Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 REDE DE ENSINO DOCTUM FACULDADE DOCTUM DE VITÓRIA CURSO DE DIREITO ALGEANE DAMASCENA DA VITORIA AMILTON CARLOS BANHOS JÚNIOR CARLOS HENRIQUE BORGES RIBEIRO GABRIEL BARBOSA HERICK FREIRE DA SILVA WEVERTON DE SOUZA TELES GDI – DIREITO FUNDAMENTAIS À SÁUDE VITÓRIA 2017 2 ALGEANE DAMASCENA DA VITORIA AMILTON CARLOS BANHOS JÚNIOR CARLOS HENRIQUE BORGES RIBEIRO GABRIEL BARBOSA HERICK FREIRE DA SILVA WEVERTON DE SOUZA TELES OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIAIS À SAÚDE, TRATAMENTO DE ALTO CUSTO E PAPEL DO PODER JURÍDICO NA GARANTIA À SAÚDE. Trabalho apresentado à Faculdade DOCTUM de Vitória, a disciplina Teoria da Constituição e Projeto Integrador II, assunto abordado os direitos fundamentais e sociais à saúde, tratamento de alto custo e papel do poder jurídico na garantia à saúde. Como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Direito. Orientador: Dra.: Prof..: Letícia de Oliveira Ribeiro e Dr.: Prof.: José Eduardo Balikian. VITORIA 2017 3 SUMÁRIO 1. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ART. 5º CF DE 1988 .............................. 4 2. DIREITOS SOCIAIS ART. 6º CF .................................................................................... 9 3. TRATAMENTO DE ALTO CUSTO. .............................................................................. 10 4. DEFENSORES DO ORÇAMENTO DO ESTADO X DEFENSORES DO DIREITO DO PACIENTE. ......................................................................................................................... 11 5. RESERVA DO POSSIVEL X MINIMO EXISTENCIAL .................................................. 13 6. PROTESTOS E PASSEATAS PELOS MEDICAMENTOS ........................................... 16 7. O DIREITO CONSTITUCIONAL DA SAÚDE E O DEVER DO ESTADO DE FORNECER MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS. .......................................................... 17 a. O direito à saúde na constituição federal. As faces do direito à saúde ................ 17 b. O dever do Estado de garantir o direito à saúde ......................................................... 18 8. CARACTERÍSTICAS DAS DECISÕES JUDICIAIS ..................................................... 23 9. ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS ........................................................................ 28 10. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL ......................................................................................... 40 11. LEI DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – LEI Nº 8.080/90 ............................................ 42 12. ATUAÇÃO JUDICIAL NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE ................................................... 43 13. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 45 14. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 46 4 1. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ART. 5º CF DE 1988 O homem como ser social por natureza fez sociedades, que se tornaram cidades, estados e países que por muita das vezes não conseguiram viverem em comum acordo, assim que dando origem a varias guerras principalmente em séculos passados, mas houve duas grandes guerras mundiais que nunca antes na historia da humanidade havia morrido tanta gente e que causou dor, injustiça, desigualdades entre raças e etnias, então através de tratados internacionais entre países se consolida ainda mais Os Direitos e Garantias fundamentais que são imutáveis na Constituição Federal brasileira de 1988, por serem clausulas pétreas. Art. 60 CF § 4° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - A forma federativa do Estado II- O voto direto, secreto, universal e periódico III- A separação dos Poderes IV- Os direitos e garantias individuais Ou seja, as clausulas pétreas não podem sofrer qualquer tipo de discussão para passarem por projeto de emenda que terá como intuito tirar algum desses incisos. Os direitos e garantias fundamentais não foram criados na constituição vigente, mas sim vem passando por momentos históricos nas constituições passadas. O tema dos direitos e garantias individuais está presente em nosso ordenamento constitucional desde nossa primeira Constituição. Apesar disso, ao longo da história, sofreríamos períodos de retrocesso, com ditaduras que ignorariam por completo tais direitos. É o que veremos a seguir, ao observarmos a progressiva aceitação e incorporação dos direitos humanos nas Constituições de nosso país, desde a Constituição de 1824 até a nossa Constituição atual, vigente a partir de 1988. Na Constituição de 1824 era um documento de um regime monárquico, ela foi outorgada pelo Imperador D. Pedro I, que não estava satisfeito com um projeto 5 revolucionário trazido pela Constituinte de 1823, decompondo a Assembleia Constituinte, surge uma grade revolta no Nordeste do Brasil, conhecida como Confederação do Equador. Destacando nesta Constituição a criação do Poder Moderador exclusivo do Imperador. Era um poder quase absoluto, pois se sobrepunha aos demais, interferindo em suas atuações. Mesmo assim, em seu art. 179, esta Constituição traz uma declaração de direitos individuais e garantias que, nos seus fundamentos, permaneceu nas constituições posteriores. São, basicamente, os direitos de primeira geração ou dimensão (direitos civis e políticos). Pode-se dizer que a Constituição imperial consagrou os principais Direitos Humanos, como então eram reconhecidos. Seguindo os passos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a Constituição imperial brasileira afirmou que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos tinham por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade (art. 179). A Constituição de 1891 depois da queda da monarquia havia a necessária de criar uma nova Constituição. O texto foi encomendado a uma comissão composta por lideranças do movimento republicano, entre um dos mais famosos, Ruy Barbosa que era Ministro da Fazenda da época, então Congresso vota o texto da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, texto muito semelhante à Constituição norte-americana em suas ideias como presidencialismo o federalismo, da do poder tripartite e acabando com o Poder Moderador. O voto permanecia, porém, aberto, e os fortes economicamente continuavam detendo a política local. Não fazia referência ao voto feminino, nem o proibia, mas este só passou a ocorrer a partir de 1920, sendo consagrado na Constituição seguinte. Não obstante essa realidade, que restringia o poder a camadas privilegiadas, a primeira Constituição republicana ampliou os Direitos Humanos, além de manter as franquias já reconhecidas no Império. Entre as conquistas, estão as seguintes: a) separou-se a Igreja do Estado; b) estabeleceu-se a plena liberdade religiosa; c) consagrou-se a liberdade de associação sem armas; d) assegurou-se aos acusados a mais ampla defesa; e) aboliram-se as penas de galés, banimento judicial e morte; f) criou-se o habeas corpus com a amplitude de remediar qualquer 6 violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (depois se restringe o uso deste remédio processual a casos relacionados à liberdade de locomoção); g) instituíram-se as garantias da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos),mas, expressamente, só em favor dos juízes federais. No Brasil, na Constituição 1934 o Brasil começa a superar a Revolução de 1930 e o conflito da Revolução Constitucionalista