentia grande dificuldade em redigir. Ele próprio registrou esta dificuldade em cartas a amigos. James Mill, grande economista com quem Ricardo mantinha relações de amizade, instava para que ele publicasse suas idéias e reflexões. 
Ricardo era grande amigo de Thomas Robert Malthus, embora estes dois economistas discordassem em quase tudo. A discordância no plano das idéias nunca afetou a amizade entre eles. 
A obra ricardiana exerceu enorme influência sobre todas as correntes econômicas posteriores. Marx e os socialistas encontrarão no seu estudo de distribuição do produto entre as classes um ponto de partida para o desenvolvimento de novas teorias. Alfred Marshall e a corrente neoclássica encontrarão na sua teoria da renda da terra e na visão coerente da economia, como ciência regida por leis naturais, a inspiração germinal dos conceitos marginalistas e do tratamento modelístico em economia. 
Agora já temos condições de apresentar uma visão esquemática das escolas econômicas.
Ricardo e Malthus têm raízes intelectuais em Adam Smith. Diferenciam-se porque Malthus não aceita a "lei de Say" (lê-se lei de Sé) e Ricardo sim. Este problema será tratado, mais tarde, ao falarmos de Keynes e do problema da demanda efetiva. 
Marx e Marshall defendem pontos de vista diametralmente opostos no encaminhamento das questões econômicas, mas ambos de inspiração ricardiana. A riqueza de um pensamento está justamente nesta capacidade de abrir novos horizontes intelectuais. Neste ponto, O pensamento de Ricardo foi fecundo. 
Em 1823, com pouco mais de 50 anos e deixando uma bagagem respeitável, morre Ricardo, rico, respeitado e famoso. 
6.2 - Idéias Importantes (Teoria do Valor)
Ricardo voltar-se-á para o problema do valor, ao tentar interpretar a inflação que ocorria na Inglaterra e ao envolver-se nas discussões sobre o preço das mercadorias. Já mencionamos seu artigo no Morning Chronicle. Algumas de suas sugestões foram adotadas pelo Banco da Inglaterra e sofreram críticas. Ao tentar aprofundar este assunto e responder às críticas, Ricardo defronta-se com o problema do valor. Para ele, o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho nela incorporada. Ou seja, o valor é dado pelo seu custo em trabalho (teoria do valor-trabalho). Este custo não é calculado apenas pelo trabalho imediato, mas também pelo trabalho mediato�. Se uma mercadoria for produzida pelo emprego de uma máquina e um trabalhador, entram no cálculo do valor da mercadoria não só o custo em trabalho do trabalhador (custo imediato), mas também o custo do trabalho incorporado à máquina (custo mediato). Não se pode esquecer que a máquina foi construída com o dispêndio de certa quantidade de trabalho. Portanto, atrás do preço da mercadoria está o valor, atrás do valor estão os custos de produção e atrás dos custos de produção está o trabalho humano porque todo custo pode, em última análise ser decomposto cm sua expressão mais simples que é o trabalho humano. 
Não escapava aos clássicos que a utilidade tinha certo peso na determinação dos preços. Mas esta importância era relativa. Ela fazia os preços oscilarem em torno de determinado patamar, mas não explicava o nível deste patamar. Por que um carro custa $ 10.000 e um saco de batatas custa $ 20 mesmo quando as proporções entre oferta e procura para estes dois bens são as mesmas? O preço não pode ser explicado unicamente por um elemento subjetivo. A oferta e a procura explicam as oscilações dos preços em torno de determinado patamar, não os preços. 
Alguns neoclássicos mais atentos, como, por exemplo, Marshall percebeu este problema e consideraram os custos de produção como integrantes do valor. Mas os custos de produção não são o último elo da corrente. Eles podem ainda ser decompostos em trabalho. O trabalho é o elemento mais simples, e irredutível a qualquer outro. Na determinação do preço deve haver um elemento objetivo que só pode ser o trabalho humano. 
Ricardo percebeu que sua lei tinha exceções. O preço de certos objetos raros como, por exemplo, obras de arte e vinhos finos não eram determinadas pelo seu custo em trabalho. Mas a exceção não invalidava a lei geral. Afirma ele que o custo em trabalho só explica o valor quando se trata de bens que "a indústria humana pode reproduzir de maneira praticamente ilimitada". Não devemos esquecer-nos de que as leis econômicas têm de captar a essência dos fenômenos e não a aparência. É certo que há inúmeras causas que explicam a oscilação dos preços e que serão rigorosamente impossível (mesmo na era dos computadores) explicá-las ou apontá-las todas. Mas deve existir lima lei que dê coerência e unidade a todo o resto e que tenha grande poder explicativo. A teoria do valor-trabalho tem este papel no modelo ricardiano. 
Tanto para Ricardo como para Smith, toda mercadoria tinha dois preços: o preço natural, equivalente ao valor e o preço de mercado que oscilava em torno do valor, conforme a oferta e a procura. As mil causas que determinam as oscilações dos preços de mercado não os afastam muito (de modo geral) do valor. 
Henri Denis recorre a um artifício para explicar a formação do preço natural em Ricardo. Designa por PA o preço de A, por qA o custo em trabalho de A e por qm o custo em trabalho da moeda (para se cunhar uma moeda há dispêndio de trabalho). O preço de A, será então: 
			PA = (qA / qm)
Suponha que o custo em trabalho de se produzir uma moeda seja de $ 10 e o custo em trabalho de produzir um livro seja de $ 100.000. O preço do livro será: 
			
			PA = (qA / qm) = (100.000) / (10) = $ 10.000
A teoria do valor-trabalho de Ricardo será retomada e aperfeiçoada por Marx. Os neoclássicos a abandonaram não por ser ela simplista (como alegam), mas por trazer problemas delicados para a economia. Veremos, depois, que o campo de estudo da economia neoclássica é mais restrito que o da economia clássica. Nele não há lugar para as classes sociais. 
"A grande preocupação de Ricardo, no seu capítulo consagrado ao valor, é mostrar que os movimentos dos preços dependem das variações dos produtos e não das flutuações dos salários." É essencial que se entenda isto, para se compreender sua teoria da repartição que abordaremos agora. 
6.3 - Teoria da Repartição
No prefácio de sua principal obra, Ricardo diz que o problema central da Economia Política é explicar as leis que regulam a repartição do produto nacional entre as diversas classes sociais. Mas, no fundo, o problema que ele persegue é o mesmo de Smith: o estudo do crescimento econômico. Acontece que a composição de classes foi considerada por ele como um fator tão condicionante do crescimento econômico que tal crescimento não poderia ser explicado se não se partisse do estudo de como o produto social se distribui entre as classes. Desse ponto de vista, ele só poderá elucidar o crescimento explicando a repartição do produto entre as várias classes. A partedo produto nacional que cabe aos latifundiários depende das diferentes condições em que se dá a produção agrícola. Esta parte tende a subir porque, com o crescimento da população, terras cada vez menos férteis terão de ser incorporadas à estrutura de produção. Vejamos como funciona sua teoria da renda da terra. A partir deste esquema, entenderemos seu modelo completo. Para o leitor de hoje, talvez seja útil um esclarecimento. No esquema ricardiano há três classes sociais: latifundiária, capitalista e operária. Os latifundiários ou proprietários de terra geralmente não a cultivam. É o capitalista que se dedica à produção e para isso aluga a terra do latifundiário e contrata operários para cultivá-la. 
Feito este esclarecimento, voltemos a nosso assunto principal. Vamos tomar um exemplo do próprio Ricardo. Para demonstrar seu modelo de formação da renda (renda é a parte do produto que vai para o latifundiário) ele nos apresenta um novo país onde a terra é livre e onde só a melhor terra é cultivada porque a população ainda não é suficientemente grande para pressionar os recursos naturais. Nestas circunstâncias, não se paga renda. Veja o esquema abaixo onde o retângulo indica uma porção de terra capaz de produzir uma tonelada de trigo com certa quantidade fixa de trabalho e capital. O retângulo pode significar também o custo de se produzir uma tonelada de trigo. 
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	 
	 
	
	Custo de Produção
	
	 
	 
	
	de 1 tonelada de trigo
	 
	 
	
	
	
	
	 
	 
	
	
	
	
	 
	A
	
	
	
	
	
	
	
É evidente que o preço desta tonelada de trigo deverá, pelo menos, cobrir os custos de produção. Caso contrário, não valerá a pena plantar trigo para vender. 
Suponhamos, agora, que a população aumente e que novas terras me· nos férteis sejam incorporadas à estrutura produtiva. O preço do trigo de· verá subir, para cobrir os custos do cultivo, em terras menos férteis. Para se produzir a mesma tonelada de trigo, teremos que utilizar mais capital e mais trabalho. Os custos de produção sobem ao se cultivar a gleba B de segunda qualidade (que Ricardo chama de terra 2).
	
	
	
	
	
	
	
	
	Renda
	 
	
	 
	Custo de Produção de 1 Tonelada
	
	 
	
	 
	de trigo na terra B
	
	
	 
	 
	
	 
	
	
	
	
	 
	 
	
	 
	
	
	
	
	A
	B
	
	 
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
E evidente que, agora, o preço do trigo será maior. O valor de troca da produção deverá ser regulado pelo custo de produção nas circunstâncias menos favoráveis. No nosso caso, o preço mínimo de uma tonelada de trigo deverá cobrir os custos de produção na gleba B. Isto porque a competição intercapitalista levará os lucros a se equalizarem. Com o aparecimento da terra de segunda qualidade, surge a renda na terra de primeira qualidade. A renda é a diferença entre o produto obtido pelo emprego de duas quantidades iguais de capital e trabalho ou, se quiserem, é o saldo que vai para as mãos dos proprietários das terras mais férteis. A situação, aqui, é a seguinte: o capitalista da terra A produz a um custo mais baixo que o da terra B, mas vende seu produto a um preço que, pelo menos, cobre os custos de cultivo na terra B (não na terra A). O saldo, contudo, não fica com ele. Este saldo terminará nas mãos do proprietário de quem ele alugou o terreno porque estas terras férteis, agora, são escassas e estão sob com· petição. Se o capitalista X não arrendar, outro a arrendará e pagará por ela até a diferença entre os custos de produção de A e de B. A renda é a diferença dos custos de produção nos dois tipos de terra. 
Mas a coisa não pára aí. Se a população crescer e pressionar por mais alimentos, novas glebas terão de ser cultivadas (a terra de segunda qualidade) e começará a gerar renda, e assim sucessivamente. Observe o diagrama abaixo: 
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	 
	 
	
	
	
	
	
	
	
	 
	 
	
	
	
	
	
	
	 
	 
	 
	
	Preço mínimo de 1 ton.
	
	
	 
	 
	 
	
	de trigo = custo de produção
	
	 
	 
	 
	 
	
	da tonelada na terra D
	
	 
	 
	 
	 
	
	
	
	
	 
	 
	 
	 
	 
	
	
	
	
	 
	 
	 
	 
	 
	
	
	
	
	A
	B
	C
	D
	 
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
A terra D não proporciona renda, mas esta aparece nas terras A, B e C, como mostra o diagrama. Deste modo, à medida que as terras cultivadas vão estendendo-se, a porção do produto que vai para as mãos dos latifundiários aumenta. Ricardo não considera o preço da terra como custo de produção. Se você entendeu os passos anteriores, poderá compreender, agora, sua afirmação de que "o trigo não é caro porque se paga renda, antes paga-se renda porque o trigo é caro ...". 
Alguns autores, pouco atentos à situação da Inglaterra na época, foram levados a dizer que Ricardo faz aqui um exercício de abstração, onde, aceitas determinadas premissas e escolhida determinada variável, a conclusão se impõe. Esse esforço de abstração (que é inegável em toda a obra de Ricardo) Schumpeter chamou de "vício ricardiano". É verdade que com Ricardo a economia deixa de ser empírica e torna-se abstrata e austera, como diz Spiege1. Mas o encarecimento do preço do trigo na Inglaterra da época era real e o estudo de Ricardo não fazia mais que refletir a realidade. Sua teoria era bastante realista, como mostra o quadro seguinte: 
Média dos preços por década entre 1770 e 1813
1770-1779		45 shillings
1780-1789		45 s. e 9 d
 1790-1799		 55 s. e 19 d
1800-1809		82 s. e 2 d
 1810-1813		106 s. e 2 d
O preço real do trigo mais que duplicou em 40 anos. Ora, isto trazia problemas para a economia. O trigo era o principal componente da dieta do trabalhador e seu peso era grande no custo de vida. Aumentar o preço do trigo era empurrar os salários para cima. Por outro lado, com terras cada vez menos férteis, tinha-se de aumentar a quantidade de trabalho (e, portanto, a massa de salários) para se colher a mesma quantidade de trigo. Acrescente-se a isto que os proprietários de terra ainda detinham o poder político e, com isto, impediam a importação de cereais, fato que poderia baratear os salários. O temor dos latifundiários era que, com o fim das guerras napoleônicas, o trigo chegasse abundante e barato à Inglaterra, o que prejudicaria seus interesses. Por isso mantiveram a "lei dos cereais". Esta lei só cairá muito mais tarde, quando a burguesia tiver conseguido o poder político. Em 1815 a luta estava quente no Parlamento. A teoria ricardiana da renda da terra é o reflexo de tudo isto. Não nasceu de um sonho, mas do embate político que se travava no momento, e do qual Ricardo foi um dos protagonistas. Ele percebe o conflito de interesses entre as classes e toma partido em favor dos capitalistas contra os latifundiários, porque, em sua teoria, o motor do crescimento econômico é o lucro (excedente disponível para investimento) que tendia a diminuir se o cultivo de terras cada vez menos férteis se ampliasse. Para entender isto, vamos estudar como ele considera o crescimento econômico. 
6.4 - Teoria da Evolução Econômica (Salários, lucros e investimentos)
Já sabemos que para Ricardo os componentes do preço mínimo (que deve igualar-se aos custos de produção) são os salários e o lucro natural, ou seja, aquela remuneração mínima sem a qual O empresário não iniciará o negócio. Estes dois componentes não se comportam da mesma maneira. 
O lucro é um resíduo. Determinado o salário, o que sobra é o lucro. O salário, por sua vez, divide-se em salário natural e salário de mercado. Salário natural é aquele que permite a aquisição de uma cesta mínima de bens que possibilite os operários subsistirem sem aumento nem diminuição. Não se trata de subsistência física apenas. Este mínimo depende do grau de civilização da sociedade. Por exemplo, se o trabalho exigir gasto com instrução, este tipo de gasto fará parte do mínimo de subsistência. Considerado o mínimo desta maneira, Ricardo pode explicar o aumento secular dosalário real sem abandonar sua definição de que o salário natural é aquele que proporciona o mínimo para os operários sobreviverem. Salário de mercado é o salário determinado pela oferta e procura de trabalhadores. Este salário girará em torno do salário natural, mas poderá ser maior ou menor do que este, dependendo da oferta e da procura de trabalhadores. Se a mão-de-obra for abundante, o salário tenderá a diminuir. Se for escassa, tenderá a aumentar. Ora, com o cultivo de terras cada vez menos férteis sobem o preço do trigo. Subindo o preço do trigo, sobe o salário natural e, portanto, diminui o lucro. Já vimos que, com a incorporação de terras inferiores, surge um saldo, que vai para as mãos dos latifundiários. Os capitalistas, ocupados com o cultivo nestas terras, não se beneficiam com isto. Ao ampliarem o cultivo em direção a terras de qualidade inferior, são obrigados a aplicar mais trabalho para obter o mesmo produto. Resultado: queda dos lucros. Por outro lado, Ricardo aceita a teoria da população de Malthus, segundo a qual a população aumenta quando os salários aumentam e diminui quando os salários diminuem. Sendo assim, o salário de mercado estará sempre próximo do salário natural (mínimo de subsistência). Por que isto? Porque, se os salários subirem, a população aumentará e teremos abundância de trabalhadores. A abundância de trabalhadores provocará queda dos salários de mercado. Quando os salários estiverem muito baixos, a situação se inverterá. Teremos diminuição da população e escassez de trabalhadores. Isto levará a um aumento dos salários, e assim sucessivamente. Mas se os salários não se afastam muito do nível de subsistência e os lucros não crescem, antes diminuem com o cultivo de terras menos férteis, quem se beneficia com o aumento do produto? Só pode ser a classe dos proprietários de terra. Ora, o crescimento econômico só é possível com o investimento e o investimento é parte do lucro aplicado na produção. Investir é a função do capitalista. Se o lucro diminuir, o investimento também diminuirá. Se a taxa de lucro tender a zero, como tenderá se, se verificarem todas as hipóteses ricardianas, a economia tenderá para o estado estacionário, ou seja, para um estado no qual a população é estável e a renda per capita é constante. No estado estacionário, a economia não cresce nem diminui. Embora a teoria ricardiana aponte para este estado, Ricardo acha que ele poderá ser retardado se se adotarem certas medidas como aplicação de melhores técnicas de cultivo e importação de cereais. A importação de cereais baratearia o custo do trabalho. Para mostrar cientificamente como o livre comércio favorece os diversos países e, portanto, favoreceria também a Inglaterra, caso fosse adotado, Ricardo desenvolve um teoria (ou um princípio) que se tornará célebre, em economia, com o nome de teoria das vantagens comparativas. Apoiado nesta teoria, ele será um decidido defensor do livre-cambismo que tantos benefícios trará à Inglaterra, alguns anos mais tarde. Com este instrumental, ele terá argumentos fortes contra a "lei dos cereais" e a favor da livre importação de grãos. 
6.5 - A teoria das vantagens comparativas
A teoria das vantagens comparativas é um avanço em relação à teoria das vantagens absolutas de Adam Smith. Este último mostrara que o livre comércio seria benéfico para as diversas nações. Se as nações se especializarem na produção daquilo para o qual estão mais aparelhadas e, em seguida, trocarem a produção excedente entre si, todas serão beneficiadas. Por exemplo, se for mais barato produzir chá no Ceilão do que nos Estados Unidos e mais barato produzir trigo nos Estados Unidos do que no Ceilão, estes dois países deverão dedicar-se à produção do que lhes for mais barato e trocar o excedente. Os Estados Unidos comprariam chá do Ceilão e este último país compraria trigo dos Estados Unidos. Isto é óbvio. Até aí o progresso não foi grande. Trata-se de uma aplicação evidente do princípio da divisão do trabalho. Ricardo dá um passo além. Mostra que mesmo no caso de um país ser superior ao outro na produção de dois bens, ainda assim o comércio entre eles é compensador. Vejamos como ele desenvolve este raciocínio. Primeiro vamos fazer uma analogia e, em seguida, lançar mão de um exemplo do próprio Ricardo. Suponha que você seja tradutor e financista e que seu trabalho na área financeira exija a tradução de determinadas revistas especializadas. Para simplificar, vamos supor que você gaste, em média, 8 horas para traduzir 20 páginas e ganhe com isto $ 10 (dez unidades monetárias) e que ganhe $ 20 por 8 horas de consultaria financeira. É evidente que você preferirei dedicar-se totalmente à consultaria e contratar o indivíduo B para fazer as traduções, mesmo que este tradutor seja menos eficiente do que você. Você é mais eficiente que B em finanças e em tradução, mas em termos monetários é mais eficiente em finanças do que em tradução. 
Ricardo apresenta um exemplo análogo. Para produzir certa quantidade de vinho por unidade de tempo, Portugal ocupa 80 homens e para produzir certa quantidade de tecido, na mesma unidade de tempo, ocupa 90 homens. Para produzir estas mesmas quantidades de vinho e tecido, por unidade de tempo, a Inglaterra ocupa 120 e 100 homens respectivamente. Esquematicamente temos: 
						
