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w w w .m et od is ta .b r Licenciatura em Filosofia Lógos e práxis: leituras de filosofia antiga, ética e política 1o semestre de 2011 – 3ª edição ex pe di en te Universidade Metodista de São Paulo Conselho Diretor: Wilson Roberto Zuccherato (presidente), Paulo Roberto Lima Bruhn (vice- presidente), Nelson Custódio Fer (secretário). Titulares: Augusto Campos de Rezende, Carlos Alberto Ribeiro Simões, Eric de Oliveira Santos, Gerson da Costa, Henrique de Mesquita Barbosa, Maria Flávia Kovalski, Osvaldo Elias de Almeida. Suplentes: Jairo Werner Junior, Ronald da Silva Lima. Reitor: Marcio de Moraes Pró-Reitoria de Graduação: Vera Lúcia Gouvêa Stivaletti Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa: Fábio Botelho Josgrilberg Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito: Claudio de Oliveira Ribeiro Coordenação do NEAD: Adriana Barroso de Azevedo Coordenador do Curso de Filosofia Prof. Ms. Wesley Adriano M. Dourado Organizador Prof. Ms. Daniel Pansarelli Professores Autores Prof. Ms. Daniel Pansarelli Prof. Dr. Frederico Pieper Pires Prof. Dr. Marcelo Silva de Carvalho Profa. Dra. Regina Rossetti Prof. Dr. Rodnei Nascimento Profa. Ms. Suze Piza Assessoria Pedagógica Adriana Barroso de Azevedo Caroline de Oliveira Vasconcellos Patricia Brecht Innarelli Rosangela Spagnol Fedoce Coordenação Editorial Prof. Ms. Wesley Adriano M. Dourado Editoração Eletrônica Editora Metodista Projeto Gráfico Cristiano Leão Revisão Eliane Viza Bastos Barreto Impressão Assahi Gráfica e Editora Data desta edição 1o semestre de 2011 Rua do Sacramento, 230 - Rudge Ramos 09640-000 São Bernardo do Campo - SP Tel.: 0800 889 2222 - www.metodista.br/ead Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Metodista de São Paulo) Universidade Metodista de São Paulo Lógos e Práxis: Leituras de Filosofia Antiga, Ética e Política/ Universidade Metodista de São Paulo. Organização de Daniel Pansarelli. 3. ed. São Bernardo do Campo : Ed. do Autor, 2011. 112 p. (Cadernos didáticos Metodista - Campus EAD) Bibliografia ISBN: 978-85-7814-164-6 1.Sabedoria 2. Filosofia 3. Origem (Filosofia) CDD100 É permitido copiar, distribuir, exibir e executar a obra para uso não-comercial, desde que dado crédito ao autor original e à Universidade Metodista de São Paulo. É vedada a criação de obras derivadas. Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra. w w w .m et od is ta .b r Organizador Prof. Ms. Daniel Pansarelli Licenciatura em Filosofia Lógos e práxis: leituras de filosofia antiga, ética e política UMESP 1o semestre de 2011 – 3a edição Aprendizagem e autonomia Caro(a) aluno(a) do Campus EAD Metodista, É com muita alegria que o(a) recebemos na Universidade Metodista de São Paulo! Esperamos que sua trajetória acadêmica seja marcada por desafios, novas experiências de ensino-aprendizagem e muitas conquistas. Agora, você está conectado à Educação a Dis- tância, modalidade que apresenta crescimento significativo no país. Para ter uma ideia, em 2000, o número de alunos que estudavam a distância não somava dois mil. Em 2009, dados estatísticos indicam que mais de dois milhões de brasileiros já aderiram à modalidade. Além do crescimento e dos resultados positivos nas avaliações do Exame Nacional de Desempenho Estudantil (ENADE), quando comparados à modalidade presencial, a Educação a Distância destaca-se enquanto promotora da democratização do acesso ao curso superior e à qualificação profissional. Com o auxílio das Tecnologias da Educação e Comunicação (TIC), rompemos fronteiras a nível nacional de distância, tempo e acesso. Mais do que a inclusão digital, nosso objetivo é promover a inclusão social, através de uma formação humana, da vivência acadêmica associada a valores ético-cristãos, enquanto instituição ligada à Igreja Metodista, e às demandas do mercado de trabalho. A fim de auxiliá-lo neste processo de formação, cujo foco principal é a qualidade, este Guia de Estudos apresenta textos desenvolvidos pelos docentes da instituição, nos quais são apresentados os conceitos principais trabalhados no curso. Este material atua como um norteador das atividades de estudos, guiando-o(a) a outras fontes de pesquisa, como artigos científicos, livros, revistas e demais referências importantes à sua trajetória escolar. Bons estudos e sucesso! Prof. Dr. Marcio de Moraes Reitor su m ár io Módulo: Investigação Filosófica Origem da Filosofia O que é filosofia Filosofia e método Pesquisa em filosofia Módulo: Lógica e filosofia antiga Os pré-socráticos Heráclito e Parmênides Sócrates e a busca pelos universais Platão e a teoria das formas Discurso, conceitos e a formação da lógica Ontologia, conhecimento e a concepção platônica de Logos (A relação entre linguagem e mundo no Crátilo de Platão) Inferência e proposição em Platão e Aristóteles Módulo: Fundamentos da ética e da filosofia política Introdução à filosofia política: A unidade entre ética e política na antiguidade clássica. A política no mundo moderno: Autonomia da política em O príncipe de Maquiavel Indivíduo eestado nas filosofias de Thomas Hobbes e John Locke Liberdade natural e liberdade civil na filosofia política de Jean-Jacques Rousseau Ética filosófica: conceito e origem Ética moderna: moral e extra-moral Filosofia 09 13 19 31 37 41 47 53 57 67 73 77 81 85 89 93 23 Módulo www.metodista.br/ead Origem da Filosofia Objetivos: Explicitar a origem da filosofia e delimitar seu conceito, a partir da distinção entre filosofia e sabedoria. Palavras-chave: Sabedoria; filosofia; origem. Profa. Dra. Regina Rossetti Investigação filosófica Universidade Metodista de São Paulo 10 Para compreendermos o que é filosofia, temos de ir à busca de sua origem; são necessárias, então, algumas considerações gerais acerca da fase arcaica do pensamento ocidental anterior a Sócrates, contexto em que surge a filosofia. Ao explicitarmos algumas de suas características importantes, visando compreender o plano de fundo a partir do qual se construirá a filosofia, adotaremos uma divisão entre sabedoria e filosofia e, conseqüentemente, entre sábios e filósofos. Os filósofos não são sábios, somente amigos da sabedoria. Seguimos, assim, a linha de interpretação de G. Colli acerca do nascimento da Filosofia, que por sua vez tem como base geral a perspectiva de interpretação proposta por Nietzsche ao expor a origem da tragédia grega, referenciando-se na imagem de dois deuses gregos: Dionísio e Apolo. Nesta linha de interpretação, quando tratamos do pensamento anterior a Sócrates, estamos no domínio da chamada sabedoria, fonte da qual surge posteriormente a filosofia. Buscar as origens da filosofia grega e, portanto, do pensamento ocidental, é ir ao encontro da sabedoria, em cuja direção os amigos da sabedoria, isto é, os filósofos, olham com reverência Platão olha reverente o passado, um mundo em que existiram os verdadeiros “sábios”. Por outro lado, a filosofia é apenas a continuação, um desenvolvimento da forma literária introduzida por Platão; contudo esta surge como fenômeno de decadência, na medida em que “amor à sabedoria” está mais abaixo da “sabedoria” (COLLI, 1996, p. 09). A passagem da sabedoria à filosofia éa passagem do pensamento envolto no enigma e no mistério para um pensamento mais abstrato, racional e discursivo. Os ensinamentos da sabedoria, como as revelações dos mistérios, pretendem transformar o homem no íntimo, elevá-lo a uma condição superior, fazer dele um ser único, quase um deus, [...] (a sabedoria) exprime certamente o segredo, formula-o em palavras, mas o povo não pode apreender seu sentido (VERNANT, 1973, p. 40-1). O pensamento enigmático é aquele que acena para a verdade através do enigma que precisa ser decifrado, numa intuição primordial e imediata daquele que sabe. O pensamento filosófico busca fundar- se no lógos, na palavra que é pensamento, no discurso. Mas isto não significa que sabedoria e filosofia sejam antitéticas, são na verdade duas fases sucessivas do mesmo fenômeno fundamental da busca do conhecimento: “Se a origem da sabedoria grega está na mania, na exaltação pítica, numa experiência mística e dos mistérios, então como se explica a passagem desse fundo religioso para a elaboração de um pensamento abstrato, racional, discursivo?” (COLLI, 1996, p. 61). Segundo Colli, a passagem da sabedoria à filosofia deu-se exatamente no surgimento da dialética entendida como discussão racional, cuja primeira expressão encontramos nos diálogos de Platão. Neste sentido, a filosofia começa com Platão; o que reforça ainda mais a importância dada por Bergson ao pensamento platônico quando tratou de mostrar as origens da metafísica da inteligência. Os sábios1 que iniciaram no ocidente o movimento de pensamento que, posteriormente, deu origem à Filosofia tornaram-se conhecidos como pertencentes ao grupo dos pensadores pré-socráticos. Todavia, não devemos enxergar, nos assim chamados pré-socráticos, um grupo homogêneo e destacado dentro da história da filosofia; ao contrário, questiona-se aqui a divisão histórica que unifica num grupo vários pensadores diferentes em seus modos particulares de pensar, simplesmente porque foram anteriores a Sócrates. São pensadores que refletiram dentro de seu movimento próprio, com pensamentos distintos e intuições originais de cada um, e que serviram de fonte para ao pensamento filosófico que lhes é posterior. 