de 1932, quando grande parte dos Estados brasileiros e a União entraram em guerra com São Paulo. Sobe ao poder o líder civil da Revolução de 1930, Getúlio Vargas que se luta para a questão social para o populismo e a ditadura, o texto da nova Constituição era Alemã que deixa de ser uma democracia liberal e se torna democracia social. A partir de 1934, verifica-se maior inserção dos direitos sociais (direitos de segunda geração) nas Constituições brasileiras. Eles exigem do Estado mais participação para que possam ser implementados, ou seja, há a necessidade de uma atuação estatal positiva. Tais direitos estavam nos art. 115 e seguintes da Constituição. Inovando no Direito brasileiro, a Constituição de 1934 estatuiu normas de proteção ao trabalhador. Podem-se citar alguns dos princípios aceitos: a) salário mínimo capaz de satisfazer as necessidades normais do trabalhador; b) repouso semanal e férias anuais remuneradas; c) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; d) criação da Justiça do Trabalho, vinculada ao Poder Executivo. Esta Constituição também cuidou dos direitos sociais e culturais, aceitando os seguintes princípios, entre outros: direito de todos à educação; obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, inclusive para os adultos; e tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário. Além disso, a Constituição de 1934, entre outras coisas, explicitou o princípio da igualdade perante a lei, estatuindo que não haveria privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissão própria ou dos pais, riqueza, classe social, crença religiosa ou ideias políticas; manteve o habeas corpus, para proteção da liberdade pessoal, e instituiu o mandado da segurança, para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado de autoridade; vedou a pena de caráter perpétuo; proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas; criou a assistência judiciária para os necessitados. Nesta Constituição, as mulheres foram brindadas com uma grande e 7 merecida conquista: o direito ao voto. Além disso, foi nele que a Justiça Eleitoral foi instituído (art. 82 e seguintes). e o voto secreto, assegurado (art. 52, § 1º), iniciando o declínio da influência do coronelismo. Na Constituição de 1937, Getúlio Vargas impôs a ordem ditatorial no Brasil, denominada Estado Nova, revogando a Constituição anterior e promulgando, uma nova Carta Constitucional, influenciada pelos grupos nacionalistas que estavam em vários países no período anterior à Segunda Guerra Mundial. [...] as garantias do Estado Democrático de Direito não eram respeitadas. A magistratura perdeu suas garantias. A magistratura perdeu suas garantias (art. 177) Um tribunal de exceção, o Tribunal de Segurança Nacional, passou a ter competência para julgar os crimes contra a Enfim, muitas garantias individuais, até mesmo aquelas que não representavam risco nenhum ao regime vigente, perderam sua efetividade. A Constituição de 1946 com o final da Segunda Guerra com o surgimento de um movimento que buscava os Direitos Humanos e o fim dos regimes de fascista, a Ditadura do Estado Novo não continuaria, o povo fez pressão com que o Presidente iniciasse a expedição da Lei Constitucional fevereiro de 1945 para a recomposição do quadro institucional do estado brasileiro assim foram convocadas eleições para Presidente e para Deputados Federais. Os direitos sociais foram ampliados, sendo estatuídos, entre outros: a) salário mínimo capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família; b) participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; c) proibição de trabalho noturno a menores de 18 anos; d) assistência aos desempregados; e) obrigatoriedade da instituição, pelo empregador, do seguro contra acidentes de trabalho; f) direito de greve; g) liberdade de associação profissional ou sindical. Ainda no campo dos direitos sociais, houve sensível ampliação, sendo assegurada a gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário para os que provassem faltas ou insuficiência de recursos. Constituição de 1967 No início dos anos 60, no Brasil o clima político estava intenso e as forças mais conservadoras clamavam por intervenções, e as forças de inspiração socialista e comunista buscavam chegar ao poder então aproveitando desse clima de instabilidade política, os militares dão golpe de Estado em 1964, 8 iniciando-se um período caracterizado por um regime de força, dirigido por um governo militar, a constituição sofre inúmeras emendas e teve muitos de seus artigos suspensos. A Constituição de 1967 teve um grande retrocesso, se comparada com sua antecessora. Entre os prejuízos aos direitos fundamentais, destacam-se: a supressão da liberdade de publicação de livros, restrição ao direito de reunião, criação da pena de suspensão dos direitos políticos e a manutenção de todas as punições, perseguições e exclusões políticas decretadas pelos atos institucionais. No que diz respeito aos direitos sociais, a Constituição de 1967 inovou em alguns pontos, para o bem e para o mal. Primeiro, destaquem-se os retrocessos relativos aos direitos do trabalho: a) a redução para 12 anos da idade mínima de permissão do trabalho; b) restrições ao direito de greve; c) a supressão da proibição de diferença de salários, por motivo de idade e nacionalidade, a que se referia a Constituição anterior. Apesar dos retrocessos, algumas vantagens foram garantidas, entre elas: a) salário-família, em favor dos dependentes do trabalhador; b) proibição de diferença de salários também por motivo de cor, circunstância a que não se referia a Constituição de 1946; c) participação do trabalhador, eventualmente, na gestão da empresa; d) aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral. A Constituição de 1967 representou um esforço pouco eficiente de redução do arbítrio contido nos atos institucionais que se seguiram à Revolução de 1964. Tentou não se distanciar em demasia do texto constitucional de 1946. Pode-se afirmar que a Constituição de 1967 não se harmonizou com a doutrina dos Direitos Humanos, pelas seguintes razões: restringiu a liberdade de opinião e expressão; deixou o direito de reunião sem proteção de garantias plenas; fez recuo no campo dos direitos sociais; mantiveram as punições, exclusões e marginalizações políticas decretadas sob a égide dos atos institucionais. Com os atos institucionais da Constituição anterior que marcou a forma da política brasileira com sangue, ao elaborar a Constituição de 1988, o constituinte pensava urgentemente em buscar ao máximo constitucionalizar os direitos e garantias fundamentais, pois o constituinte via que era de extrema importância para o Estado que tais princípios eram mais que necessários para um país que buscava a democracia. 