							Vinho 		Tecido
	Portugal					80		90	
	Inglaterra					120		100
Portugal tem vantagem absoluta tanto em vinho quanto em tecido, mas tem vantagem relativa em vinho, ou seja, é mais eficiente na produção de vinho. Ele ganhará ocupando todos seus homens na produção de vinho e trocando o vinho excedente pelo tecido excedente da Inglaterra, que ganhará mais se especializando em s6 produzir tecidos. Os países devem especializar-se naquilo que são mais capazes de produzir, mesmo que um deles seja mais eficiente do que o outro na produção de todos os bens. 
Este tipo de argumentação (correta se considerarmos as economias como estáticas) foi uma poderosa arma nas mãos dos adeptos do livre-cambismo. A Inglaterra tornou-se senhora do mundo apoiada na defesa intransigente do comércio livre. 
Alguns anos atrás, já no nosso século, os estudos de Raul Prebish e da CEPAL, sobre a deterioração das relações de troca entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, mostraram que a argumentação ricardiana continha supostos irrealistas. Os fatos levantavam-se contra a argumentação de Ricardo apoiada nas vantagens relativas. Onde estaria a falha de uma argumentação tão convincente? No fato de se considerar o mundo econômico de maneira estática. Voltando à nossa primeira analogia: é de todo evidente que o financista deva dedicar-se totalmente à consultoria e deixar as traduções para o tradutor, mas este último não precisa permanecer eternamente tradutor. Que lei o impede de progredir? Se as condições são tais que o financista sempre estará lucrando mais que o tradutor, por que este último não se torna financista? 
Uma das forças que impede esta transformação é a argumentação ideológica. t: ela que lança mão dos argumentos ricardianos sobre livre comércio para justificar a atual divisão internacional do trabalho. Voltamos a acentuar que a argumentação de Ricardo sobre vantagens relativas é perfeitamente válida e convincente dentro de um marco referencial estático. Mas não há nenhuma lei dizendo que este referencial deva ser estático. 
6.6 - A Teoria da Renda de David Ricardo
David Ricardo foi outro pensador vinculado à Escola Clássica. Foi bastante influenciado pela leitura da obra de Adam Smith�, que dirigiu sua atenção para a economia política. Mas, ao contrário deste e de outros pensadores, Ricardo é menos acadêmico do que um filósofo prático, com extraordinário talento para os negócios, e com uma visão bastante abrangente a respeito do fenômeno econômico. 
Suas primeiras especulações dirigem-se para a moeda, e ele demonstra que o valor da moeda metálica deriva do trabalho para produzi-Ia; quanto à moeda fiduciária, ou moeda sem lastro, o seu valor dependeda quantidade em circulação. Apontou a relação entre o comércio exterior e o valor desta moeda: se há excesso de moeda, os preços internos sobem o que leva ao aumento de importação, que por sua vez acarreta déficit na balança comercial. Este déficit deverá ser coberto pela saída de ouro, que ao sair do país, elimina o excesso. Por outro lado, se os preços internos baixam, há um incremento na exportação, trazendo superávit na balança de pagamentos, e, portanto haverá entrada de ouro país (este equilíbrio somente irá ocorrer se a moeda possuir lastro, ou ouro bastante que sustente o seu valor de conversão). 
Ricardo elaborou uma teoria geral da renda, que ele baseou em hipóteses econômicas. Ele considera que em um primeiro momento, haverá um acesso em comum a terras férteis, que serão cultivadas com o mesmo custo, e vendidas ao mesmo preço; não há, pois, renda, pois que o lucro é igual para todos. 
Com o aumento da população, novas terras deverão ser cultivadas, para suprir a alimentação dos novos contingentes populacionais. Entretanto, só estarão disponíveis, nesse instante, terras menos férteis, cujo cultivo terá maior custo. Assim, eleva-se o preço de venda (admite-se que a produção feita em terras mais férteis terá seu preço ajustado aos das terras menos férteis; assim, o lucro das primeiras será maior, porque terão um lucro suplementar, independente do capital e do trabalho dedicado à produção). O que não se pode admitir seria vender abaixo do preço de custo. 
Em um processo crescente, provocado pelo aumento populacional, novos contingentes de produtores entram no esquema, em uma escala decrescente de lucros. Haverá sempre uma diferença de custos entre os primeiros e os últimos produtores, acarretando o que se denomina renda diferencial. 
Levando mais longe o seu raciocínio, Ricardo chega ao momento em que já não haverá mais terras disponíveis. Mas como a população continua crescendo, os preços também sofrem aumentos constantes. Esta alta de preços traz uma renda suplementar àqueles que detêm as menos férteis das terras (terras marginais). Neste caso, não se chama de renda diferencial, mas de renda de monopólio. 
Os proprietários das terras mais férteis, em todos os casos, estarão sempre aumentados os seus preços (e incrementando a sua produção), para aproveitar o preço ditado pelo custo de produção das terras menos férteis. Entretanto, esta produção suplementar exige, por sua vez, quantidades cada vez maiores de trabalho e de capital, os quais deverão ser remunerados�? 
A necessidade progressiva de explorar terras sempre menos férteis altera esta repartição. Enquanto a renda aumenta sem limite, o salário e o lucro tendem a diminuir. O primeiro, pela crescente oferta de mão-de-obra; quanto ao lucro, tende a uma margem cada vez menor, devido aos custos crescentes de produção. Mas, ainda que a renda aumente, haverá uma queda nas taxas de juros, e com isto uma queda na poupança, o que por fim levaria a uma estagnação na indústria. 
Analisando os detalhes práticos da política econômica inglesa, Ricardo se opôs às restrições legais à importação de trigo, que só poderia ser feita caso o preço ultrapassasse um determinado patamar. Para ele, o alto preço do produto impunha altos salários nominais, que traziam redução nos lucros. O acúmulo de capital que se daria a partir dos lucros vê-se impedido, e até ameaçada a expansão da atividade econômica, porque a elevação dos preços limitava a acumulação. 
"Ricardo era contemporâneo do início da Revolução Industrial e identificava-se com a burguesia industrial, cujos interesses supunham que coincidiam com os de toda a sociedade. Verificava que o excedente se repartia lucros e renda da terra e defendia abertamente uma política favorável ao lucro em detrimento da renda. Ricardo tomava, dessa maneira, posição no conflito de classes a favor da burguesia, o que o levou a entrar em polêmica contra o seu amigo Malthus, que era partidário dos proprietários fundiários." (4) 
Numerosas críticas surgiram a respeito da explicação generalista que Ricardo tentou estender a todos os casos de renda fundiária (mas não da sua teoria, do modo como ele a expôs). Por exemplo, o economista Charles Henry Carey (1793-1879), que também estudou a renda, contestou a idéia de que a exploração da terra passava forçosamente por estas etapas, como se fosse uma lei histórica imutável�. 
Analisando a forma como se deu a exploração de vários países, mesmo na Europa, Carey observa que muitas vezes, o início da exploração agrícola se dá a partir de terras menos férteis, principalmente se encontram em território a salvo de invasões, ou mesmo se são de maior facilidade de cultivo. Em seguida, podia-se se passar (o cultivo) para terras mais férteis. Essa ordem de cultivo, para Carey, daria origem a uma possível baixa progressiva do preço dos produtos, e com isso, do valor da terra (Carey chegou a negar a possibilidade de existência da renda)�. 
Para Ricardo, o valor baseia-se estritamente no trabalho�; ele rejeita a utilidade como causa e medida do valor. Para ele, havia duas espécies de bens: aqueles não suscetíveis de reprodução, cujo valor depende de sua raridade e da relação entre oferta e procura; e aqueles suscetíveis de reprodução indefinida, sempre a um mesmo preço de custo. 
Ricardo também fez interessantes estudos a respeito de moeda, crédito e comércio internacional. Para ele, cada país está, em um determinado instante, em equilíbrio monetário resultante de sua atividade econômica, do sistema monetário e do sistema bancário. Este equilíbrio não está relacionado com a quantidade total de moedas e de metais preciosos que existe em todo o mundo. Admite-se que os metais preciosos possuem a mesma capacidade de aquisição de mercadorias, em cada país. 
Em sua análise, ele afirma que o equilíbrio decorre da relação entre um superávit inicial, que: 
1) provoca a entrada de ouro em função do excedente exportado; 
2) provoca uma alta de preços; 
3) provoca um aumento das importações (com a saída de ouro correspondente); e que, 
4) acaba por levar a um déficit na balança na pagamentos, até que, 
5) se atinja o equilíbrio entre os preços e a distribuição do ouro�.
Ricardo notou também que os países de economia mais desenvolvida (e de preços mais baixos) atraíam moedas e metais de países menos desenvolvidos�. Ao identificar a moeda metálica com a moeda bancária (papel-moeda), ele fez várias ilações, das quais extraiu várias propostas: a criação de um sistema monetário de papel-moeda em circulação e de conversibilidade em ouro; criação de bancos nacionais; políticas de deflação; etc. 
11 – A Influência da Escola Clássica
As idéias econômicas clássicas tiveram extrema influência no comportamento prático das nações, seja na política fiscal, seja nas idéias monetárias e nos fatos econômicos. As idéias defendidas por Ricardo fizeram-se sentir, por exemplo, quando da promulgação do Bullion Report, de 1810, como no Act (Lei) de Peel, de 1844, que procedeu à reforma do Banco da Inglaterra. 
No século XIX procedeu-se à revogação, na Inglaterra, de uma série de leis protecionistas (até criando-se leis antiprotecionistas), e tomaram-se medidas a favor do câmbio livre, bem como outras medidas de forte influência clássica, principalmente ricardiana. No continente (na França), as idéias pessimistas de Malthus não encontraram eco; ao contrário, a maioria dos autores que escreviam acerca de economia tinha propensão ao otimismo. E enquanto a escola inglesa dava ênfase à propriedade rural e à renda, a escola francesa privilegiava o empreendedor e o lucro. Colocou também a indústria como o centro da produção, e a produção como o centro da economia. 
As idéias econômicas clássicas continuaram a influenciar a próxima geração de economistas de fins do século XIX e início do século XX. O economista Mac-Leod fez um amplo estudo a respeito da natureza do crédito, e do papel exercido pelos bancos, em sua criação. Ele apontou a semelhança existenteentre a nota de banco e os créditos bancários utilizáveis através de cheques. Achava que se devia substituir a noção de criação de riqueza pela de criação de utilidade. Mostrou, entre outras coisas, que as dívidas e os créditos também são bens econômicos a se levarem em conta. Sendo assim, concluía-se (como ele o fez) que poderiam existir utilidades econômicas em potencial, ou futuras. 
No século XX, surgiram novas tendências no pensamento do classicismo. Registra-se o aparecimento das escolas históricas, hedonista e intervencionista moderada. Deve-se as primeiras a metodologia de análise e de dedução; às segundas, a noção de utilidade, produtividade marginal e de equilíbrio econômico; às terceiras, a concepção de intervencionismo de Estado, permeado por um liberalismo moderado. 
6.7 - Stuart Mill
John Stuart Mill (1806-1873) é o filósofo da "justiça social", e, ainda que de tendência liberal, inicialmente, voltou-se posteriormente para uma corrente de pensamento de molde socialista e intervencionista. Mill preocupou-se, e fez uma distinção radical entre os fenômenos da produção e da repartição. Para ele, os primeiros eram fixos e rígidos, e não podiam sofrer intervenção humana para modificá-los. Já os segundos, dependiam da vontade humana. 
Mill achava que a distribuição da riqueza podia ser submetida a regras da sociedade, e ele mesmo propôs algumas medidas de organização social, para melhor repartição desta riqueza. Ele é, a um só tempo, individualista e intervencionista; enquanto defende a expansão da pequena propriedade agrícola, por outro lado volta-se para medidas arbitrárias de restrição da prole (neste caso, mostra-se um neomalthusiano convicto). Propôs o desenvolvimento de cooperativas de produção, pois achava que isto transformaria a classe obreira em capitalista. Mas não deixa também de ansiar por uma ordem futura, baseada no comunismo, como ele a definia. 
Era, claramente, um reformista social, devido às suas preocupações humanitárias, mas suas idéias sofrem de freqüente contradição, quando buscava conciliar ponto de vista opostos, sobre os quais não tinha uma posição definida; nestes casos, seu pensamento se mostrava nebuloso�. Mas suas idéias, principalmente o conceito de dinâmica econômica (ou transformação econômica) viriam a permitir que se fizesse posteriormente, em épocas posteriores, uma distinção entre "Economia Pura" (que lançava mão do método matemático para pesquisar a relação entre os fatos econômicos) e "Economia Aplicada" (os conceitos e ferramentas teóricas utilizados pelas autoridades que podem decidir sobre os fatos econômicos). 
BIBLIOGRAFIA
ADAM SMITH/RICARDO. Coleção Os Pensadores. Abril Cultural. 2. ed. São Paulo. 1979. 
AMIN, S. O Desenvolvimento Desigual. Forense-Universitária. Rio de Janeiro. 1976. 
BREAUD, Michel. História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. Brasiliense. São Paulo. 1987. 
CASTRO, Paulo de. Rosa Luxemburgo – Socialismo e Liberdade. Forum Editora. Rio de Janeiro. 1968. 
DOBB, M. A. A Evolução do Capitalismo. 5ª edição. Zahar. Rio de Janeiro. 1987. 
FISCHER, Ernst. O Que Marx Realmente Disse. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 1970. 
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Companhia Editora Nacional. 11 ª edição. São Paulo. 1971. 
GALBRAITH, John Kenneth. O Pensamento Econômico em Perspectiva. Uma História Crítica. Pioneira/Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1987. 	
GOLGHER, Isaías. Leninismo. Uma Análise Marxista. Editora Saga. Volume Primeiro. Rio de Janeiro. 1967. 
GOMES, Luiz Souza. O que devemos conhecer da Economia Política e das Finanças. Livraria Tupã Editora. 5ª edição. Rio de Janeiro. S/d. 
GOMES, Luiz Souza. O que devemos conhecer de Moeda e Crédito, Preços e Bancos. Biblioteca Universal Popular. Rio de Janeiro. 1964. 
HOBSBAWN, E. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Forense-Universitária. Rio de Janeiro. 1986. 
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21ª edição. Guanabara. Rio de Janeiro. 1996. 
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. Editora Atlas. 10ª edição. São Paulo. 1969. 
HUNT & SHERMAN. História do Pensamento Econômico. Ed. Vozes. Petrópolis. 1977. 
MAGALHÃES FILHO, Francisco de B. B. História Econômica. 9ª edição. Saraiva. São Paulo. 1987. 
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Zahar Editores. Rio de Janeiro. 1969. 
MARX, Karl. O Capital. Coleção Os Economistas. 2ª edição. São Paulo. 1969. 
MEYERS, A. Elementos de Economia Moderna. Livro Ibero-Americano Ltda. Rio de Janeiro. 1962. 
MUMFORD, Lewis. A Condição de Homem. Editora Globo. Porto Alegre. 1958. 
NOMAD, Max. Heréticos da Política. Editora Fundo de Cultura. Rio de Janeiro. 1965. 
SANTOS, Mário Ferreira dos. Análise Dialética do Marxismo. Logos. São Paulo. 1953. 
SELDON, Arthur & PENNANCE, F. G. Dicionário de Economia. 2ª edição. Bloch Editores S.A. Rio de Janeiro. 1975. 
TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. A Morte do Industrialismo e o Nascimento de uma Nova Civilização. Editora Record. Rio de Janeiro. 1980. 
TRAGTENBERG, Maurício. Planificação – Desafio do Século XX. Editora Senzala. S/l. S/d. 
7 - Escola Clássica IV
7.1 - Thomas Malthus (1766 -1834)
Malthus, como Ricardo, parte dos problemas colocados por Smith em A riqueza das nações, mas ambos tomam caminhos diversos ou, como diz Schumpeter, apresentam formas alternativas para a recomposição da obra de Smith. 
A fama de Malthus provém do Ensaio porque o paradigma dominante na ciência econômica, até pelo menos 1930-36, incorporava a si a "lei de Say"� e excluía o problema da demanda efetiva. Hoje, as hipóteses ma1thuusianas sobre população parecem-nos menos importantes. Isto porque elas não se verificaram. Com isso não estamos dizendo que o problema populacional seja desimportante. Estamos afirmando que as hipóteses malthusianas não levaram em conta certos fatos que vieram a predominar. A inovação tecnológica no campo agrícola afastou o fantasma de uma produtividade sempre sujeita à lei dos rendimentos decrescentes. O outro problema, aquele abordado no Principles e que tratava da poupança e do investimento ou da "teoria dos excessos gerais" é que veio a tornar-se importante, principalmente após a obra de Keynes. Se o paradigma dominante da ciência econômica tivesse sido outro, provavelmente Malthus se teria tornado famoso pelo Principles e não pelo Ensaio. Eis aí um problema incômodo para os cultores das ciências sociais. As obras, às vezes, são valoradas por critérios extra-científicos. 
Ma1thus não foi, de modo algum, um pensador medíocre. Foi, antes, um pomo de discórdia. Ferozmente criticado por muitos e aplaudido por poucos. Uma obra que desperta aplausos, paixão e ódio não pode ser obra de um medíocre. Mas, sem dúvida, é uma obra fortemente influenciada por tendências ideológicas específicas e voltada para a defesa dos proprietários de terra e das classes não produtivas em geral. 
Malthus preocupava-se com o problema da superprodução. Como já dissemos, ele não aceitava a "lei de Say", talvez mais atento aos fatos (o capitalismo já estava experimentando crises periódicas) do que a um tipo de raciocínio puramente dedutivo, baseado em determinados supostos, como é o raciocínio que leva à "lei de Say". 
Como resolver o problema da superprodução? Aumentando a demanda de bens de consumo. Mas esta demanda não costuma aumentar da parte dos capitalistas, que mais investiam (demanda de bens de capital) do que consumiam. Isto agravava o problema. Não poderia aumentar também da parte dos trabalhadores, que recebiam salários próximos ao nível de subsistência. Só poderia aumentar da parte dos que recebiam rendas, dos rentistas que estavam sempre dispostos a consumir. Com este tipo de raciocínio, Malthus torna-se um defensor dos rentistas, colocando-os como indispensáveis na solução dos problemas de superprodução. Embora Keynes não tenha esposado esta idéia, há muitospontos de contato entre o pensamento de Malthus e o de Keynes. Por exemplo, Malthus mostra que a superabundância de capital era causada por decréscimos nos dispêndios militares do governo. No momento em que ele escrevia isto, a Inglaterra estava entrando num período de paz, após as guerras napoleônicas e diminuíra os gastos militares. Keynes também mostrará que o governo deve ter papel importante na solução de problemas de insuficiência de demanda. 
É fácil perceber também que, ao defender os latifundiários, Malthus se coloca em oposição frontal a Ricardo e toda aquela argumentação que este último apresenta para justificar a importação de trigo (comércio livre etc.). Malthus era favorável ao protecionismo. Escreveu mesmo um artigo cujo título era Bases para uma opinião sobre a política de restrição à importação de trigo (1815), mostrando que a Inglaterra deveria estimular a produção interna de trigo e tornar-se independente das importações. Já vimos que Ricardo defendia posição oposta devido ao encarecimento do trigo na Inglaterra, encarecimento que provocava aumento dos salários (o trigo entra na dieta do trabalhador) e conseqüente baixa dos lucros. 
Tudo isto mostra muito claramente que a obra de Malthus, como a dos demais autores clássicos, tem raízes profundas nos movimentos sociais e políticos da época. Ignorá-los é condenar-se a não compreendê-la. 
8 - A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A TESE SOCIALISTA 
A Ascensão da Classe Burguesa
A Revolução Industrial teve início, basicamente, na Inglaterra, nas primeira três décadas do século XVIII (teve seu auge entre 1750 e 1830). Foi uma transição de uma economia de moldes agrícolas e artesanais, para outra predominantemente urbano-industrial. O acúmulo de capital decorrente do extenso comércio com as colônias deu ensejo a um grande crescimento econômico, que por sua vez deu ensejo ao surgimento de novas técnicas de produção. Aliado ao acesso a grandes reservas de recursos naturais, tudo isto permitiu a criação de grandes fábricas equipadas com máquinas que tinham sido inventadas recentemente, graças aos progressos paralelos da ciência e das técnicas�. Na Inglaterra, a Revolução Industrial provocou dramáticas e repentinas transformações na repartição da demografia nacional, com afluxo em massa de mão-de-obra para as cidades, a partir dos campos. O ritmo de urbanização corria a par de uma intensificação do crescimento demográfico. Se antes de 1840 havia apenas duas cidades na Inglaterra com mais de 100.000 habitantes, depois de 1910 já existiam quarenta e oito. Nos últimos trinta anos do século XIX, cerca de um terço da população rural já havia migrado para as cidades, engrossando o contingente de trabalhadores na indústria e tendo uma vida miserável. 
A Revolução Industrial teve uma multiplicidade de causas. A Revolução Comercial Ja propiciara fazer surgir novas invenções, tais como o relógio de pêndulo, o termômetro, a roda de fiar e o tear, bem como novas técnicas metalúrgicas. Progressos paralelos ocorreram em outras indústrias, tais como a vidraria, a relojoaria, a construção naval e a carpintaria. A imensa disponibilidade de capitais que surgira a partir do intenso acúmulo de metais preciosos provocou um surto de novos negociantes que buscavam incessantemente novas formas de lucrar; entretanto, com o correr do tempo havia cada vez menos atividades lucrativas. A procura intensa por produtos "industrializados" (de início, apenas manufaturados, em escala doméstica) provocou a necessidade de aumentar a produção destes produtos, o que se podia fazer unicamente adotando melhoramentos mecânicos. O crescente povoamento das novas colônias obrigava a aumentar constantemente a quantidade de produtos para exportação. A produção de ferro, que exigia inicialmente um grande consumo de carvão, ao passar a usar o coque (cujas minas estavam normalmente inundadas) levou à necessidade de encontrar bombas eficientes capazes de fazer a sucção desta água das minas; isto acabou levando à invenção da máquina a vapor, que se tornou verdadeiramente o ícone da revolução industrial em progresso. Também a necessidade premente de mecanização da indústria têxtil levou ao desenvolvimento da máquina de fiar e do tear hidráulico, e não tardou a que novas máquinas fossem inventadas para os outros tipos de manufatura. 
A Revolução Industrial acelerou a divisão da sociedade em duas novas classes: a burguesia industrial e o proletariado. A revolução política representada pela Revolução Francesa já tinha mostrado o abismo existente entre as classes sociais, e os anseios populares de justiça e de inclusão social. A distribuição (ou repartição) da riqueza se dava principalmente entre as classes favorecidas, entre as quais a nobreza e os representantes do clero. A grande massa do povo vivia na miséria, contemplando impotentes a opulência e o luxo das outras classes. Agora, a emergência desta nova classe social (a burguesia) mostrava uma dinâmica social cuja causa só poderia estar nos fenômenos econômicos. Se o fim do feudalismo permitiu maior mobilidade social, o mercantilismo permitia por sua vez que, através do comércio, novos contingentes sociais pudessem ascender economicamente, com o conseqüente aumento de status político. Entretanto, esta ascensão social era privilégio de poucos; o novo liberalismo econômico, bem como o sistema capitalista que teve início com a Revolução Industrial, apesar de propiciarem esta ascensão social, por outro lado escancaravam novos abismos entre as classes, e já em 1848 ocorriam convulsões sociais provocadas pela situação de miséria das populações, miséria esta basicamente provocada pela exploração dos pobres pelos novos ricos. 
A inexistência total de uma política oficial de proteção ao trabalhador permitiu aos capitalistas que exercessem uma exploração da mão-de-obra trabalhadora, que se submetia a extensas jornadas de trabalho, sem contrapartidas de salário justo, descanso ou mesmo proteção no caso de doença. As condições de vida para os trabalhadores urbanos eram terríveis, e os salários permitiam apenas um mínimo de subsistência, próximo à miséria. Por outro lado, mesmo entre os capitalistas as condições da economia eram desfavoráveis, porque a competição acirrada muita vezes trazia como conseqüência a falência ou a absorção pelos mais fortes (o que acarretava, cada vez mais, a formação de monopólios). 
"A experiência histórica demonstra que sempre que as sociedades precisaram obrigar parte de seus membros a apertar os cintos e a viver ao nível da subsistência, foram os de menor poder econômico e político que tiveram que arcar com os sacrifícios. Foi o que aconteceu na Inglaterra, à época da Revolução Industrial. Em 1750, a classe operária vivia em condições extremamente precárias, próximas ao nível de subsistência, e seu nível de vida (avaliado em termos do poder aquisitivo dos salários) deteriorou-se durante a segunda metade do século XVII." (ADAM SMITH/RICARDO. p. 246). 
Como vimos, o liberalismo dos clássicos decorria de uma visão de mundo no qual pensavam existir uma ordem natural. Este liberalismo batia-se pela liberdade econômica, pela livre concorrência e pelo individualismo, opondo-se a qualquer restrição legislativa ou regulamentação estatal, somente aceitando a regulamentação do mercado. Mas contra esta concepção viria a formar-se, no início do século XIX, uma reação geral provinda principalmente dos pensadores socialistas. Em 1867, Karl Marx editou a sua obra máxima, "O Capital", na qual fez uma extensa análise das conseqüências da adoção deste tipo de concepção econômica (o capitalismo) e suas conseqüências deletérias sobre o campesinato e sobre o operariado. Antes, contudo, veremos o que veio antes. 
8.1 – O Socialismo Pré-Marxista
A injustiça flagrante desta nova sociedade fez com que vários filósofos e pensadores se levantassem contra ela. Os socialistas, por exemplo, que se batiam pela igualdade entre os indivíduos�, vieram propor formas de repartição, tanto da riqueza, quanto dos meiosde produção (que podiam produzi-la). Idéias como participacionismo, apropriacionismo e coletivismo eram bastante comuns, sempre com a idéia de compartilhamento da propriedade como fundo comum. Outro ponto característico do socialismo era a restrição à propriedade; o socialismo não admitia senão um mínimo de propriedade privada. Mas também a liberdade se restringia (e com ela a livre iniciativa, característica do capitalismo). Como substituto à livre concorrência, propunha-se a planificação ou planejamento�. Os socialistas se dividiam entre voluntaristas (que acreditavam que as medidas econômicas seriam aceitas pelos interessados) e em autoritários (que pensavam que se devia lançar mão da coerção, para obrigar a esta aceitação�). 
Contra a ordem natural defendida pelos economistas clássicos, que viam a natureza como um reflexo das leis divinas, o socialismo propôs o materialismo, segundo o qual a vida orgânica seria a principal finalidade da vida humana (e que a matéria determinava a formação da consciência, por ser anterior a ela); contra o livre-arbítrio (que dava fundamento à liberdade econômica), propôs o determinismo (filosofia coerente com o ceticismo, para a qual os fatos humanos são determinados pela história ou pelas correntes sociais preponderantes). 
8.2 – O Socialismo de Karl Marx
O socialismo pré-marxista era voltado a ideais de uma sociedade onde fossem abolidas as diferenças sociais, como também a propriedade privada e o princípio do lucro. Nesta época, tornou-se comum a tentativa de criar comunidades ideais, em que se voltaria ao "comunismo primitivo". Cooperativas (ou falanstérios�, como foram denominadas) eram incentivadas, mas todas as iniciativas neste sentido acabaram redundando em fracasso�. Mesmo os socialistas mais moderados eram a favor de que o Estado se apropriasse da administração da produção e da distribuição. 
Marx classificava as idéias socialistas anteriores a ele "socialismo utópico�, ele propôs uma nova interpretação tanto das leis econômicas quanto das leis históricas, à qual deu o nome de "socialismo científico". Para ele, os socialistas anteriores eram apenas filantropos, que se indignavam com a exploração desumana que foi uma característica do início do capitalismo. Muitos pertenciam à própria classe que abominavam, e os verdadeiros revolucionários seriam poucos. 
Marx tinha uma formação filosófica, e foi bastante influenciado por Hegel, um dos maiores filósofos alemães. Ele aderiu ao materialismo histórico, e usou o processo chamado de "análise dialética" de Hegel para explicar a História, os sistemas e as instituições sociais. Para Marx (e seguindo o pensamento de Hegel), a História move-se dialeticamente, devidos às forças sociais antagônicas que se criam em seu seio: a vida econômica, social e política estão em constante transformação. Marx dedicou a sua vida a tentar descobrir quais eram as forças sociais subjacentes a este processo, cujo resultado era a História. De acordo com a lógica dialética de Hegel (ou dialética dos opostos), há três elementos da realidade: a tese; a antítese; a síntese�. Tais elementos foram apropriados por Marx para a sua explicação da História, que se dava por movimentos sociais que criavam antagonismos internos (que ele chamava de contradições); tais contradições resultavam das relações de produção e das forças produtivas materiais. 
Em outras palavras, Marx disse que o que movia a História era a economia. A base econômica da sociedade (modo de produção) influenciava todas as demais instituições sociais. Ele a chamou de infra-estrutura. As demais instituições (religião, sistemas políticos, leis, costumes, etc.), ele chamou de superestrutura. Assim, sobre uma infra-estrutura econômica erguia-se uma superestrutura jurídica e política. 