1 Entende-se sábios, aqui, simplesmente aqueles pensadores pertencentes ao período do pensamento grego denominado Sabedoria. Não se faz aqui qualquer referência aos tradicionalmente conhecidos “Sete Sábios” da antiguidade grega. Segundo Vernant, tais narrativas não passam “de uma mistura de dados puramente lendários, de alusões históricas, de sentenças políticas e de chavões morais, a tradição mais ou menos mítica dos Sete Sábios” (1973, p. 49). 11 www.metodista.br/ead Os “pré-socráticos” constituíram, desde Aristóteles, o problema histórico e o fundamento sistemático da filosofia ática clássica, isto é, o platonismo. Nos últimos tempos, esta conexão histórica teve uma tendência a passar a segundo plano devido ao desejo de compreender cada um daqueles pensadores em si mesmo, na sua própria individualidade, como filósofo original, assim destacando melhor relevo à sua verdadeira importância (JAEGER, 1995, p. 191). Da mesma forma que não há um grupo coeso chamado pré- socrático, também não há, a rigor, uma problemática filosófica única, ou seja, não há a questão filosófica pré-socrática. Isto porque uma questão, enquanto uma proposição filosófica, é algo posto pelo pensamento filosófico que é historicamente posterior e funda-se primordialmente no logos: “Quanto ao método, a filosofia quer ser explicação puramente racional da totalidade que é seu objeto. O que vale na filosofia é o argumento da razão, a motivação lógica: é, numa palavra, o lógos” (REALE, 1995, vol. 1, p. 29). Pensadores, como Tales, Anaximandro e Pitágoras, constituem-se, na verdade, na raiz, na fonte da problemática filosófica que somente é posta pelos filósofos posteriores, como Aristóteles, por exemplo. Assim, não se tratará os anteriores a Sócrates como um grupo homogêneo de filósofos que possuem uma problemática única, mas, sim, como pensadores originais considerados em suas diferenças. Por não possuírem uma temática precisa e pré-determinada, algo que é característico da forma de pensamento próprio da filosofia, se impõe o cuidado no uso de uma terminologia mais autêntica e original, característica dessa fase arcaica do pensamento, para darmos conta de compreender a forma de pensamento própria desse período original do pensamento: “A tradição, em grande parte oral, da sabedoria, já obscura e escassa pela distância dos tempos, já evanescente e tênue para o próprio Platão, mostra-se, a nossos olhos, francamente falsificada pela inserção da literatura filosófica” (COLLI, 1996, p. 10) Tarefa nada fácil porque são inúmeros os problemas de acesso ao pensamento dos primeiros sábios. Primeiro, estamos numa fase da história onde há uma tradição que privilegia a transmissão oral dos pensamentos, onde se escreve com dificuldade, isto quando se escreve, o que dificulta em muito a expressão unívoca dos pensamentos. Segundo, o que restou do registro de seus pensamentos, dadas as péssimas condições de conservação, ficou na forma de fragmentos, cujas lacunas podem permitir inúmeras interpretações diversas. Terceiro, a tradução feita para línguas modernas de um grego arcaico pode gerar por sua vez muitos desentendimentos. Portanto, somente resta atermo-nos ao pensamento dos primeiros sábios, tal como ele nos é dado. Impostas todas estas dificuldades, somos restringidos, por vezes, a não podermos afirmar seguramente a fidedignidade do pensamento original desses sábios, restando-nos a alternativa de levantarmos questionamentos e suposições mais do que assegurar a verdade da interpretação. Trata- se muito mais de propormos questões acerca do pensamento desses sábios do que responder a estas questões, inspirados na sábia atitude de interrogação daquele que talvez tenha sido o último dos sábios, Sócrates, e também em Bergson, para quem é mais importante saber bem propor os problemas do que resolvê-los. Pitágoras Im agem 1 Anaximandro Im agem 2 Tales de Mileto Im agem 3 Universidade Metodista de São Paulo 12 Pensadores distintos uns dos outros, cuja ligação entre eles é a de um tênue prosseguimento entre uma pergunta levantada anteriormente e que se torna motivo de reflexão para os posteriores, dando origem às chamadas escolas filosóficas. Em termos de pensamento, há um movimento ininterrupto que não finda com o próprio pensador, mas prolonga-se por via de outro pensador. É como se esses sábios simplesmente perguntassem o que é, depois respondessem; e não satisfeitos com a primeira resposta, perguntassem por que é o que é; e respondessem ao porquê. Isto é pensar, é mover o pensamento através do indagar. Olhavam, questionavam, penetravam seus próprios espíritos e começavam a pensar. Destacamos do contexto geral onde ocorre o surgimento do movimento de pensamento, que dá origem ao pensar filosófico, o ser que busca saber e que parte espontaneamente do primado de sua própria existência sem ao menos questionar a razão da procura, a razão do que procura, sem ao menos questionar sua própria razão. Estamos num momento, pré-filosófico, estamos no âmbito da sabedoria, do saber originário, no qual questões acerca do conhecer ainda não foram propostas. O ser humano parte em busca do conhecimento sem questionar o que é conhecimento, parte por um movimento espontâneo e natural de seu ser. A questão sobre o que é o Universo se põe naturalmente desde que o homem começa a refletir. Por meio da chamada observação e da especulação sobre o que está em seu entorno, põe-se em busca daquilo que há em todos os planos da natureza, isto é, põe-se a buscar no todo seu ser, sua essência. E na busca do saber, os primeiros que buscaram, moveram seus pensamentos nosentido do ser, indagando sobre o que é. E dentre todas as indagações esta é espontaneamente a primeira, a mais original: Assim, num primeiro momento, a totalidade do real, phýsis, foi vista como cosmo e, portanto, o problema filosófico por excelência foi o problema cosmológico: como surge o cosmo, qual o seu princípio? Quais as fases e os momentos da sua geração? etc. É esta a problemática que, essencial ou, pelo menos, prioritariamente, absorve toda a primeira fase da filosofia grega (REALE, 1995, vol. 1, p. 32). Perguntar o que é; e quando perguntamos pelo que é, perguntamos pelo ser, pela essência, isto é, perguntamos pela origem. Assim, perguntaram os primeiros sábios pela origem do todo, do cosmos, e inauguraram a filosofia. Fiel a sua origem, a filosofia é indagação, investigação, é perguntar pelo ser, pela vida, pelo mundo. Referências COLLI, Giorgio. O nascimento da filosofia. Tradução de Federico Carotti. Campinas: Edit. da Unicamp, 1996. JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução de Arthur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995. REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Tradução de Marcelo Perine e Henrique C. de Lima Vaz. São Paulo: Loyola, 1995. 