9 2. DIREITOS SOCIAIS ART. 6º CF Os direitos sociais são de muita importância para a formação democrática de um Estado de direito, e sua manutenção deveria ser de obrigação no país que busca a justiça e a democracia em seu povo e no seu território, tais direitos devem ser respeitados e cumpridos sendo eles, o direito a saúde, a alimentação, ao trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados, que está composto no: Caput do art. 6° da Constituição Federal do Brasil. A teoria dos direitosfundamentais vem se consolidando a partir da Segunda Guerra Mundial em virtude da crença de que a dignidade da pessoa humana é um valor que deve fundamentar e orientar todo e qualquer exercício do poder. Tal teoria passou a ter relevância no Brasil especificamente com o advento da Constituição Federal de 1988. A Constituição Cidadã rompeu de vez com o passado autoritário e, no lugar da supressão de liberdades imposta durante a ditadura militar, fez surgir novos valores, favoráveis à redução das desigualdades sociais, aos direitos fundamentais, à democracia e a todos os valores ligados à dignidade da pessoa humana. Existe um grande descompasso do texto da Constituição e o viver da sociedade Brasileira. Vemos que muita das vezes a sociedade não esta tendo seus direitos resguardados, como se é dito no texto constitucional, pois vemos que muitas pessoas não conseguem ter acesso a uma saúde digna, ficando exposta a situações de indignidade ao ser humano, exemplo mais corriqueiro que se tem visto no serviço publico de saúde, são milhares de pessoas que tem que ficar em corredores de hospitais esperando por atendimento, e muitas das vezes vindo ao óbito pela falta de uma boa estrutura na unidade hospitalar. 10 3. TRATAMENTO DE ALTO CUSTO. A Justiça tem concedido liminar em média em 87% dos casos. Estudo realizado pela Interfarma mostrou que a causa da crescente judicialização da saúde são os cortes nos orçamentos da saúde pública e o demorado processo de incorporar novas drogas ao rol de medicamentos do SUS. O Supremo Tribunal Federal está analisando dois casos em que um processo foi instaurado para o fornecimento de medicamentos de alto custo, que ainda não tem registro no Brasil e que não estão disponíveis no SUS. Os casos reavivam o debate sobre o direito ao acesso à saúde e de que forma esse direito deve ser garantido, considerando o impacto que podem trazer aos orçamentos dos governos estaduais e governo federal. O julgamento foi iniciado em setembro, mas foi suspenso no final do mês, para melhor análise do processo. A decisão final criará jurisprudência, que servirá de referência para outros casos no Brasil. Está em jogo o conceito de Direito à saúde, que é considerado direito fundamental pela Constituição de 1988, em seu Art. 196. A lei determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido pelas políticas sociais e econômicas que tenham como objetivo a redução do risco de doença, e acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Quando a garantia ao tratamento não é respeitada, existe a busca pelo acesso a tratamento através de medicamento através de ações judiciais, que obrigam o Estado a fornecer os remédios necessários. O debate envolve a obrigação do Estado em fornecer remédios de alto custo e que não fazem parte dos disponíveis no SUS, a pacientes que não têm condições de comprá-los e o fornecimento de remédios que não têm registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Os dois casos que estão sendo analisados pelo STF e que vão balizar as decisões para essa questão se referem a uma paciente com mio cardiopatia e hipertensão arterial pulmonar, que entrou com ação contra o governo do Rio Grande do Norte para obter medicamento de alto custo, que recorreu ao STJ. O outro caso é de uma paciente com doença renal crônica e outras complicações, que busca um 11 remédio sem registro na ANVISA. A paciente é de Minas Gerais e com as negativas do estado, recorreu ao STF em 2009. O ministro relator, Marco Aurélio Mello, entendeu em seu parecer que o Estado brasileiro deve fornecer remédios de alto custo, desde que tais medicamentos tenham registro na ANVISA. Aguarda-se agora o voto dos demais dez ministros. 4. DEFENSORES DO ORÇAMENTO DO ESTADO X DEFENSORES DO DIREITO DO PACIENTE. Para os representantes do poder executivo, os governos não têm condições orçamentárias para fornecer medicamentos que não fazem parte do rol do SUS. Se não há recursos por parte do estado para fornecer esses medicamentos, a solução seria o aumento de impostos. Torna-se claro que a questão é puramente de ordem financeira. São usados como argumentos os estudos que demonstram que 70% de todos os recursos previstos para compra de medicamentos estão sendo utilizado em casos específicos, para remédios de alto custo, que são exigidos através de ações judiciais. Apenas os 30% restantes são destinados ao atendimento das comunidades. Segundo o ministro da Saúde, Ricardo Barros, a demanda para atender as ações judiciais cresceram 797% de 2010 a 2015. A Advocacia Geral da União, AGU, defende o governo e só deve fornecer os medicamentos que estiverem disponíveis no SUS. A defensoria pública geral da União, entretanto, afirma que os processos judiciais não devem ser vistos apenas do ponto de vista financeiro, mas acolher a perspectiva dos doentes que precisam. As demandas judiciais serviram para que alguns tratamentos fossem incorporados ao SUS, fazendo com que seus preços fossem reduzidos. Segundo esse ponto de vista, a exigência pela obtenção dos medicamentos de alto custo contribui para melhorar a política de saúde para todos. Por esse motivo a questão não deve ser examinada como um problema para o Estado, mas como contribuição para o aprimoramento das políticas públicas de saúde. O fato do 12 medicamento não ter sido ainda registrado na ANVISA não deve impedir que os casos fossem atendidos pelo Judiciário. É o caso dos pacientes com fibrose cística, uma doença rara, que precisa de medicamentos importados. São drogas não registradas pela ANVISA, mas que precisam ser compradas pelo Estado e fornecidas aos pacientes, segundo declarou o presidente da Abram (Associação Brasileira de Mucoviscidose), que representa esses pacientes. Em um outro processo que está no Supremo Tribunal Federal e que já se arrasta há sete anos, Alcirene de Oliveira, de 37 anos, exige um medicamento para uma doença renal crônica, com enfraquecimento dos ossos, o Distúrbio Mineral Ósseo, que avança até provocar a morte. Ela precisa do "Cinacalcete", remédio fabricado no Canadá. Durante um ano, entre 2008 e 2009, ele conseguiu o remédio com ordem judicial, mas depois disso o estado de Minas Gerais suspendeu o fornecimento do medicamento. O tratamento custa R$2,3 mil por mês e Alcirene não tem condições de comprar as três caixas que precisa. Existem 23 mil ações semelhantes que estão nos tribunais do país e que serão influenciadas pela decisão do STF. 13 5. RESERVA DO POSSIVEL X MINIMO EXISTENCIAL Em linhas gerais, o principio da reserva do possível, originou-se em um julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional Alemão no processo judicial proposta por estudantes que não haviam sido admitidos nas escolas de Medicina de Hamburgo e Munique, em face da limitação do número de vagas em cursos superiores adotada pelo país em 1960, com fundamento no artigo 12 da Lei Fundamental alemã, que garantia a livre escolha de trabalho, ofício ou profissão. A reserva do possível entendida no Brasil é a limitação orçamentária do Estado ao promover plenamente a efetivação de um direito fundamental social, garantidos constitucionalmente. Desta forma, deve-se fazer uma análise entre as possibilidades do ente público e a urgência da pretensão pleiteada, sob pena de, se manejada a situação de forma incorreta, causar grave lesão à economia pública ou ferir direitos garantidos constitucionalmente que consagram a dignidade da pessoa humana. Tal princípio só poderáser invocado pelo Estado quando restar objetivamente comprovada a inexistência de recursos financeiros para a realização de determinado fim. É visto na realidade do Brasil a aplicação de forma errada das verbas pelo Estado, em conjunto com a criação de políticas públicas insuficientes para