O modo de produção seria formado por dois elementos: as forças de produção; as relações de produção. As primeiras são constituídas por fábricas, ferramentas, equipamentos em geral; as segundas são formadas pelas relações sociais que os homens mantêm entre si. Ele destacava, entre elas, a relação de propriedade que cada classe estabelecia com os meios de produção. O modo de produção da vida material determinava o desenvolvimento da vida social, política, intelectual, etc. Após um certo estágio de desenvolvimento, as forças de produção entram em contradição com as relações de produção existentes (ou relações de propriedade). Deste choque surge uma época de revolução social, que busca transformar a base econômica, pela mudança das relações de produção. 
Para Marx, houve quatro sistemas econômicos (modos de produção distintos), ao longo da evolução da civilização européia: o comunismo primitivo; o escravismo; o feudalismo; o capitalismo. Cada um destes sistemas era dominado por um modo de produção, caracterizado por determinadas forças produtivas e relações de produção, com uma estrutura particular de classes. 
Marx vê com olhos bastantes críticos a fase do capitalismo, que ele coloca como uma característica da classe "burguesa�", classe dominante que detinha o modo de produção e explorava economicamente a classe de trabalhadores (proletários, operários e camponeses), que se opunham dialeticamente entre si, dando ensejo a uma interminável "luta de classes�". Este conceito de luta de classes� foi aproveitado por ele (juntamente com a análise dialética de Hegel) para definir a História como uma sucessão de movimentos sociais de oposição entre si, compostos por várias fases: a formação de uma classe social; o avanço desta classe em direção a novas estruturas sociais, num movimento contrário às classes já existentes, que buscam o seu status quo; revoluções sociais como forma de transformar os modos de produção em propriedade social (a síntese dialética histórica). 
Para Marx, o comunismo seria a última forma de sociedade, na qual o proletariado seria a última classe�. Suprimidas todas as classes, o próprio Estado já não teria razão de existir�. Entre a sociedade capitalista e a comunista, haveria um período de transformação revolucionária, caracterizado pelo que chamou de "ditadura do proletariado". Como socialista autoritário, e também em razão de sua análise histórica, Marx acreditava que as classes dominantes não entregariam facilmente o poder (os modos de produção), e que, portanto deveriam ser desalojadas (pela força da revolução)�.
Engels, parceiro teórico das idéias de Marx, afirmava por sua vez que o proletariado deveria se apoderar da força do Estado e começar a transformar e transferir para este os meios de produção. Somente assim ele iria se destruir como proletariado, pela abolição de todas as distinções e antagonismos de classe. E somente assim o próprio Estado poderia ser abolido. 
Para Engels, a classe antiga, que se move através dos antagonismos de classe, tem necessidade do Estado, pois somente através dele pode manter a sua força exploradora e sua força de opressão contra as classes trabalhadoras. 
LEITURA COMPLEMENTAR – a Teoria Econômica de Marx
Marx foi um escritor extremamente prolixo, e sobre economia, suas obras são inúmeras (dos seus vários textos, podemos citar: O Capital; Introdução à Crítica da Economia Política; Contribuição à Crítica da Economia Política; Salário, Preço e Lucro; Teorias sobre a Mais-Valia; etc.). Para ele, toda mercadoria deveria satisfazer uma necessidade (deveria ter um valor de uso). Ele identificou o valor de troca da mercadoria, e afirmou que toda mercadoria acabada (produzida) tinha um valor maior do que o valor dos seus componentes. Assim, um casaco teria um valor maior do que o valor do tecido utilizado em sua confecção. Ele explicava este acréscimo de valor como resultante da quantidade de trabalho. Mas havia o trabalho médio simples, e o trabalho complexo. O primeiro varia conforme o país, enquanto que o segundo seria uma espécie de múltiplo do primeiro, com custos mais altos e de maior duração. 
A troca de mercadorias se daria através de um equivalente geral, o dinheiro. Este seria a medida padrão paratodas as mercadorias, com "consistência objetiva e validade social universal". Produtos diversos de trabalho são equiparados, e o valor da mercadoria, normalmente, tem o seu valor de troca determinado através do tempo de trabalho. Este valor da mercadoria não é o seu preço, mas está intrinsecamente ligado a ele (na troca de mercadorias simples, predomina o valor de uso). Por fim, preços diferentes podem representar quantidades iguais de trabalho social. 
Marx afirma que os meios de produção transferem valor ao produto pela perda do valor próprio, durante o processo de trabalho. A diferença excedente entre o valor total do produto e a soma dos elementos que o formam tem origem na força de trabalho humana, que expende mais esforço do que aquele necessário à própria subsistência. Quanto ao capital, uma parte se mantém constante (é o chamado capital constante), quando convertida em instrumentos de produção; já aquela convertida em força de trabalho muda de valor no processo de produção. Além do próprio valor (que ela reproduz), há um valor excedente, que Marx chama de mais-valia�. Esta parte do capital pode ser maior ou menor; ele a chama de capital variável. 
Esta parte do capital (a mais-valia) torna-se objeto de litígio entre o capitalista e o trabalhador, principalmente pelo que ela representa de diferença entre o tempo de trabalho excedente e o tempo de trabalho necessário ao sustento da força de trabalho (materializada na jornada de trabalho. Marx afirma que, na história da produção capitalista, a regulamentação da jornada de trabalho é um embate incansável entre a classe capitalista e a classe trabalhadora�.
Para Marx, o trabalhador sentia-se alienado de seu trabalho, do seu meio cultural e até de seus próprios companheiros. Alienação, no contexto em que ele emprega o termo, significava que o trabalhado era externo ao trabalhador, não lhe pertencia. O seu trabalho não era voluntário, e sim forçado; quando trabalhava, não o fazia para si, mas para outrem. Por isso, por não poder desenvolver livremente a sua energia física e espiritual, o trabalhador era infeliz, e sentia-se degradado e desumanizado. Por ter sido transformada em mercadoria a sua atividade necessária de subsistência, ele sofria uma deformação no desenvolvimento da sua personalidade. A única forma de eliminar a alienação seria fazendo a propriedade dos meios de produção mudar de mãos. 
BIBLIOGRAFIA
ADAM SMITH/RICARDO. Coleção Os Pensadores. Abril Cultural. 2. ed. São Paulo. 1979. 
AMIN, S. O Desenvolvimento Desigual. Forense-Universitária. Rio de Janeiro. 1976. 
BREAUD, Michel. História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. Brasiliense. São Paulo. 1987. 
CASTRO, Paulo de. Rosa Luxemburgo – Socialismo e Liberdade. Forum Editora. Rio de Janeiro. 1968. 
DOBB, M. A. A Evolução do Capitalismo. 5ª edição. Zahar. Rio de Janeiro. 1987. 
FISCHER, Ernst. O Que Marx Realmente Disse. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 1970. 
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Companhia Editora Nacional. 11 ª edição. São Paulo. 1971. 
GALBRAITH, John Kenneth. O Pensamento Econômico em Perspectiva. Uma História Crítica. Pioneira/Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1987. 	
GOLGHER, Isaías. Leninismo. Uma Análise Marxista. Editora Saga. Volume Primeiro. Rio de Janeiro. 1967. 
GOMES, Luiz Souza. O que devemos conhecer da Economia Política e das Finanças. Livraria Tupã Editora. 5ª edição. Rio de Janeiro. S/d. 
GOMES, Luiz Souza. O que devemos conhecer de Moeda e Crédito, Preços e Bancos. Biblioteca Universal Popular. Rio de Janeiro. 1964. 
HOBSBAWN, E. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Forense-Universitária. Rio de Janeiro. 1986. 
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21ª edição. Guanabara. Rio de Janeiro. 1996. 
HUGON, Paul. História das Doutrinas Econômicas. Editora Atlas. 10ª edição. São Paulo. 1969. 
HUNT & SHERMAN. História do Pensamento Econômico. Ed. Vozes. Petrópolis. 1977. 
MAGALHÃES FILHO, Francisco de B. B. História Econômica. 9ª edição. Saraiva. São Paulo. 1987. 
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Zahar Editores. Rio de Janeiro. 1969. 
MARX, Karl. O Capital. Coleção Os Economistas. 2ª edição. São Paulo. 1969. 
MEYERS, A. Elementos de Economia Moderna. Livro Ibero-Americano Ltda. Rio de Janeiro. 1962. 
MUMFORD, Lewis. A Condição de Homem. Editora Globo. Porto Alegre. 1958. 
NOMAD, Max. Heréticos da Política. Editora Fundo de Cultura. Rio de Janeiro. 1965. 
SANTOS, Mário Ferreira dos. Análise Dialética do Marxismo. Logos. São Paulo. 1953. 
SELDON, Arthur & PENNANCE, F. G. Dicionário de Economia. 2ª edição. Bloch Editores S.A. Rio de Janeiro. 1975. 
TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. A Morte do Industrialismo e o Nascimento de uma Nova Civilização. Editora Record. Rio de Janeiro. 1980. 
TRAGTENBERG, Maurício. Planificação – Desafio do Século XX. Editora Senzala. S/l. S/d. 
8.3 - O Pensamento de Karl Marx (1818 – 1883)
Não vamos falar aqui de uma escola marxista porque, na realidade, existem várias escolas marxistas. As leituras da obra de Marx são tão diversas que é quase impossível chegar a um consenso sobre certos aspectos dessa obra. Por outro lado, o pensamento marxiano (para diferenciar do termo marxista), é rico, múltiplo e variado e não se deixa sistematizar com facilidade. Por isso apresentaremos, aqui, apenas alguns conceitos econômicos fundamentais. Os limites deste livro não nos permitem ir mais longe. 
É importante ressaltar também que, em muitos círculos do mundo capitalista, as idéias de Marx são pouco conhecidas. Geralmente são apresentadas à maneira de caricatura. A caricatura deforma, exagera os traços mais salientes da fisionomia de uma pessoa ou de uma obra c com isso cria uma atmosfera ridícula ou irreal. A ideologia faz o mesmo com as utopias, ou seja, com aqueles sistemas de idéias que se contrapõem à corrente principal. Não é difícil entender que muitas idéias atribuídas a Marx são apenas caricaturas das idéias de Marx. Um mínimo de honestidade científica exige que não as aceitemos como tal. Vamos fazer um esforço para entendê-las melhor. 
Conceitos Importantes
Existem alguns conceitos que o leitor deve dominar para entender o pensamento de Marx. Ao avançar na leitura, você encontrará o esclarecimento dos seguintes conceitos: 
Capital					trabalho concreto
Capital constante			trabalho abstrato
Capital variável			mais-valia absoluta
Classe Social				mais-valia relativa
Valor					mercadoria
Valor de Uso				força de trabalho
Valor de Troca			composição orgânica do Capital
O que é Capital?
A principal preocupação de Marx é desvendar as leis do movimento do capital na sociedade capitalista. Para isso vai criar alguns instrumentos de análise que teremos de manejar com certo cuidado. Em primeiro lugar, categorias como capital, mercadoria, força de trabalho têm sentido preciso e histórico na pena de Marx. Não são categorias universais nem eternas. Descrevem fenômenos que não existiram em todos os períodos históricos. € preciso conhecer o conteúdo exato de cada um destes termos para compreendermos o que ele está dizendo. Comecemos com o termo capital. A idéia mais geral para Marx é a de que capital não é uma coisa. Não é simplesmente, como para os neoclássicos, o conjunto de máquinas, equipamentos, estradas e canais. É também isto, mas sob determinadas condições. Capital é, antes de tudo, uma relação social. € a relação de produção que surge com o aparecimento da burguesia, ou seja, com o aparecimento daquela classe social que se apropria privadamente dos meios de produção (monopólio de classe) e que se firma definitivamente após a dissolução do mundo feudal. O capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas efetivada através de coisas. Diz Marx: "A propriedade de dinheiro, de meios de subsistência, de máquinas e outros meios de produção não transformaum homem em capitalista, se lhe falta o complemento, o trabalhador assalariado, o outro homem que é forçado a vender-se a si mesmo voluntariamente." 
"Um negro é um negro. Só se converte em escravo se houver certas condições. Uma máquina de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão. 5ó em certas condições se transforma em capital. Fora destas condições, não é capital, como o ouro em si mesmo e por si mesmo não é dinheiro ou o açúcar não é preço do açúcar. .. O capital é uma relação social de produção. f. uma relação histórica de produção." 
Marx falará de capital constante (relacionado a máquinas e equipamentos), capital variável (relacionado à força de trabalho) e de capital-dinheiro, mas todas essas modalidades do capital devem ser entendidas dentro do contexto anterior. São as relações específicas dessas coisas dentro do modo de produção capitalista que as torna capital. Caso contrário, os instrumentos de análise de Marx perderiam valor porque ele os criou para explicar relações sociais e econômicas que estavam surgindo naquele momento e que eram realmente diferentes de todas as outras. Identificar, por exemplo, um instrumento de produção como capital, sem mais, é o mesmo que dizer que o capitalismo existiu sempre. O primeiro primata que tentou colher um fruto mais alto provavelmente usou uma vara ou algo parecido para atingir este objetivo. Seria ele o primeiro capitalista'? 
A análise de Marx tem raízes na história. O que ele quer analisar é um modo de produção específico que estava surgindo com a dissolução do mundo feudal. Ignorar isto é condenar-se a não compreender sua análise. 
O que é então, o capitalismo para ele? E uma relação sui generis� que se caracteriza pela compra e venda da força de trabalho e que só se tornou possível sob determinadas condições e visando a determinados fins que ficarão mais claros depois. Em outras palavras, o capitalismo surge quando tudo se torna mercadoria, inclusive a força de trabalho. Para que isto ocorra é necessário que uma classe (a burguesia) se torne proprietária exclusiva dos meios de produção e que outra (o proletariado), não tendo mais como produzir o necessário para o sobreviver, seja obrigada a vender no mercado sua força de trabalho. Esta relação entre proprietário dos meios de produção e proprietários da força de. trabalho se reveste de algumas características específicas que estudaremos mais tarde. E só a partir desta relação (e das conseqüências dela) que os meios de produção se tornam capital e a força de trabalho, mercadoria. 
Para mostrar a especificidade do capitalismo. Marx recorre a um artifício didático e começa O capital fazendo o estudo da mercadoria e da sociedade mercantil simples. E mais fácil compreender a originalidade do capitalismo se o confrontarmos com outro modelo. 
Esclarecimentos 
No modelo de capitalismo puro só existem duas classes sociais, os proprietários dos meios de produção (capitalistas) e os proprietários da força de trabalho (operários). Mas é bom lembrar que estamos falando de um modelo e todo modelo faz abstração de muitos outros elementos reais, para captar apenas os traços essenciais. Na vida real não existe um modelo puro nas formações sociais concretas, em que o modo de produção capitalista (modelo puro) combina-se, em maior ou menor grau, com outros modos de produção. Às vezes, Marx refere-se ao modelo e, às vezes, à realidade histórica. Para uma pessoa pouco habituada a estas distinções, a questão complica-se. t o caso das classes sociais. Há passagens em que fala de apenas duas classes sociais (burguesia e proletariado) e outras em que fala de três ou mais. No primeiro caso, Marx está referindo-se ao modelo, no segundo à complexidade das formações reais. 
Ao falar de classe social, temos de evitar um equívoco muito freqüente, a confusão entre classe e estratificação social. A classe social para Marx é definida objetivamente pela posição que a pessoa ocupa na estrutura de produção. E, neste caso, no modelo puro, só existem duas posições possíveis; ou a pessoa possui os meios de produção e pertence à classe capitalista ou não possui e pertence à classe operária. É a posição da pessoa na estrutura de produção que determina sua faixa de renda. Não é a renda que determina a posição da pessoa na hierarquia social. Freqüentemente recorrem-se ao critério de renda para se dividir "classes sociais". De tantos a tantos salários mínimos classe C, de tantos a tantos classe A, e assim por diante. Isto é apenas descrição superficial dos fatos ou um método sutil de encobrir a verdadeira questão. O que deve ser explicado é o seguinte: por que Fulano ganha mil vezes mais do que Beltrano, sendo que tem mais ou menos a mesma capacidade? O estudo da posição da pessoa na estrutura produtiva e do mecanismo de transferência de renda entre as diversas classes esclarece este fato. Outro ponto a ser esclarecido é o conceito de mercadoria. Para Marx, mercadoria não é a mesma coisa que produto ou bem. 
Mercadoria é o produto que se destina à troca no mercado. Uma sociedade que só produz para auto-consumo não produz mercadorias, mas bens ou produtos. Antes do capitalismo já existiam sociedades mercantis, uma vez que muitas delas se dedicavam ao comércio, mas só no capitalismo há a generalização da mercadoria, isto é, tudo se torna mercadoria inclusive a força de trabalho. Este último traço é distintivo do capitalismo. 
Outro ponto: Marx discorda de Adam Smith e de outros economistas quanto ao conceito de trabalho produtivo. Para Adam Smith trabalho produtivo é aquele que produz bens materiais vendáveis que sobrevivem ao processo de criação. Os serviços não são produtivos. Para Marx. trabalho produtivo é aquele que é comprado com o capital-dinheiro, sendo capaz de criar um excedente (lucro). Trabalho improdutivo é o trabalho contratado como serviço pessoal ou como artigo de consumo. Isto ficará mais claro após o estudo do conceito de mais-valia. Trabalho produtivo é todo e qualquer trabalho capaz de criar mais-valia. 
Finalmente uma observação de ordem metodológica. Marx vem de uma tradição filosófica que sempre distinguiu entre fenômeno e essência, aparência e realidade. Esta distinção torna-se muito mais visível em Hegel. O objetivo de qualquer prática científica é esclarecer a essência das coisas e não descrever aparências. A ciência deve partir do fenômeno para chegar à realidade que se esconde atrás do fenômeno. Na tradição positivista e neopositivista� isto não tem sentido. A preocupação exclusiva é com os fenômenos. O próprio conceito de causalidade (o que causa o quê? Qual o sentido da causalidade?) deixa de existir, cedendo lugar ao conceito de função. O erro metodológico que está na raiz deste último procedimento tem conseqüências graves tanto para a economia como para a política econômica. Não são questões acadêmicas irrelevantes. Por exemplo. alguém poderia dizer que o aumento da inflação é função do aumento salarial. Poderíamos inverter a afirmação e dizer que as pressões para o aumento de salários têm origem no aumento da inflação. A correlação existe nos dois sentidos. Do mesmo modo, alguém poderia dizer que a inflação é função do aumento da base monetária. Outro poderia responder que a inflação tem raízes na luta dos diversos agentes econômicos para não perderem parcela significativa da renda: o aumento da base monetária apenas sanciona a inflação provocada por esta luta. 
O leitor deve perceber por estes exemplos que o conceito de função é insuficiente. É preciso buscar também o conceito de causa e em que sentido atua esta causa. Alguém poderia replicar que isto está implícito nos conceitos de variável dependente e independente. Concordamos, mas como estabelecer a variável dependente e a independente sem o conceito de causa? 
Quem aceita os postulados do neopositivismo não conseguirá entender Marx. 
A Revolução Industrial
Europa - Inglaterra - A Revolução Industrial
A partir de 1760 com a invenção da máquina a vapor por James Watt (1736-1819) e a sua posterioraplicação à produção, uma nova concepção de trabalho veio modificar completamente a estrutura social e comercial da época, provocando profundas e rápidas mudanças de ordem econômica, política e social que, num lapso de aproximadamente um século, foram maiores do que as mudanças havidas no milênio anterior. É o período chamado de Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra e rapidamente se alastrou por todo o mundo civilizado.
Revolução Industrial pode ser dividida em duas épocas bem distintas:
1780 a 1860: 1ª Revolução Industrial ou revolução do carvão e do ferro.
1860 a 1914: 2ª Revolução Industrial ou revolução do aço e da eletricidade.
Embora tenha se iniciado a partir de 1780, a Revolução Industrial não adquiriu todo o seu ímpeto antes do século XIX. Ela surgiu como uma bola de neve em aceleração crescente. 
A 1ª Revolução Industrial pode ser dividida em 4 fases:
1ª fase: a mecanização da indústria e da agricultura, nos fins do século XVIII, com o aparecimento da máquina de fiar (inventada pelo inglês Hargreaves em 1767), do tear hidráulico (inventado por Arkwright em 1769), do tear mecânico (por Cartwright em 1785), do descaroçador de algodão (por Whitney em 1792), que vieram substituir o trabalho braçal e a força motriz muscular humana, animal ou ainda da roda de água. Eram máquinas grandes e pesadas, mas com incrível superioridade sobre os processes manuais de produção da época. O descaroçador de algodão tinha capacidade para trabalhar mil libras de algodão enquanto, no mesmo tempo, um escravo conseguia trabalhar cinco.
2ª fase: a aplicação da força motriz à indústria. A força elástica do vapor descoberta por Dénis Papin, no século XVII, ficou sem aplicação até 1776, quando Watt inventou a máquina a vapor. Com a aplicação do vapor às máquinas, iniciam-se as grandes transformações nas oficinas, que se converteram em fábricas, nos transportes, nas comunicações e na agricultura.
3ª Fase: o desenvolvimento do sistema fabril. O artesão e a sua pequena oficina patronal desapareceram para dar lugar ao operário e às fábricas e às usinas, baseadas na divisão do trabalho. Surgem novas indústrias em detrimento da atividade rural. A migração de massas humanas das áreas agrícolas para as proximidades das fábricas provoca o crescimento das populações urbanas, com o surgimento de favelas, redução das condições de saúde e, conseqüentemente, o aumento da mortalidade.
4ª fase: um espetacular aceleramento dos transportes e das comunicações. A navegação a vapor surgiu com Robert Fulton (1807) nos Estados Unidos e logo depois as rodas propulsoras foram substituídas por hélices. A locomotiva a vapor foi aperfeiçoada por Stephenson, surgindo a primeira estrada de ferro na Inglaterra (1825) e logo depois nos Estados Unidos (1829). Esse novo meio de transporte propagou-se vertiginosamente. Outros meios de comunicações foram aparecendo com uma rapidez surpreendente: Morse inventa o telégrafo elétrico (1835), surge o selo postal na Inglaterra (1840), Graham Bell inventa o telefone (1876). Já se esboçam os primeiro sintomas do enorme desenvolvimento econômico, social, tecnológico e industrial e as profundas transformações e mudanças que ocorreriam com uma velocidade gradativamente maior.
Com todos esses aspectos define-se cada vez mais um considerável controle capitalista sobre quase todos os ramos da atividade econômica.
A partir de 1860, a Revolução Industrial entrou em uma nova fase profundamente diferente da I Revolução Industrial. É a chamada 2ª Revolução Industrial, provocada por três acontecimentos importantes:
- desenvolvimento de novo processo de fabricação de aço (1856);
- aperfeiçoamento do dínamo (1873);
- invenção do motor de combustão interna (1873) por Daimler.
As principais características da 2ª Revolução Industrial são as seguintes:
1. A substituição do ferro pelo aço como material industrial básico.
2. A substituição do vapor pela eletricidade e pelos derivados de petróleo como principais fontes de energia.
3. O desenvolvimento da maquinaria automática e um alto grau de especialização do trabalho.
4. O crescente domínio da indústria pela ciência.
5. Transformações radicais nos transportes e nas comunicações. As vias férreas são melhoradas e ampliadas. A partir de 1880, Daimler e Benz constroem automóveis na Alemanha, Dunlop aperfeiçoa o pneumático em 1888 e Henry Ford inicia a produção do seu modelo "T" em 1908, nos Estados Unidos. Em 1906, Santos Dumont faz a primeira experiência com o avião.
6. O desenvolvimento de novas formas de organização capitalista. As empresas de sócios solidários, formas típicas de organização comercial, cujo capital provinha dos lucros auferidos (capitalismo industrial), e que tomavam porte ativa na direção dos negócios, deram lugar ao chamado capitalismo financeiro, que tem quatro características principais:
a) a dominação da indústria pelos investimentos bancários e pelas instituições financeiras e de crédito, como foi o caso da formação da United States Steel Corporation, em 1901, pela J. P. Morgan & Co.;
b) a formação de imensas acumulações de capital, provenientes de trustes e fusões de empresas;
c) a separação entre a propriedade particular e a direção das empresas;
d) o desenvolvimento das “holding companies”.
7. A expansão da industrialização até a Europa Central e Oriental, e até o Extremo Oriente.
Da calma produção do artesanato, em que os operários eram, organizados em corporações de ofício regidas por estatutos, onde todos se conheciam, em que o aprendiz, para passar a mestre, tinha de produzir uma obra perfeita perante os irmãos de ofício, que eram as autoridades da corporação, passou o homem rapidamente para o regime da produção feita por meio de máquinas, dentro de grandes fábricas. Não houve uma gradativa adaptação entre as duas situações sociais. Houve, isto sim, uma súbita modificação de situação, provocada por dois aspectos:
1. A transferência da habilidade do artesão para a máquina, que passou a produzir com maior rapidez, maior quantidade e melhor qualidade, possibilitando uma redução no custo da produção.
2. A substituição da força do animal ou do ser humano pela maior potência da máquina a vapor (e posteriormente pelo motor), que permitia maior produção e economia.
Os proprietários de oficinas, que não estavam em condições financeiras de adquirir máquinas e maquinizar a sua produção, foram obrigados, por força da concorrência, a trabalhar para outros proprietários de oficinas que possuíam a maquinaria necessária. Esse fenômeno da maquinização das oficinas - rápido e intenso - provocou uma série de fusões de pequenas oficinas que passaram a integrar outras maiores que, aos poucos, foram crescendo e se transformando em fábricas.
Esse crescimento foi acelerado graças ao abaixamento dos custos de produção que propiciou preços competitivos e um alargamento do mercado consumidor da época. Isso aumentou a demanda de produtos e, ao contrário do que se previa na ocasião, as máquinas não substituíram totalmente o homem, mas deram-lhe melhores condições de produção. O homem foi substituído pela máquina naquelas tarefas em que se podia automatizar e acelerar pela repetição. Com o aumento dos mercados, decorrente da popularização dos preços, as fábricas passaram a exigir grandes contingentes humanos. Aumentou a necessidade de volume e de qualidade dos recursos humanos. A mecanização do trabalho levou à divisão do trabalho e à simplificação das operações, fazendo com que os ofícios tradicionais fossem substituídos por tarefas semi-automatizadas e repetitivas, que podiam ser executadas com facilidade por pessoas sem nenhuma qualificação e com enorme simplicidade de controle. A unidade doméstica de produção, ou seja, a oficina, o artesanato em família, desapareceu com a súbita e violenta competição, surgindo dai uma pluralidade de operários e de máquinas nas fábricas. Com a concentração de indústrias e fusão das pequenas oficinas alimentadas pelo fenômeno da competição,grandes contingentes de operários passaram a trabalhar juntos, durante as jornadas diárias de trabalho, que se estendiam por 12 ou 13 horas de labor, dentro de condições ambientais perigosas e insalubres, provocando acidentes e doenças em larga escala. O crescimento industrial era improvisado e totalmente baseado no empirismo, uma vez que a situação era totalmente nova e desconhecida. Ao mesmo tempo em que intensa migração de mão-de-obra se desenvolvia dos campos agrícolas para os centros industriais, surge um surto acelerado de urbanização, também sem nenhum planejamento ou orientação. Ao mesmo tempo em que o capitalismo se consolida, cresce o volume de uma nova classe social: o proletariado. As transações se multiplicam e a demanda de mão-de-obra nas minas, nas usinas siderúrgicas e nas fábricas aumenta substancialmente. Com isso, os proprietários passam a enfrentar os novos problemas de gerência, improvisando suas decisões e sofrendo os erros de administração ou de uma nascente tecnologia. Obviamente esses erros, em muitos casos, eram cobertos pela mínima paga aos trabalhadores, cujos salários eram baixíssimos. A par do baixo padrão de vida, da promiscuidade nas fábricas e dos tremendos riscos de graves acidentes, o longo período de trabalho em conjunto permitia uma interação mais estreita entre os trabalhadores e uma crescente conscientização da precariedade de suas condições de vida e de trabalho e da intensa exploração por uma classe social economicamente melhor favorecida. As primeiras tensões entre a classe operária e os proprietários de indústrias não tardaram a aparecer. Os próprios Estados passaram a intervir em alguns aspectos das relações entre operários e fábricas, baixando algumas leis trabalhistas. Em 1802, o governo inglês sanciona uma lei protegendo a saúde dos trabalhadores nas indústrias têxteis. A fiscalização do cumprimento dessa lei era feita voluntariamente pelos pastores protestantes e juizes locais. Outras leis esparsas são impostas aos poucos, na medida em que os problemas vão se agravando.