5 vols. VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Tradução de H. Sarian. São Paulo: Difel, Edusp, 1973. Imagem 1: http://pt.wikipedia.org/wiki/imagem: Kapitolinischer_Pythagoras.jpg. Disponível em 14’Jan’2008. Imagem 2: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem: Anaximander.jpg. Disponível em 14’Jan’2008. Imagem 3: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Thales.jpg. Disponível em 14’Jan’2008. Módulo www.metodista.br/ead O que é Filosofia Objetivos: Definir o que é filosofia e apresentar os principais períodos da História da Filosofia. Palavras-chave: Filosofia; conceito; história. Profa. Dra. Regina Rossetti Investigação filosófica Universidade Metodista de São Paulo 14 A palavra filosofia é composta por outras duas palavras gregas: philo e sophia. Philo significa amizade, amor entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria, e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo significa aquele que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Nesse sentido, o filósofo é aquele que deseja e busca a sabedoria, mas não a tem, porque deixamos de desejar aquilo que possuímos. E filosofia é a busca pelo saber, mas não sua posse. Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que viveu no século V a.C.) a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos. A filosofia surge na Grécia Antiga por volta do século VI a.C. Trata-se de um fenômeno tipicamente grego quando entendido como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo, das ações humanas e do próprio pensamento e de suas transformações. Em termos conceituais, a Filosofia não é um conjunto de saberes ou um conjunto de conhecimentos, a filosofia é uma atitude frente ao mundo. É tomar distância do cotidiano e interrogar a si mesmo, desejando conhecer o porquê de nossas crenças, sentimentos, ações e pensamentos. É a busca pelos motivos e razões da realidade e da existência das coisas e das idéias. Nesse sentido, segundo Marilena Chauí, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” poderia ser: “A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUÍ, 2004, p.17). Segundo a mesma autora, a atitude filosófica é uma atitude crítica e reflexiva, além de ser sistemática. A crítica possui uma fase positiva e outra negativa. A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana. A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é assim, e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica (CHAUI, 2004, p. 12): perguntar o que é a coisa, ou o valor, ou a idéia. A Filosofia pergunta qual é a realidade • ou natureza e qual é a significação de alguma coisa, não importa qual; perguntar como é a coisa, a idéia ou o valor. A Filosofia indaga qual é a estrutura e quais • são as relações que constituem uma coisa, uma idéia ou um valor; perguntar por que é a coisa, a idéia ou o valor, existe e é como é. A Filosofia pergunta pela • origem ou pela causa de uma coisa, de uma idéia, de um valor. Além de crítica, a atitude filosófica também é reflexiva. Inicia-se dirigindo indagações ao mundo e, pouco a pouco, descobre que essas questões se referem à nossa capacidade de conhecer, à nossa capacidade de pensar. Então perguntamos o que é pensar, como é pensar, por que há o pensar? A Filosofia torna-se, então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta que o pensamento realiza sobre si mesmo, a Filosofia se realiza como reflexão. A reflexão filosófica é radical porque é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, para indagar como é possível o próprio pensamento. (CHAUÍ, 2004, p.20) 15 www.metodista.br/ead Reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento volta-se para si mesmo, interrogando a si mesmo. A reflexão filosófica é radical porque é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, para indagar como é possível o próprio pensamento (CHAUÍ, 2004, p.20). A Filosofia também se constitui em um pensamento sistemático. Para a autora, isso significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou idéias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático, porque não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes de idéias e significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente (CHAUI, 2004, p. 15). A Filosofia não possui uma única definição, mas várias. Marilena Chauí nos mostra pelo menos quatro definições gerais do que seria a Filosofia: Visão de mundo de um povo, de uma civilização ou de uma cultura. Filosofia corresponderia ao conjunto de idéias, valores e práticas pelos quais uma sociedade apreende e compreende o mundo e a si mesma. Sabedoria de vida, em que a Filosofia seria identificada com a definição e a ação de algumas pessoas que pensam sobre a vida moral, dedicando-se à contemplação do mundo para aprender com ele a controlar e dirigir suas vidas de modo ético e sábio. Esforço racional para conceber o Universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido. Nesse caso, distingui-se, e até opõe-se, entre Filosofia e religião, pois ambas possuem o mesmo objeto, ou seja, o Universo,mas por métodos diferentes, a primeira por meio do esforço racional, enquanto a segunda, por confiança ou fé em uma revelação divina. Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas. A Filosofia se ocuparia com as condições e os princípios do conhecimento que pretenda ser racional e verdadeiro; com a origem, a forma e o conteúdo dos valores éticos, políticos, artísticos e culturais; com a compreensão das causas e das formas da ilusão e do preconceito no plano individual e coletivo; com as transformações históricas dos conceitos, das idéias e dos valores. Essas são apenas algumas definições possíveis, e a filosofia, por sua complexidade, extensão e natureza, pode apresentar tantas definições quantos forem os pensamentos e os filosofares sobre ela. Os períodos da história da filosofia Filosofia antiga Vai do século VI a.C. até o século VI d.C. e compreende quatro grandes períodos da Filosofia greco-romana: Universidade Metodista de São Paulo 16 Período pré-socrático, a filosofia se ocupa com a origem do mundo e as causas das • transformações na Natureza. Período socrático, a filosofia investiga as questões humanas: a ética, a política e as técnicas, • ou seja, é um período antropológico. Período sistemático, a filosofia busca reunir e sistematizar tudo quanto foi pensado anteriormente, • interessando-se sobretudo em mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas demonstrações estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da ciência. É o período de Platão e Aristóteles. Período helenístico, a filosofia se ocupa sobretudo com as questões da ética, do • conhecimento humano e das relações entre o homem e a Natureza e de ambos com Deus quando adentra o cristianismo. Nesse período temos as escolas epicurista, estóica, cínica e neoplatônica. Filosofia patrística Inicia-se no século I e vai até o século VII, recebe influência das Epístolas de São Paulo e do Evangelho de São João. A principal preocupação da filosofia patrística é conciliar a fé cristã com a razão herdada dos gregos. Divide-se em patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma). Os nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio. Filosofia medieval Do século VIII ao século XIV, abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava politicamente a Europa e criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a filosofia medieval também é conhecida com o nome de Escolástica. Uma de suas questões principais diz respeito às provas da existência de Deus e da alma. Os teólogos medievais mais importantes foram: Abelardo, Duns Scoto, Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado judaico: Maimônides, Nahmanides, Yeudah bem Levi. _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ 17 www.metodista.br/ead Filosofia da Renascença Inicia-se no século XIV e vai até o século XVI, e é marcada pela descoberta de obras filosóficas gregas de Platão e Aristóteles desconhecidas na Idade Média, bem como pela recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos. Os temas principais desse período são: o homem como microcosmo, a política e o antropocentrismo. Os nomes mais importantes desse período são: Dante, Marcílio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel, Montaigne, Erasmo, Tomás Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa. Filosofia moderna Compreende o século XVII e vai até meados do século XVIII. Esse período, conhecido como o Grande Racionalismo Clássico, é marcado por três grandes mudanças intelectuais: surgimento do sujeito do conhecimento; o objeto pode ser conhecido desde que sejam consideradas representações, ou seja, idéias ou conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento; e a realidade é concebida como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é matemática. Há uma grande confiança nas capacidades e nos poderes da razão humana. Os