toda a população brasileira. Além do espaço que a corrupção tomou em nosso país colocando em comprometimento a manutenção da qualidade de vida da população. Estes desvios de interesses, bem como a ausência de recursos financeiros, no entanto, não podem ter o condão de comprometer o mínimo necessário para a existência digna da pessoa humana. Contudo, não é possível deixar a mercê do Estado a decisão de implantar ou não ao menos uma parcela mínima de cada direito fundamental social necessária para garantir a vida digna de cada indivíduo, sob pena de atentar diretamente contra os direitos e garantias constitucionais. Esta parcela mínima dos direitos fundamentais é chamada Mínimo Existencial, que, no entendimento de Rocha (2005, p. 445) foi criado “[...] para dar efetividade ao princípio da possibilidade digna, ou da dignidade da pessoa humana possível, a ser garantido pela sociedade e pelo Estado”. Conceitua a dignidade da pessoa humana Sarlet (2001, p. 60): 14 “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” Portanto, os direitos fundamentais sociais ao serem retidos só são justificáveis quando não há violação o mínimo existencial, independente de limitação orçamentária por parte do Estado. Vale destacar que o objetivo maior do Estado é sempre concretizar integralmente os direitos fundamentais sociais, pois estes são indispensáveis para a vida humana digna. Não sendo possível, em razão de ausência de recursos, invocando-se neste caso a Reserva do Possível, pelo menos o Mínimo Existencial de cada um desses direitos dever ser garantido, porque possui prioridade nas destinações orçamentárias. Após uma breve análise, percebe-se que o simples fato de um medicamento e/ou tratamento de alto custo ou não estar incluído no protocolo do SUS não é justificativa para a sua não concessão. Visto que está previsto no art. 6º da CF o direito a saúde como um direito social, complementando com o art. 196 dizendo ser dever do estado e direito pertencente a todos, no tocante aos recursos que devem ser destinados para a viabilização do direito à saúde no país, a Emenda Constitucional n° 29, de 13 de setembro de 2000, “acrescentando o § 2° ao art. 198, estabeleceu a obrigatoriedade da aplicação, anualmente, de recursos mínimos pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em ações e serviços públicos de saúde. No que se refere a integração da pessoa portadora de deficiência, de acordo com o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, possibilitando a reabilitação a concessão de órteses, próteses, bolsas coletoras e materiais auxiliares. Nesse entendimento, Paranhos (2007) leciona que: Extrai-se do art. 1°, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Logo, não há como recusar que um dos requisitos para a existência dessa dignidade 15 de que trata a Constituição Federal, é a saúde pública (PARANHOS, 2007, p. 155). 16 6. PROTESTOS E PASSEATAS PELOS MEDICAMENTOS Vem acontecendo vários protestos em estados do Brasil, numa mobilização com o tema "Minha vida não tem preço". O objetivo é sensibilizar os ministros do Supremo Tribunal Federal para a causa dos pacientes. No final de setembro, houve manifestação na Avenida Paulista, com famílias e portadores de síndromes raras. Também no Rio de Janeiro, houve protesto em frente à Igreja da Candelária, onde, com chuva, os pacientes reivindicaram a saúde como um dever do estado. Em Porto Alegre, a manifestação aconteceu no centro histórico, como familiares e pacientes defendendo o direito a tratamento. Os protestos pediram apoio da população para que o SUS forneça os medicamentos de alto custo para aqueles que deles dependem para sobreviver. Na véspera da votação do dia 28 de setembro, que foi posteriormente suspensa, pacientes e familiares fizeram vigília em frente ao edifício do STF. Em Recife, famílias de crianças com microcefalia e outras doenças raras, se organizaram em grupo, porque os remédios que precisam são caros e não estão nas farmácias públicas. Há casos, por exemplo, de pacientes que sofrem de convulsão, cujo tratamento é indispensável e de alto custo. 17 7. O DIREITO CONSTITUCIONAL DA SAÚDE E O DEVER DO ESTADO DE FORNECER MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal começou a definir as regras básicas e os parâmetros a serem adotados para a concessão de medicamentos ou tratamentos de saúde não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nem integrantes do protocolo de alto custo. A questão da “judicialização” da saúde já dura anos e ainda persistirá, em razão da contínua e reiterada omissão do Estado em, efetivamente, garantir a saúde digna dos cidadãos. Neste contexto, pertinente uma reflexão acerca deste dever do Estado, face à Magna Carta de 1988. a. O direito à saúde esculpida na constituição federal. As faces do direito à saúde O direito à saúde se insere na órbita dos direitos sociais constitucionalmente garantidos. Trata-se de um direito público subjetivo, uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas. In verbis: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Tal preceito é complementado pela lei 8.080/90, em seu artigo 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. Para uma perfeita análise da questão, imperiosa a própria definição de saúde. Nos dizeres de Henrique Hoffmann Monteiro Castro, a saúde (2005): “Corresponde a um conjunto de preceitos higiênicos referentes aos cuidados em relação às funções orgânicas e à prevenção das doenças. "Em outras palavras, saúde significa estado normal e funcionamento correto de todos os órgãos do corpo humano", sendo os medicamentos os responsáveis pelo restabelecimento das funções de um organismo eventualmente debilitado”. 18 O autor mencionado (2005), ainda complementa que a tutela do direito à saúde apresentaria duas faces – uma de preservação e outra de proteção. Enquanto a preservação da saúde se relacionaria às políticas de redução de risco de uma determinada doença, numa órbita genérica, a proteção à saúde se caracterizaria como um direito individual, de tratamento e recuperação de uma determinada pessoa. Ademais, também é interessante a definição proposta por HewerstonHumenhuk (2002): “A saúde também é uma construção através de procedimentos. (...) A definição de saúde está vinculada diretamente a sua promoção e qualidade de vida. (...) O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando a construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios”. A Lei Fundamental não faz qualquer distinção no que tange ao direito à saúde, englobando expressamente o acesso universal a ações de promoção, proteção e recuperação de saúde, nos âmbitos individual e genérico. Seguem-se as linhas traçadas pela Organização Mundial de Saúde, segundo a qual, a saúde se caracteriza como o completo bem estar físico da sociedade e não apenas como a ausência de doenças. A questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pelo Estado se inclui, obviamente, na faceta de proteção à saúde. b. O dever do Estado de garantir o direito à saúde Uma vez que a saúde se tipifica como um bem jurídico indissociável do direito à vida, é certo que o Estado tem o dever de tutelá-la. Consoante André da Silva Ordacgy (2007): “A Saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um 19 dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais”. A Constituição Federal, em seu supracitado artigo 196, contém uma norma de natureza programática, demandando complementação legislativa ordinária. Assim, como pondera Henrique Hoffmann