Com a nova tecnologia dos processos de produção e da construção e funcionamento das máquinas, com a crescente legislação que procura defender e proteger a saúde e a integridade física do trabalhador e, conseqüentemente, da coletividade, a administração e a gerência das empresas industriais passaram a ser a preocupação permanente dos seus proprietários. A prática foi lentamente ajudando a selecionar idéias e métodos empíricos. Ao invés de pequenos grupos de aprendizes e artesãos dirigidos por mestres habilitados, o problema agora era o de dirigir batalhões de operários da nova classe proletária que se criou. Ao invés de instrumentos rudimentares de trabalho manual, o problema era o de operar máquinas, cuja complexidade aumentava. Os produtos passaram a ser elaborados em operações parciais que se sucediam, cada uma delas entregue a um grupo de operários especializados em tarefas específicas, estranhos quase sempre às demais outras operações, ignorando até a finalidade da peça ou da tarefa que estavam executando. Essa nova situação contribuiu para apagar da mente do operário o veículo social mais intenso, ou seja, o sentimento de estar produzindo e contribuindo para o bem da sociedade. O capitalista passou a distanciar-se dos seus operários e a considerá-los uma enorme massa anônima, ao mesmo tempo em que os agrupamentos sociais, mais condensados nas empresas, geravam problemas sociais e reivindicativos, ao lado de outros problemas de rendimento do trabalho e do equipamento que necessitavam de uma rápida e adequada solução. A principal preocupação dos empresários se fixava logicamente na melhoria dos aspectos mecânicos e tecnológicos da produção, com o objetivo de produzir quantidades maiores de produtos melhores e de menor custo. A gestão do pessoal e a coordenação do esforço produtivo eram aspectos de pouca ou nenhuma importância. Assim, a Revolução Industrial, embora tenha provocado uma profunda modificação na estrutura empresarial e econômica da época, não chegou a influenciar diretamente os princípios de administração das empresas então utilizados. Os dirigentes de empresas simplesmente trataram de cuidar como podiam ou como sabiam das demandas de uma economia em rápida expansão e carente de especialização. Alguns empresários baseavam as suas decisões em modelos as organizações militares ou eclesiásticas bem-sucedidas nos séculos anteriores.
A utilização capitalista das máquinas no sistema fabril intensifica o caráter social do trabalho, implicando em:
a) ritmos rígidos;
b) normas de comportamento estritas;
c) maior interdependência mútua.
A máquina impõe como absolutamente necessária o caráter cooperativo do trabalho, a necessidade de uma regulação social. Porém, o uso capitalista das máquinas leva a uma direção autoritária, à regulamentação administrativa sobre o operário, tendo em vista a extorsão da mais-valia pelos membros do quadro administrativo, executivos, diretores, supervisores, capatazes. Os patrões conseguem fazer passar por simples regulamentação social o que na realidade é o seu código autoritário. Direção autoritária é objetivo capitalista que, pela chamada "racionalização do trabalho" e controle do comportamento do operário, define as garantias da cooperação. Para obter cooperação na indústria, as funções diretivas transformam-se de normas de controle em normas de repressão.
A principal conseqüência disto tudo é que a organização e a empresa modernas nasceram com a Revolução Industrial, graças a um grande número de fatores, dentre os quais podemos destacar principalmente:
a) a ruptura das estruturas corporativas da Idade Média;
b) o avanço tecnológico, graças às aplicações dos progressos científicos à produção, com a descoberta de novas formas de energia e a possibilidade de uma enorme ampliação de mercados;
c) a substituição do trabalho artesanal pelo trabalho de tipo industrial.
A seguir
Leitura Complementar - IMPORTANTE
	Revolução Industrial na Inglaterra a partir de 1760; Crise do Capitalismo entre 1873 e 1893 e o Neocolonialismo
Capitalismo Monopolista, Imperialismo e Neocolonialismo
De 1760 a 1830, a Revolução Industrial ficou limitada à Inglaterra, a oficina do mundo. Para manter a exclusividade, era proibido exportar maquinário e tecnologia. Mas a produção de equipa​mentos industriais superaria logo as possibilidades de consumo interno e não seria possível conter os interesses dos fabricantes. Além disso, as nações passaram a identificar o poderio de um país com seu desenvolvimento industrial. E o processo se difundiu pela Europa, Ásia e América. 
A tecnologia industrial avançou, a população cresceu, os movimentos imigratórios se intensificaram. No fim do século XIX, sobreveio a primei​ra Grande Depressão (1873 - 1896), que fortaleceu as empresas pela centralização e concentração do capital. Iniciou-se aí nova fase do capitalismo, a fase monopolista ou financeira, que se desdobrou na exportação de capitais e no processo de colonização da África e da Ásia. 
A Revolução Industrial se irradia
Em ritmo vertiginoso, como na Alemanha, ou retardado por razões políticas, como na França, o impacto da Revolução Industrial inglesa atingiu todas as partes do mundo. 
Bélgica – Primeiro país da Europa a industrializar-se no século XIX. Dois ingleses criaram uma fábrica de tecidos em Liège já em 1807. Foi rápido o desenvolvimento, facilitado pela existência de carvão e ferro, pelo investimento de capitais ingleses e pela proximidade do mercado europeu. 
Alemanha – Em ritmo acelerado a partir de 1870, a industrialização alemã se beneficiou da unificação nacional, da decidida proteção esta​tal, da atuação do capital bancário e do cresci​mento demográfico. A peculiaridade aqui está no casamento entre indústria e bancos, bem como no uso de técnicas que permitiram alto grau de racionalização. 
A Alemanha já era grande produtora de carvão desde 1848. A siderurgia avançou, estimuladapelo desenvolvimento ferroviário. Na década de 1880, a indústria têxtil ameaçava superar a inglesa, devido à adoção de fibras sintéticas e novos corantes; destaque-se aqui a expansão da indústria química, ligada à pesquisa científica. No fim do século, graças a Werner Siemens, a indústria elétrica tomou grande impulso. Em 1914, a Ale​manha iria produzir 35 % da energia elétrica mundial, seguida por Estados Unidos (29%) e Inglaterra (16 %) . 
França – A Revolução Francesa retardou o desenvolvimento econômico do país. A consolidação da pequena indústria e a tradição de produzir artigos de luxo dificultaram a grande concentração industrial. É difícil falar em Revolução Industrial francesa. Não houve arranque acelerado, mas lenta transformação das técnicas de produção e das estruturas industriais. 
O processo se acelera a partir de 1848, com a adoção de medidas protecionistas, ou seja, impe​diu-se a importação de produtos industriais e estimulou-se a exportação. Assim mesmo; havia entraves ao avanço: houve retração demográfica no século XIX, com baixo índice de natalidade e lenta regressão na mortalidade; a estrutura agrária preservava a pequena propriedade, o que limitava o progresso tecnológico; faltava carvão e seu preço era o mais alto do mundo; os recursos iam para empréstimos públicos e investimentos no estrangeiro, em vez de ir para o setor produtivo. 
A expansão industrial foi freada ainda pela prática do autofinanciamento, ou seja, a, o reinvestimento dos lucros na própria empresa, que preservava seu caráter familiar, limitado. 
Itália – A unificação política e aduaneira impulsionou a industrialização, que arrancou no decênio de 1880-1890. O Estado reservou a produção de ferro e aço para a indústria nacional, favorecendo a criação da siderurgia moderna. A falta de carvão, ao elevar os custos, reduzia a competitividade no exterior. Protegida pelo Estado, a siderurgia se concentrava no norte e sua produção não era suficiente para o mercado inter​no, o que exigia importações. A indústria mecânica cresceu mais depressa, especialmente as de construção naval e ferroviária, máquinas têxteis e ligadas à eletrificação (motores, turbinas). A partir de 1905, a indústria automobilística de Turim conseguiu excelentes resultados. 
Também protegida, a indústria têxtil era a única com capacidade de conquistar mercados externos. A falta de carvão estimulou a produção de energia elétrica. O problema mais grave estava na total concentração do processo de crescimento no norte, enquanto o sul permanecia agrário e atrasado. 
Império Austro-Húngaro – Sua característica era a enorme mistura de povos e minorias nacionais. O desenvolvimento industrial se acelerou mais na ex-Tchecoslováquia (atuais Eslováquia e República Tcheca), sobretudo nos setores têxtil, de extração de carvão e siderurgia. Destacou-se a Skoda, famosa produtora de armas, material ferroviário, máquinas agrícolas, etc. 
Suécia – Deu-se aqui um caso típico de rápido desenvolvimento ligado a pesados investi​mentos estrangeiros, principalmente alemães; o mecanismo se explica pelas relações entre grandes bancos suecos e alemães. Mais tarde, viriam os bancos franceses. A Suécia chegou a ter a dívida externa mais alta do mundo. 
Na década de 1870, teve início a construção ferroviária. A partir dos anos de 1890, os alemães se voltaram para as minas de ferro, fundições e forjas. O aço de alta qualidade era exportado. Os franceses investiram mais em energia elétrica. Também tiveram importância a indústria madeireira e a química, como a de explosivos, controlada pelo grupo Nobel. 
Rússia – A arrancada do último país da Europa a industrializar-se se deu entre 1890 e 1900, com taxa de crescimento industrial de 8% ao ano, jamais igualada pelo Ocidente. Motivos: participação do Estado, investimentos externos e presença de técnicos estrangeiros. A abolição da servidão em 1861 não mudou muito a estrutura agrária, baseada no mir, comunidade agrícola de culturas coletivas. A produtividade não cresceu, nem o poder aquisitivo dos agricultores; e não houve êxodo rural que fornecesse mão-de-obra excedente às indústrias. 
O Estado exerceu papel importante. A compressão do consumo dos camponeses gerou excedentes de produtos agrícolas exportáveis, cujos rendimentos eram transformados em investimentos. Em 1913, metade do capital investido era estrangeira, com maior participação da França, Inglaterra, Alemanha, Bélgica e Estados Unidos. As indústrias de mineração tinham 91% de capital estrangeiro; as químicas, 50%; as metalúrgicas, 42%; a madeireira, 37%; e a têxtil, 28%. 
Formaram-se gigantescos conglomerados, como o Cartel Prodameta, que controlava trinta siderúrgicas e metalúrgicas, com capital francês. Explorava-se carvão da rica bacia do Donetz. A produção de máquinas era ainda reduzida. A descoberta de petróleo no Cáucaso deu origem a grande exploração, dominada pelos Rothschild de Paris. Controlada por ingleses e alemães, a indústria têxtil respondia por um terço da produção russa. 
Estados Unidos – Primeiro país a industrializar-se fora da Europa, a partir de 1843, em resultado da conquista do oeste e dos enormes recursos daí advindos; alguns autores preferem como marco a Segunda Revolução Americana, a Guerra de Secessão entre 1860 e 1865, momento em que a classe capitalista do norte aumentou sua fortuna financiando o governo federal, fornecendo provisões aos exércitos e desenvolvendo a indústria ligada às necessidades do conflito. O resultado foi a consolidação do capitalismo industrial, representado politicamente pelos republica​nos. Não foi por acaso que, enquanto a abolição da escravatura destruía a economia sulista, o protecionismo alfandegário, a legislação bancária, a construção de estradas de ferro e a legislação trabalhista garantiam a supremacia do norte e de sua economia industrial. 
Depois da guerra, o país tinha território unificado, rede de transportes em expansão, população crescente, poucas diferenças sociais. Isso permitia a produção para o consumo de massa, o que facilitava a racionalização da economia. O país dependia de seu próprio mercado, pois exportava apenas 10% do que produzia a Inglaterra, por exemplo, exportava 52%. Daí o caráter fortemente protecionista da industrialização americana. O dinamismo do país atraiu capitais europeus, que se voltaram para setores estratégicos, como ferro​vias. A descoberta de ouro na Califórnia acelerou ainda mais á economia, 
Em 1890, algodão, trigo, carne e petróleo contribuíam com 75 % dá exportação. O beneficiamento de produtos agrícolas foi a primeira grande indústria; ás siderúrgicas e indústrias mecânicas superaram o setor agrícola apenas no início do século XX. Sua característica era a formação de enormes empresas, que produziam ferro, carvão, produtos siderúrgicos e ferroviários. 
Em 1913, os americanos assumiriam á lide​rança na produção de ferro, carvão, aço, cobre, chumbo, zinco e alumínio. A indústria mecânica avançou, sobretudo á automobilística, com métodos racionais desenvolvidos pela Ford. A indústria têxtil deslocou-se para o sul. A elétrica, estimulada pelas investigações científicas que resultaram na fundação da Edison Electric Company, criaram filiais em vários países, como Itália e Alemanha. 
Japão – Na Ásia, foi o país que mais depressa implantou sua Revolução Industrial. Até meados do século XIX, o Japão vivia fechado, com sua sociedade dominada por uma aristocracia feudal que explorava a massa de camponeses. Desde 1192, o imperador tinha poder simbólico; quem o exercia era o Shogum, supremo comandante militar. A economia monetária vinha se acentuando desde o século XVIII e á pressão dos Estados Unidos forçou em 1852 a abertura dos portos aos estrangeiros, atendendo a interesses de expansão dá indústria americana. O ponto de partida para ás grandes transformações foi o ano de 1868, com a Revolução Meiji (Luzes). Com apoio estrangeiro, o imperador tomou o poder do Shogum e passou á incorporar á tecnologia ocidental, para modernizaro Japão. 
A Revolução Meiji aboliu o feudalismo, com finalidade nem tanto de melhorar a vida servil dos camponeses más de torná-los mais produtivos. A fortuna dos grandes comerciantes e proprietários aumentou, em prejuízo dos aposenta​dos e pequenos lavradores. A criação de um exército de trabalhadores, devido ao crescimento populacional, permitiu uma política de preços baixos, o dumping, favorável à competição no mercado externo. 
Um aspecto importante foi a acumulação de capital nacional, decorrente dá forte atuação do Estado, que concedeu patentes e exclusividades e integrou os investimentos. Depois de desenvolver as indústrias, o Estado as transferia a particulares em condições vantajosas de pagamento. Forma​ram-se assim grandes concentrações industriais, zaibatsu, pois 40% de todos os depósitos bancários, 60% da indústria têxtil, 60% da indústria militar, a maior parte da energia elétrica, a indústria de papel e a de construção naval eram controlados por apenas quatro famílias: Sumitomo, Mitsubishi, Yasuda e Mitsui. A indústria pesada avançou devagar pela falta de carvão e ferro. Os recursos hidrelétricos foram explorados a partir de 1891. No início do século XX, a siderurgia deu um salto, criando a base para a expansão da indústria naval. 
O Estado, assentado na burguesia mercantil e na classe dos proprietários, tinha apoio dos militares, que pretendiam construir o Grande Japão. O pequeno mercado interno impôs a busca de mercados externos e uma política agressiva, iniciada com a guerra contra a China (1894-1895), que proporcionou enorme indenização ao Japão. O mesmo aconteceu após a guerra contra a Rússia (1904-1905). A I Guerra Mundial (1914-1918) abriu espaços no mercado asiático, imediatamente ocupados pelo Japão. 
Mudanças na estrutura industrial
As mudanças na estrutura da produção industrial foram tão aceleradas a partir de 1870, que se pode falar de uma Segunda Revolução Industrial. E a época em que se usam novas formas de energia: eletricidade, petróleo; de grandes inventos: motor a explosão, telégrafo, corantes sintéticos; e de intensa concentração industrial. A grande diferença em relação à primeira fase da Revolução Industrial era o estreito relacionamento entre ciência e técnica, entre laboratório e fábrica. A aplicação da ciência se impunha pela necessidade de reduzir custos, com vistas à produção em massa. O capitalismo de concorrência foi o grande propulsor dos avanços técnicos. 
Novas fontes de energia foram substituindo o vapor. Já se conhecia a eletricidade por experiências em laboratório: Volta, em 1800 e Faraday, em 1831. O uso industrial dependia da redução do custo e, acima de tudo, da transmissão a distância. O invento da lâmpada incandescente por Edison em 1879 provocou uma revolução no sistema de iluminação. 
Já se usava o petróleo em iluminação desde 1853. Em 1859, Rockefeller havia instalado a primeira refinaria em Cleveland. Com a invenção do motor de combustão interna pelo alemão Daimler em 1883, ampliou-se o uso do petróleo. A primeira fase da Revolução Industrial tinha se concentrado na produção de bens de consumo, especialmente têxteis de algodão; na segunda fase, tudo passou a girar em torno da indústria pesada. A produção de aço estimulou a corrida armamentista, aumentando a tensão militar e política. Novas invenções permitiram aproveitar minerais mais pobres em ferro e ricos em fósforo. A produção de aço superou a de ferro e seu preço baixou. O descobrimento dos processos eletrolíticos estimulou a produção de alumínio. 
Na indústria química, houve grande avanço com a obtenção de métodos mais baratos para produzir soda cáustica e ácido sulfúrico, importantes para vulcanizar a borracha e fabricar papel e explosivos. Os corantes sintéticos, a partir do carvão, tiveram impacto sobre a indústria têxtil e reduziram bastante a produção de corantes naturais, como o anil. 
O desenvolvimento dos meios de transporte representou uma revolução à parte. A maioria dos países que se industrializavam elegeu as ferrovias como o maior investimento. Elas em​pregavam 2 milhões de pessoas em todo o mundo em 1860. No final dessa década, somente os Estados Unidos tinham 93 000 quilômetros de trilhos; a Europa, 104 000, cabendo 22 000 à Inglaterra, 20 000 à Alemanha e 18 000 à França. A construção exigiu a mobilização de capitais, através de bancos e companhias por ações, e teve efeito multiplicador, pois aqueceu a produção de ferro, cimento, dormentes, locomotivas, vagões. O barateamento do transporte facilitou a ida dos trabalhadores para as vilas e cidades. Contribuiu, assim, para a urbanização e o êxodo rural. As nações aumentaram seu poderio militar, pois podiam deslocar mais depressa suas tropas. Ninguém poderia imaginar tal mudança quando Stephenson construiu a primeira linha em 1825, de Stockton a Darlington, na Inglaterra. 
Depois que Fulton inventou o barco a vapor em 1808, também a navegação marítima se trans​formou. As ligações transoceânicas ganharam impulso em 1838, com a invenção da hélice. Os clíperes, movidos a vela, perderam lugar para os novos barcos, que cruzavam o Atlântico na linha Europa - Estados Unidos em apenas dezessete dias. 
A Grande Depressão
A primeira grande crise do capitalismo, a Grande Depressão, começou por volta de 1873 e só terminou em 1896. O ciclo da crise é marcado pelas seguintes fases: 
_ expansão: aumenta a produção, diminui o desemprego, crescem salários e lucros, ampliam-se as instalações e os empresários têm atitude otimista; 
_ recessão: a empresa não usa toda a sua capacidade produtiva, o que aumenta os custos e provoca a alta da taxa de juros; os empresários temem investir em excesso; 
_ contração: caem os investimentos, os empregados da indústria de bens de capital (indústria pesada) são demitidos, diminui o poder aquisitivo da população, os bancos reduzem os empréstimos, os empresários tomam todo cuidado com o custo da produção, têm postura pessimista; 
_ revitalização: os preços baixam demais, estimulando alguns a comprar; os estoques se esgotam logo; os preços tendem a subir; os industriais recuperam a confiança e retomam o investimento em instalações. 
A crise de 1873 - 1896 tem explicação estrutural. A organização dos trabalhadores, isto é, o aparecimento dos sindicatos nacionais, resultou em aumento real de salários entre 1860 e 1874. Por isso, os empresários preferiram in​vestir em tecnologia, para aumentar a produção com menos trabalhadores. De um lado, produção e lucros se mantiveram; de outro, declinou a massa global de salários pagos, determinando a recessão do mercado consumidor. Os capitais disponíveis não poderiam ser investidos na Europa, pois a produção aumentaria e os preços cairiam. Teriam de ser aplicados fora, através de empréstimos com juros elevados ou na construção de ferrovias. 
A crise eliminou as empresas mais fracas. As fortes tiveram de racionalizar a produção: o capitalismo entrou em nova fase, a fase monopolista. Sua característica é o imperialismo, cujo desdobramento mais visível foi a expansão colonialista do século XIX, assunto do próximo capítulo. O imperialismo, por sua vez, caracteriza-se por: 
_ forte concentração dos capitais, criando os monopólios; 
_ fusão do capital bancário com o capital industrial; 
_ exportação de capitais, que supera a exportação de mercadorias; 
_ surgimento de monopólios internacionais que partilham o mundo entre si.
Formas de monopólio nesta etapa do capitalismo: 
Truste – Um grupo econômico domina várias unidades produtivas; nos trustes horizontais, reúnem-se vários tipos de empresa que fabricam o mesmo produto; nos verticais, uma empresa domina unidades produtivas estratégicas, por exemplo, da mineração do ferro e carvão à fabricação de locomotivas, passando pela siderurgia; 
Cartel – Empresas poderosas, conservando sua autonomia, combinam repartir o mercado e ditam os preços dos produtos que fabricam; 
Holding – Uma empresa central, geralmente uma financeira, detém o controledas ações de várias outras empresas. 
Imperialismo; o novo colonialismo partilha África e Ásia
A colonização portuguesa e espanhola do século XVI havia se limitado à América. Com raras exceções, as terras africanas e asiáticas não foram ocupadas. Ali, os europeus limitaram-se ao comércio, principalmente o de especiarias. Por isso, no século XIX, havia grandes extensões de terras desconhecidas nos dois continentes, que Portugal e Espanha não tinham condições de explorar. Começou então nova corrida colonial de outras potências européias, sobretudo as que haviam passado por uma transformação industrial, como Inglaterra, Bélgica, França, Alemanha e Itália. 
Os motivos do Neocolonialismo
No século XVI, o objetivo colonialista era encontrar metais preciosos e mercados abastece​dores de produtos tropicais e consumidores de manufaturas européias. O interesse concentrou​-se na América. 
São mais complexos os fatores que explicam o renascimento colonialista do século XIX: claro que havia, sobretudo, interesses econômicos; mas a eles se juntaram outros, sociais, políticos e até religiosos e culturais. 
Nessa época, vários países europeus passavam pela Revolução Industrial. Precisavam encontrar fontes de matéria-prima (carvão, ferro, petróleo) e de produtos alimentícios que faltavam em suas terras. Também precisavam de mercados consumidores para seus excedentes industriais, além de novas regiões para investir os capitais disponíveis construindo ferrovias ou explorando minas, por exemplo. 
Tal mecanismo era indispensável para aliviar a Europa dos capitais excedentes. Se eles fossem investidos na Europa, agravariam a Grande De​pressão e intensificariam a tendência dos países europeus industrializados de adotar medidas protecionistas, fechando seus mercados e tornando a situação ainda mais difícil. Some-se a tudo isso o crescimento acelerado da população européia, necessitada de novas terras para estabelecer-se. No plano político, cada Estado europeu estava preocupado em aumentar seus contingentes militares, para fortalecer sua posição entre as demais potências. Possuindo colônias, disporiam de mais recursos e mais homens para seus exércitos. Tal era a política de prestígio, característica da França, que buscava compensar as perdas na Europa, especialmente a Alsácia-Lorena, para os alemães. Ter colônias significava ter portos de escala e abastecimento de carvão para os navios mercantes e militares distribuídos pelo planeta. 
Já os missionários se encaixavam nos fatores religiosos e culturais. Eles desejavam converter africanos e asiáticos. Havia gente que considerava mesmo dever dos europeus difundir sua civilização entre povos que julgavam primitivos e atrasados. Tratava-se mais de pretexto para justificar a colonização. Uma meta dos evangelizadores era o combate à escravidão. Dentre eles, destacaram-se Robert Moffat e Livingstone. Suas ações, em suma, resultaram na preparação do terreno para o avanço do imperialismo no mundo afro-asiático. 
Também teve importância o movimento intelectual e científico. As associações geográficas chegaram a reunir 30 000 sócios, 9 000 somente na França. Famosos exploradores abriram caminho da mesma forma que os missionários: Savorgnan de Brazza, Morton, Stanley, Karl Petersoon, Nachtigal. É importante notar o desenvolvimento de ideologias racistas que, partindo das teorias de Darwin, afirmavam a superioridade da raça branca. 
A partilha da África
Em 1830, a França invadiu a África e iniciou a conquista da Argélia, completada em 1857. Dez anos mais tarde, Leopoldo II da Bélgica deu novo impulso ao colonialismo ao reunirem Bruxelas, a capital, um congresso de presidentes de sociedades geográficas, para difundir a civilização ocidental dizia o rei; mas os interesses eram econômicos. Dali resultaram a Associação Inter​nacional Africana e o Grupo de Estudos do Alto Congo, que iniciaram a exploração e a conquista do Congo. Leopoldo era um dos principais contribuintes das entidades, financiadas por capitais particulares. 
Outros países europeus se lançaram à aventura africana. A França, depois da Argélia, rapidamente conquistou Tunísia, África Ocidental Francesa, África Equatorial Francesa, Costa Francesa dos Somalis e Madagascar. A Inglaterra dominou Egito, Sudão Anglo-Egípcio, África Oriental Inglesa, Rodésia, União Sul-Africana, Nigéria, Costa do Ouro e Serra Leoa. A Alemanha tomou Camarões, Sudoeste Africano e África Oriental Alemã. A Itália conquistou Eritréia, Somália Italiana e o litoral da Líbia. Porções reduzidas couberam aos antigos colonizadores: a Espanha ficou com Marrocos Espanhol, Rio de Ouro e Guiné Espanhola; Portugal, com Moçambique, Angola e Guiné Portuguesa. 
O ponto de partida para a corrida foi a Conferência de Berlim (1884 - 1885), proposta por Bismarck e Jules Ferry. Seu objetivo principal foi legalizar a posse do Congo por Leopoldo II. 
A Europa ocupa tudo
Os investimentos em ferrovias abriram o mercado asiático para os produtos ocidentais e, no século XIX, finalmente os países do Ocidente passaram do simples comércio praticado nos por​tos à política de zonas de influência. Promoveram então uma verdadeira partilha do Oriente. 
A Rússia era o país mais interessado em expandir-se para o oriente. Depois da ferrovia Moscou-Vladivostok, ela se chocou com a Inglaterra na Ásia Central e com o Japão na Manchúria. 
Em 1763, os ingleses haviam tomado a Índia aos franceses e encarregado uma companhia de explorá-la. Em 1858, revoltaram-se os cipaios, nativos que serviam nos exércitos coloniais. A Índia foi então integrada ao Império Britânico. Na China, a Guerra do Ópio (1840-42) permitiu a conquista de Hong-Kong, Xangai e Nanquim. Uma associação secreta, a Sociedade dos Boxers, reagiu à invasão, promovendo atentados contra os estrangeiros; tinha apoio do governo chinês. As potências européias organizaram uma expedição conjunta, o que provocou a Guerra dos Boxers. Depois dela, as potências ocidentais dominaram a China inteira. 
Os japoneses ocuparam a Coréia; os alemães, a Península de Shantung; os franceses, a Indochina. Os Estados Unidos estabeleceram um protetorado no Havaí e ocuparam Pearl Harbour. Em 1898, anexaram Havaí, Guam, Ilhas Marianas e Filipinas. Na América, ocuparam Porto Rico e, após guerra contra a Espanha, estabeleceram um protetorado em Cuba. 
Em 1914, 60% das terras e 65 % da população do mundo dependiam da Europa. Suas potências tinham anexado 90% da África, 99% da Oceania e 56% da Ásia. 
A administração neocolonialista
Nas áreas de dominação francesa, havia dois tipos básicos de ligação com a metrópole: 
1. Colônia, ficava sob supervisão direta do Ministério das Colônias, com administração de um governador-geral, responsável por toda a atividade colonial; 
2. Protetorado, bastante autônomo, administrado por gente da região, com supervisão de um representante da metrópole. 
Entre os ingleses, havia mais variedade administrativa: 
1. Colônia da Coroa, dependia diretamente do Escritório Colonial da metrópole; 
2. Colônia, com certo grau de autonomia, tinha Parlamento eleito; 
3. Domínio, praticamente independente, exceto no tocante às relações estrangeiras e à defesa. 
A administração colonial dos outros países era semelhante à dos franceses e ingleses. 
Política de espoliação
Foram os ingleses que organizaram melhor o sistema de exploração colonial. A extensão do império lhes proporcionou extraordinária variedade de recursos, humanos e materiais. A política econômica liberal, que vigorou na Inglaterra a partir de 1850, estendeu-se às colônias. 
Já a política francesa tarifária (de aumento dos impostos) variava de acordo com a colônia e com o tipo de produtos que ela gerava e consumia. 
A ocupação das colônias criou sérios problemas administrativos, pois os colonos vindos da metrópole queriam terras, o que só seria possível se eles as tomassem dos habitantes do país. Foi o que fizeram. Os europeus confisca​ram as terras diretamente ou usaram regiõesem disponibilidade ou, ainda, forçaram tribos nômades a fixar-se em territórios específicos. Para encorajar a colonização, a metrópole concedeu a exploração das terras a particulares ou a grandes companhias que tivessem condições de realizar grandes empreendimentos, de rendimento elevado. 
Para evitar toda concorrência, a metrópole só permitia indústria extrativa, mineral e vegetal. Mesmo assim, a indústria colonial progrediu impulsionada pela abundância de matéria-prima e mão-de-obra. 
A colonização, na medida em que representou a ocidentalização do mundo, destruiu estruturas tradicionais, que muitas vezes não se recompuseram, e nada construiu em seu lugar. Na Índia, o artesanato desapareceu. No Congo, os belgas obrigaram as populações nativas a executar trabalhos forçados e a pagar impostos. Na Argélia, a fim de liberar mão-de-obra, os franceses destruíram a propriedade coletiva do solo e o trabalho comunitário, o que levou muitas pessoas à fome e à indigência. 
Imperialismo: a supremacia inglesa na Era Vitoriana 
A indiscutível supremacia da Inglaterra na Europa do século XIX atingiu seu apogeu entre -1850 e 1875. O país, que havia iniciado sua Revolução Industrial mais de cem anos antes, colocou-se quase um século na frente dos demais Estados europeus. Somente na segunda metade do século XIX foi que França, Itália e Alemanha começaram a avançar, mas não o suficiente para abalar a hegemonia inglesa. 
A Inglaterra enviava homens, capitais, car​vão, tecidos e máquinas para o mundo inteiro. A supremacia naval completava a supremacia econômica. As camadas médias prosperavam, e seu papel político ganhava importância. Londres era a maior cidade do mundo, e o Parlamentarismo, um regime político estável, maleável para que as reformas se antecipassem às necessidades sociais. Assim, a Inglaterra evitou as agitações que assolaram a Europa dos fins do século XVIII ao século XIX. 