principais pensadores desse período foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa, Leibniz, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi. Iluminismo A filosofia da ilustração vai de meados do século XVIII ao começo do século XIX. Esse período também crê nos poderes da razão, chamada de As Luzes. O Iluminismo afirma que, pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e política, além da evolução e do progresso das civilizações. Os principais pensadores do período foram: Hume, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e Schelling (embora este último costume ser colocado como filósofo do Romantismo). Filosofia contemporânea Compreende o final do século XIX e os séculos XX e XXI. A filosofia contemporânea abrange o pensamento filosófico atual e é marcada por rupturas com o pensamento anterior. São temas recorrentes na Filosofia Contemporânea: a história, as ciências, a política e as utopias, a cultura, a pós-modernidade, a linguagem e a ética. São considerados filósofos contemporâneos: Hegel, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Sartre, Merleau- Ponty, Bachelard, Bergson, Wittgenstein, Foucault. Referências CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2004. CUNHA. José Auri. Filosofia: iniciação à investigação filosófica. São Paulo: Atual, 1992. DELEUZE, Gilles; GATTARI, Félix. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 1992. HEIDEGGER, Martin. Que é isso - a filosofia. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br. MERLEAU-PONTY, Maurice. Elogio da filosofia. Lisboa: Guimarães Editores, 1993. ORTEGA y GASSET, José. Que é filosofia? Rio de Janeiro: Ibero-Americano, 1971. PLATÃO. Defesa de Sócrates. São Paulo: Abril, 1984. Universidade Metodista de São Paulo 18 _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ __________________________________________________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ ________________________________________ __________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ ________________________________________ __________________________________________ Módulo www.metodista.br/ead Filosofia e método Objetivos: Pensar a filosofia e o filosofar a partir do método intuitivo e do pensamento de Bergson. Palavras-chave: Filosofia; intuição; método. Profa. Dra. Regina Rossetti Investigação filosófica Universidade Metodista de São Paulo 20 Uma questão inicial se põe a todos que desejam conhecer um pensamento ainda não conhecido: como compreender o novo pensamento que surge por vezes envolto em mistérios, em que desejaríamos adentrar, desarmados de prévias recusas e, ao mesmo tempo, curiosos para ver em profundidade o que ele verdadeiramente é em sua novidade essencial? Segundo o filósofo francês Henri Bergson, os tradicionais estudiosos da filosofia, quando se deparam com um novo pensamento, empenham-se na tentativa de reduzi-lo ao antigo: retomam suas pretensas fontes, pesam suas influências, extraem algumas semelhanças exteriores, pensam-no por meio de conceitos preexistentes; por fim, acabam por recompor o novo pensamento com o que ele por si mesmo não é, mas pelo que ele poderia ser relativamente às formas de pensar já existentes. O problema é que desse método resulta somente uma visão exterior do pensamento como tal, porque não se alcançou o que nele há de novo e, portanto, de original, algo que somente um contato direto com a interioridade desse pensamento pode nos revelar em sua íntima essência. Para Bergson, esse método tradicional nos estudos filosóficos procede sistematicamente no sentido de relacionar o novo pensar de um filósofo com o que há em torno dele em termos de doutrinas anteriores e contemporâneas, e conseqüentemente reduzi-lo a “uma síntese mais ou menos original das idéias em meio às quais o filósofo viveu” (BERGSON, 1984, p. 55). Procedendo desta maneira, aquele que procura conhecer não se instala no interior do próprio movimento do novo pensamento e, assim, não pode perceber o que ele contém de essencialmente original e espontâneo, isto é, o ponto inicial que impulsionou o movimento deste novo pensamento. Nesse ponto primordial que deu origem a toda uma filosofia, está a intuição original do filósofo, e cuja filosofia, enquanto esforço de expressão dessa intuição, não foi mais que a tentativa, cada vez mais empenhada e até desesperada, de dizê-la. Assim afirma Bergson em belas palavras: Neste ponto está algo de simples, de infinitamente simples, de tão extraordinariamente simples que o filósofo não conseguiu jamais exprimi-lo. Esta é a razão por que falou durante toda a sua vida. Não podia formular o que levava no espírito sem se sentir obrigado a corrigir sua fórmula, depois a corrigir sua correção: assim, de teoria em teoria, retificando-se quando acreditava completar-se, ele só fez, através de uma complicação que atraía a complicação e desenvolvimentos justapostos a desenvolvimentos, fornecer com aproximação crescente a simplicidade de sua intuição original. Toda a complexidade de sua doutrina, que se estenderia ao infinito, é apenas a incomensurabilidade entre sua intuição simples e os meios de que dispunha para exprimi-la (BERGSON, 1984, p. 56). Para compreender um novo pensamento, portanto, devemos ir em busca de sua intuição original, daquele ponto único que impulsionou seu movimento, fazendo uso de nossa própria capacidade de intuir, afastando-nos do hábito de querer rever no novo o velho, mas buscando ver o jorrar incessante da novidade que move o pensar. Posto que a intuição é o método que pode dar conta daquilo que desejamos saber, principalmente quando se trata de saber sobre o essencial da realidade, estaremos sempre em busca da intuição original do filósofo, estaremos em busca deste ponto único, da origem de seu pensamento subjacente à sua expressão discursiva. Mas há algo que intriga, por que o filósofo não consegue, por mais hábil que seja com os conceitos e as palavras, exprimir sua intuição primordial? Porque a intuição original é tão simples e única que expressá-la implicaria desenvolvê-la em termos que ela mesma não é; dito de outro modo, quando se tenta dizer qual é essa intuição através de símbolos, conceitos ou palavras, não se consegue expressar sua absoluta essência individual, pois se tem de recorrer a algo que ela não é, o símbolo, fazendo com que se perca a pureza original que a identifica. Filosofar é entrar em contato com a duração real, que é a essência da realidade, contato esse que somente a intuição pode nos dar. 21 www.metodista.br/ead Segundo Bergson, é assim que a filosofia, enquanto discurso, surge da tentativa desesperada de exprimir a intuição original em fórmulas e expressões que tornam cada vez mais complicado e imperfeito exprimir a intuição simples do que há no espírito. Isto significaria que toda e qualquer filosofia ou que toda forma de expressão de uma intuição estaria fadada ao fracasso? Não, somente aquelas que trocam a realidade pelo símbolo e que, em vez de pensar aquilo que é, pensam sua representação conceitual, ou seja, aquelas filosofias que se utilizam em demasia de conceitos e representações simbólicas, distantes da realidade tal qual é nela mesma. Ver a própria realidade é intuir a imanência do ser, sem se iludir com a transcendência do símbolo em relação à realidade mesma. Assim, um método intuitivo seguiria o caminho inverso dos tradicionais métodos hermenêuticos da história da filosofia, indo da letra das obras filosóficas à simplicidade do espírito que a anima e, assim, se aproximaria cada vez mais da intuição original do autor. E, no caminho de volta, na tentativa de expressar o que se compartilhou dessa intuição do autor, se utilizaria muito mais de imagens e metáforas do que de conceitos rígidos em seus significados. Neste sentido, filosofar é um ato simples, porque busca primordialmente a pura e simples intuição interior de um pensamento, afastando-se das complicações da letra e do discurso. “Penetrar no que se faz, seguir o movimento, adotar o devir que é a vida das coisas. Esta tarefa pertence à filosofia” (BERGSON, 1984, p. 66). Uma filosofiado movimento e da interioridade que tem por método a intuição, esta é a proposta de Bergson. Outra característica do filosofar bergsoniano diz respeito ao problema filosófico. Encontrar o verdadeiro problema e colocá-lo, de forma clara e explícita, é tão ou mais importante quanto