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Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 | 81 Comunicações Curtas e Casos Clínicos Neuropatia Óptica Hereditária de Leber num Doente do Sexo Feminino Filipe Esteves1, Filipa Rodrigues1, Raquel Soares2, José Salgado-Borges3 1Interno do Internato Complementar de Oftalmologia 2Assistente Hospitalar de Oftalmologia 3Director do Serviço de Oftalmologia Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga - Unidade de Santa Maria da Feira Dr. Filipe Esteves Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga- Unidade de Santa Maria da Feira Rua Dr. Cândido de Pinho, 4520-211 Santa Maria da Feira, Portugal filipe_aj@hotmail.com RESUMO Introdução: A Neuropatia Óptica Hereditária de Leber (NOHL) é uma doença de transmissão materna, através do ADN mitocondrial, que se caracteriza por uma diminuição severa da AV indolor e bilateral. Caso clínico: Os autores descrevem um caso clínico de NOHL num doente do sexo feminino. Apre- sentam-se os resultados dos exames complementares realizados, assim como a evolução clínica. Discussão: Não existe actualmente nenhum tratamento eficaz para esta patologia. Apesar de a NOHL ser mais comum em jovens do sexo masculino, deverá ser considerada em qualquer do- ente com edema ou palidez papilar bilateral. Palavras-chave Neuropatia Óptica Hereditária de Leber, ADN mitocondrial. AbSTRACT Leber’s hereditary optic neuropathy in a female patient Introduction: Leber’s hereditary optic neuropathy (LHON) is a mitochondrial inherited (mother to all offspring) degeneration that leads to a bilateral painless loss of central vision. Case report: A case report of LHON in a female patient is presented. Complementary tests results are described, as well as clinical evolution. Discussion: There is currently no effective treatment for this disease. Although LHON is more common in young males, it should be considered in any patient with bilateral papillary edema or pallor. Key-words Leber’s hereditary optic neuropathy, mitochondrial DNA. Oftalmologia - Vol. 36: pp.81-83 82 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia INTRODUçãO A Neuropatia Óptica Hereditária de Leber (NOHL) é uma doença rara transmitida através do DNA mitocondrial que se manifesta tipicamente entre os 15 e os 30 anos de idade. Cinquenta por cento dos portadores do sexo mas- culino e 10-15% das portadoras do sexo feminino desen- volvem a patologia. Clinicamente caracteriza-se por uma diminuição severa da acuidade visual (AV) que no iní- cio é geralmente unilateral, indolor, aguda ou subaguda. O olho adelfo é afectado dias a meses mais tarde.6 Na fase aguda pode observar-se um pseudoedema papilar, uma microangiopatia telangiectásica peripapilar e tortuosidade vascular ao nível do pólo posterior. Ocorre posteriormente progressão para atrofia óptica severa. Pode associar-se a al- terações neurológicas, esqueléticas e a patologia cardíaca pré-excitatória3. CASO CLíNICO Doente do sexo feminino, 34 anos de idade, recorreu à Consulta Externa por alteração da visão das cores (percep- ção do vermelho como castanho) com evolução de 6 me- ses, seguida de diminuição da AV bilateral, um mês após o início das queixas. Referia hábitos alcoólicos moderados desde há cerca de cinco anos, não apresentando outros an- tecedentes pessoais ou familiares relevantes. Ao exame ob- jectivo oftalmológico apresentava uma AV melhor corrigi- da de conta dedos a meio metro, bilateralmente. Os reflexos pupilares estavam preservados e simétricos e a biomicros- copia não apresentava alterações. O exame do fundo ocular revelava uma palidez da papila bilateral (figura 1). O exame neurológico sumário era normal. A Perimetria Cinética de Goldmann revelou uma di- minuição da sensibilidade central do olho direito (OD) e um escotoma cecocentral no olho esquerdo (OE) (figura 2). A Angiografia fluoresceínica e a Electrorretinografia não mostraram alterações e os Potenciais Evocados Visuais mostraram diminuição da amplitude e aumento do tem- po de latência de P2, traduzindo diminuição da condução nervosa. Foi ainda efectuado estudo analítico que revelou um aumento da gama-GT. No entanto o estudo serológi- co (VDRL, FTA-ABS) e de auto-imunidade (anticorpos anti-nucleares) foi negativo. A Tomografia de Coerência Óptica (OCT) evidenciou uma diminuição da espessura da camada de fibras nervosas retinianas peripapilares, menos acentuada nos quadrantes nasais (figura 3). A Tomografia Computorizada e a Ressonância Magnética Nuclear exclu- íram lesões com efeito de massa, inflamatórias ou infiltrati- vas a nível cerebral. Pelo quadro clínico apresentado e perante a suspeita clínica de NOHL, foi efectuado o estudo genético