A união de desenvolvimento econômico com progresso social e estabilidade política criou condições para a formação de um vasto império colonial na América, África e Ásia. 
A dinastia Hannover, surgida no início do século XVIII, teve na rainha Vitória (1837-1901) o grande símbolo da virtude e da perseverança inglesas. Ela governou o país durante o período de supremacia britânica, por isso mesmo chamado de Era Vitoriana. 
Evolução econômica
Depois de 1815, quando terminaram as guerras com a França, a agricultura inglesa entrou em crise. A paz trouxe a queda de preços dos cereais; os pequenos proprietários tiveram de vender suas terras. A concentração de propriedades deu origem a uma agricultura intensiva, dotada de moderna tecnologia. Os grandes proprietários, controlando o poder político, fizeram aprovar leis para impedir a importação e manter altos os preços no país: as Leis dos Cereais (Corn Laws). 
O crescimento da indústria e da importância dos industriais mudou tal situação. Com cereais caros; eles tinham de pagar salários mais altos, o que diminuía seus lucros. Portanto, defendiam a livre importação de cereais. A campanha pela extinção das Corn Laws começou por iniciativa de Cobden, industrial que pregava o livre​cambismo, ou liberdade de troca, como forma de baratear os alimentos e matérias-primas industriais, bem como de abrir mercados para os produtos industrializados ingleses. Entre 1848 e 1852, todas as leis restritivas foram abolidas, inclusive os Atos de Navegação, baixados no século XVII. 
A Inglaterra consolidou então sua hegemonia comercial em todo o mundo. Controlava 80% da construção de navios de ferro. Sua frota mercante representava 60% da tonelagem mundial. Soma​dos, o comércio francês e o alemão representavam menos de 80% do comércio inglês, em 1870. A Inglaterra comprava alimentos e matérias-primas e exportava para todos os continentes produtos industrializados e capitais. 
A concentração industrial do norte e oeste, perto das bacias carboníferas e dos grandes por​tos, fez nascer a lnglaterra Negra em oposição à Inglaterra Verde do sul e sudoeste; dominada pela agropecuária. Em 1870, o país produzia dois terços do carvão mundial. A indústria metalúrgica concentrava-se em Birmingham e Sheffield. A expansão estava ligada ao desenvolvimento da indústria ferroviária e a novos métodos de obtenção de aço. 
A partir de 1890, começaram a surgir grandes concentrações industriais, como forma de conter a concorrência: reuniam siderúrgicas, empresas de mineração e de construção naval. Londres era o primeiro mercado mundial de lã; Leeds e Bradford processavam a matéria-prima importa​da. Cresceu a indústria têxtil do algodão. Seu centro era Manchester, que recebia fibra da América e exportava tecido, sobretudo para o Extremo Oriente. Em 1850, essa exportação representava metade da exportação inglesa global. 
A abundância de carvão impediu o desenvolvimento hidrelétrico. A química também estava em atraso, porque a Inglaterra recebia da Alemanha quase todo o corante de que precisava. 
Problemas sociais
Um traço marcante foi o acelerado crescimento demográfico. Havia 11 milhões de ingleses no início do século XIX; em 1870, eles eram 26 milhões, graças à queda da mortalidade, conseqüência do progresso da medicina e da melhoria de condições de higiene, junto com o aumento da natalidade. O êxodo rural superlotou as cidades, que em 1870 concentravam 70% da população. Londres tinha mais de 3 milhões de habitantes. 
Surgiram problemas. O excesso de mão-de-obra comprimiu os salários. Os trabalhadores viviam em subúrbios miseráveis. Cresceu a ten​são social, e as leis se tornaram mais severas. A classe trabalhadora reagiu de diferentes formas. Primeiro, houve tentativas de greves gerais, que falharam porque os operários não tinham condições de sustentar-se durante as paralisações. Os sindicatos trataram de constituírem-se como organizações defensoras dos interesses de classe. 
Entre 1870 e 1880, os sindicatos conseguiram para os operários igualdade perante a lei, direito de greve, regulamentação do horário de trabalho e a responsabilidade patronal em caso de acidente de trabalho. Outra solução para a questão social foi a emigração. A Inglaterra tornou-se o grande celeiro de emigrantes do século XIX. 
No topo da sociedade, continuava a dominar a aristocracia fundiária, uma classe fechada, mas receptiva à chegada dos ricos burgueses, industriais ou comerciais. Desta fusão, resultava uma elite poderosa, diferenciada do ponto de vista econômico, não do nascimento. 
Trajetória política
A partir de 1850, conservadores e liberais se alternaram no poder. Depois do governo do liberal Palmerston, preocupado com questões externas, os dois grandes líderes políticos foram: Gladstone, liberal, pacifista, religioso, e Disraeli, conservador, defensor da monarquia democrática e da expansão do império. 
Em 1867, Disraeli adotou uma lei eleitoral que beneficiou a Inglaterra industrial, ou seja, os setores novos da sociedade. 
A questão da Irlanda
Dominada pela Inglaterra fazia séculos, a Irlanda jamais se havia deixado subjugar completamente. De língua céltica e religião católica (exceto no Ulster, ao nordeste), opunha-se aos ingleses que exploravam seus pequenos proprietários e lhes tomavam as terras, em caso de atraso no pagamento de tributos. A situação se agravou na Grande Fome (1846-47), quando a Irlanda perdeu 3 milhões de habitantes, mortos ou emigrados. Um grupo de tendências radicais dominou então o país. 
Pela Associação Católica, O’Connel foi eleito em 1829 para o Parlamento, como representante da Irlanda. Com apoio de Gladstone, ele defendeu um governo autônomo para a Irlanda, sem resultado. Sobrevieram atentados, que o governo britânico reprimiu duramente. A sociedade secreta dos Fenianos, com apoio de emigrados nos Estados Unidos, tentou sublevar o país em 1867. A questão continuaria pelo século XX afora, mesmo depois que a Irlanda conseguiu independência parcial. 
O Império Britânico
Os ingleses se expandiram por meios pacíficos ou belicosos. No início doséculo XX, o Império Britânico tinha 400 milhões de habitantes, em 35 milhões de km2 de terras na América, Ásia, Oceania e África. 
Tornou-se importante controlar os mares. Superior a qualquer outra marinha européia, a inglesa dominava posições estratégicas no Mediterrâneo, Atlântico, Índico, no sul da África e nas rotas Índia-China e Mediterrâneo-Índia. 
Depois de 1815, os ingleses se haviam apossa​do da Índia, Egito, Sudão, Nigéria, quase todo o sul africano; conquistaram e colonizaram a Austrália e a Nova Zelândia; impuseram sua tutela à Birmânia, Beluchistão, Mesopotâmia e Palestina. 
Os domínios
As formas de ocupação variavam, mas havia essencialmente dois tipos de colônia: as de comércio, nos trópicos; e as de povoamento, nas regiões temperadas. Os traços mais gerais do colonialismo inglês foram: 
_ liberalismo econômico, em substituição ao monopólio; 
_ a abolição do tráfico de escravos, em 1807; _ a abolição da escravidão, em 1833; 
_ a autonomia considerável nas colônias em que predominava a população branca, como no Canadá. 
As unidades autônomas eram chamadas domínios. Entre eles e a metrópole as relações acabaram sendo de igual para igual, pois, com o tempo, o Império se transformaria em federação de Estados livres, ligados apenas por interesses econômicos: a Commonwealth, ou Comunidade das Nações. 
Nas colônias de exploração comercial, o regi​me variava. Algumas eram administradas direta​mente pelo Estado inglês e outras, confiadas a companhias que detinham algum monopólio. 
A Índia é um exemplo característico da colonização britânica. A conquista deu-se entre 1798 e 1849. Os ingleses respeitaram os costumes locais e construíram ferrovias. Em 1857, com a revolta dos cipaios, os soldados indígenas, seguiram-se dezoito meses de combates e represálias sangrentos. Para evitar novos problemas, a Inglaterra reorganizou o país. A Companhia das Índias perdeu seus privilégios. E funcionários designados pelo governo britânico passaram a administrar a Índia. 
A ciência e a cultura no século XIX
Do ponto de vista científico e cultural, as características dominantes no século XIX avançaram pelo século XX. Houve progressos enormes em todos os campos da ciência e numerosas invenções na física e na química. A difusão de suas aplicações revolucionou indústria e comércio, transformando as condições de vida. 
Com o triunfo do maquinismo, a renovação dos instrumentos de produção, a reformulação dos métodos e a concentração empresarial, abriu​se nova era para a humanidade: a era da civilização científica. 
O progresso científico
A organização mais eficiente do trabalho acelerou o progresso científico. Antes, os pesquisa​dores eram em geral amadores. A Revolução Francesa criou museus e escolas politécnicas, com ensino de Ciências. A aplicação dos conhecimentos estimulou novos inventos, que levaram a novas pesquisas e descobertas. 
Durante a Revolução e o Império surgiram na França matemáticos ilustres, como Lagrange, Monge e Laplace. Na Física, os resultados mais significativos ocorreram no campo da óptica, da teoria do calor e da eletricidade. Fresnel demonstrou que a luz é uma vibração que se propaga por ondas. Carnot, estudando o rendimento das má​quinas a vapor, estabeleceu os princípios funda​mentais da termodinâmica em 1824. 
Em 1800, o italiano Volta inventou a pilha elétrica, geradora de corrente contínua. Ampère estabeleceu os princípios que tornaram possível o desenvolvimento técnico da eletricidade: ele formulou as leis do eletromagnetismo, demonstrando a existência de certa identidade entre os fenômenos elétricos e magnéticos, e construiu o eletroímã. 
O inglês Faraday descobriu as correntes de indução, fontes de inumeráveis aplicações práticas. Em 1889, o alemão Hertz mostrou que as oscilações elétricas propagavam-se no espaço através de ondas, como a luz. O francês Becquerel descobriu, em 1896, os fenômenos radiativos: a propriedade de certos corpos de emitir radiações. Em 1900, Pierre Curie e sua mulher Marie, poloneses radicados na França, isolaram o mais pode​roso corpo radiativo: o rádio. 
Químicos e naturalistas aprofundaram o conhecimento sobre a matéria e a vida. Descobriram numerosos elementos químicos, como potássio, sódio, bromo; agruparam as substâncias de acordo com suas propriedades e classificaram-nas em sais, ácidos e óxidos, com enorme utilidade para a metalurgia. A criação da química orgânica enriqueceu a química mineral. Gay-Lussac, grande representante da escola francesa, descobriu o iodo. Os trabalhos de Berthelot derrubaram as barreiras entre química mineral e orgânica, trazendo soluções ao problema da síntese orgânica. 
Em 1833, o alemão Gauss inventou o telégrafo elétrico; o americano Morse criou o aparelho transmissor em 1835. No fim da década, a partir dos trabalhos de Daguerre, surgiu a fotografia. 
Em Paris, o Museu de História Natural tornou-se centro de pesquisadores ilustres, como Cuvier, fundador da paleontologia, e Lamarck, estudioso da influência do meio nas modificações dos seres vivos. Em 1859, o inglês Darwin publicou Origem das Espécies, dando início à teoria evolucionista. 
Claude Bernard afirmava que os fenômenos biológicos obedeciam às mesmas leis que regiam os corpos inanimados. Para demonstrar tal teoria, usou o método experimental, até ali exclusivo para fenômenos físicos. Pasteur descobriu que a fermentação e as doenças infecciosas resultavam da ação de seres vivos, micróbios e bactérias. Isolou-os e cultivou-os artificialmente. Isto permitiu a fabricação de vacinas, importantes na prevenção de doenças infecciosas. 
As ciências humanas avançaram, destacada​mente a Geografia e a História. Michelet, Guizot e Therry procuraram recriar uma imagem viva do passado; Alexis de Tocqueville salientou a importância dos aspectos econômicos e sociais na com​preensão da História. Com Fustel de Coulanges, a História adquiriu rigor minucioso: ele estudou a Gália, os capetíngios e os carolíngios. 
Com Vidal de la Blache, a Geografia adquire novas dimensões. No campo da Psicologia, os franceses Janet e Dumas estudaram os automatismos. O estudo de doenças mentais, especialmente o de Charcot, levaram Freud à exploração do inconsciente e à criação da psicanálise. 
A partir de Auguste Comte, pai do positivismo, a sociologia procurou determinar as leis que regem os fenômenos sociais, mostrar sua influência sobre a mentalidade individual e as representações coletivas, transformando a consciência moral em imperativo dos grupos sociais - negando o sentido universal dos valores morais. Representantes desta escola foram Durkheim, autor de O Suicídio (1897), e Lévy-Bruhl. 
No fim do século, o racionalismo estreito bateu em retirada. O francês Bergson contribuiu para tanto, com sua tese de 1889, que procurava forças vivas do pensamento, por oposição às construções artificiais da inteligência. O alemão Nietzsche exaltou a superioridade dos valores vitais em face da ciência e da razão. O americano William James desenvolveu o pragmatismo, empirismo radical segundo o qual uma verdade é uma ação que tem êxito. 
Tendências literárias
O Romantismo surgiu como reação a um Classicismo acadêmico e ao intelectualismo do século XVIII. Enfatizava o sentimento e o indivíduo. Surgiu na Inglaterra, com Wordsworth, Byron, Shelley, e na Alemanha, com Goethe, Schiller e Heine; por volta de 1820 atingiu a França, onde teve precursores como Rousseau, Chateaubriand e Madame de Staël. 
Na poesia, destacaram-se os franceses Lamartine, Victor Hugo, Musset e Vigny; no romance, Stendhal, Balzac e Dumas; no teatro, Dumas, Musset e Victor Hugo, autor de Hernani (1830). O Romantismo entrou em declínio a partir de 1850. Na poesia, triunfou a doutrina da arte pela arte, ou poesia dos parnasianos, como Leconte de Lisle, hostil à exaltação dos sentimentos íntimos. Mais tarde, Baudelaire anunciaria o Simbolismo. No romance, firmava-se a corrente realista de Flaubert na França, Dickens na Inglaterra, Tolstoi e Dostoievski naRússia. 
A partir de 1875, a literatura apresenta duas tendências marcantes. Sob influência do Naturalismo, o romance acentua a relação entre indivíduo e seu meio; torna-se um instrumento nas mãos daqueles que pretendem estimular a reflexão sobre as condições de sua época. 
O Naturalismo punha em evidência as preocupações sociais do Realismo. A meta do Naturalismo era o realismo levado ao limite extremo. O romance tornava-se o processo verbal da vida, ganhava conotação pessimista, identificava-se com as tendências socialistas. Daí seu aspecto engajado, como nos textos de Zola. Seguem a mesma linha Verga na Itália; Blasco Ibanez na Espanha; Thomas Mann na Alemanha; Thomas Hardy na Inglaterra; Máximo Gorki na Rússia. 
A arquitetura
Na França, permaneciam traços da arte barroca, dominante durante o Império. O uso de ferro (Pavilhão da Indústria de 1878, Torre Eiffel de 1889) não deu origem a um estilo verdadeiramente novo. Os ingleses buscavam uma arte nacional, com estilo próprio, daí a importância do tijolo à vista, que recuperava o estilo Tudor. 
No Salão dos Artistas Decoradores de Paris, em 1901, surgiria um esforço para a criação de uma arte decorativa aplicável a todas as outras, da fachada do prédio aos móveis. Inspirava-se na natureza, em especial na flora, e empregava a linha curva, apropriada ao uso do ferro. 
Uma revolução resultou da invenção do concreto armado por Joseph Monnier, em 1848. Depois 'de; tentativas de definição de formas mais racionais no Teatro dos Campos Elísios, na França, foi na América que a mistura encontrou singular aplicação. O elevado preço dos terrenos e a concentração urbana impuseram a construção de edifícios elevados - o primeiro surgiu em Chicago, entre 1884 e 1887. Os arquitetos alemães definiram formas originais e o estilo de Munique se impôs na exposição de Colônia, em 1914. 
A pintura
A pintura apresentou tendências notáveis. Ela se firmou como oposição ao Academismo, inicia​do no final do século XVI com os bolonheses Carracci. Segundo esse movimento, os artistas - deveriam inspirar-se na mitologia grega e nas – histórias da Bíblia, reproduzindo a vida, a natureza e o homem. Procuravam imitar os renascentistas na composição (Rafael), na cor (Ticiano) e na técnica do claro-escuro (Da Vinci). 
A pintura do século XIX também se opunha ao Neoclassicismo, que dominou a Europa em meados do século XVIII e que tinha muitos pontos em comum com o estilo das academias, o Academicismo. Os neoclássicos tinham paixão pela Antiguidade; afirmavam a existência de uma forma bela, ideal, absoluta e eterna, que se encontrava sobre​tudo entre os escultores gregos. O exemplo da tendência na Inglaterra foi Ingres, que pintou Édipo Explica o Enigma da Esfinge. Na França, temos Louis David, pintor oficial do Império Napoleônico, autor de A Morte de Marat. A pintura francesa do século XIX seguiu sua escola. Mas, aos poucos, a arte abandonou os temas clássicos e voltou-se para o cotidiano, mais próximo dos anseios políticos e sociais do povo. 
O Romantismo logo dominou a pintura, como oposição ao Neoclassicismo. Dava à cor maior expressão que ao desenho. Pregava a liberdade e orientava-se mais pelo sentimento que pela razão. Surgiram então grandes paisagistas, como Delacroix e Corot. 
Gross, autor de Os Pestilentos de Jafa, desviou-se dos ensinamentos neoclássicos de Louis David: deu às figuras maior movimento e cores mais expressivas. Mas foi Delacroix o grande pintor romântico. Sua obra mais famosa é A Liberdade Guiando o Povo, em que se retrata com um fuzil nas mãos em defesa da liberdade, na revolta parisiense de 1830. 
Na segunda metade do século surge o Realismo. Os neoclássicos haviam se preocupado com o desenho, e os românticos, com a cor. Os realistas agora centravam a atenção no equilíbrio entre cor e desenho, entre emoção e inteligência. Abandonaram temas históricos e concentraram-se em cenas diárias, inspirados pelas idéias políticas dominantes. Afirmavam que ser realista não era ser exato, mas verdadeiro. Destacou-se Gustave Courbet, que, recusado pelo júri da Exposição Universal, expôs em plena rua, em Paris. Marc Chagall, nascido na Rússia, foi um pioneiro do Realismo. 
Ao Realismo sucedeu um movimento chama​do Impressionismo. Um dos principais precursores do Impressionismo foi Édouard Manet. Em 1863, Manet enviou ao Salão dos Artistas Franceses a tela Almoço na Relva, que foi recusada pelo júri. O imperador Napoleão III determinou então que fosse organizada uma exposição paralela, chamada Salão dos Recusados. A tela de Manet causou grande escândalo, mas marcou uma nova tendência na pintura. O jornalista Louis Leroy, vendo Impressões do Sol Nascente, de Monet, acusou a ele e a seu grupo de só fazerem borrões. E os chamou ironicamente de impressionistas. 
Essa nova tendência, o Impressionismo, destacava o efeito da luz solar sobre os objetos; os pintores impressionistas procuravam registrarem suas telas as constantes alterações que essa luz provoca nas cores da natureza. Em abril de 1874, foi inaugurada a primeira exposição de obras impressionistas. Entre os expositores estavam Renoir, Degas, Pissarro, Cézanne, Sisley, Monet e Morisot. O público reagiu negativamente diante dessas obras. 
Em 1886, eles passaram a ter seu próprio salão. Em oposição aos artistas que pintavam em ateliês, os impressionistas saíam ao ar livre, em busca do sol e das mudanças de luminosidade na natureza. A arte da caricatura evoluiu com esse movimento; floresceu com Toulouse-Lautrec, autor de cartazes para teatro. 
Em 1905, surgiu o Expressionismo, reação contra o Academismo e o Impressionismo, sob influência do holandês Van Gogh e do alemão Edvard Munch. Eles deformavam as imagens, buscando o drama interior do homem, a verdade por meio da emoção. Os expressionistas viviam o drama de cada ser humano e da sociedade: miséria, infância infeliz, vícios, injustiças, angústias. Van Gogh tratou o tema magistralmente, como se pode ver no auto-retrato com a orelha cortada. 
O Fovismo surgiu no mesmo ano de 1905. No Salão de Paris, Henri Matisse e outros fizeram uma exposição, na qual havia uma estátua do florentino Donatello. Um crítico francês disse que o mestre italiano estava entre fauves (feras), referindo-se às cores fortes e puras, sem mediações, dos jovens pintores. O movimento revelava influências de Van Gogh e Gauguin, já falecidos. Os fovistas abandonaram as regras tradicionais acadêmicas, o desenho detalhado, o claro-escuro; usavam as cores de forma selvagem, realçando os contornos com traços negros. 
Gauguin ficou entre o Expressionismo e o Fovismo. Levou vida tumultuada e morreu na miséria no Taiti. Achava importante recriar a natureza dando a cada imagem um valor simbólico, que podia ser alterado e deformado. Usava cores fortes combinadas a técnica simples. 
O Cubismo surgiu em 1908. Desde 1906, Pablo Picasso e Georges Braque vinham dando novas formas à representação do corpo, procurando reduzi-lo a seus elementos geométricos básicos. Seus quadros resultavam de partes de objetos variados da natureza, num jogo de linhas e planos. Diz-se que a tela de Picasso As Senhoritas de Avignon (1907, Paris) foi a primeira obra cubista; outros dão a primazia a Braque, pela exposição de 1908 sobre temática paisagística. 
O mesmo crítico que batizou o Fovismo chamou de cubos as paisagens de Braque. O movi​mento teve forte influência sobre a produção industrial e abriu caminho para o Futurismo. Picasso, um dos maiores pintores de todos os tempos, produziu a principal obra do Cubismo: Guernica, nome da cidade bombardeada pelos alemães a pedido do ditador espanhol Francisco Franco. O desespero da população foi representa​do em preto, branco e cinza, numa tela de 8 x 3,5 metros. Um documento de dor da Humanidade. 
As bases do Futurismo foram lançadas num manifesto assinado pelo escritor italiano Filippo Marinetti. Exigia a destruição do passado e a glorificação do futuro. Seus temas eram multidões, fábricas, arsenais, pontes, locomotivas, aviões,motores. Na pintura, tal como no cinema, as imagens aparecem dinamizadas pela repetição, como o célebre Cão, de Bala. Os futuristas que​riam transmitir situações tensas, em constante mutação, em oposição aos cubistas. 
Em 1910, surge o Abstracionismo, resulta​do da evolução da pintura de Kandinsky, inicialmente fovista e acadêmico. Para ele, um quadro retratava um estado de espírito, não era a mera representação de objetos. A força das cores expressaria o sentimento. Formas e cores eram seus ritmos e sons. O abstracionismo de Kandinsky era sensível, mais ligado aos senti​mentos, enquanto o de Mondrian era geométrico, matemático. 
Escultura
Auguste Rodin paira como grande nome da escultura. Com O Beijo, Os Burgueses de Calais e sobretudo O Pensador, influenciou decisiva​mente a evolução da escultura francesa e mundial. Preocupava-se com a miséria humana, a grandeza heróica da Humanidade, seus sonhos. 
Música
A escola romântica alemã dominou a música. Na primeira geração, destacam-se Schubert e Beethoven; na segunda, Schumann, Mendelssohn, Chopin e Berlioz; na terceira, Liszt e Wagner; Brahms representou o retorno ao Classicismo. Os italianos Verdi e Puccini produziram óperas imortais. Fauré, Debussy e Ravel brilharam na França e marcam uma renovação. Na Rússia, Rimsky-Korsakov seguiu uma linha desligada de influências ocidentais, enquanto Tchaikovsky permaneceu ligado à música clássica. O austríaco Schönberg trouxe à tona a música atonal. 
A musicalidade e a nostalgia dos negros americanos deu origem a uma música nova, destinada a fazer sucesso em todo o mundo contemporâneo: o jazi. Sua origem se localiza nas canções de trabalho, work-songs; nos cantos religiosos, spirituals e gospel-songs; e nos blues, cantos melancólicos não-religiosos. A primeira banda surgiu em Nova Orleans em 1912. O jazz penetrou em Chicago em 1914 e em Nova York em 1917. 
Cinema
A partir de 1882, as experiências com movimentação de imagens fotográficas prepararam o advento do cinema. Os irmãos franceses Lumière e o americano Thomas Edison realizaram as primeiras projeções cinematográficas. Os Lumière projetaram o primeiro material filmado, em 1895. 
Das cenas reais, passou-se à filmagem de temas sentimentais e históricos com atores, em minúsculos estúdios. Em 1912, surgiu a sincronização entre a película e o fonógrafo, antecipando o cinema falado. A futura sétima arte se expandiria nos Estados Unidos. O Nascimento de uma Nação, de Griffith, criador das técnicas de montagem, foi um marco na história do cine​ma como forma de arte e entretenimento. Rapidamente, Hollywood se tornou a fábrica de sonhos, geradora de celebridades populares em todo o mundo. Mary Pickford, Theda Bara, Charles Chaplin e Rodolfo Valentino, eis apenas alguns dos grandes nomes do cinema em seus primórdios.
Para saber mais:
O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo - - V.I. LÊNIN
Bibliografia:
História Geral - Aquino, Denize e Oscar - Ed. Ao Livro Técnico
Toda a História - José Jobson Arruda - Ed. Ática
História - Luiz Koshiba - Ed. Atual
	© Copyleft LCC Publicações Eletrônicas - Todo o conteúdo desta página pode ser distribuído exclusivamente para fins não comerciais desde que mantida a citação do Autor e da fonte e esta nota seja incluída.
Capitalismo Monopolista, Imperialismo e Neocolonialismo. Disponível em: 
<http://www.culturabrasil.org/neocolonialismo.htm>. Acesso em: 02/04/2012
CONTINUAÇÃO:
Revolução Industrial na Inglaterra a partir de 1760; Crise do Capitalismo entre 1873 e 1893 e o Neocolonialismo
O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. 
Martin Luther King
��
História do Capitalismo - De especulação também se vive 
RELAÇÕES EXTERIORES
A história do capitalismo mostra que o sistema econômico enfrenta abalos financeiros desde o século XVII e que as crises estão ligadas ao eterno processo de empréstimos, investimentos e inadimplências
POR MARCOS LOBATO MARTINS
��Multidão de investidores reunidos do lado de fora do Banco dos Estados Unidos, após anunciar falência, em 1931 
Em setembro de 2008, o estouro da "bolha imobiliária" americana deu início a uma crise financeira de enormes proporções. Há quem chame essa crise de "o primeiro crash da globalização". Outros a vêem como o início do fim do "império norte-americano" e a certidão de óbito do neoliberalismo. Para os historiadores econômicos, a assombrosa perda de riqueza que está ocorrendo agora, graças ao derretimento do sofisticado mercado financeiro construído nos países centrais, evidencia algo mais prosaico, embora terrível: o capitalismo é inseparável de crises financeiras agudas. A história do capitalismo pode ser contada, portanto, por meio dos dramáticos enredos das numerosas crises financeiras que ele engendra. É o que se propõe neste artigo, com a devida brevidade.
LUCRO, COMPETITIVIDADE E INSTABILIDADE
Considerado o criador da moderna economia, o escocês Adam Smith (1723-1790), no livro A Riqueza das Nações, apreendeu o princípio motor do capitalismo: "Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio auto-interesse". É a vontade de obter dinheiro e lucro que anima os agentes econômicos, que faz os mercados funcionarem e, segundo Smith, promoverem, de lambuja, o bem-estar dos indivíduos e da coletividade. O mercado capitalista, sob o regime do laissez-faire (deixai estar), produziria a marcha inelutável para o progresso. Ao Estado, caberia apenas garantir a ordem e a segurança contra os inimigos externos.
��O alemão Karl Marx, fundador da teoria marxista, que influenciou as grandes revoluções do século XX 
As crises econômicas e as revoluções sociais do século XIX colocaram em xeque a visão idealizada do liberalismo de Adam Smith. Karl Marx (1818- 1883), o mais eminente crítico do capitalismo, construiu uma poderosa e influente interpretação da economia capitalista, na qual ganhou relevo as falhas - e, portanto, as crises - inerentes à dinâmica das forças de mercado. O ponto de partida do marxismo é o mesmo: o mercado é o princípio organizador da sociedade capitalista, de maneira que essa sociedade está presa a forças subterrâneas que têm vida própria. No interior do mercado, movem-se indivíduos impulsionados pelo desejo de ganhar dinheiro, de acumular capital.
O mecanismo da competição econômica, segundo Marx, gerava simultaneamente tanto a riqueza quanto a pobreza, bem como a tendência à concentração dos capitais. Mas a trajetória da economia capitalista não é suave, tampouco apenas ascendente. Marx dedicou bastante atenção aos solavancos da roda da fortuna capitalista. Assinalou a tendência recorrente da economia de perder impulso e até mesmo de ir para trás, vivendo em "ciclos", passando de períodos de expansão para períodos de contração.
A explicação para os ciclos pode ser encontrada nos excessos e desajustes de oferta e demanda, nas retrações de crédito, nas variações de otimismo e pessimismo entre os agentes econômicos, no aparecimento de rupturas tecnológicas ou institucionais e alterações nas relações de força entre trabalho e capital (embates entre sindicatos, empresas, governos e opinião pública).Enfim, a interpretação de Marx põe em relevo três características do capitalismo histórico: a) aguda instabilidade; b) baixa previsibilidade; e c) difícil governabilidade.
Para se ter uma idéia da montanha-russa que é a economia capitalista, basta lembrar que, desde 1790, há registros confi- áveis de pelos menos 46 ciclos econômicos irregulares. Entre 1854 e 1919, a duração média de uma recessão era de 22 meses; nos Estados Unidos, a economia se retraía em média a cada 49 meses. Mesmo nos tempos atuais, as crises econômicas continuam freqüentes. Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), desde 1970 ocorreram 124 crises financeiras pelo mundo afora.
"Irei até o Paraíso (...) onde se vendeu a primeira ação do mundo. EVA COMPROU-AÀ SERPENTE, COM ÁGIO, VENDEU-A A ADÃO, também com ágio, até que ambos faliram. Machado de Assis, crônica de 23/10/1892"
��Mais de mil homens desempregados marcham em direção à Tesouraria de Perth, na Autrália ocidental, para ver o Premier Sir James Mitchell, em 1931 
Tendo em vista essas características do capitalismo, o economista Hyman Minsky (1919-1996), um dos pioneiros no estudo de crises financeiras, observou ironicamente, em 1982, que o mais significativo evento econômico desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) "é algo que não aconteceu: não houve uma depressão profunda e duradoura" na economia internacional.