resolvê-lo. Segundo Bergson, “a verdade é que se trata, em filosofia e mesmo alhures, de encontrar o problema e conseqüentemente de colocá-lo, mais do que de resolvê-lo. Pois um problema especulativo está resolvido no momento em que for bem enunciado” (BERGSON, 1984, p. 127). Coerente com sua visão de realidade, filosofar para Bergson é aprofundar-se no devir universal, que é a própria realidade, por meio de nosso próprio movimento interior, quando o espírito regressa a si mesmo em busca do princípio movente: “A filosofia não é apenas o regresso do espírito a si mesmo, a coincidência da consciência humana com o princípio vivo de onde emana, uma tomada de contato com o esforço criador. É aprofundamento do devir geral” (BERGSON, 1971, p.353). Filosofar é entrar em contato com a duração real, que é a essência da realidade, contato esse que somente a intuição pode nos dar. Assim, da existência desse movimento essencial, podemos ter certeza quando com ele tomamos contato por meio da intuição, quando coincidimos com o _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ Universidade Metodista de São Paulo 22 movimento da realidade e podemos acompanhar seus contornos. Além disso, a intuição é conhecimento interior e capta o movimento em sua totalidade; logo, ela sempre nos dará uma visão do Todo. Se queremos saber o que é a realidade, temos primeiro de determinar qual é o método para alcançar essa sabedoria, e é por isto que partimos de um estudo sobre a intuição. Portanto, o objetivo da filosofia de Bergson é a intuição da duração, que é a essência da realidade movente. Desta forma, pode-se afirmar uma filosofia que sustenta como fundamento da realidade o movimento, a duração e a mudança, e afirma que sempre haverá mais no movimento do que nas posições atravessadas pelo móvel, mais no devir do que na forma estável. Portanto, a instabilidade radical e a imutabilidade absoluta são somente visões abstratas, tomadas de fora, sobre a continuidade da mudança real. Abstrações que o espírito de um lado fragmenta em estados múltiplos, e de outro lado, em coisa ou substância. As dificuldades levantadas pelos antigos em torno da questão do movimento e pelos modernos em torno da questão da substância se desfazem. Estas porque a substância é movimento e mudança, aquelas porque o movimento e a mudança são substanciais. Visão que somente uma metafísica da duração que intui a essência do movimento imanente ao próprio movimento pode ter. No início do capítulo IV da Evolução Criadora, Bérgson se propõe a definir com maior clareza sua própria filosofia contrapondo-a a essa metafísica da inteligência, que perdurou por séculos de história da filosofia. Para tanto, examina as origens desta forma de entender o mundo, e aí encontra duas fundamentais ilusões teóricas da inteligência: a imutabilidade e o nada – ilusões antigas que deram origem a inúmeros equívocos de entendimento acerca do movimento essencial do ser. A primeira e mais nítida destas ilusões “consiste em acreditar que é possível pensar o instável por intermédio do estável, o movente por intermédio do imóvel” (BERGSON, 1971, p.270), ou seja, idealizar uma origem imóvel para o movimento. A segunda refere-se à idéia do nada: “tal como passamos pelo imóvel para chegar ao movente, do mesmo modo que nos servimos do vazio para pensar o pleno” (BERGSON, 1971, p.271), ou seja, entender o ser a partir do nada. A partir desses problemas, a filosofia de Bergson pretende inverter a marcha habitual do pensamento, preponderantemente intelectual, que busca conhecer o mundo a partir da exterioridade e da imobilidade, fundada numa percepção que realiza, artificialmente, recortes imóveis no Todo. Nessa inversão, o pensamento se dá conta da imanência e do movimento essencial da realidade, não somente da consciência, mas também do Todo. Em suma, para afirmar sua filosofia intuitiva da duração e do movimento, Bergson necessita refutar toda a filosofia tradicional que, em seu conjunto, negou o movimento essencial do ser. Referências BERGSON, Henri. A evolução criadora. Tradução de Adolfo Casais Monteiro. Rio de Janeiro: Opera Mundi, 1971. _________. Cartas, conferências e outros escritos. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os Pensadores). ROSSETTI, Regina. Movimento e totalidade em Bergson. São Paulo: Edusp, 2004. Módulo www.metodista.br/ead Pesquisa em filosofia Objetivos: A intenção principal deste texto é levar o aluno de Filosofia a refletir sobre alguns procedimentos necessários ao filosofar, a saber a leitura dos textos filosóficos, a pesquisa em filosofia e a postura diante de ambos. Por meio da discussão acerca do fazer filosófico, abordaremos a particularidade da leitura filosófica e as principais regras para se realizar uma boa pesquisa nessa forma de conhecimento, ambas contextualizadas no âmbito da produção de filosofia. Palavras-chave: Filosofia; filosofar; leitura; pesquisa. Profa. Ms. Suze Piza Investigação filosófica Universidade Metodista de São Paulo 24 O fazer filosófico O filósofo brasileiro se vê diante de um dilema constante: reproduzir ou produzir conhecimento filosófico? A formação do filósofo nas universidades passa necessariamente pela manipulação dos textos da tradição filosófica, isto é, pelo contato aprofundado com os pensamentos produzidos pelos principais filósofos ocidentais, seus problemas, suas teorias. Como parte necessária dessa formação, o aluno se vê diante da tarefa de produzir monografias acerca dos mais diversos temas, dissertações, teses acerca dos problemas apresentados ao longo de seu percurso. Nesse processo de aprender a lidar com esses conteúdos filosóficos, ele aprende a delimitar o espaço da filosofia como uma das formas possíveis de conhecer a realidade, seus problemas, suas formas de ver o mundo e as particularidades da maneira como tudo isso é apresentado através dos textos, que é, sem dúvida, o lócus onde o pensamento filosófico se expressa com mais propriedade. A questão que se coloca para nossa reflexão é que todo esse processo, sem dúvida necessário, afinal, é lendo e lidando com os textos de filosofia que se aprende a filosofar, leva de fato à produção filosófica ou apenas à reprodução ou repetição das idéias de filósofos? A resposta a essa questão pode ser dada se compreendermos o texto e os conteúdos filosóficos como um meio, e não como um fim. É preciso encarar o texto de filosofia e as idéias filosóficas como uma mola propulsora que está atrás do estudante ou do filósofo empurrando-o para frente e fazendo-o pensar nos mesmos problemas ou criar seus próprios problemas.Dizemos isso, porque muitas vezes o estudante é levado a ver o texto e as idéias dos filósofos como fim; é como se o objeto da investigação não fosse um problema filosófico que nos toca, que nos acerca, e sim o próprio filósofo. Quando isso ocorre, o que deveria ser mola passa a ser um muro que fica diante do estudante ou do filósofo fazendo-o ver muito bem aquela teoria, mas tapando seus olhos para qualquer coisa além dela. Nossa proposta de trabalho aqui o guiará para dominar a arte de ler e pesquisar filosofia como um caminho necessário ao filosofar, como um instrumento para o filosofar; olharemos os textos de fora e de cima e veremos em que medida eles podem nos dar o que precisamos para nos tornar filósofos. Nosso objetivo é o filosofar e aprenderemos isso através da filosofia já produzida. A dimensão da criação deve ser resguardada no meio do processo, é importante não perdê-la de vista, pois, como afirmam Deleuze e Guattrari, a criação de conceitos e o nascimento do novo é a condição para a atividade do filósofo e para a filosofia: “a filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 13). Lendo os textos – assumindo uma posição Conhecer é uma atividade, e a leitura como uma das maneiras de se adquirir conhecimento não pode ser passiva. O que isso quer dizer? Precisamos ser os sujeitos da leitura, precisamos dominar o texto, dar as diretrizes da leitura é fundamental para a compreensão de tudo que é possível extrair de um material bibliográfico. Mas como dar as diretrizes ou “mandar” no texto antes de conhecer seu conteúdo, dominar o assunto ou tema de que trata? É simples. É importante que se cumpra algumas etapas antes, durante e depois da leitura. Antes de começar a ler um livro ou texto: Leia todos os pré-textuais do livro ou texto (contracapa, orelha do livro, prefácios, • apresentações, sumários, resumos, se houver, palavras-chave, se houver). Faça uma reflexão sobre o título e subtítulos do livro ou texto.