Monteiro Castro, (2005) “o Estado assume a responsabilidade na criação dos serviços necessários à saúde e o faz por via de normas infraconstitucionais”. Neste contexto, houve a edição da lei 8.080/90, regulamentando o Sistema Único de Saúde, bem como estabelecendo princípios e diretrizes para a saúde em nosso país. Mediante a criação do SUS, foram definidos os papéis das esferas governamentais na busca da saúde, considerando-se o município como o responsável imediato pelo atendimento das necessidades básicas. Explicita Henrique Hoffmann Monteiro Castro (2005): “Nesse âmbito, estabeleceu-se uma divisão de tarefas no que tange ao fornecimento de medicamentos, de maneira que o sistema básico de saúde fica a cargo dos Municípios (medicamentos básicos), o fornecimento de medicamentos classificados como extraordinários compete à União e os medicamentos ditos excepcionais são fornecidos pelos Estados. Percebe-se, claramente, a composição de um sistema único, que segue uma diretriz clara de descentralização, com direção única em cada esfera de governo”. Na realidade, para os cidadãos, deve ser indiferente como o Estado se organiza para promover o direito à saúde. O importante é que efetivamente o assegure. Subsiste o direito das pessoas de exigir que o Estado intervenha ativamente para garanti-lo. Não é passível de omissão. O Poder Público, qualquer seja a esfera institucional no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. 20 A interpretação da norma constitucional não pode se dar no sentido de uma simples promessa inconsequente. O SUS não deve atuar como uma rede sem sentido, sem compromisso social. Do dever do Estado de fornecer medicamentos e tratamentos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde. A “judicialização” da saúde A precariedade do sistema público de saúde, aliada ao insuficiente fornecimento de remédios gratuitos ocasionou no nascimento do fenômeno da “judicialização da saúde”. Nas palavras de André da Silva Ordacgy (2007): “A notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro, bem como o insuficiente fornecimento gratuito de medicamentos, muitos dos quais demasiadamente caros até paras as classes de maior poder aquisitivo, têm feito a população civil socorrer-se, com êxito, das tutelas de saúde para a efetivação do seu tratamento médico, através de provimentos judiciais liminares, fenômeno esse que veio a ser denominado de “judicialização” da Saúde”. O caráter programático da regra expressa na Lei Fundamental tem sido complementado pelas decisões do Judiciário, evitando que o Poder Público fraude as justas expectativas nele depositadas pela coletividade. Ora, em sendo o direito à saúde indissociável do direito à vida, torna-se inconcebível a recusa no fornecimento gratuito de remédios e/ou tratamentos a paciente em estado grave e sem condições financeiras de custear as respectivas despesas. Complementa André da Silva Ordacgy (2007), que é “inquestionável que esse direito à saúde deve ser entendido em sentido amplo, não se restringindo apenas aos casos de risco à vida ou de grave lesão à higidez física ou mental, mas deve abranger também a hipótese de se assegurar um mínimo de dignidade e bem-estar ao paciente”. As recentes decisões judiciais determinando o fornecimento de remédios e/ou tratamentos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, inclusive a título de tutela antecipada e mediante a cominação de multa diária, tem representado um gesto solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada 21 tem, exceto a própria vida e dignidade. O Estado começou a ser obrigado a fornecer gratuitamente remédios de alto custo que não constam da lista do SUS àqueles que os reclamarem. A busca de parâmetros para o fornecimento de medicamentos e/ou tratamentos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde O fenômeno da judicialização da saúde, que se intensificou nos últimos anos, ocasionando a expedição mensal de milhares mandados em todo o país, tornou-se preocupante para o Estado. De acordo com Miriam Ventura (2007), em reportagem publicada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, a judicialização envolveria a eterna dicotomia entre o individual e o coletivo, sendo que, ao mesmo tempo em que o Judiciário evitaria violações de direito por parte do Estado, favoreceria o individualismo e a noção de que o Sistema Único de Saúde não funciona. André da Silva Ordacgy (2007) pondera que “os entes públicos muito têm criticado a “judicialização” da Saúde, principalmente sob a alegação de que essa intromissão “indevida” do Judiciário irá acarretar, num futuro próximo, na inoperância total do sistema público de saúde, haja vista os representativos gastos financeiros disponibilizados para a cobertura das decisões judiciais, que consomem uma boa parte do orçamento da Saúde”. E, no mesmo sentido, Morton Scheinberg (2009) assevera que, embora os entes públicos afirmem que o orçamento estaria prejudicado com as liminares concedidas, não se atentam que o imbróglio é causado justamente em razão da excessiva lentidão na incorporação de avanços médicos pelo sistema básico. A celeuma ganhou grandes proporções e a questão foi, recentemente, enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal. O Pretório Excelso reconheceu a obrigação do Estado em promover a saúde, mas, concomitantemente, aduziu também a impossibilidade do Estado de custear tratamentos e medicamentos ainda em fase experimental pelos laboratórios ou em casos em que não se reste comprovada a inviabilidade da utilização de medicamentos do SUS. Segundo reportagem de Luiza de Carvalho, quando da negativa dos pedidos liminares, o ministroGilmar Mendes considerou se tratarem de casos que envolvem 22 os únicos medicamentos eficientes para as moléstias apresentadas e que não são oferecidos pelo SUS, apesar de terem registro na ANVISA. Para ele, o alto custo do medicamento não seria motivo para a recusa no fornecimento e, ademais, os protocolos clínicos do SUS não seriam inquestionáveis, admitindo a contestação pela via judicial. Por outro lado, visando limitar o fenômeno da judicialização, o ministro Gilmar Mendes ponderou que o Estado não seria obrigado a custear todos os tratamentos e remédios em havendo equivalentes no sistema de saúde brasileiro. A seu turno, o ministro Ricardo Lewandowski apregoou que o Judiciário deve conter as situações de fornecimento de medicamentos não autorizados pela ANVISA e de tratamentos em fase experimental no país ou exterior. Noutras palavras, privilegiou-se o direito à saúde, sopesando-se o direito individual com o direito coletivo. 