CRESCIMENTO, CRÉDITO E MERCADO FINANCEIRO
O capitalismo depende da propensão para o consumo, fato que Henry Ford (1863-1947) expressou muito bem quando afirmou: "Quem faz o emprego do trabalhador é o consumidor, que é o próprio trabalhador". Para manter a pleno gás o reator da demanda, as empresas começaram a criar, elas próprias, as necessidades de novos bens e serviços, incrementando a pesquisa, o projeto e o marketing. Seduzidos, os consumidores precisam de crédito para comprar os bens e serviços que anseiam. As empresas também precisam de crédito para expansão de seus negócios, capital de giro, financiamento de inovações e da comercialização e de quem lhes ajudasse a lançar títulos nos mercados de capitais. Por isso.mesmo, os bancos são peças vitais da engrenagem capitalista contemporânea. Sem eles, a economia pára de funcionar.Os bancos operam, por natureza, alavancados.
No sistema bancário, o crédito de um é o débito do outro. Essa cadeia liga os bancos entre si e aos clientes
Eles criam dinheiro, na medida em que possuem capacidade de gerar meios de pagamento. Os depósitos à vista que os bancos captam de indivíduos e empresas são multiplicados por meio de empréstimos para terceiros, inclusive outros bancos. Assim, o sistema bancário cria crédito e possibilita negócios que não seriam viáveis sem ele. O decisivo, porém, é o fato de que, no sistema bancário, o crédito de um é o débito do outro. Uma cadeia intricada de créditos e débitos liga invisivelmente os bancos entre si e com seus clientes. De modo que a falência de um banco pode ser vista como a derrocada do sistema bancário, causando prejuízos generalizados.
��O empresário Henry Ford, o inventor Thomas Edison, e o empreendedor Harvey Firestone, em 1929 - eles colaboraram para a formação das grandes indústrias 
A posição estratégica dos bancos na economia é algo relativamente recente. Nos primórdios do capitalismo, o período mercantilista dos séculos XV a XVIII, a atividade principal dos bancos concentrou-se no financiamento da dívida pública dos Estados europeus (garantida por impostos) e do comércio a longa distância (monopolizado por companhias privilegiadas). Na Inglaterra da Revolução Industrial (1760-1830), os bancos mantiveram sua atuação tradicional, participando marginalmente do financiamento dos novos empreendimentos fabris.
As atividades industriais lançaram mão de economias familiares e do reinvestimento de lucros gerados pelas próprias indústrias, algo possível naqueles tempos pioneiros, uma vez que os capitais exigidos pelas fábricas eram relativamente modestos. Na segunda metade do século XIX, o papel dos bancos, principalmente nos Estados Unidos e na Alemanha, sofreu transformações de monta. Enquanto os bancos ingleses aumentaram suas operações de desconto mercantil e reforçaram sua função de sistema de crédito internacional, as instituições financeiras americanas e alemãs assumiram a função de antecipação de capitaldinheiro para as empresas, colocando o crédito a serviço da formação de corporações econômicas gigantescas.
A "bolha das tulipas", que arruinou a economia holandesa no século XVII pode ser comparada à crise da Nasdaq, em 2000; abaixo, panfleto holandês da "tulipomania", datado de 1637
��Na Holanda, no século XVII, as tulipas viraram uma febre: elas eram trocadas por terras, animais e casas 
O capital a juros dos bancos, sob forma "livre" e líquida, possibilitou a fusão dos interesses entre os bancos e a indústria, concretizada na forma das "sociedades anônimas" no final do século XIX. A propósito, escreveu o economista inglês John Hobson (1858-1940), autor do livro Th e Evolution of Modern Capitalism: "Quando nos damos conta do duplo papel desempenhado pelos bancos no financiamento das grandes companhias, primeiramente como promotores e subscritores (e freqüentemente como possuidores de grandes lotes de ações não absorvidas pelo mercado) e, em segundo lugar, como comerciantes de dinheiro - descontando títulos e adiantando dinheiro - torna-se evidente que o negócio do banqueiro moderno é a gestão financeira geral e que a dominação financeira da indústria capitalista é exercida fundamentalmente pelos bancos".
Esse processo deu origem a uma "classe fi- nanceira", que torna a gestão empresarial intrinsecamente especulativa, repleta de práticas destinadas a ampliar "ficticiamente" o valor do capital existente. Essas práticas só podem ter livre curso com o alargamento do crédito, exigindo a constituição de enorme e complexo aparato financeiro. O "financista" utiliza sua função de direção dos fluxos de capital, que é legítima e profícua, para desenvolver abusivamente métodos de ganho privado, manipulando, como feiticeiro, pilhas de papéis e estimativas de retornos e riscos para atrair a confiança de poupadores que lhes destinam suas economias.
PRIMÓRDIO DAS CRISES: A BOLHA DAS TULIPAS
Desde o surgimento dos bancos na Idade Média, a história das finanças é repleta da imagem de investidores arruinados com os resultados da própria cupidez. O capitalismo, por assim dizer, banalizou essa imagem. Entre os séculos XV e XVIII, encontram-se antepassados dos grandes crashes dos séculos XX e XXI.
Um desses antepassados é a curiosa "bolha das tulipas", que produziu estragos na Holanda do século XVII. A "bolha das tulipas" é vista por muitos como a primeira bolha de mercado, e comparada à crise da Nasdaq, a bolsa das empresas pontocom nos Estados Unidos.
As tulipas chegaram à Europa, provavelmente vindas da Turquia, em meados dos anos 1500. Na Holanda, os portos encheram-se de flores, especiarias e plantas exóticas, destacando- se as tulipas, cujo cultivo teve início ali em 1593. No alvorecer do século XVII, a flor já era muito usada por jardineiros e apreciada por colecionadores, em decorrência de sua beleza. Rapidamente, a popularidade da tulipa cresceu. Mudas especiais receberam nomes extravagantes ou de almirantes da marinha holandesa. As mais desejadas tinham cores vívidas, linhas e pétalas flamejantes. A tulipa tornou-se artigo de luxo e símbolo de status, estabelecendo-se a competição entre indivíduos das classes altas, mercadores e artesãos, pela posse das variedades mais raras. Os preços começaram a disparar. Em 1623, um simples bulbo da variedade Semper Augustus custava 1.000 florins. As tulipas eram trocadas por terras, animais e casas. Um bom negociante de tulipas conseguia ganhar 6.000 florins por mês, quando a renda média anual, à época, era de 150 florins.
O movimento ascendente dos preços das tulipas não cessou até 1636. As tulipas eram negociadas nas bolsas de valores das ricas cidades holandesas. Muitas pessoas venderam ou negociaram suas posses no intuito de especular no mercado de tulipas.
Quadro do inglês Edward Matthew Ward (1816-1879), representando o colapso da South Sea Company; abaixo, ilustração ironizando a queda das ações da companhia
Negociantes passaram a vender bulbos de tulipas que tinham acabado de plantar ou que tencionavam plantar - os chamados contratos futuros de tulipas -, em transações conhecidas como weindhandel ("negócio de vento"). Na base das expectativas exageradas a respeito da evolução dos preços das tulipas, estava o Banco de Amsterdã, com sua capacidade de estender o crédito e suportar o avanço da especulação.
Porém, no início de 1637, a "bolha das tulipas" estourou. Surgiua suspeita de que a procura por tulipas não duraria. O movimento de subida dos preços dos bulbos terminou, induzindo os comerciantes a vendê-los. Os preços, então, subitamente caíram 90%. Alastrou-se o pânico no mercado. Muitos compradores deixaram de honrar os contratos de compra de tulipas. Outros se acharam na posse de bulbos cujo preço era, agora, muito inferior ao que haviam pagado. Os severos juízes holandeses consideraram as dívidas sem valor legal, porque resultantes de negócios especulativos, o que deixou os vendedores de tulipas sem o poder de executar o pagamento dos contratos. Por conseguinte, milhares de holandeses, incluindo membros da alta sociedade, tiveram prejuízos enormes.
O COLAPSO DOS MARES DO SUL
No início do século XVIII, a poderosa Inglaterra ficou às voltas com a "bolha dos Mares do Sul", episódio de especulação desenfreada envolvendo as ações da South Sea Company. Endividado por gastos de guerra, em 1711, o governo inglês obteve dessa companhia um empréstimo de 11 milhões de libras, a ser fi- nanciado a juros de 6%. A companhia recebeu, ainda, garantia do monopólio das trocas nos Mares do Sul. A empresa aceitou o negócio, de olho nas oportunidades de ganho com o comércio de escravos e as trocas nos portos das colônias espanholas.
Para financiar as operações, a South Sea Company começou a emitir ações. Os investidores foram atraídos pelos lucros potenciais associados ao monopólio em poder da companhia. Várias emissões de ações foram realizadas com sucesso, enquanto os diretores cuidavam de alimentar a imagem de prosperidade da empresa, abrindo diversos escritórios e espalhando boatos de que a Espanha garantira o uso total dos portos coloniais pelos navios da companhia. Virou mania possuir ações da South Sea Company, o que estimulou banoutras empresas a entrarem no mercado de ações. Os investidores responderam com avidez. Fortunas formaram-se do dia para a noite. A euforia cresceu - até mesmo Sir Isaac Newton (1643-1726) adquiriu ações da South Sea Company - e alcançou a Europa continental, onde muitos investidores compraram ações negociadas em Londres.
Mas, em 1718, o início da beligerância entre Inglaterra e Espanha inviabilizou os planos da South Sea Company. Os seus diretores, então, inescrupulosamente emitiram mais ações. Em seguida, venderam seus papéis, obtendo lucros elevados. Quando os investidores se aperceberam da realidade da companhia, as ações despencaram. Os diretores da South Sea Company fugiram para outros países. Isaac Newton perdeu 20 mil libras. Milhares de pessoas perderam muito dinheiro. O governo inglês reagiu proibindo a emissão de ações, medida que foi relaxada somente um século depois, em 1825. A economia da velha Albion, portanto, ressentiu- se com o episódio.
Há quem veja analogias entre a "bolha dos Mares do Sul" e a crise da falência da Enron, gigante americana da energia, ocorrida nos anos 1990. Corrupção, gestão fraudulenta, ganância de executivos, expectativas irreais, fiscalização leniente. Ingredientes que fomentam crises.
A FALÊNCIA DO INGLÊS OVEREND & GURNEY
A quebra do banco inglês Overend & Gurney ilustra o tipo de crise bancária decorrente de dificuldades de liquidez (dinheiro) que contagiam instituições financeiras menores. Antigo e respeitado banco da City, o Overend & Gurney era, conforme o jornal Th e Times of London, o maior instrumento de crédito do Reino, recebedor dos fundos excedentes dos pequenos bancos espalhados pela Inglaterra. Quando, em 1856, morreu Samuel Gurney (1786-1856), o fundador do banco, uma nova geração de sócios assumiu o comando da instituição e abandonou dois séculos de austera administração quaker.
Eles começaram a emprestar os fundos de curto prazo depositados no Overend & Gurney para financiar empreendimentos de retorno a longo prazo: navios, portos e, principalmente, estradas de ferro. Quando os resultados esperados não ocorreram (no caso das ferrovias, após a febre de construção em meados do século, a concorrência excessiva entre as empresas causou extraordinária queda dos lucros), boatos espalharam-se e os depositantes do banco Overend & Gurney começaram a exigir seu dinheiro de volta. Nas palavras de Walter Bagehot (1826-1877), à época editor do Th e Economist, os sócios geriram os negócios do banco "de maneira tão inescrupulosa e tola a ponto de qualquer criança que tivesse aplicado dinheiro na City teria se saído melhor". Em maio de 1866, a corrida bancária teve início.
��A morte de Samuel Gurney (1786-1856), à esqueda, fundador do Overend & Gurney, desencadeou a crise que atingiu o banco inglês 
Os controladores do Overend & Gurney acreditaram que viria socorro do Banco da Inglaterra. Este, por sua vez, decidiu deixar a casa falir, julgando que o pânico seria curto. A multidão furiosa rumou para Lombard Street, rua de Londres onde ficavam as sedes de muitos bancos. A polícia interveio. Muita gente teve perdas pesadas. Uns poucos depositantes do Overend & Gurney recuperaram seu dinheiro, após longos litígios judiciais. Os sócios desse banco perderam seus bens, obras de arte e dinheiro, foram processados criminalmente, mas terminaram absolvidos.
Em 1873 surgiu o livro de Walter Bagehot (1826-1877), Lombard Street, propondo que deveria existir um "emprestador de última instância" capaz de injetar liquidez temporária nas instituições que enfrentassem problemas de acesso a dinheiro, mas não eram insolventes. Para o jornalista e economista inglês, o "emprestador de última instância" deveria, diante da crise bancária, anunciar sua prontidão de emprestar sem limites para estabilizar o mercado e deter, no estado inicial, o "contágio" do sistema financeiro. Bagehot escreveu, ainda, que uma crise financeira possui três fases: o alarme, quando o público percebe que uma ou outra instituição está fragilizada e pode quebrar; o pânico, quando se desconfia que todo, ou quase todo, o sistema fi- nanceiro pode estar abalado; a loucura, quando cada um se convence de que não há mais salvação e é o "salve-se quem puder".
Obra do pintor holandês Marinus van Reymerswaele (1490- 1546), O banqueiro e sua mulher, retrata o surgimento dos bancos durante a Idade Média
A crise do Barings Brothers é comparável à "crise da dívida externa" dos países emergentes, nos anos 1980
��A revista norte-americana Puck Magazine, mostra o Tio Sam ao lado de Pierpont Morgan, fundador do banco Morgan, mostrando a disparidade entre a importância de cada um 
APLICANDO A PROPOSTA
A proposta de Bagehot foi empregada pela primeira vez na crise do Barings Brothers, em 1890-1891, situação que guarda semelhanças com a chamada "crise da dívida externa" dos países emergentes na década de 1980, que perturbou os mercados financeiros americano e europeu.
Na década de 1880, havia grande massa de recursos financeiros no mercado inglês, à procura de oportunidades de investimentos de alta lucratividade. Esses capitais fluíram principalmente para os Estados Unidos, Argentina, Austrália e Rússia. Na Argentina, esse dinheiro aportou em obras de infra-estrutura, ferrovias e sob a forma de empréstimos públicos. A entrada maciça de libras no país provocou o aumento das importações, forte expansão do crédito bancário interno, emissão excessiva de moeda, gasto público elevado e especulação de todo tipo, tudo lastreado no endividamento externo.
Por conseguinte, a balança de pagamentos argentina ficou bastante deficitária, mas a entrada de investimentos externos possibilitava o fechamento das contas. Porém, na década de 1890, a recessão na Europa provocou a diminuição da inversão externa na Argentina e a queda dos preços das exportações do país (lã, carnes e cereais). Por conseguinte, os argentinos começaram a ter dificuldades cada vez maiores para cumprir os compromissos externos. A desconfiança dos investidores europeus na capacidade de pagamento da Argentina levou o país à moratória, no ano de 1891.
Havia anos que a casa Barings canalizava para a Argentina vastas somas e garantia os rendimentosdos aplicadores. Quando a crise surgiu, em 1890, bancos argentinos faliram e as cotações das ações de empresas platinas e dos títulos da dívida pública desabaram. O Barings Brothers teve prejuízos enormes, fechando as portas provisoriamente. Dessa vez, porém, o governo britânico socorreu a instituição.
Em novembro de 1890, negociações secretas entre o Banco da Inglaterra e financistas de Londres, liderados pelo banco Rothschild, levaram à criação de um fundo de resgate de 18 milhões de libras esterlinas, antes que a extensão do prejuízo do Barings fosse conhecida publicamente. Esta intervenção, que contou com participação do Banco da França, do Banco da Rússia e do americano Morgan, evitou uma crise financeira de grandes proporções.
Multidão em frente ao American Union Bank, em Nova York, durante a Grande Depressão - o banco começou a funcionar em 1917 e fechou as portas em 1931
��Imagem de 1907; aglomeração de pessoas em Wall Street, durante o "pânico dos banqueiros" 
TENSÃO EM NOVA YORK NA BELLE ÉPOQUE
A quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1907, representou forte choque em um ambiente de grande liberdade de fluxo de capitais e bens, característico da "globalização", sob hegemonia britânica na belle époque. Desde a segunda metade da década de 1890, a economia norteamericana entrara numa fase de crescimento expressivo, com saldos positivos na balança de pagamentos e aumento da poupança interna, o que tornava o país muito atrativo para investimentos estrangeiros. O mercado de ações americano estava inflado e os bancos tinham emprestado dinheiro demais para corretores que não tinham condições de honrar suas obrigações. Mas tudo ia bem enquanto o crescimento prosseguia e o crédito era farto. Porém, o Banco da Inglaterra, visando reverter saídas de ouro rumo aos Estados Unidos, elevou a taxa de redesconto de 3,5% para 6%, em 1906. Essa medida enxugou a liquidez (quantidade disponível de dinheiro/crédito) nos Estados Unidos, provocando o crash de Wall Street no princípio de 1907 e o declínio da atividade econômica. Em outubro, teve início uma corrida contra os bancos, que foram forçados a suspender os pagamentos em dinheiro. Muitas instituições financeiras faliram. O país entrou em uma severa recessão. Pierpont Morgan (1837- 1913), fundador do banco Morgan, foi chamado para assumir o leme e restaurar a ordem financeira, liderando comissão de banqueiros.
Para boa parte desses diplomatas latino-americanos, o regime nazista simbolizava o autoritarismo bem-sucedido
O RESULTADO DO NEW DEAL
O acordo foi adotado pelo governo dos Estados Unidos logo após a posse de Franklin Roosevelt, em 1937. Com o plano, o Estado norte-americano interveio diretamente na economia e controlou a situação financeira do país
Na política monetária, o New Deal abandonou o padrãoouro e realizou emissão de dólares, desvalorizados em 41%. Com isso, a economia americana recuperou sua competitividade internacional e os preços internos subiram, fatores de estímulo para as empresas. Para reativar as atividades agrícolas, o governo lançou o Agricultural Adjustment Act - pagando indenizações aos fazendeiros, reduziu-se a quantidade de terras cultivadas e o tamanho dos rebanhos. Analogamente, o Nacional Industrial Recovery Act procurou evitar a superprodução e os excessos da concorrência: foram fixados preços mínimos e quotas de produção. Os salários dos trabalhadores fabris foram elevados e as suas jornadas diminuídas.
Sem dúvida, a face mais visível do New Deal foi a política de grandes obras públicas. Entre 1933 e 1942, o governo investiu US$ 13 bilhões na construção de infra-estrutura. A recuperação da economia americana, impulsionada pelo New Deal, ocorreu com certa lentidão. Nas vésperas da Segunda Guerra, o país recuperara os índices de atividade do ano de 1929.
Vale ressaltar um aspecto importante. A comissão chefiada por Morgan impôs ao presidente Theodore Roosevelt (1858-1919) medidas que contrariaram sua bandeira política de caça aos trustes. Ele teve de concordar com a compra da Tennessee Coal and Iron Co. (uma empresa siderúrgica) pela poderosa U. S. Steel. A razão era simples: a corretora a que pertencia a TC&I estava insolvente, mas precisava ser salva. O pragmatismo suplantou os discursos inflamados e até certo ponto eleitoreiros do ocupante da Casa Branca.
Clientes sinalizam para os escritórios da Associação de Mercados de Nova York, em 1916
Os efeitos negativos logo alcançaram Inglaterra, França, Itália e América Latina também. A crise de 1907 foi fator importante para avançar o consenso político nos Estados Unidos sobre a necessidade de criação de um banco central. Em 1913, surgiu o sistema do Federal Reserve. Há certos paralelismos da crise de 1907 com a crise atual que devem ser ressaltados: a ampla liberdade de movimentação de capitais, a falta de boas regras financeiras, a farra de crédito que conduziu a ativos inflados e especulação desenfreada.
A CRISE DE 1929
O GRANDE CRASH DE 1929
A quebra da Bolsa de Nova York, em outubro de 1929, é considerada a maior crise econômica de todos os tempos. No fim da década de 1920, os Estados Unidos eram os maiores fornecedores mundiais de crédito, os maiores exportadores e importadores. A roda da economia girava em torno dos humores do mercado americano. Mas o crescimento dos Estados Unidos apresentava sérias fragilidades.
A onda de inovação tecnológica provocara grande aumento da produtividade, cujos efeitos colaterais foram o aumento da taxa de desemprego e a queda do valor real dos salários. No campo, a superprodução agrícola provocou a baixa dos preços dos produtos, fazendo declinar a renda dos fazendeiros. Assim, no fim dos anos 1920, mais de 60% das famílias norte-americanas tinham renda anual menor que US$ 2 mil. O que quer dizer que o tamanho do mercado consumidor era limitado, justamente quando as fábricas de bens de consumo duráveis e semiduráveis produziam a todo vapor. Porém, desde 1926, havia euforia, consumismo e especulação no mercado acionário.
No ano de 1929, surgiram sinais de que a expansão terminara. A acumulação de estoques nas fábricas e os cortes de encomendas feitas pelas grandes empresas comerciais geraram os primeiros balanços ruins. O pânico caiu sobre a Bolsa de Nova York. As ações despencaram. As corridas bancárias tiveram vez. As bancarrotas começaram. Enquanto isso, apegado à ortodoxia liberal, o presidente Herbert Hoover (1874-1964) limitou- se a assistir a quebradeira, a redução drástica do comércio internacional e o derretimento dos preços dos ativos. A repatriação de capitais norteamericanos aplicados na Europa, para fazer face às necessidades de dinheiro que cresciam nos Estados Unidos, provocou a desvalorização das moedas européias. Um a um, os países abandonaram o padrão-ouro, iniciaram desvalorizações competitivas e adotaram medidas protecionistas, o que teve o efeito de "travar" o comércio internacional. A inércia de Hoover transformou o crash da Bolsa de Nova York na Grande Depressão.
Entre 1929 e 1933, nos Estados Unidos, 110 mil empresas faliram e 8.812 bancos desapareceram. O desemprego atingiu 25% em 1933. A produção industrial reduziu-se à metade e o PIB caiu 46%. Os salários tiveram queda de 60%. Os preços agrícolas reduziram-se 55% e os dos bens de produção 26%.
As palavras de Winston Churchill (1874-1965) ilustram o quadro da maior déblâcle do capitalismo: "Toda a riqueza tão velozmente acumulada nas carteiras de títulos dos anos anteriores desfez-se em fumaça. A prosperidade de milhões de lares norteamericanos havia crescido sobre uma estrutura gigantesca de crédito inflado, que subitamente se revelou um fantasma. Afora a especulação com ações em âmbito nacional, que até os mais famosos bancos haviam incentivado por meio de empréstimos fáceis, um vasto sistema de crediários na compra de casas, móveis, automóveis e inúmeros tipos de utensílios e artigos domésticos de luxo havia crescido. Ruíram juntos.As poderosas linhas de produçãoforam lançadas na tormenta e na paralisia. (...) Agora, as dores atrozes dos salários em declínio e do crescente desemprego afligiam a comunidade inteira" (Memórias da 2a Guerra Mundial).
Movimentação na Bolsa de Valores de Nova York, logo após o crash de 1929
��Pessoas protestam nas ruas de Nova York durante a crise de 1929 
Com a eleição de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), em 1933, os Estados Unidos organizaram sua reação à Grande Depressão. Foi posto em prática o plano conhecido como New Deal. No campo financeiro, o governo passou a exigir das instituições maior rigor na concessão de créditos, para os quais foram aumentadas as reservas mínimas que os bancos deveriam manter no Fed. O Glass-Steagall Act proibiu o envolvimento direto dos bancos comerciais em operações nos mercados de capitais e nos mercados imobiliários. Por meio da criação do FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), o governo garantiu depósitos de até US$ 2.500. Também foi criada a SEC (Securities and Exchange Commission), entidade federal encarregada de supervisionar e fiscalizar as operações de bolsa.
As crises originam-se nos países avançados e espalham-se, em seguida, para as regiões periféricas do globo
No decurso da administração Roosevelt, os Estados Unidos passaram a contar com os seguintes meios de intervenção e controle para remediar fragilidades bancárias: a) o emprestador de última instância (o banco central); b) exigências de solvência que os bancos comerciais têm que obedecer; c) sistema de supervisão para monitorar as atividades de bolsa e bancárias; e d) esquemas de seguro de depósitos bancários. O Acordo de Bretton Woods (1944) produziu o efeito de generalizar gradualmente esses elementos pelas economias capitalistas. Há quem sustente que a escassez de crises financeiras nas três décadas que se seguiram ao acordo deve ser atribuída, em boa medida, à "repressão financeira" resultante do acordo.
Retrospectivamente, o crash de 1929 guarda algumas semelhanças com a crise que se vive hoje. Ambas estão associadas a explosões de bolhas de crédito que produzem contração violenta de patrimônios, receitas, atividades e empregos. Tanto em 1929 quanto em 2008, assiste-se a uma deflação pela dívida. Porém, há duas diferenças importantes. A primeira diz respeito à ação das autoridades. Em 1929, como assinalou o economista Milton Friedman (1912-2006), luminar do chamado neoliberalismo, houve falha das autoridades monetárias e do governo.
Hoje, as autoridades mundiais compreenderam a escala da ameaça e estão agindo com maior presteza e medidas drásticas. A segunda diferença é que, em 1930, os Estados Unidos estavam sozinhos - todas as reservas do mundo estavam com eles, e o país era o motor solitário do crescimento internacional. Mas agora os americanos têm a China e outros países emergentes como parceiros.
AS CORRIDAS BANCÁRIAS NO SÉCULO XIX
O século XIX foi marcado por grande número de crises financeiras, que tiveram como protagonistas bancos e corretoras de valores. Desde 1825 até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ocorreram tensões no mundo inteiro, em todas as décadas. O quadro abaixo, que recolhe apenas casos mais famosos, evidencia esse fato:
Crises financeiras na Europa e nos Estados Unidos (1772 a 1907)
Evento Páis de Origem Ano
Quebra do Ayr Bank Escócia Junho 1772
Quebra do Pole, Thornton & Co. Inglaterra Dezembro 1825
Quebra da Bolsa de Valores Inglaterra Dezembro 1836
Bolha das Ferrovias Inglaterra 1847
Bolha das Ferrovias Estados Unidos Agosto 1857
Quebra do Overend & Gurney Inglaterra Maio 1866
Quebra do Crédit Mobilier França 1867-1871
Quebra da Bolsa de Valores Áustria/Alemanha 1873
Quebra do Jay Cooke & Co. Estados Unidos Setembro 1873
Quebra do Union Générale França 1882
Quebra do Barings Brothers Inglaterra Novembro 1890
Quebra da Bolsa de Valores Estados Unidos 1893
Quebra da Bolsa de Valores Estados Unidos 1907
AS LIÇÕES DAS CRISES FINANCEIRAS
Em uma perspectiva histórica, as crises bancárias e de bolsas de valores não são novidades. As "bolhas de crédito" são muitas e recorrentes. Os custos dessas crises, em termos de riquezas dilapidadas e sofrimentos humanos, são enormes. O mercado financeiro capitalista não aprende. As pessoas não aprendem. Os investidores muito menos. Sempre há quem fique alavancado em demasia, quem assuma riscos excessivos ou mal conhecidos ao lidar com inovações financeiras cada vez mais complexas.
Na base das crises financeiras modernas, há sempre o mesmo erro de avaliação dos agentes econômicos: as pessoas acreditam que, dessa vez, realmente o mundo mudou e a economia funciona sobre bases sólidas e definitivas. Alimentam expectativas de retorno desmedidas, lançam mão do crédito abundante para fazer negócios, produzindo uma espiral de ativos intangíveis. As crises têm início quando há rápida deterioração dos indicadores econômicos e surgem boatos ou notícias da dificuldade financeira de uma empresa ou de um banco para cumprir seus compromissos.
A evidência histórica também permite pensar que as crises financeiras são transmitidas pelos canais do comércio internacional, dos empréstimos entre países ricos e pobres, dos mercados de commodities e bolsas de valores e das arbitragens em mercados de títulos de curto prazo. Do século XVII a meados do século XX, as crises originaram- se, predominantemente, nos países avançados da Europa (com destaque para a Grã-Bretanha) e nos Estados Unidos, espalhando-se, em seguida, para as regiões periféricas do mundo.
Quanto ao problema de abreviar as crises fi- nanceiras, de modo a diminuir os impactos negativos que elas causam nos setores produtivos da economia, a história ensina que os Estados têm de agir rapidamente para salvar o sistema financeiro. Os Estados devem ser pragmáticos. Os governos precisam se lembrar de que eles criam mercados, e que mercados só podem existir com regulamento. Que não se alimente o falso debate governo versus mercado.
Outra lição é a de que existem limites para a expansão econômica baseada no crédito. O endividamento excessivo de famílias, empresas e países geram catástrofes enormes. Quando o emprego e a renda não acompanham a oferta de crédito, os negócios das famílias, empresas e instituições financeiras logo se chocam com a realidade da inadimplência. O trabalho e a produção devem ter prioridade sobre a compra e venda de papéis.
REFERÊNCIAS
CHANCELLOR, Edward. Salve-se quem puder: uma história da especulação financeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. FIORI, José Luís (org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. FRIEDMAN, Milton; SCHWARTZ, Anna J. A monetary history of the United States, 1867-1960. Princeton: Princeton University Press, 1963. 
KINDLEBERGER, Charles P. Manias, PANICS, AND CRASHES: a history of financial crises. 3. ed. New York: John Wiley and Sons, 1986. MAURO, Frédéric. História econômica mundial, 1790-1970. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. 
MORRIS, Charles R. Os magnatas: como Andrew Carnegie, John D. Rockefeller, Jay Gould e J. P. Morgan inventaram a supereconomia americana. 3. ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.
MARCOS LOBATO MARTINS é Doutor em História Econômica pela USP. Professor dos Cursos de História e Direito das Faculdades Pedro Leopoldo, MG (FPL).