• O indivíduo é um átomo fictício de uma representação ideológica da sociedade, mas é também uma realidade fabricada por uma tecnologia de poder chamada disciplina (FOUCAULT, 1994, p.161). 25 www.metodista.br/ead Folheie o livro ou texto, olhando as páginas, as notas, leia algumas frases e parágrafos • aleatoriamente. Elabore hipóteses acerca do que vai ler a partir dessa primeira investida no texto.• Durante a leitura: Leia com atenção e em local adequado que permita concentração.• Anote termos-chave na margem da folha ao lado dos parágrafos.• Grife o que julgar central na argumentação do autor; caso o texto seja de difícil compreensão, • grife as frases/parágrafos que compreender bem. Pare em alguns momentos da leitura para refletir e sistematizar mentalmente • o que já foi dito. Procure o significado dos termos mais • usados no texto em dicionários de filosofia, e também o significado de termos desconhecidos em dicionários de língua portuguesa e dicionários de filosofia. Após uma pausa, releia seus • apontamentos e grifos antes de continuar a leitura. Após a leitura: Reflita constantemente sobre o que leu.• Após um tempo de estudos de outros • temas e autores, leia o texto novamente repetindo todo o processo. Esses procedimentos são essenciais em qualquer leitura, mas especialmente para a leitura de textos de filosofia e ciências humanas. Porém, a leitura de textos filosóficos não se esgota aí. Existem particularidades do texto que precisam ser consideradas durante o processo de leitura. A análise dos termos, a explicitação das metáforas... A leitura de textos filosóficos necessita uma postura analítica e crítica. A análise é um procedimento que implica em decompor algo em tantas partes quanto for possível. Numa análise de texto, damos atenção a todos os elementos de um parágrafo, vejamos um exemplo: Michel Foucault, em Vigiar e Punir, afirma que: “O indivíduo é um átomo fictício de uma representação ideológica da sociedade, mas é também uma realidade fabricada por uma tecnologia de poder chamada disciplina” (FOUCAULT, 1994, p.161). _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ Universidade Metodista de São Paulo 26 Se pretendermos analisar esse trecho, precisaremos destacar os termos e nos interrogar sobre cada um deles a fim de explicitá-los; além disso é importante destacar as metáforas (recurso muito usado pela filosofia, pois nos permite dar uma imagem a um conceito, é o famoso mecanismo filosófico do como se. Nesse caso específico, podemos destacar no texto: indivíduo, átomo, fictício, representação, ideológica para analisar. Temos aqui conceitos e metáforas. É importante nos interrogar acerca deles, pesquisar sobre eles, defini-los e explicitá-los. De que indivíduo Foucault está tratando?• O que é um indivíduo? Que conceitos lhe são semelhantes?• O que é uma representação?• O que é ideologia?• O que é uma representação ideológica?• A resposta a essas questões só é construída com leituras em dicionários de Filosofia. E as metáforas do texto? Átomo fictício? Qual o significado preciso do termo átomo e ficção? E o que significa dizer que o indivíduo é como se fosse um átomo fictício? Por meio desse exercício o texto de filosofia é compreendido. Além da análise é importante que se faça uma crítica do texto, crítica no sentido de exame e também de assumir uma postura diante do que leu. Examine com cuidado o resultado de sua análise e reflita sobre ele; é fundamental, no final do processo, que você assuma uma posição sobre o que leu e, principalmente, que englobe o conhecimento conquistado a outros conhecimentos que já adquiriu e produziu. Como apregoava Nietzsche, desconfie dos conceitos que não foram criados por você. A filosofia é de certa forma o não; o negar. Além do procedimento de análise e crítica, é preciso interpretar. Dentre tantos procedimentos necessários à leitura filosófica, é preciso dizer que a leitura de textos de filosofia é antes de tudo um exercício de interpretação. O livro não é um objeto dado do qual extraímos informações, é vivo; e o leitor age sobre ele atribuindo significados e o constitui numa relação intencional. A verdade do texto está na relação entre leitor e texto, ela não se dá, se interpreta. Criando problemas, identificando problemas, criando questões, identificando questões... O texto e a pesquisa em filosofia exigem do leitor uma postura ativa e interrogativa. O conhecimento filosófico é produzido quando nos afetamos por algo, refletimos sobre o que nos afetou e transformamos o afeto e o pensamento/reflexão em discurso. São três momentos – afeto/pensamento e discurso –, que possibilitam constantemente a produção de conhecimento acerca das coisas à nossa volta. O filósofo deve estar aberto para ser afetado pelo mundo e usar o mundo dos textos para pensar o mundo. A pesquisa de filosofianão pode prescindir do acontecimento, de onde emergem os devires que orientam a elaboração de problemas. Os problemas filosóficos não se encontram nos textos dos filósofos e sequer podem ser comunicados pelos professores de filosofia; eles estão submetidos aos devires, às orientações e às direções que não pertencem à história da filosofia, mas do acontecimento. Mesmo que os problemas estejam orientados para o passado ou para o futuro, eles estão Ao contrário de uma fria historiografia, a história da filosofia deve servir para descobrir pensamentos vivos em ação, para encontrar filosofias em ato, através das quais possamos dar a nosso próprio pensamento um suporte, um quadro para orientá-lo. 27 www.metodista.br/ead submetidos às multiplicidades, aos devires que emergem como forças que operam em silêncio. Os problemas emergem dos acontecimentos, é preciso estar aberto aos acontecimentos. É só nessa abertura que ele poderá dar atenção aos problemas existentes no mundo e usar o mundo do texto para pensar o acontecimento, e o mais importante: poderá criar suas questões e seus problemas a partir de que o tocou. Como afirma Deleuze e Parnet, é preciso inventar/construir os problemas filosóficos: A maior parte do tempo, quando me colocam uma questão, mesmo que ela me interesse, percebo que não tenho estritamente nada a dizer. As questões são fabricadas, como outra coisa qualquer. Se não deixam que você fabrique suas questões, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar, se as colocam a você, não tem muito o que dizer. A arte de construir um problema é muito importante: inventa-se um problema, uma posição de problema, antes de se encontrar a solução (DELEUZE e PARNET, 1998, p. 9). O rigor da pesquisa em filosofia Inventar? Construir? Então podemos inventar qualquer problema, questão e criar sua solução, inventar teorias? Sim. No entanto, não nos esqueçamos de que estamos tratando de produção filosófica e, portanto, nem tudo o que é criado ou inventado é filosofia. A pesquisa em filosofia, a leitura de textos filosóficos e criação de teorias é um processo rigoroso e lento e demanda uma série de condições que só adquirimos com trabalho árduo. Existem regras e técnicas para a produção filosófica no Brasil. Isso implica em usar métodos, padrões, formatações e principalmente rigor conceitual e fundamentação teórica. Observe que ao longo do texto usamos o mesmo tamanho de fonte, o mesmo espaçamento entre as linhas, há referências aos autores no corpo do texto, notas, e no fim do texto você encontrará as referências bibliográficas que utilizamos para a produção deste texto, que é também fruto de uma pesquisa. Tudo isso não é feito ao acaso, existem regras e técnicas de pesquisa, e, além disso, há também um formato bastante regrado para a apresentação dos textos e de dados referentes à pesquisa que, no Brasil, é normatizado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Antes de escrever qualquer texto é preciso que as regras sejam conhecidas para se fazer uma citação ou colocar uma biografia corretamente. Todos que estão na academia conhecem essas regras e isso facilita a compreensão de uma série de aspectos das pesquisas que são desenvolvidas. Neste guia, todos os textos seguem as normas técnicas; elas podem ser encontradas no site da biblioteca da Umesp: http://www.metodista.br/ biblioteca/abnt. Consultem e utilizem-no com