23 8. CARACTERÍSTICAS DAS DECISÕES JUDICIAIS Os pacientes com câncer podem encontrar certo conforto na legislação brasileira. O leque de direitos de pessoas portadoras de tal doença procura garantir assistência integral tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como pelos planos de assistência médica. Desse modo, a lei assegura que o paciente tenha acesso a todos os mecanismos - procedimentos, medicamentos e equipamentos - necessários à manutenção de sua vida e de sua saúde, não somente de forma curativa, mas preventiva também. Além da assistência integral existem outros direitos não atrelados diretamente à saúde, tais como: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, amparo assistencial, levantamento do FGTS, do PIS e do PASEP, isenção de imposto de renda na aposentadoria, isenção de ICMS, IPI, IPVA na compra de veículos adaptados, cirurgia de reconstituição mamária, quitação de financiamento imobiliário, processo judicial prioritário, transporte, hospedagem e alimentação durante tratamento fora do domicílio. A Lei 10.173, de 9/1/2001, acrescentou artigo ao Código de Processo Civil para determinar a prioridade na tramitação de procedimentos judiciais em que seja parte pessoa com 65 anos ou mais. Esta mesma lei é hoje usada com sucesso, como parâmetro para que o paciente de câncer possa requerer também a prioridade no andamento de seus processos. Para a obtenção do benefício, deve o paciente, por meio de seu advogado, em qualquer fase do processo, requerer isonomia ao juiz da causa, baseando-se na fragilidade do estado de saúde e na menor expectativa de vida. Como acontece na maioria das questões normativas, o que está escrito pode gerar diferentes interpretações e, por isso, pacientes com câncer submetidos a tratamento com quimioterapia oral esbarram, com frequência, na negativa ao fornecimento do medicamento solicitado. Que o cidadão tem direito à saúde e o Estado um dever de prestá-la é inegável. Mas o reconhecimento deste fato como premissa válida não significa sua materialização efetiva. 24 As implantações das políticas sociais que concretizam os direitos desta natureza carecem de recursos que, na realidade, são escassos. Diante das necessidades crescentes e dos escassos recursos, surge o problema da escolha de quais casos serão atendidos. Quem vai a juízo com uma pretensão, exercendo direito de ação, não busca meramente uma decisão judicial, mas sim um efeito fático-jurídico concreto. A pretensão relativa a um medicamento ou tratamento não terá seu direito atendido com uma mera declaração judicial acerca de sua existência. Busca-se uma tutela condenatória ou mandamental, isto é, uma tutela marcada pelo sancionamento. O problema maior reside em fazer incidir o sancionamento sobre o Estado. A primeira questão surge no definir a espécie de obrigação, se de dar ou de fazer, pois os meios de coerção já são determinados a partir dessa especificação. A fixação de multa diária, por exemplo, é própria das obrigações de fazer e não de dar coisa certa ou incerta. A obrigação de fornecer um medicamento é, em linha de princípio, de dar coisa certa, mas envolve também a obrigação de disponibilização, que em última análise é de fazer algo. Considerá-la obrigação de dar reduz os meios de coerção e conduz à ineficácia prática da tutela jurisdicional. Qualquer dos meios de coerção apresenta problemas sérios frente ao Estado. A pena pelo crime de desobediência, mais própria da tutela mandamental, encontra grave óbice na consideração de que a falta de recursos não pode ser diretamente imputada ao administrador e a escolha de atendimento de um caso em detrimento de outro se encontra em um nebuloso campo próximo ao mérito administrativo. A multa diária é um mecanismo normalmente eficaz, mas no caso da Fazenda Pública, onera os contribuintes, agravando a carência do Estado, e se fixada em patamar elevado, gera o paradoxo de ser mais vantajoso para o beneficiário o descumprimento da decisão do que a seu pronto acatamento, já que a multa pode lhe fornecer recursos que lhe permitam suprir suas necessidades e ainda restar saldo, gerando verdadeiro enriquecimento ilícito. Logo, uma das soluções é o bloqueio de valores do erário a fim de custear tratamento médico ou fornecimento de medicamento, com estrita fiscalização da destinação dos recursos, que podem ser disponibilizados ao próprio beneficiário, 25 seja ela a parte processual ou não, cumprindo-lhe comprovar os gastos nos autos. A medida evita o excesso e permite presteza. Nas demandas judiciais que visam compelir o Estado a fornecer determinado medicamento encontram-se questões muito amplas no que diz respeito até onde é lícito ao Poder Judiciário interferir em ações do Poder Executivo. O princípio da separação de poderes é outro argumento a que alguns se apegam ao se colocarem opostos ao fornecimento estatal de medicamentos. No entanto, entende-se que o Judiciário tem efetivamente poderes para deferir uma ação ordinária ou, até mesmo, um mandado de segurança, mediante omissão de políticas públicas, a fim de garantir remédios de caráter essencial integrantes da noção de mínimo existencial. "A jurisprudência tem admitido a intervenção jurisdicional a fim de determinar o fornecimento de tratamento médico ou medicação em casos individualizados, não obstante as limitações financeiras e orçamentárias". As limitações orçamentárias são repelidas como justificativa para o indeferimento dos pleitos relativos à saúde pública ao argumento de que prover receitas também representa uma obrigação do Estado. Qualquer cidadão pode mover demanda judicial buscando tutela condenatória ou mandamental a fim de obter prestação positiva do Estado relativa ao direito à saúde. Assim, o Judiciário tem filtrado possíveis excessos e concedido apenas os remédios indispensáveis à preservação da vida e à manutenção da qualidade de vida do doente. O Poder Judiciário pode ser demandado a compelir qualquer dos entes públicos, União, Estados ou Municípios a prestações positivas na área de saúde, desde que fundamente suas decisões. O acolhimento de tais pretensões levadas a juízo, na maioria das vezes, baseia-se no argumento de que se trata de um direito fundamental, não podendo um mero conjunto de leis e atos normativos da Administração Pública ou percalços processuais se erigir como obstáculo a efetivação de uma norma constitucional. Sustenta-se, geralmente, que existe uma responsabilidade solidária entre Municípios, Estados e União. 26 Um dos principais problemas das ações judiciais é que não se observam os regimes de pactuação daassistência farmacêutica, o que pode resultar na responsabilização indevida de um ente federado, que terá de arcar com as despesas provenientes de liminar judicial até que o caso seja sentenciado. O bom senso recomenda que seja observada, como orientação não vinculativa, a distribuição de atribuições, pois medicamentos ou tratamentos de alta complexidade ou custo pleiteados em vista de um pequeno município poderiam consumir significativa parcela do orçamento da saúde. Melhor será acionar o Estado Federado ou a União neste caso. Havendo solidariedade, surge a questão da possibilidade de o ente acionado judicialmente promover a intervenção forçada de outra esfera. Ao invocar as regras administrativas de atribuição de competências para afirmar que não está obrigado à prestação postulada, o ente administrativo busca a nomeação à autoria de outro ente, colocando como alternativa a denunciação à lide para dividir a responsabilidade, se reconhecida a solidariedade. Cada demanda nova que poderia ter sido evitada representa um entrave à rápida solução dos conflitos que efetivamente têm no Poder Judiciária sua única solução. Além disso, cada nova demanda que poderia ser evitada através de um pedido administrativo representa mais honorários a serem pagos pelo Estado, inclusive com defensores nomeados, e tempo com defensores de carreira a quem incumbe ordinariamente propor estas ações. Contudo, critérios devem ser utilizados a fim de garantir, como disposto na Constituição, acesso universal e igualitário. Os tratamentos custeados pelo Poder Público devem ser realizados em estabelecimentos nacionais, de preferência ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, os medicamentos devem ser os genéricos, mais baratos e de eficácia comprovada. Outro fator importante é priorizar as medidas que