HISTÓRIA VIVA. Disponível em: <ttp://historianovest.blogspot.com.br/2009/03/historia-do-capitalismo-de-especulacao.html>. Acesso em 02/04/2012
LEITURA COMPLEMENTAR – ENTREVISTA COM - Eric Hobsbawm
A Crise do Capitalismo Financeiro no Século XXI
Eric Hobsbawm� e A Crise do Capitalismo e a atualidade de Marx
Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do "longo século XIX": "A Era da Revolução: Europa 1789-1848" (1962); "A Era do Capital: 1848-1874" (1975);"A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro "A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas. 
Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do "marxismo-leninismo", não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: "O pensador do terceiro milênio?". Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de "relevância atual". 
Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título "Ein Gespenst Kehrt zurük" (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa "In Our Time" da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, "são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx" e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal George Soros a seguinte frase: "Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz". Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova "demanda de Marx", do ponto de vista político?
Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.
Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da "sociedade burguesa", cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.
A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados "novos movimentos sociais", como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o "proletariado", dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.
Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.
Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora se tornou a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?
Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.
As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer "retorno a Marx" será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.
Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?
Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida em que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algumsistema pós-capitalista. 
Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias "socialistas" foram organizadas sob o chamado "socialismo realmente existente". Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.
No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de "O Capital". Como mostram os "Grundrisse", aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso. 
Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.
Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os "Grundrisse". Escritos entre 1857 e 1858, os "Grundrisse" são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?
Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no "Capital", como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).
Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: "Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos "Grundrisse", menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev". Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os "Grundrisse" "trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na "Ideologia Alemã". Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos "Grundrisse" hoje?
Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.
Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?
Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar. 
[Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano]
[Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer]
Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do "longo século XIX": "A Era da Revolução: Europa 1789-1848" (1962); "A Era do Capital: 1848-1874" (1975); "A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro "A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas. 
	Revista Estratégia Internacional / Revista Estratégia Internacional Brasil Nº 03 
sábado 7 de junho de 2008
Crises e contradições do "capitalismo do século XXI" 
Por Juan Chingo 
�
As coordenadas geopolíticas: o já “não mais” da indiscutível supremacia norte-americana e o “ainda não” de uma nova potência emergente
Parte significativa da crescente instabilidade da acumulação capitalista atual surge como conseqüência do declínio histórico dos EUA. Podemos localizar o começo desse fenômeno no fim do boom do pós-guerra. Ao final dos anos 1960 e começo dos 1970, o ressurgimento do Japão e da Alemanha (no marco do processo de unificação européia) como potências emergentes terminou com a imensa superioridade econômica norte-americana e deu origem à divisão do mundo em uma tríade de potências imperialistas mais ou menos equivalentes. [1]
Esse retrocesso relativo dos EUA levou ao fim do sistema Bretton Woods [2]. Desde então, os EUA utilizaram o novo regime de câmbio flexível e a continuidade do dólar como moeda de reserva e meio de pagamento em âmbito mundial como forma de enfrentar a crise, manipulando em seu proveito esse privilégio somente reservado à potência hegemônica.O enorme benefício econômico para os EUA lhes permitiu viver para além de seus meios, o que tem se expressado em um sobre consumo e em déficits comerciais de grande magnitude. Exportando sua inflação [3], os EUA têm aumentado a instabilidade e os desequilíbrios da economia mundial ’ como demonstra a aceleração de crises monetárias, financeiras e da bolsa de valores. Em outras palavras, durante esse período os EUA vêm atuando, cada vez mais, como o principal desestabilizador da economia capitalista mundial. [4]
Esse comportamento “irresponsável” foi “tolerado” por seus sócios comerciais como reflexo, em última instância, de sua imensa hegemonia como superpotência mundial, o que se fortaleceu com o desaparecimento da ex-URSS e que se sustenta na inigualável superioridade de suas Forças Armadas. No entanto, o débâcle no Iraque está corroendo essas bases políticas e geopolíticas nas quais se baseia uma economia com fundamentos frágeis.
Hoje, diferentemente do período posterior à guerra fria, estamos entrando em um novo cenário geopolítico, caracterizado pela já “não mais” indiscutível supremacia norte-americana, e o “ainda não” surgimento de uma nova potência emergente. Um vazio hegemônico em âmbito internacional crescentemente perigoso. A Guerra do Iraque, que estava destinada a ser uma contundente demonstração do poderio norte-americano, tem se convertido, pelo contrário, numa constatação dos limites de seu poder. Os efeitos disso sobre os EUA e o mundo são profundos. A ocupação do Iraque e do Afeganistão tem desgastado os EUA. A confiança norte-americana em seu predomínio indiscutível tem se desvanecido. Isso é percebido mundialmente. Nessas circunstâncias, as outras potências, grandes ou pequenas, estão tratando de tirar vantagem da nova situação. Isto é um fato geopolítico de grande importância que afeta o funcionamento do sistema capitalista mundial. É que, contra as teorias da globalização, o capitalismo mundial não se desenvolve sem um marco político e geopolítico adequado.
Por sua vez, não se delineia facilmente, como no passado, uma potência capitalista que possa substituir o atual hegemon, como foi o caso da emergência norte-americana no final do século XIX e começo do século XX frente ao domínio britânico. A UE, a mais preparada economicamente, se encontra dividida por profundos e insolúveis antagonismos nacionais. A Rússia, apesar de sua recuperação parcial com respeito à débâcle dos anos 1990, não tem no cenário mundial a mesma posição que tinha no passado, sobretudo no mundo semicolonial, e é um pigmeu no terreno econômico, somente beneficiado pelos altos preços do gás, do petróleo e minerais dos últimos anos. China, a que muitos com ligeireza chamam de “nova potência do século XXI” , apesar de seu crescimento, ainda está longe, em termos de PIB per capita e da produtividade do seu trabalho, dos principais centros imperialistas. Sua política exterior tem caráter defensivo e seu eixo é o controle da estabilidade interna cada vez mais transtornada por crescentes desigualdades. São essas contradições dos principais competidores dos EUA as que outorgam à situação mundial certa inércia. No entanto, a hegemonia norte-americana é cada vez mais discutível. No princípio da década, os EUA evitaram que a recessão causada pelo desinflar da chamada “nova economia” se transformasse em depressão, mas à custa de hipotecar e exacerbar os desequilíbrios próprios e da economia mundial, prolongando uma política que já dura vários anos: uma fuga para a frente, baseada cada vez mais na queda da poupança e na acumulação de dívidas. Esse modelo de sobre consumo que dependente da financeirização do resto do mundo descansa sobre bases cada vez mais frágeis. A crise financeira atual pode dar sua sentença de morte. As autoridades políticas e monetárias dos EUA se encontram frente a uma encruzilhada maior: a necessidade de salvar a economia norte-americana a tempo de manter a confiança no dólar. Em outras palavras, o dólar necessita desvalorizar-se sem entrar em colapso. O Banco Central não pode arriscar um forte crescimento das taxas de juros de longo prazo, em resposta à perda de confiança na estabilidade dos preços nos EUA e o colapso de sua taxa de intercâmbio. Manterá o dólar sua posição dominante como moeda de reserva mundial depois da crise atual? Uma crise do dólar pode significar um grande salto na crise da hegemonia norte-americana, somando-se ao fracasso de seus objetivos no Iraque. Contudo, haja ou não queda abrupta do dólar, seu papel como moeda de reserva mundial está entrando em período de lenta agonia. Uma crise do dólar somente aprofundaria as tendências à desordem e à instabilidade, aumentando as probabilidades de crises maiores.
O que está claro é que o papel dos EUA como consumidor em última instância poderia estar chegando a seu fim. Pelo contrário, é provável que o motor norte-americano atue de forma inversa buscando, mediante a desvalorização do dólar, melhorar sua balança de comércio exterior. É que no marco da queda do preço das moradias, inclusive com uma baixa das taxas de juros, é pouco provável que os norte-americanos sejam seduzidos para se endividar e gastar. Dessa forma, o resto do mundo deverá se acostumar a viver em uma situação em que o motor da sobre demanda norte-americana se torna lento agudamente. O famoso “re-equilíbrio” da economia mundial deverá se acelerar. Ao não se produzir ’ variante altamente provável -, a perspectiva é desaceleração ou recessão. Nesse cenário, aumentarão as possibilidades de choques comerciais e ameaças à ordem política da chamada “globalização” [5].
A contradição entre economia e política ou as dificuldades na gestão geopolítica da “estrutura social da humanidade” 
Em um excelente artigo, Justin Rosenberg trata de aplicar a lei do desenvolvimento desigual e combinado à “Teoria das Relações Internacionais” para interpretar o mundo contemporâneo. As conseqüências de tal procedimento são surpreendentes. Pondo de lado a estrutura política do sistema de Estados, queremos nos deter no que Trotsky chamou “a estrutura social da humanidade” [6]. Segundo Rosenberg,
a frase soa bastante abstrata, mas Trotsky queria expressar com ela algo muito concreto: a inter-relação real de todas estas diferentes sociedades, em virtude da qual constituem um todo dinâmico mais amplo; a contraditória, mas irreversível unidade de desenvolvimento social humano criada pela expansão do mercado mundial. E todas as tensões e conflitos originados pelo desenvolvimento geopoliticamente combinado e sociologicamente desigual do sistema internacional. Dentro dessa totalidade, o sistema de Estados é crucial, mas em nenhum caso independente. Pelo contrário, em parte sua posição histórica e geográfica dentro dessa estrutura social da humanidade explica por que o Estado na Inglaterra, Alemanha e Rússia adotou formas políticas tão distintas.Mais ainda, essa mesma estrutura social da humanidade, em seu conjunto, as grandes potências se vêm obrigadas a gestionar geopoliticamente para defender seus próprios interesses. Se a penetração do capitalismo na Rússia deformou a sociedade russa, pela mesma razão incorporou essa distorção social na estrutura política do mercado mundial. “Vemos assim, escreveu Trotsky em 1906, como a burguesia internacional fez a estabilidade de seu sistema de Estados profundamente dependente dos instáveis baluartes pré-capitalistas da reação” . O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo se expressa tanto por um nível interestatal como por um problema de ordem geopolítica [7].
Esse conceito é central porque contra toda a visão geopolítica e economicista da situação internacional tão cara às teorias realistas das relações internacionais, que somente vêem ante a ausência de um governo mundial uma luta dos Estados pela sobrevivência tratando de estabelecer um equilíbrio de poderes entre eles, ou a visão “globalista” , que supõe que o capital criou um mundo homogêneo, permite explicar as linhas de falha da política internacional e a necessidadedos Estados, sobretudo da potência hegemônica, de manejar politicamente as mesmas.
Rosenberg, contra toda a visão ideológica que supõe que o interesse dos EUA durante a guerra fria foi “defender a democracia” , ou num estreito economicismo, o prosseguimento de seus próprios interesses econômicos, diz:
O desafio da política exterior do pós-guerra dos EUA era manter politicamente unido o mercado mundial em um momento em que a desigual, mas rápida transformação capitalista das sociedades de Terceiro Mundo ameaçava empurrar muitas delas nos braços da URSS. De fato, quando analisamos a ocupação militar das potências fascistas derrotadas, a confrontação bipolar com a URSS, ou suas relações com os estados de Terceiro Mundo, descobrimos que o principal conteúdo social da política exterior de pós-guerra dos EUA não foi colocar ordem na anarquia, ou defender a democracia, ou inclusive perseguir seus próprios interesses econômicos: mas a gestão geopolítica do desenvolvimento combinado e suas conseqüências em escala mundial. Trotsky predisse essa conjuntura internacional de hegemonia norte-americana, a orientação geopolítica da política exterior dos EUA e sua paradoxal fusão de auto-afirmação e involuntária implicação exterior. É precisamente ’ escreveu em 1928 - o poder internacional dos EUA e a irresistível expansão que o obrigam, ou o forçam a incluir entre as peças de sua estrutura os paióis de todo o mundo: cada um dos antagonismos entre o Leste e o Ocidente, a luta de classes na velha Europa, a revolta das massas coloniais e todas as guerras e revoluções... fazendo com que esteja constantemente mais interessado em manter a ordem em cada rincão do globo. [8]
Utilizando esse método passemos agora a elucidar quais seriam as linhas básicas da “estrutura social da humanidade” que as grandes potências, em especial os EUA, devem gestionar politicamente na atualidade, tomando em conta a nova divisão mundial do trabalho a que nos referimos.
A forte relocalização do capital industrial (e ultimamente dos serviços como o novo pólo da Índia) em países de mão-de-obra barata tem gerado, poderíamos dizer, dois tipos potenciais de conflitos de classe: um associado aos novos lugares de acumulação de capital, que tem fortalecido estruturalmente a nova classe operária, e no outro pólo da equação a liquidação (ou intento de) das conquistas sociais adquiridas pela força de trabalho nos velhos centros de acumulação capitalista [9]. Analisemos separadamente ambos os pólos.
Em primeiro lugar, vejamos a gestão geopolítica dos novos centros de acumulação de capital, em particular a China, e seu impacto sobre o mercado mundial capitalista. Enquanto a China é vista do ângulo do capital internacional, hoje poderíamos dizer, parafraseando Trotsky com respeito à Rússia czarista, que “a burguesia internacional tem feito a estabilidade de seu sistema de Estados profundamente dependente dos instáveis baluartes” da arcaica estrutura de comando de origem stalinista/maoísta do Peça que ainda governa o gigante asiático. Inclusive, o correto seria afirmar que essa dependência é muito maior que na Rússia de antes. Por que muito maior? Em primeiro lugar, pela escala da China. Segundo, porque o papel da Rússia czarista na divisão mundial do trabalho do final do século XIX e começo do XX empalidece com a atual localização da China na nova divisão do trabalho mundial, que tem liquidado em grande medida a antiga divisão do mundo entre países da periferia, produtores de matérias-primas, e países adiantados produtores de manufaturas. É certo que, particularmente em 1914, um quarto de todo o capital exportado pela França teve como destino a Rússia, e que os franceses possuíam cerca de um terço de todas as sociedades estrangeiras nesse país, desde minas até fábricas metalúrgicas, passando pelo sistema bancário. No entanto, o grosso dos capitais franceses ia para o Estado: 91,6% do estoque de capital em 1890; 87% em 1900 e 82% em 1914 [10]. Ao contrário disso, a China tem se convertido no principal foco de investimentos estrangeiros diretos (IED), que em menos de duas décadas a tem transformado na “oficina manufatureira mundial” [11]. Enquanto os pavões da burguesia estão preocupados com a ascensão da China como a próxima potência do século XXI, a verdadeira questão que poderá colocar (e já está colocando) à prova o sistema capitalista mundial é como está preparada a China para uma crise econômica, social e política em seu território, e as repercussões que terá para o sistema capitalista mundial em seu conjunto. Essa é a verdadeira questão a analisar, e não tanto a sustentabilidade do crescimento ou os custos do atual modelo, ainda que esses aspectos não deixem de ser importantes. Essa preocupação, podemos ver, por exemplo, na seguinte análise:
A estratégia de crescimento tem implicado uma série de distorções e limitações políticas que tem reduzido enormemente a margem de manobras em caso de que haja algum colapso forte. É inevitável que, à medida que a economia se torne mais complexa e mais integrada com o comércio e o sistema financeiro mundial, estará exposta a mais crises. Essas podem se produzir por causa internas - por exemplo, perda de confiança no sistema bancário, instabilidade social gerada por desigualdade cada vez maior - ou razões externas - por exemplo, crise do mercado internacional de capitais, colapso da demanda externa, sanções comerciais dos EUA, intensificação das tensões comTaiwan etc.[...] uma questão mais importante que a sustentabilidade sobre as bases de uma dinâmica puramente interna do sistema é a economia ter a suficiente flexibilidade para resistir e recuperar-se de grandes crises, internas ou externas. Aqui a resposta é muito menos clara. [12]
Digamos que um dos riscos maiores é a crescente instabilidade social que, combinada com um choque externo, pode ser explosiva:
A recente desigualdade de renda - entre as áreas rurais e as urbanas, entre os trabalhadores altamente capacitados e os não qualificados etc - tem criado ressentimento profundo numa sociedade aparentemente motivada por ideais de igualdade. Além disso, os efeitos da debilidade institucional, como a corrupção e a falta de transparência no setor público, são sentidos mais intensamente pelos pobres. Tais tensões poderiam explodir com facilidade por toda uma série de questões menores. O Partido Comunista Chinês até agora tem se arranjado para conter a instabilidade social ilhando e reprimindo tais incidentes, mas isso poderia sair facilmente do controle se o governo responde a um choque externo de maneira tal que a maior parte do peso da crise recaia sobre os pobres. [13]
Serão os golpes da crise financeira internacional em curso as que despertam o gigante operário chinês? Não sabemos. O que podemos afirmar, com Beverly Silver, é que a “importância para o futuro da conflitividade trabalhista da classe operária chinesa em escala mundial parece inquestionável ” [14]. Isso não significa que a força numérica e estrutural do novo proletariado chinês vá se expressar automaticamente em lutas. Existem fatores objetivos e subjetivos de peso que terá que superar para emergir com toda a sua potencialidade. Entre os primeiros, está a crescente informalidade do trabalho e inclusive um aberto desemprego nas cidades nos últimos anos, que pode atuar como fator conservador da luta operária [15]. E entre os subjetivos, a nova classe operária chinesa deverá saldar contas com as “três linhas” de controle que o PCCh ainda tem sobre ela: sindicatos oficiais, células do partido e uma espécie de comitês de fábrica.
Em segundo lugar, vejamos como a nova divisão mundial do trabalho tem transtornado as bases sociais e de estabilidade das democracias imperialistas. Isso tem dado lugar a conflitos operários e populares em defesa das velhas conquistas, em que o avanço mais importante tem sido o ciclo de lutas de 1986-2006 (especialmente de 1995 em diante) dos trabalhadores e estudantes franceses contra o desmantelamento do chamado “Estado de Bem-Estar” .
Nesteoutro pólo, a brutal redistribuição negativa da renda tem se convertido em crescente pauperização das classes médias e da classe operária. Como concebe Gabor Steingart, as “classes média e baixa” vivem sem reservas financeiras e se parecem mais “a famílias de terceiro mundo golpeadas pela pobreza. [16] A “aristocracia operária” dos países centrais, que durante o boom foi parte da base social dos regimes imperialistas, apoiando as políticas de colaboração de classes das direções social-democratas e stalinistas, vem sendo duramente golpeada e reduzida, e essa é a explicação, em última instância, das crises agudas dos partidos social-democratas. Um movimento de descenso social, inverso ao dos chamados “trinta gloriosos” , que havia levado muitos sociólogos a afirmar que a classe operária havia desaparecido porque tinha se tornado pequeno-burguesa, ou seja, seria parte da classe média [17]. Esse movimento tem sido acompanhado por crescente polarização da classe média e pauperização de um setor dessa classe média:
Se olharmos a experiência, nos últimos 30 anos, dos profissionais cuja vida está intimamente interconectada com a classe trabalhadora ’ professores de centros populares, advogados nas oficinas públicas ou com pequenos escritórios, doutores que trabalham em bairros operários e professores das escolas públicas ’ notamos que sua posição econômica e social tem se deteriorado. Contudo, se observarmos os profissionais que tem se dedicado a prestar serviços à classe capitalista (advogados das grandes corporações, profissionais dos serviços financeiros, as quatro maiores empresas de contadores públicos, e os médicos que exercem a profissão além do alcance do seguro médico global e as companhias seguradoras fiscalizadoras), notamos que esses profissionais têm aumentado sua fortuna como a classe à qual eles servem, ainda que somente até certo ponto. Isso tem sido de maneira absoluta e proporcional. [18]
Ambos os elementos têm rachado as bases sociais que garantiam a estabilidade das democracias burguesas imperialistas, e junto com as crescentes tensões econômicas e geopolíticas explicam as tendências ao bonapartismo no marco de regimes democrático-burgueses cada vez mais degradados em grande parte dos países capitalistas. O bushismo nos EUA ’ hoje em decadência política ’ com sua guerra contra o terrorismo no plano externo e o nefasto “ato patriótico” no plano interno, não é mais que sua manifestação mais aguda.
A pressão à queda dos salários tem sido constante. Para Stephen Roach, essa é uma das principais tensões da chamada “globalização” :
O que têm em comum as três maiores economias do mundo? A resposta sublinha uma das tensões-chave da globalização ’ a implacável pressão sobre a renda dos trabalhadores. A natureza desse fenômeno é igualmente reveladora ’ ganhos cada vez mais altos para os donos do capital. Para uma economia mundial que está atravessando o boom mais forte desde o princípio dos anos 70, que já leva quatro anos, essa dominação vigorosa entre o trabalho e o capital é fonte de desequilíbrio cada vez maior [...] Nas três economias, o desemprego vem diminuindo nos últimos anos ’ queda de 27%no índice de desempregados nos EUA desde meados de 2003, declínio de 21% no Japão desde 2003, e de 15% na Alemanha desde meados de 2004. No entanto, em nenhuma dessas três economias o fortalecimento cíclico nos mercados trabalhistas resultaram em aumento significativo dos salários reais e/ou da porção do trabalho na renda nacional. De acordo com nossos cálculos, passados 57 meses do atual ciclo de ascenso, a compensação do setor privado dos EUA continua em quase 400 milhões de dólares (em termos reais) debaixo da média dos quatro últimos ciclos econômicos. Após um tênue vislumbre de reativação no início do ano de 2005, o estancamento é novamente evidente nos salários reais do Japão. Tampouco existem sinais de uma ativação significativa nos salários reais na Alemanha; ao contrário, as compensações ajustadas pela inflação dos trabalhadores no conjunto dos setores na realidade têm declinado em quatro dos últimos cinco anos [...] quanto ao incremento da produtividade, não existe nenhuma melhora importante da “parte da torta” que recebem os trabalhadores. Aí radica o problema: a economia nos ensina que os salários reais em última instância seguem o crescimento da produtividade ’ que os trabalhadores são recompensados de acordo com seu produto. Porém, esse não tem sido o caso nas economias com salários altos do mundo industrial nos últimos anos. De acordo com as estimativas feitas por nós, à porção real da renda nacional destinada a compensações nos chamados países do “G-7 plus” (EUA, Japão, os 12 países da Eurozona, Reino Unido e Canadá) caiu de 56%em 2001 para 53,7%em 2006 (o que parece ser um nível baixo recorde). Com um comércio e uma produção mundial orientados cada vez mais pelas economias de baixos salários e economias em transição, o que eu chamo a “arbitragem trabalhista global” coloca de maneira inexorável pressão nos salários reais no mundo industrial de salários altos. Algumas pessoas poderiam argumentar que o pior da arbitragem já passou - já que a inflação salarial decolou na China e Índia. Não confiem nisso. Nossas estimativas sugerem que inclusive depois de cinco anos de uma inflação de dois dígitos na China, a compensação por hora para os trabalhadores chineses do setor manufatureiro permanece a somente 3% dos níveis predominantes nas economias industriais mais importantes. Enquanto os trabalhadores são espremidos, os donos do capital têm desfrutado uma flexibilidade maior sob esse clima. Dada as extraordinárias pressões competitivas, as corporações têm redobrado seus esforços na área da produtividade. E, como se tem feito notar mais acima, todos esses esforços têm dado seus frutos ’ por mais de uma década nos EUA e ultimamente no Japão e Alemanha. Os frutos desses esforços têm se evidenciado sob a forma de crescente aumento dos lucros das corporações e aumento dos preços das ações [19].
Sua conclusão é que podemos estar frente a uma fase mais desestabilizante:
Contrariamente à teoria ortodoxa que diz que todos ganham (“win-win theory” ), a globalização é um fenômeno altamente assimétrico. Também resulta em desequilíbrios extraordinários entre as nações com déficit em suas contas correntes e os que têm excedentes. E tem levado a ampliar a disparidade dos lucros entre os trabalhadores e o capital. Isso significa que a globalização é um fenômeno inerentemente insustentável? Provavelmente não. Porém, significa que poderíamos estar diante da fase mais desestabilizadora dessa mega-tendência. A porção da renda da força de trabalho nunca tinha sido mais baixa. Como ao dia se segue a noite, o pêndulo oscilará até o outro lado - e o mesmo ocorrerá com o equilíbrio entre os salários reais e os lucros dos negócios. Somente é questão de quando e sob quais circunstâncias.
Economia, relações interestatais e luta de classes
Nos parágrafos anteriores analisamos a situação da economia, a dinâmica das relações interestatais e as tensões que essas geram na “estrutura social da humanidade” .
Aprofundemos mais esse aspecto, seguindo o método de Trotsky, que combinava em sua análise a economia, as relações entre os Estados e a luta de classes. Em outras palavras, como os dois primeiros elementos dessa relação dialética moldam a luta de classes (enquanto essa atua sobre a economia e a política internacional dos Estados e governos). Essa inter-relação se manifesta no aumento das tendências belicosas do imperialismo, principalmente norte-americano e de seus aliados, como o Estado de Israel. Ao mesmo tempo, a forte pressão da competição internacional provoca constantes ataques aos salários e às condições de reprodução da força de trabalho em âmbito internacional. Dessa situação surgem duas tendências fundamentais da luta de classes na atualidade: por um lado, as tendências ao enfrentamento às guerras imperialistas, e por outro lado uma lenta recomposição do movimento operário depois do retrocessodas décadas passadas, sobretudo em alguns países latino-americanos, mas também na Europa.
A luta contra a política neo-imperialista dos EUA tem seu ponto mais alto indubitavelmente na resistência iraquiana às tropas de ocupação, ainda que pelo caráter de suas direções não se tem transformado numa verdadeira guerra de libertação nacional, que abarque o conjunto das massas, independentemente de sua religião ou etnia. Longe dessa perspectiva, desde o começo de 2006 a situação adquiriu traços de guerra civil, empurrada fundamentalmente pela política de “divide e reinarás” dos EUA e de seu sócio britânico frente à impotência de derrotar a resistência com baixos custos. Porém, o enfrentamento aos planos neo-imperialistas não somente se manifesta no Iraque, como na crescente resistência no Afeganistão, que tem complicado enormemente as tropas de ocupação da OTAN, ou no Oriente Médio, na primeira derrota em toda a sua história do poderoso exército sionista pelas mãos do Hezbollah, na última guerra do Líbano.