freqüência. _________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ Universidade Metodista de São Paulo 28 Todavia, esse é o passo mais simples para a produção de um texto filosófico. É apenas a casca, a forma. A produção de conteúdo filosófico consistente passa pelo encontro, enfrentamento e confronto de teorias da tradição filosófica. É importante que ao longo da formação em filosofia se compreenda (no sentido de abarcar) problemas, teorias, autores, correntes, contextos teóricos da História da Filosofia e que se fundamente a produção filosófica nesse aparato teórico. A filosofia se constrói a partir dos pilares da tradição filosófica. Os grandes clássicos da filosofia se basearam em outras teorias filosóficas para continuar a produção de pensamento, são criadas novas concepções e se promovem mudanças de paradigmas. Como afirma Descartes: “Conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam (...) poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios, e assim tornar-nos como que senhores e possuidores da natureza” (DESCARTES, 1987, p. 63). Todo procedimento filosófico encontra diante de si uma história, um passado. Tal passado serve para meditarmos. Não poderíamos fazer como se começássemos a filosofar pela primeira vez. Uma das maneiras de se filosofar é colocar-se em presença de uma filosofia anterior. No entanto, isso não significa inclinar-se diante de uma tradição, a postura é de diálogo, interação, caminhar ao lado; as grandes filosofias são algo bem diferente de obras-primas insuperáveis que suscitaram a veneração e que deveríamos visitar como um museu. Ao contrário de uma fria historiografia, a história da filosofia deve servir para descobrir pensamentos vivos em ação, para encontrar filosofias em ato, através das quais possamos dar a nosso próprio pensamento um suporte, um quadro para orientá-lo. Por isso a prática da filosofia passa pela visita a textos que devemos aprender a ler, interpretar, explicar e a comentar. A pesquisa em filosofia: o afeto, a paixão, o método, o tema, o problema, o objetivo da pesquisa Como afirmamos anteriormente, tudo começa pela nossa abertura para sermos afetados. Mas nem tudo que nos afeta pode se transformar numa pesquisa filosófica; é necessário que haja uma paixão por aquilo que nos afetou. Não há pesquisa bem desenvolvida sem que o pesquisador tenha se apaixonado pela problemática; a paixão faz com que o pesquisador deseje profundamente conhecer. É importante, quando isso acontece, sabermos exatamente o que se quer saber, aonde queremos chegar, o que queremos conhecer. Quando formulamos essa pergunta: o que queremos aqui saber? temos o nosso problema de pesquisa. Quando sabemos o que pretendemos alcançar, aonde queremos chegar, temos o objetivo da pesquisa. O objetivo normalmente torna explícito o problema de pesquisa. Estando apaixonados por esse problema, é necessário escolher um caminho para que o conhecimento se efetive. A produção filosófica se faz principalmente por meio de pesquisas teórico- bibliográficas, ou seja, é através das leituras da tradição filosófica que vamos pesquisando. Para tanto é importante um bom levantamento bibliográfico e empreender um trabalho de investigação nos textos. A investigação de um texto o interroga: Qual é o problema/pergunta central do autor?• Como o autor formula sua pergunta?• Que caminho ele tomou para respondê-la? Era possível ter seguido outrocaminho?• Qual sua forma de exposição? • Em que se fundamentou?• Que respostas encontrou? Que argumentos apresenta?• Responder a estas questões, além de nos ajudar compreender o texto, nos ajuda na elaboração daquilo que estamos estudando, investigando, pesquisando. No decorrer de nossas leituras, é importante definir um método de pesquisa, uma espécie de pauta ancorada em uma teoria, um caminho que se trilhe para chegar a algum lugar, que nos oriente. É comum ouvirmos que há tantos métodos em 29 www.metodista.br/ead filosofia quanto filósofos; é preciso, ao ler os textos filosóficos, fazer uma metaleitura buscando o método usado pelo filósofo, só assim poderemos escolher um caminho para a pesquisa, isso se dá no ato das leituras que fazemos ao longo de nossa vida. Quando estudamos um texto filosófico, é importante também que nos detenhamos no que não foi tratado pelo autor, o que ele não considerou, e se sua resposta é satisfatória, afinal muito se produz pelas lacunas deixadas por outros. A teoria filosófica surge no fim do processo, é uma espécie de resultado de pesquisa, e todos os resultados de uma pesquisa filosófica devem ser antidogmáticos, afinal a atitude filosófica é uma abertura privilegiada para a percepção do mundo. Elas, no geral, são construídas quando, por meio do problema pesquisado, esclarecemos e explicitamos conceitos, estabelecemos relações, revisamos e questionamos outras teorias, levantamos argumentos acerca de algo, elaboramos e fundamentamos teses, chegando a uma conclusão sobre aquilo que de início era uma pergunta. Referências DELEUZE, G; GUATTARI, F. O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998. DESCARTES, René. Discurso do método. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987 (Os Pensadores). GENTIL, H. S. Convite à pesquisa em filosofia. Disponível em: ftp://ftp.usjt.br/pub/revint/169_41. pdf. Acesso em: 18/12/2007. Universidade Metodista de São Paulo 30 _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ ________________________________________ __________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ ________________________________________ __________________________________________ Módulo www.metodista.br/ead Os pré- socráticos Objetivos: Discutir as abordagens da filosofia pré-socrática em filósofos modernos; Apresentar as principais tendências do pensamento filosófico anterior a Sócrates. Palavras-chave: Pré-socráticos; princípio (arché); Escola Jônica; Pitágoras. Prof. Dr. Frederico Pieper Pires Lógica e filosofia antiga Universidade Metodista de São Paulo 32 O termo pré-socrático tem sido utilizado pela tradição filosófica a partir do século XIX para se referir ao conjunto dos primeiros pensadores da filosofia grega. O termo se tornou popular com os estudos e a edição crítica de Herman Diels, especialmente com seu livro Die Fragmente der Vorsokratiker de 1903.1 Ainda que seja de uso corrente e seu sentido pareça evidente, é importante atentarmos para o significado dos pré-socráticos. Em primeiro lugar, o termo pré-socrático se refere a uma miríade de filósofos que, não necessariamente, seguiam a mesma metodologia ou abordavam temas comuns. É possível notar nuances importantes entre eles, de maneira que é fundamental atentar ao caráter peculiar de cada pensador. Em segundo lugar, é importante lembrar que, ao abordar a história da filosofia, sempre trazemos alguns pressupostos que interferem na leitura do texto. Assim, história da filosofia não se constitui na reconstituição do que um autor disse/pensou, mas em travar um diálogo com a tradição. A abordagem desses textos é sempre intermediada por questões, compreensões prévias e objetivos que trazemos e estabelecemos. Esses aspectos não são rigidamente constituídos, podendo sofrer alterações substanciais no decorrer do diálogo. Podem-se encontrar exemplos do que estamos dizendo em algumas importantes interpretações modernas dos pré-socráticos. O personagem central nessas interpretações é Sócrates. Ao designar esses primeiros pensadores como pré-socráticos, poderíamos imaginar que a filosofia propriamente dita se inicia com Sócrates. No momento anterior, a filosofia apenas dava os primeiros passos e balbuciava aquilo que tomaria forma mais acabada com Sócrates, Platão e Aristóteles2. O problema dessa abordagem é compreender a história da filosofia dentro um processo cumulativo, de maneira que aquilo que é posterior se torna superior e mais bem elaborado. F.W.Hegel (1770-1831) foi o primeiro a dar a devida atenção aos filósofos pré-socráticos no seu texto Lições sobre a história da filosofia. Em sua abordagem, Hegel reconhece em Heráclito de Éfeso o precursor de um aspecto central de sua própria filosofia, a dialética, recebendo por isso lugar de destaque3. No entanto, para Hegel, Platão e Aristóteles representam o ápice da filosofia grega. Ainda no final do século XIX, Friedrich Nietzsche (1844-1900) se fascinava com esplendor da filosofia no seu início. Mesmo