mole- cular para pesquisa das mutações mais comuns do DNA mitocondrial associadas a NOHL, tendo sido positiva para a mutação G11778A, confirmando assim a nossa hipótese diagnóstica. Foi efectuado Electrocardiograma, Ecocardiograma, Holter de 24 horas e Electromiografia dos membros inferio- res que não mostraram alterações significativas. Fig. 1 | Fundoscopia evidenciando palidez da papila bilateral. Fig. 2 | Perimetria Cinética de Goldmann. OD: diminuição da sen- sibilidade central; OE: escotoma cecocentral. Fig. 3 | OCT. Diminuição da espessura da camada de fibras ner- vosas retinianas peripapilares, menos acentuada nos qua- drantes nasais. Filipe Esteves, Filipa Rodrigues, Raquel Soares, José Salgado-Borges Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 | 83 A AV manteve-se estável durante todo o período de follow-up. A doente está actualmente inscrita na ACAPO e tem uma filha de catorze anos, sem queixas visuais, tendo contudo recusado que lhe fosse efectuado o teste genético. DISCUSSãO A NOHL é uma doença que resulta de mutações no DNA mitocondrial de herança materna. Noventa e cinco por cento dos casos resultam de uma de três mutações ao nível do DNA mitocondrial – G3460A, G11778A e T14484C, todas elas envolvendo genes que codificam subunidades do complexo I da cadeia respiratória mitocondrial1,3,5. A mutação G11778A4 é a mais frequente e a que se associa a pior prognóstico visual. A NOHL afecta tipicamente indivíduos do sexo mas- culino entre quinze e trinta anos de idade, embora em ca- sos atípicos a condição possa afectar mulheres e apresen- tar-se em qualquer idade entre os dez e os sessenta anos. O diagnóstico deve ser considerado, portanto, em qual- quer paciente com edema ou palidez papilar bilateral. Após a fase aguda da doença que se caracteriza, nos casos típicos, por hiperemia do disco óptico e pseudo-edema, surge uma atrofia óptica grave com perda da camada de fibras nervosas, sobretudo no feixe papilo-macular. Se o doente é observado neste estadio, torna-se difícil estabele- cer o diagnóstico, sobretudo se não existir história familiar materna3. Aproximadamente 50% dos homens e 90% das mulhe- res portadores da doença nunca manifestam qualquer sin- tomatologia. Pensa-se que outros factores genéticos e am- bientais possam interagir com o defeito primário ao nível do DNA mitocondrial, modulando dessa forma a expressão fenotípica da doença7,8. Este caso clínico, num indivíduo do sexo feminino, sem história familiar sugestiva e enquadrando-se numa fase avançada da doença - no estadio de atrofia óptica, constituiu um desafio diagnóstico. A história de consumo de álcool associado a uma elevação da gama-GT faz-nos pensar que os hábitos etílicos possam ter contribuído para a expressão da doença nesta paciente do sexo feminino. Não existe actualmente nenhum tratamento eficaz para esta patologia3. Os doentes e familiares devem ser enviados para aconselhamento genético. bIbLIOGRAFIA 1. Barboni P, Carbonelli M, Savini G, Ramos Cdo V, Car- ta A, Berezovsky A, Salomao SR, Carelli V, Sadun AA. Natural history of Leber's hereditary optic neuropathy: longitudinalanalysis of the retinal nerve fiber layer by optical coherence tomography. Ophthalmology. 2010; 117(3):623-7. 2. Howell N. Leber hereditary optic neuropathy: mito- chondrial mutations and degeneration of the optic nerve. Vision Res. 1997; 37(24):3495-507. 3. Man PY, Turnbull DM, Chinnery PF. Leber hereditary optic neuropathy. J Med Genet. 2002; 39(3):162-9. 4. Sadun F, De Negri AM, Carelli V, Salomao SR, Bere- zovsky A, Andrade R, Moraes M, Passos A, Belfort R, da Rosa AB, Quiros P, Sadun AA. Ophthalmologic fin- dings in a large pedigree of 11778/Haplogroup J Leber hereditary optic neuropathy. Am J Ophthalmol. 2004; 137(2):271-7. 5. Mackey DA, Oostra RJ, Rosenberg T, Nikoskelainen E, Bronte-Stewart J,Poulton J, Harding AE, Govan G, Bo- lhuis PA, Norby S. Primary pathogenic mtDNA muta- tions in multigeneration pedigrees with Leber hereditary optic neuropathy. Am J Hum Genet 1996;59:481-5. 6. Harding AE, Sweeney MG, Govan GG, Riordan-Eva P. Pedigree analysis in Leber hereditary optic neuropa- thy families with a pathogenic mtDNA mutation. Am J Hum Genet 1995;57:77-86. 7. Tsao K, Aitken PA, Johns DR. Smoking as an aetiolo- gical factor in apedigree with Leber’s hereditary optic neuropathy. Br J Ophthalmol1999;83:577-81. 8. Riordan-Eva P, Sanders MD, Govan GG, Sweeney MG, Da Costa J, Harding AE. The clinical features of Leber's hereditary optic neuropathy defined by the presence of a pathogenic mitochondrial DNA mutation. Brain 118 1995; 2: 319–37. Neuropatia Óptica Hereditária de Leber num Doente do Sexo Feminino
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