A outra forma que adquire a luta de classes é a lenta recomposição do movimento operário, que tem sua expressão mais avançada na América Latina. Ainda que a recuperação das economias latino-americanas favorecidas pelo último ciclo de crescimento da economia mundial tem permitido o acolchoamento das tendências à ação direta, e rebeliões, que se expressaram no princípio do século em países como Argentina, Bolívia ou Equador, consolidando os desvios dos distintos governos pós-neoliberais; o mesmo processo de melhora econômica tem fortalecido estruturalmente o proletariado industrial. O novo despertar do movimento operário se expressa em uma maior recuperação da luta de classes e da organização dos trabalhadores, questão que se manifesta em diferentes níveis em uma grande quantidade de países da região, e com a entrada em cena de importantes bastiões do proletariado, que se achavam postergados, como o caso dos mineiros, que desde o México, passando pelo Peru e Bolívia, até os trabalhadores chilenos do cobre têm protagonizado importantes lutas. [20]
Por sua vez, na Europa vêm se desenvolvendo dois tipos de luta: uma de caráter mais defensivo, porém altamente política, como a dos trabalhadores e estudantes franceses contra a liquidação das conquistas que ainda permanecem do chamado “Estado de Bem-estar” ; e outras de tipo reivindicativo, que têm sido alimentadas, em certa medida, de um lado pela recuperação econômica dos últimos anos que alcançaram as economias européias, em especial seu motor mais importante, a Alemanha. Por outro lado, pela crescente carestia de vida no que tange à alimentação e moradia, isto é, pelas tendências inflacionárias que se manifestam na grande maioria de países em escala mundial.
Exemplo do primeiro tipo de fenômeno são as lutas da classe operária e o movimento estudantil francês que, com suas ações, tem colocado importantes obstáculos à aplicação da agenda neoliberal na França, e que agora o governo neo-bonapartista de Sarkozy tenta resolver a favor da classe patronal. A feroz ofensiva lançada por esse governo de dura direita já desatou em um primeiro teste de força em novembro de 2007, com a greve de mais de uma semana dos trabalhadores do transporte e da eletricidade, a luta dos empregados públicos contra a redução de pessoal e poder aquisitivo do salário e a entrada explosiva do movimento estudantil contra a privatização parcial da Universidade: em dezenas de cidades da França e na capital houve assembléias massivas e bloqueios das sedes, além de solidarizar-se, em muitos casos de forma ativa, com os trabalhadores em greve.
Os trabalhadores e estudantes franceses são, indubitavelmente, a vanguarda da luta de classes na Europa. Desde 1986 até o presente, vêm protagonizando um ciclo de lutas contra a ofensiva neoliberal dos distintos governos de direita ou “socialistas” , destacando-se em particular a greve de 1995. Durante todos esses anos de luta foi se criando uma subjetividade e uma rica experiência de organização que, ligadas à degradação das condições de vida, ao fim dos direitos trabalhistas, e ao ataque a direitos democráticos e sociais, forjaram uma consciência mais profunda sobre os males do capitalismo. Isso se expressa em que hoje os franceses são os mais inseguros sobre o futuro que lhes aguarda, em especial os mais jovens, entre os quais um de cada três teme converter-se em pobre, sentimento que se reflete em muitos estudantes universitários que se percebem, ao contrário do Maio de 68, como trabalhadores em potencial, o que facilita a unidade operária e estudantil. Essa potencialidade assusta o governo e as direções burocráticas que têm feito tudo ao seu alcance para evitar que a convergência objetiva se expresse plenamente, derrotando a ofensiva capitalista. Os próximos meses e anos serão decisivos para o resultado da luta de classes na França. E, pela importância desse país, também para a relação de forças entre as classes na Europa. Se os trabalhadores e os estudantes franceses derrotam Sarkozy e seu plano, pode-se abrir uma tendência ao ascenso da luta de classes no Velho Continente. Se, ao contrário, Sarkozy consegue impor os aspectos centrais de seu plano, pode-se abrir um período reacionário em que primará a consolidação bonapartista [21].
A máxima expressão do segundo tipo de lutas, mais reivindicativas, que vêem se dando na Europa, é a greve de várias semanas do sindicato de maquinistas de trens alemães (GDL), os quais, em novembro de 2007, protagonizaram a greve ferroviária mais importante da história da Alemanha. A luta por aumento salarial de 31% significa o fim da moderação salarial na Alemanha que as burocracias sindicais podiam impor sobre os trabalhadores em troca de que se evitassem as demissões. Por sua vez, prenuncia o desenvolvimento de setores antiburocráticos e combativos. A luta encabeçada pelo GDL, um pequeno sindicato que agrupa ao redor de 1.800 trabalhadores e apesar disso ocupa lugar estratégico da condução dos trens, com o qual pode paralisar seu funcionamento, tem sido duramente atacada pelo resto das organizações sindicais ferroviárias, que já negociaram com a Deutsche Bahn, mas também pela direção do IG Metall e da federação de sindicatos Verdi, pois um triunfo desse setor teria importantes repercussões na luta de classes e na troca da relação co-gestionada das relações trabalhistas entre o capital, os sindicatos e o governo da Alemanha. O surgimento desses elementos novos não nega que ainda sigam primando lutas contidas ou traídas abertamente pela burocracia sindical, como as quase seis semanas de greve dos trabalhadores da Deutsche Telekom, que foi entregue escandalosamente pela burocracia do sindicato de trabalhadores públicos alemães, Verdi. Contudo, é sintoma dos novos fenômenos que estão emergindo [22].
Em síntese e como perspectiva, tanto a tendência às guerras como o relativo vazio criado pela crise da hegemonia norte-americana e a tendência a atritos interestatais em âmbito internacional - em especial neste momento com a Rússia - como as mostras da luta de classes que estamos observando, permitem antecipar que é possível que se multipliquem as condições para uma maior emergência proletária e das massas em geral no próximo período. Essas tendências podem dar saltos qualitativos, à direita ou à esquerda, quando a crise financeira internacional nascida nos EUA se transporte abertamente à produção, e as massas trabalhadoras se vejam submetidas a uma redobrada ofensiva sobre suas condições de vida com o conseqüente aumento do desemprego e da miséria, enquanto setores das classes médias, afetados por essa situação, vêem diminuir seu patrimônio. Devemos nos preparar para essa perspectiva, manifesta no imediato das características mais profundas da economia e da política internacional do começo do século XXI (que temos descrito nessa nota).
A atualidade da definição do capitalismo como um sistema em declínio
Desde seu início, o capitalismo como modo de produção foi um regime inerentemente sujeito a crises.Toda a história do século XIX o prova. No entanto, essas crises brutais como, por exemplo, a chamada Grande Depressão, eram compensadas pela existência de um entorno social não capitalista, ou seja, de velhas relações de produção que atuavam, poderíamos dizer, como limite à extensão e profundidade da crise, apesar da virulência que nos tinham próprios espaços capitalistas. Contudo, com as transformações desse modo de produção em resposta às crises [23], foi-se obtendo um aprofundamento das relações capitalistas em grande parte ajudada pelo surgimento das finanças modernas, da grande empresa e da extensão das relações de produção capitalista a nível global, a menos como uma subsunção formal do trabalho ao capital. Essas transformações qualitativas do sistema capitalista em sua época foram resumidas por Lênin em seu célebre trabalho O imperialismo, fase superior do capitalismo. A Primeira Guerra Mundial foi uma prova eloqüente de que havia tido um salto de quantidade e qualidade na natureza do sistema social. Como é clássico sublinhar,
as forças produtivas têm superado há tempo os limites do Estado nacional, transformado em conseqüência o que era antes um fator histórico progressivo numa restrição insuportável. As guerras imperialistas não são mais que explosões das forças produtoras contra as fronteiras nacionais, que chegou a ser, para elas, demasiado limitadas. [24]
Essas características foram depois reafirmadas por distintos acontecimentos, principalmente o crack de 1929 e a Grande Depressão, a crise mundial mais virulenta da história do capitalismo, que desembocaram no estouro da Segunda Guerra Mundial, pois a Primeira Guerra não havia resolvido os problemas que a mesma deixou claro: mais ainda, havia postergado e, se quiser, agravado. Todos esses cataclismos confirmarão a definição da época imperialista própria da III Internacional como “época de crises, guerras e revoluções” .
A resolução da disputa pela hegemonia européia e mundial deu renovada vitalidade ao sistema capitalista no chamado “boom do pós-guerra” , período que abarcou 25 anos, durante os quais o capitalismo cresceu a taxas sem precedentes. No entanto, esse período foi uma excepcionalidade histórica, como demonstramos. Somente é possível pela enorme destruição de forças produtivas acumuladas durante o período prévio à guerra, assim como fundamentalmente pela Segunda Guerra Mundial mesma. Isso é o que provam fidedignamente os trabalhos mais sérios que temos citado. O efeito “rattrapage” , junto com a atenuação da competição no marco da hegemonia “benigna” norte-americana, é o que dá conta centralmente do boom.
Porém, uma vez finalizada a excepcionalidade do boom, o capitalismo voltou a mostrar seu caráter destrutivo e desestabilizador (intrínseco aos limites desse modo de produção e ao caráter imperialista da época) [25]. Os problemas não são somente os menores índices de crescimento dos últimos 30 anos, comparados aos do boom. Tampouco estamos ante uma volta ao século XIX, ainda que as taxas de crescimento atuais sejam parecidas às desse momento histórico, como afirmam muitos autores, para demonstrar que não estamos em um período de declínio capitalista e para desacreditar as posições mais catastrofistas [26]. Para elucidar o caráter do capitalismo do século XXI temos que seguir o método de Trotsky (e não nos guiarmos por comparações estáticas antidialéticas), quando sublinhava nos anos 1920 que a chave da economia mundial não estava nos índices econômicos, mas na existência de desequilíbrio na divisão mundial do trabalho.
A questão é que, por mais que os índices de crescimento sejam os “normais” , o capitalismo não é o do século XIX. A fronteira de sua expansão está qualitativamente esgotada, não somente como subsunção formal, como na época de Lênin, mas como subsunção real, com a internacionalização do processo de produção em âmbito mundial. Nesse marco se manifesta agudamente a estreiteza do mercado mundial e daí os efeitos destrutivos da competição entre firmas transnacionais cada vez mais poderosas, entre países mediante guerras comerciais, por ora de baixa intensidade, que podem desembocar no futuro em novos enfrentamentos políticos, geopolíticos e até militares entre as grandes potências. Com base nessas tendências de fundo da economia ’ além das idas e vindas da conjuntura - e contra toda visão a histórica das crises capitalistas ou toda visão que normaliza as mesmas, devemos analisar o sistema capitalista do ponto de vista de suas forças vivas, capacidade ou não de reformar-se e, portanto, alcançar uma nova vitalidade, abandonado seu curso perigoso. Os ideólogos que se autocelebram nos dizem que as últimas crises têm sido relativamente menos profundas e mais curtas, levando em conta que tanto a recessão norte-americana do começo dos anos 1990 e a crise de 2001-2002 não se convertam em depressão, eles desestimam que a saída das mesmas tem significado uma fuga para frente, que não tem liquidado, mas agravado os desequilíbrios da economia mundial; em outras palavras, o risco de grandes catástrofes não desapareceu, mas se estendeu no tempo, ao preço de aumentá-las em proporção e explosão quando estourar. Portanto, longe de toda a visão evolutiva própria dos brokers das finanças que consideram que o Banco Central norte-americano [27] sempre poderá evitar as grandes perdas, e que portanto pode seguir arriscando e se endividando sem limites, que, como mostra na atual crise, deixou sem cobertura os buracos negros dos maiores bancos do mundo [28], o único prognóstico realista é se preparar para a irrupção de uma crise generalizada e profunda, o que levará à explosão das poupanças das classes médias, demissão massiva de trabalhadores não somente na periferia mas também nos países centrais, e que portanto, a pequena burguesia deverá voltar a optar entre a revolução proletária ou o fascismo, como ocorreu na Alemanha nos anos 1930 ou na Guerra Civil espanhola. Essa base econômica realista dá fundamento à validade da definição da época atual como “época de crises, guerras e revoluções” [29].
A questão a remarcar uma e outra vez é que a recuperação dos lucros nos anos 1980 se fez no marco de um mercado mundial mais estreito, como conseqüência do aparecimento, no começo dos anos 1970, da Alemanha (e outras potências da UE) e Japão como grandes competidores, ademais de se incorporarem países como Coréia do Sul e Taiwan, entre outros. Isso se manifesta numa competição exacerbada que leva a uma corrida louca pela baixa do preço da força de trabalho e a impor modelos exportadores que não impulsionem o desenvolvimento de seu mercado interno na mesma medida, coma China como exemplo paradigmático na periferia capitalista e nos países mais avançados, reduzindo-o ainda mais devido à queda do poder de compra dos salários, além do desemprego. Isso cria um mundo profundamente desequilibrado (que é à base dos desequilíbrios macroeconômicos entre os países com déficit de conta corrente e os países que têm superávit) que é bastante eficiente para aumentar a taxa de exploração e recuperar em grande parte a taxa de lucro, mas que, por outro lado, limita as possibilidades de“realizar” o conjunto das mercadorias para o nível de demanda solvente, e daí, as periódicas crises de sub-produção e sobre acumulação exacerbadas pelo crédito não somente para a produção, como também para o consumo.
Isso explica o paradoxo, que é central e inédito no capitalismo, de recuperação da taxa de lucro sem um aumento da acumulação durável e generalizada, como demonstramos baseando-nos em Husson. Isso se dá enquanto uma tendência a sobre-acumulação quando o capital encontra uma “janela de oportunidade” de investimento rentável, (chame-se revolução da informática e das telecomunicações, bolha imobiliária, China), já que a fonte única do lucro capitalista surge do processo de produção. Esse processo se viu exacerbado pelo sobre endividamento e a sobre especulação com todas as características desestabilizantes que isso tem para um capitalismo que se estendeugeograficamente e que aumentou qualitativamente a assalarização, e atravessado por um forte sistema financeiro internacionalizado, que é o que amplifica as crises (compare, por exemplo, a repercussão da crise de S&L nos EUA nos 1980 com a crise dos créditos subprime de 2006-2007).
Em última instância, e quando a contra-tendência para a recuperação da taxa de lucro que significou a ofensiva neoliberal está alcançando um limite, como deixa claro a crise atual, que tem seu epicentro no coração do sistema capitalista mundial, os EUA, é importante recordar que ao longo do século XX o capitalismo somente pode recobrar parte de seu dinamismo e vitalidade depois de grandes cataclismos e uma enorme destruição de forças produtivas, como demonstramos baseando-se nas elaborações de Johsua. As sucessivas crises financeiras - e a forma das mesmas [30] - que se incrementou ao longo dessas décadas, apesar de terem“limpado” alguns capitais excessivos não provocaram uma destruição comparável a desses acontecimentos históricos, como demonstra a debilidade da acumulação e o enlouquecido crescimento do capital fictício, apesar do “milagre” chinês, enquanto que a depressão da força de trabalho pela restauração capitalista (sobretudo na China) e as derrotas da ofensiva neoliberal, não podem evitar os limites do processo de realização do capital [31]. Essa situação, caracterizada por uma exacerbação da competição, por um lado, e pela volta à crise de sobre-acumulação, sobre-endividamento e sobre-especulação por outro, coloca novamente no horizonte grandes crises como as de 1929 [32], apesar da existência de mecanismos “anticíclicos” que todavia conservam depois desse grande trauma histórico - como a rápida intervenção e as operações de resgate dos bancos centrais ante aos primeiros sintomas de estouro ’ ainda que exista um salto qualitativo no desmantelamento de aspectos cruciais dessa regulação.
Essa perspectiva de grandes cataclismos é o que dá vida à definição do capitalismo atual como um sistema declinante, conservando toda sua atualidade a caracterização da época como “época de crises, guerra e revoluções” .
ANEXO I
O caráter excepcional do boom do pós-guerra 
Depois da Segunda Guerra Mundial a economia internacional experimentou uma taxa de crescimento sem precedentes, com 30 anos de expansão forte e regular. Isso permitiu como tendência uma elevação do nível de vida dos trabalhadores. Presenciamos o funcionamento relativamente inédito do capitalismo que se caracterizou, sobretudo por uma intervenção crescente dos poderes públicos na vida econômica, uma lição da crise de 1929. Também observamos uma nova relação salarial, na qual os lucros de produtividade acompanhavam o aumento do salário real, permitindo o crescimento do consumo das massas. Assim houve forte regulação das atividades financeiras, subordinação da bolsa e estrita regulamentação bancária. Ademais, se criou um sistema monetário internacional, com tipo de câmbio sólido e estável fundado no domínio do dólar, adotando um padrão ouros-divisa no qual os EUA deviam manter o preço do ouro em U$ 35 por onça. Na mente de seus credores estavam para trás as destrutivas desvalorizações competitivas que quebraram a unidade do comércio internacional, durante os anos da Grande Depressão nos anos 30. Esses mecanismos permitiram não somente acelerar o ritmo da expansão mas, fundamentalmente, amenizar a profundidade da crise evitando a transformação das recessões em depressões maiores. As concessões ao trabalho e às regulamentações sobre a mobilidade do capital teriam elevado custo, mas a alta taxa de lucro poderia permitir que o sistema funcionasse dessa maneira. Essa foi à base de um pacto social explícito ou implícito sobre o qual se baseou a estabilidade do pós-guerra.
No entanto, ao contrário do que afirma a Escola da Regulação, que bate o pé nas mudanças, nas trocas institucionais que sofreu o capitalismo nestes anos, é necessário remarcar que as altas taxas de crescimento e a forte recuperação da taxa de lucro que viveram os principais países imperialistas nesses anos se deram depois de uma destruição colossal de forças produtivas, causada primeiro pela crise de 30 e depois pela Segunda Guerra Mundial.
Como explica corretamente Isaac Johsua
É impossível pensar a conjuntura depois da Segunda Guerra Mundial sem levar em conta, em todas as suas dimensões, o período de 1914 a 1945, que foi particularmente excepcional, que abarca em três dezenas de anos, golpe sobre golpe, as duas guerras mundiais e a mais importante crise econômica que o mundo tinha conhecido. Um período que Churchill tivera qualificado de “guerra de 30 anos” , designado como período de “guerras, crises e revoluções” pela Internacional Comunista. Quanto à Europa, tenho a hipótese de que as taxas de lucros elevadas e a força da expansão que se constata desde ”™46 se explicam, em primeiro lugar, como taxas elevadas de “uma fase de recuperação do atraso” (“rattrapage” ). As duas guerras mundiais e a grande crise implicaram uma enorme destruição, desgaste e falta de renovação do capital fixo, assim como grandes atrasos de consumo acumulados. Quando, no fim desse período agitado, se reuniram as condições para a volta à atividade, o ascenso foi muito forte, alimentado por essas demandas, possibilidade de importar os avanços tecnológicos dos EUA e pela existência de numerosas oportunidades de investimentos rentáveis por causa da eliminação de enormes massas de capitais. Assim, foram resolvidos, por um tempo, os dois maiores problemas do sistema: realização e valorização [33].
O mesmo autor toma diversos indicadores econômicos, como nível de produção, consumo ou investimento para demonstrar a magnitude da queda em curso desse convulsivo período, em particular na Alemanha e França, ao contrário do Reino Unido. Sobretudo nos EUA, cuja trajetória é totalmente diferente daqueles países europeus. Assim sustenta:
O mais impressionante é, portanto, a observação da coluna “do total” : de 1913 até 1946 (ou 1945) os PIB alemão e francês caíram entre 20% e 30%, o da Inglaterra subiu quase 50% e o dos EUA mais de 150%! Que se trate da produção industrial tanto como do consumo dos lares, a gradação entre esses quatro países é a mesma e as diferenças também gigantescas. Assim, o consumo dos lares alemães havia diminuído (entre 1928 e 1946) mais de 150%, enquanto o dos ingleses aumentava uns 17% (entre 1931 e 1945) e o dos norte-americanos subia mais de 50% (entre 1929 e 1946). A situação particular da França e Alemanha se evidencia também quando estudamos a produtividade do trabalho. Comparativamente com a tendência de longo prazo (representada pelo período de 1870-1913), a desaceleração do crescimento da produtividade do trabalho se deve principalmente à grande crise dos EUA, enquanto se deve imputar à Segunda Guerra Mundial no caso da França. De sua parte, a Alemanha teria que fazer frente ao conjunto dos acontecimentos, pois o ritmo de crescimento de sua produtividade teve retrocesso sensível durante a grande crise, o único dos quatro países a registrar queda da produtividade ente ”™38 e ”™50. Porém, o mais interessante para a nossa análise é a evolução do estoque líquido no capital fixo. Havia diminuído 48% na Alemanha (entre 1930 e 1946, incluindo as moradias) e 35% na França (entre 1931 e 1945, excluindo as moradias). O estoque líquido de capital fixo do conjunto dos setores franceses se encontra em 1945 no mesmo nível que em 1910. Ao sair da Segunda Guerra Mundial, voltou 35 anos. As coisas são ainda mais claras no que concerne ao estoque líquido de equipamentos, o centro da argumentação: seu volume caiu mais de 40%na França entre 1931 e 1945.
Estão dadas as condições para um salto no investimento:
Esse processo de desvalorização está assegurado, em condições mais ou menos boas, para o funcionamento normal do sistema. Se não é suficiente, as crises econômicas, mas também as guerras, são os meios pelos quais se destruíram massas importantes de capitais. Tal foi o caso entre 1914 e 1945:grandes massas de capital fixo foram destruídas, usadas e esgotadas sem ser renovadas; outras ainda mais importantes se encontraram obsoletas, se comparado ao estado dos equipamentos europeus em 1945 com o padrão internacional, ou seja, com os EUA. Essa situação permitiu a multiplicação das ocasiões rentáveis para o investimento.
Em conclusão:
A expansão depois do pós-guerra, forte e regular, tem duplo fundamento: uma fase durante a qual se recupera o atraso e uma nova regulação, a fase de recuperação do atraso explica melhor a força; a nova regulação explica melhor a regularidade. Essas duas fases têm origem comum: a guerra de 30 anos que, tudo ao mesmo tempo, abriu a fase de recuperação e impôs a nova regulação. No entanto, as duas fases não podem ser consideradas da mesma maneira: a mais importante é a fase de recuperação, pois ajudou a sustentar a taxa de lucro e assegurou a durabilidade da nova regulação. Essa última será abandonada justo quando se acabou a fase de recuperação, quando as taxas de lucro chegaram a níveis considerados como demasiado baixos pelos possuidores de capitais. Os 30 gloriosos têm sua base nos 30 anos de guerras crises e revoluções.
Resta agregar a essa excelente explicação do caráter excepcional do boom que outra de suas condições foi o papel contra-revolucionário que o stalinismo cumpriu no cenário mundial, colaborando com o sustentação da estabilidade, expresso nos pactos de Yalta e Potsdam, um acordo entre as potências imperialistas vencedoras e a União Soviética comandada por Stálin, que contiveram as tendências revolucionárias que se deram no imediato pós-guerra. Somente depois da restauração da autoridade patronal [34] e da estabilidade macroeconômica, essas enormes forças acumuladas no corpo econômico puderam aplicar-se.
Em outras palavras, a enorme destruição de forças produtivas e postergação do consumo, e o desvio/derrota dos processos revolucionários nos países centrais, permitiram ao capitalismo ’ ainda que perdendo o controle de um terço do globo depois da revolução chinesa e as transformações na Europa do Leste - seus “anos dourados” , período que definimos como de “desenvolvimento parcial” das forças produtivas.
ANEXO II
Monopólios e exacerbação da competição 
Segundo Lênin, o alto grau de desenvolvimento da concentração da produção e do capital deu origem aos monopólios, que cumprem papel decisivo na vida econômica. Porém, no começo do século XXI, a afirmação não é somente realidade no âmbito nacional, que era a que fundamentalmente se referia Lênin, mas que com respeito ao início do século XX é o grau de concentração e centralização do capital em âmbito internacional. Vejamos somente alguns exemplos da indústria automotiva e da indústria farmacêutica (ver Tabelas 1 e 2).
Porém, isso não implica eliminação da competição, como sustentava, por exemplo, Paula Sweezy, mas que, pelo contrário, essa se intensifica entre as grandes corporações. Na realidade, ambas as tendências se engendram reciprocamente e formam parte de um mesmo processo de acumulação, como pode se ver no fato de que a tendência à concentração e centralização internacional do capital avance junto com a exacerbação da luta pelos mercados, lucros extraordinários por inovação tecnológica ou simplesmente o crescimento exponencial do mercado de fusões e aquisições (ver Tabela 3) na qual nenhuma empresa está segura de não sofrer uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) hostil [35], expressão de uma competição brutal que por sua vez aumenta a centralização do capital. Em outras palavras, sem essas duas tendências é impossível dar conta das características do capitalismo atual.
ANEXO III
“Um assalariamento universal” 
O retrocesso da atividade agrária a partir dos anos 50 não é parte do prolongamento de tendência secular. Pelo contrário, existe nítida ruptura no ritmo de evolução durante o curso ou a saída da Segunda Guerra Mundial. Os resultados são impressionantes. Como afirma Joshua: “A constatação é clara: durante a segunda metade do século XX a queda foi brutal, aproximando o número de países aos mínimos observados nas regiões desenvolvidas. Os que, como a China, saíram ”˜mais tarde”™, estão em níveis elevados, mas percorrem o caminho ainda mais rapidamente (ver Tabelas 1 e 2). A trajetória de certos países ”˜atrasados”™ da Europa é particularmente impressionante, como mostra o gráfico 1: Irlanda, Portugal e Espanha concentraram ao longo de cinco anos uma evolução que outros haviam conseguido em muito mais tempo; a proporção de população ativa ocupada na agricultura, muito alta no início, está hoje na média da européia. Não é ainda o caso da Turquia, mas esse país literalmente está indo mais rápido e não deverá tardar a chegar perto do resto da tropa. A dinâmica da Europa “atrasada” está longe de ser ilhada: o crescimento do trabalho assalariado em certos países do Sudeste Asiático é igualmente impressionante (Tabela 3) e especialmente sugestiva quando se põe em correlação com a famosa crise do verão de 1997, que teve lugar nesses países, com o impacto internacional que se conhece” [36].
[1] Como disse Ernest Mandel: “ A lei do desenvolvimento desigual pela primeira vez na história se reverteu contra o imperialismo norte-americano. As outras potências imperialistas, que partiram de um nível de produtividade industrial muito mais baixo que os EUA, têm modernizado suas indústrias muito mais rapidamente e têm conseguido, por sua vez, vantagens de produtividade consideráveis. Muitas de suas mercadorias são, hoje em dia, de qualidade parecida e às vezes superior e, antes de tudo, mais baratas que as mercadorias norte-americanas: os navios japoneses; os pequenos automóveis europeus e japoneses; as máquinas-ferramentas alemãs.” Ernest Mandel, A crise do dólar, Ediciones del Siglo, Argentina 1973.
[2] Ver nota 17.
[3] Desde 1960, a oferta monetária dos EUA cresceu 25 vezes, enquanto o produto bruto real somente quatro. Isso tem sido acompanhado por uma consistente baixa dos requerimentos para os empréstimos. Os bancos foram encorajados pelo Banco Central a expandir o crédito por uma série de reduções nas reservas requeridas contra seus próprios depósitos. No último ciclo de crescimento, essa política monetária de baixas taxas de juros ’ como resposta à crise da chamada nova economia, para evitar que a mesma se transforme em uma depressão ’ foi utilizada de forma abusiva com abundante liquidez, dando origem à bolha imobiliária creditícia mundial, que agora está se desinflando.
[4] É o contrário da atuação dos EUA durante o boom do pós-guerra. Esse período foi qualificado como de “hegemonia benigna” ou “benevolente” , baseada na necessidade dos EUA de conter o perigo da revolução na Europa e no Japão, ambos devastados pela guerra. O imperialismo norte americano, que saiu como potência hegemônica após a Segunda Guerra Mundial, combinou a colaboração contra-revolucionária com a burocracia stalinista, posta em prática nos pactos contra revolucionários de Yalta e Postdam, que dividiram o mundo em zonas de influência, e que permitiram no imediato pós-guerra derrotar e desviar a revolução em países centrais como França, Itália ou Grécia, com uma política de “contenção” dos movimentos geopolíticos do Kremlin, o que implicou a disputa relativa nos planos militar (corrida armamentista, criação da OTAN), político (luta por influência nos países da periferia capitalista) e ideológico (luta contra o “totalitarismo” em defesa do “mundo livre” ), ainda sem ultrapassar nunca os estritos limites estabelecidos em Yalta. No entanto, esse pacto não impediu a existência de atrito, como a Guerra da Coréia, a crise de Berlim ou a dos mísseis cubanos, assim como períodos de “distensão” ou “detenção” ’ com uma política de desenvolvimento do “Estado de bem-estar” e a reconstrução da Europa (Plano Marshall) e Japão, para afastar o perigo da revolução. Isso permitiu aos Estados Unidos “hegemonizar” as distintas potências imperialistas atrás de seus desígnios, mas o fazia, e por isso se denominava

Mais conteúdos dessa disciplina