sem acesso a edições críticas dos textos, Nietzsche se aventura a interpretar os lacônicos fragmentos desses primeiros filósofos. Para Nietzsche, a filosofia inicia um retrocesso com o método dialético de Sócrates. Nesse contexto, pode- se dizer que a dialética se constitui numa forma de argumentação com definições precisas, pautadas em alguns princípios lógicos. Para Nietzsche, a partir desse momento todo, o fulgor do pensamento anterior a Sócrates é perdido e teminício o período de decadência da filosofia. Por fim, já no século XX, Martin Heidegger (1889-1976)4 nutre a mais alta estima pelos filósofos pré-socráticos. Em muitos sentidos, Heidegger se alinha à interpretação de Nietzsche, admitindo que a partir de Platão se inicia o pensamento metafísico. Para se referir aos pré-socráticos, Heidegger emprega o termo “pensadores originários” (2002, p.21). Com essa designação, Heidegger procurava pontuar que as grandes questões da filosofia foram postas nesse momento, ocorrendo certo “desvio” a partir da constituição da metafísica com Platão e Aristóteles. Para Heidegger, “O pensar de Heráclito e Parmênides ainda é poético, o que significa aqui: ainda é filosófico e não-científico” (1999, p.168). Por científico, Heidegger compreende uma maneira de pensar determinada por uma compreensão de racionalidade que marcou o Ocidente a partir de Platão. O que chama a atenção de Heidegger com relação a esses primeiros pensadores é o caráter poético de sua escrita. 1 Cf. DIELS, H.; KRANZ, W. Die Fragmente der Vorsokratiker. Berlin: Weidmannshce Verlagsbuchhandlung, 1956. 3 v. As citações dos fragmentos dos filósofos pré-socráticos tomam a classificação feita por esses autores como referência. 2 Exemplo dessa abordagem encontramos em ZELLER, E. Outlines of the history of greek philosophy. London/ New York: Routledge, 1931. 3 HEGEL, F. Lecciones sobre la historia de la filosofía. Tradução de W. Roces. México: Fondo de Cultura Económica, 1977. Pp.258-276. 4 Estudos de Heidegger sobre os pré-socráticos. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dará, 2002. “O dito de Anaximandro”. In: Caminhos de floresta. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p.369-444. “Moira (Parmênides, fragmento VIII, 34-41)”. In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002. p.205-226. 33 www.metodista.br/ead Em suma, por meio dessas interpretações dos pré-socráticos fica evidente que a compreensão prévia do que é filosofia determina o teor do diálogo com a tradição, de forma que estudar a história da filosofia já é um exercício filosófico. Por fim, também não há aqui ruptura radical entre os pensadores anteriores a Sócrates e os filósofos posteriores. É curioso notar que ambas as leituras, a que privilegia o pensamento posterior a Sócrates e a que ressalta os méritos dos pré-socráticos, têm em Sócrates uma figura central. É importante atentarmos para as rupturas, mas também para as continuidades. Nota-se a formulação de novas questões, assim como possibilidades de novas respostas. No entanto, a base para a constituição desses problemas já pode ser encontrada nos pré-socráticos, notadamente em Parmênides e em Heráclito. Nos textos a seguir, esses aspectos gerais sobre a filosofia pré-socrática se tornarão mais evidentes. A escola jônica A filosofia nasce do questionamento do dizer mítico dos escritos mais antigos, como Homero e Hesíodo. Para Deleuze e Guattarri, o que diferencia o filósofo do sábio é o trabalho com o conceito (DELEUZE, GUATTARRI, 1997, p.10). Em poucas palavras, a filosofia é filha do movimento gradativo do mithós para o logos. Essa transição traz como marca a instauração do pensamento crítico. Nas palavras de Karl Popper, “Há o fato histórico de que a Escola jônica foi a primeira na qual os discípulos criticaram os mestres, uma geração após a outra. Pouca dúvida pode haver de que tradição grega da crítica filosófica tem sua principal fonte na Jônia” (POPPER, 1989, p.151). A visão mítica do mundo é substituída por uma compreensão racional e especulativa da natureza. Na Metafísica, Aristóteles atribui a Tales de Mileto (morto por volta de 558 a.C) o título de primeiro filósofo (ARISTÓTELES, 2002, 983b20-21). Anaximandro (611-546 a.C) e Anaxímens (? -525 a.C.) são outros importantes nomes que compõem a escola jônica. O que nos permite denominar essa escola com a iniciadora da filosofia está na sua busca por um substrato, capaz de dar unidade à multiplicidade das coisas. A palavra-chave aqui é arché, que pode ser traduzida como fundamento, origem ou princípio, indicando três aspectos: a) fonte de todas as coisas; b) o fim último de tudo; c) aquilo que dá subsistência a todas as coisas. O espanto diante da diversidade das coisas levou esses filósofos a se perguntarem pelo fundamento último e imutável, se valendo de argumentos racionais e não tanto da mitologia. A preocupação principal desses filósofos se inseria em problemas cosmológicos, interpretando o cosmos como todo ordenado em oposição ao caos, tido como a primeira divindade. Para Tales de Mileto, o primeiro a responder essa questão, a água é a arché5. Cabe notar que, assim como grande parte dos pré-socráticos, a arché é algo material. Tales, valendo-se de argumentos racionais e observação empírica, tentou legitimar sua solução. Como não temos nenhuma parte do texto de autoria do próprio Tales, resta-nos recorrer à doxografia. Nietzsche, por exemplo, afirma: “Quando Tales diz: ‘Tudo é água’, o homem estremece e ergue-se do tatear e rastejar das ciências isoladas e pressente a solução última das coisas e, com esse pressentimento, supera o acabamento comum dos graus inferiores de conhecimento” (NIETZSCHE, 1974, p.41). Mas por que atribuir à água o status de arché? Novamente, Aristóteles vem a nosso socorro. Segundo ele (ARISTÓTELES, 2002, 983b21ss), Tales baseou sua afirmação na observação de que os germes e as sementes são úmidas. A secagem implicaria no esvair da vida. Dessa maneira, a água é aquilo de onde tudo vem, onde todas as coisas se mantêm e para onde tudo caminha. Além dessa tese, Tales 5 Wedberg sugere que o arché, segundo proclamado por Tales, não seria a água (hydor) propriamente dita, mas “aquilo que flui” (to hygron). WEDBERG, A. A History of Philosophy. p.11. 6 Para abordagem de alguns aspectos do pensamento de Tales, especialmente relacionados à astrologia, cf. WHITE, Stephen. Thales and Stars. In: CASTON, Victor; GRAHAM, Daniel (Org). Presocractic Philosophy. Aldershot: Ashgate, 2002. p.03-18. Universidade Metodista de São Paulo 34 também é reconhecido pela tradição como exímio matemático. Valendo-se de deduções, previu um eclipse e foi o primeiro a demonstrar que um círculo é bisseccionado por seu diâmetro6. Anaximandro, como discípulo de Tales, também se ocupou da mesma questão. No entanto, discordando de seu mestre, sustentou que a água já era derivada, sendo to apeíron (infinito, indefinido ou ilimitado) a arché. Exatamente por não ser limitado, esse princípio pode tudo envolver e sustentar. Anaximandro também sustentava que esse princípio é eterno (não está limitado pelo tempo) e abarca todos os mundos. O emprego do plural para mundos não é acidental: Anaximandro sustentava que há também infinitos mundos, semelhantes aos anteriores e aos que lhe seguirão. Por uma referência posterior, podemos crer que Anaximandro sustentava o fundamento do cosmos a partir de um movimento que gerou dois contrários: frio e calor. O frio, associado à umidade, foi transformado em ar. Já o calor, associado ao fogo, dividiu-se em três círculos, dando origem ao Sol, à Lua e aos astros (BARNES, 2003, p.85). O princípio, compreendido dessa maneira, também se relaciona com a divindade: “Imortal... e imperecível (o ilimitado enquanto o divino)” (PRÉ-SOCRÁTICOS, 1973, p.16). Anaxímenes, por sua vez, aceita o argumento de Anaximandro da infinitude da arché, mas o relaciona com o ar. Esse ar infinito está bem próximo ao incorpóreo, mas com uma vantagem: por estar em constante movimento, o ar possui as condições para ser o princípio de todas as coisas em sua multiplicidade. O ar condensado e esfriado é o princípio da água e da terra. O ar distendido se aquece e dá origem ao fogo. Por ser mais lógico, Anaxímenes é tido como paradigma da escola jônica. Heráclito de Éfeso também pertence a essa escola. No entanto, retomaremos
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