visem a prevenção e que sejam indispensáveis para a vida do indivíduo. Para a imposição de determinada prestação ao Estado, deve-se verificar efetivamente se o beneficiário realmente é carente de recursos. Apesar do direito à saúde garantida a todos ser dever do Estado, também deve ser suportado pelo 27 particular, sua família ou pela comunidade, a fim de evitar gastos de recursos, comprovadamente escassos, que objetivam reduzir as desigualdades sociais. Negar o fornecimento de medicamento sob o argumento de inexistir capacidade econômica para ressarcimento ao erário em caso de improcedência do pedido, configura latente ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. O perigo da irreversibilidade corre contra o paciente e não contra o Estado, pois uma vez ofendida a sua vida ou a sua saúde é que estará configurado o fato realmente irreversível. A necessidade de estabelecer um padrão de rotina das decisões judiciais é também de extrema importância para que os administradores públicos tenham previsão das prestações que podem, ou não, ser concedidas pelo Poder Público. A fim de oferecer uma forma científica de se garantir o direito à saúde, visando o acesso universal e igualitário, defendem-se os chamados Protocolos Clínicas e Diretrizes Terapêuticas. Esses protocolos objetivam estabelecer claramente os critérios de diagnósticos de cada doença, o tratamento preconizado com os medicamentos disponíveis, as doses corretas, os mecanismos de controle, o acompanhamento e a verificação de resultados, e a racionalização da prescrição e do fornecimento dos medicamentos. Os protocolos, as listas de medicamentos que são fornecidos gratuitamente e os procedimentos que são cobertos pelo SUS, portanto, são instrumentos para a aplicação racional do direito à saúde. Estes devem ser utilizados objetivando garantir o direito à saúde para todos, com tratamentos e medicamentos específicos já certamente previstos, disponíveis e dentro do orçamento elaborado pelo Poder Executivo. Todavia, em se tratando de medicamentos e tratamentos fora da lista oficial do Ministério da Saúde, deve-se postular ação oponível ao Estado deixando o Poder Judiciário decidir, seja para determinar o fornecimento, seja para eximir de tal obrigação, considerando a reserva do possível e a garantia do mínimo existencial. 28 9. ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS A questão da existência de um direito à saúde, com correlata obrigação do Estado, encontra-se mais ou menos pacificada nos tribunais de todo o país. Os autores das ações judiciais afirmam ser portadores de uma doença, no caso o câncer, que coloca em risco a sua vida e a sua saúde. Alegam não possuírem condições financeiras para adquirir o medicamento e que a assistência farmacêutica integral é direito fundamentais garantidas pela Constituição. Argumentam ainda que as leis que subsidiam o direito à saúde e à assistência farmacêutica compreendem o fornecimento do medicamento por ele necessitado, que estes direitos não dependem de regulamentação infraconstitucional para serem exercidos e não podem ser condicionados por políticas públicas de saúde ou por questões orçamentárias. Do outro lado, os réus (União, Estados e Municípios) defendem que o direito à saúde deve ser interpretado em consonância com os demais preceitos constitucionais, de forma a atender os interesses de toda a coletividade e que atender a pretensão do autor é sobrepor o individual ao coletivo e, que o Poder Judiciário não pode ser transformado em um co-gestor dos recursos destinados à saúde pública, por afrontar o princípio da separação dos poderes. Argumentam que o pedido do autor não se enquadra na padronização da Política de Assistência Farmacêutica, que o medicamento pleiteado não possui registro na ANVISA e, que principalmente, o Estado possui limitações legais e orçamentárias que obstam a garantia da pretensão do autor. Em suas decisões os juízes fundamentam que a atuação do Poder Judiciário não interfere no princípio da separação dos poderes, mas apenas resguarda um direito constitucional. Afirmam, principalmente, que o direito à saúde deve ser garantido integralmente, a despeito de questões políticas, orçamentárias ou entraves burocráticos. As decisões têm como base a afirmação do direito à saúde e à assistência farmacêutica como direitos integrais e universais dos cidadãos brasileiros contida na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Saúde. O indeferimento de um pedido para fornecimento de um medicamento, quando requisitado junto à esfera de poder inadequada, não significa negar o direito à 29 proteção da saúde, mas resguardar o interesse do paciente, com procedimentos de fiscalização necessários, dentro dos limites para o funcionamento do Sistema Único de Saúde. Não é prudente compelir o ente político estadual a realizar vultosos gastos, em detrimento daqueles que legalmente lhe competem, para atendimento de pleito que extrapola sua seara de atuação no SUS. A ameaça de realização de gastos exorbitantes, em decorrência do desrespeito aos diplomas normativos consolidados sobre o tema de acesso à saúde, é um risco que pode ser minimizado pela observância das normas do Sistema Único de Saúde, emanadas de leis e atos normativos pertinentes. Somente assim, mantém-se um sistema regido pelo interesse público e balizado, por um lado, pelas exigências da universalidade e da equidade e, por outro, pela própria limitação de recursos, que deve ser programaticamente respeitada. O fornecimento de medicamentos pelo Estado é determinado de forma iterativa pelos tribunais de todo o país. Seguem algumas decisões proferidas por diversos tribunais. EMENTA: AGRAVO – AÇÃO ORDINÁRIA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO AO PORTADOR DE NEOPLOASIAMALIGNA PRIMÁRIA – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – DIREITO Á SAÚDE – POSSIBILIDADE. 1. Necessário é o fornecimento de medicamento, pelo Estado de Minas Gerais, ao portador de câncer de cérebro, tendo em vista o caráter relevante do direito constitucional protegido (art. 196 da CF). 2. Recurso parcialmente provido. (Agravo nº 1.0024.06.215408-3/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Belo Horizonte, Relatora: Nilson Reis, julgado em 03/04/2007). Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Minas Gerais em face da decisão proferida nos autos da Ação 30 Ordinária de Fornecimento de Medicamento com Pedido de Antecipação de Tutela, que concedeu a tutela pretendida e determinou que o Estado disponibilizasse imediatamente o medicamento relacionado ao autor, na dosagem constante no receituário médico, sob pena de multa diária de R$500,00 (quinhentos reais). No recurso, o Estado aduz que o autor não logrou comprovar a verossimilhança de suas alegações, uma vez que as provas que lastreiam a peça de ingresso não podem ser qualificadas como prova inequívoca do suposto direito pleiteado judicialmente. Acrescenta que a despeito de ter sido receitado o medicamento solicitado, a responsabilidade pelo seu fornecimento não é do Estado. O relator considerou que restava, de forma evidente, ser ilegal e injusta a recusa ou omissão no fornecimento do medicamento pretendido pelo autor e a ele receitado por profissional médico regularmente credenciado para o exercício da medicina, não podendo o autor ficar a mercê do desinteresse das autoridades e da insensibilidade dos homens públicos. No caso em tela, foram devidamente preenchidos os requisitos necessários para a concessão da tutela pretendida. Deu-se, então, parcial provimento ao recurso, apenas para decotar a multa diária arbitrada, confirmando, quanto ao mais, à decisão "a quo". Contudo, ressalvou-se ao Poder Público, a substituição do medicamento por genérico, caso sobrevenha aos autos prescrição médica oficial e da ANVISA. No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO ESTADO. IMPETRANTE PORTADORA DE "CÂNCER DE MAMA". MEDICAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO OFICIAL E DISPONÍVEL NA REDE PÚBLICA ESTADUAL. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDOS. (Apelação Cível nº 867.146.5/0-00, 2ª Camada de Direito Público do TJSP, São José do Rio Preto, Relator: Corrêa Vianna, julgado em 03/03/2009). 31 No caso em tela, a autoridade coatora informou estar disponível na rede pública de saúde a medicação pleiteada, pugnando pela desnecessidade de tutela jurisdicional. Logo, não se está diante, como em tantos outros casos, de um pedido de caríssimos medicamentos que sequer se encontram previstos nas listas oficiais do Sistema Único de Saúde. O que se pretende é simplesmente a entrega do remédio já previsto em programa estadual, existindo prova inequívoca nos autos de que a Administração havia negado requerimento administrativo de fornecimento do medicamento formulado pela impetrante. A Carta Magna diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado, cumprindo desenvolver políticas que visem ao bem-estar do indivíduo e à preservação e recuperação de sua saúde. Se o Estado, com verbas oriundas do Sistema Único de Saúde, comprometeu-se a dar amparo à saúde, com políticas que visem integral assistência à população, o fornecimento de medicamentos aos que não possuem condições de adquiri-los é providência de maior relevância. No entanto, o direito constitucional de obter tratamento médico tem como limite os recursos orçamentários do Poder Público. De fato tem o Estado a obrigação de fornecimento de medicamentos, embora restrita somente à verbas repassadas pelo Sistema Único de Saúde. E, para que forneçam os remédios, o interessado terá que exibir requisição firmada por médico da rede pública, que prescreverá os produtos e a dosagem adequada para o paciente, desde que aprovados pelo Ministério da Saúde e que estejam disponíveis no país. Diante de tal situação a solução a ser dada pelo Poder Judiciário não poderia ser outra que não a garantia do acesso da requerente, acometida por enfermidade gravíssima, à medicação já distribuída pelo Estado em seu programa oficial. Assim, negou-se provimento à apelação e ao reexame necessário, mantendo a concessão da segurança. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás também já proferiu decisão deferindo o fornecimento de medicamentos: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO DE DECISÃO QUE CONCEDE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. 32 PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA DECISÃO MANTIDA. 1.Para a concessão da medida liminar deve o juiz examinar a presença simultânea de dois pressupostos: se existe relevância jurídica no pedido do impetrante e se, em decorrência da demora no julgamento da causa, possa resultar a ineficácia da ordem judicial, caso só venha a ser concedida ao final. 2.No caso dos autos, foi a impetrante submetida a uma cirurgia para a extirpação de um tumor cancerígeno na mama, necessitando, no pós-operatório, de medicamento prescrito por profissional da medicina, sob pena de insucesso no tratamento. Extrai-se daí que, sendo a saúde um direito constitucional do cidadão, não se pode negar que, em casos como este, em que a urgência do tratamento PE fundamental para a obtenção de resultado satisfatório, agiu com acerto o julgador de primeiro grau ao deferir a medida. (Agravo de Instrumento nº 67.303-8/180, 2ª Câmara Cível do TJGO, Comarca de Rio Verde, Relator: Des. Zacarias Neves Coelho, julgado em 03/02/2009). Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pelo município de Rio Verde da decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança em que figura como autoridade coatora o Secretário da Saúde do Município de Rio Verde. Por meio da referida decisão, o juízo a quo, ao apreciar o pedido de concessão de liminar, deferiu-o, ordenando que a autoridade coatora fornecesse a medicação solicitada pela impetrante, de forma continuada e permanente, com a periodicidade prescrita por seus médicos. Nas razões recursais, o agravante sustenta que não está obrigado a fornecer medicamentos de alto custo à população carente, não disponível na rede municipal de saúde, os quais devem ser adquiridos e fornecidos pela União ou pelo Estado de Goiás. 33 A agravada, quando da impetração da segurança, ponderou que a obtenção do medicamento pretendido é um direito assegurado pela Constituição, acrescentando que o não-atendimento imediato dessa pretensão representaria danos irreparáveis a sua saúde, por já ter sido submetida a uma cirurgia para a retirada de um tumor cancerígeno (câncer de mama) sendo a urgente utilização do medicamento necessária para o sucesso do tratamento. Diante destes fatos, restou evidenciada a presença dos pressupostos justificadores da concessão da medida, não havendo razão para modificar a decisão de primeiro grau. Por unanimidade de votos, negou-se provimento ao recurso. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça também já decidiu nesse sentido: EMENTA:PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. CÂNCER. DIGNIDADE HUMANA. 1.A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.2.In casu, a impetrante demonstrou necessitar de medicamento para tratamento de câncer, nos termos do atestado médico (...) 3.Extrai-se do parecer ministerial litteris: ainda que não tenha havido recusa formal ao fornecimento de medicamentos pela autoridade impetrada, o cunho impositivo da norma insculpida no art. 196 da Carta Magna, aliado ao caráter de urgência e à efetiva distribuição da droga pela Secretaria de Saúde, determinam a obrigatoriedade do fornecimento, pelo Estado do Paraná, da medicação requerida. 34 4.As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico. 5.Recurso ordinário provido. (Recurso ordinário nº 20.335 - PR, 1ª Turma do STJ , Relator:Min. Luiz Fux, julgado em 07/05/2007). Cuida-se de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos autos do Mandado de Segurança impetrado contra o Secretário Estadual da Saúde, visando a obtençao de medicamentos quimioterápicos, para tratamento de câncer. A autoridade coatora informou que não houve qualquer pedido administrativo de entrega de medicamento por parte do impetrante ou de seu médico, nem tampouco qualquer negativa para o seu fornecimento por parte do impetrado. O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, negou a segurança, sob o fundamento de que é imprescindível a existência de ato ilegal ou abusivo da autoridade coatora para a concessão do mandamus, o que não foi verificado nos autos por ter a impetrante alegada que os órgãos públicos não teriam dado as informações denegatórias por escrito. Inconformada com o acórdão que indeferiu a petição inicial do Mandado de Segurança, a impetrante recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. O parecer ministerial demonstrou que, no mérito, o recurso merece provimento, mesmo que não tenha havido recusa formal ao fornecimento do medicamento pela autoridade impetrada, pois o cunho impositivo da norma constitucional determina a obrigatoriedade do fornecimento, pelo Estado do Paraná, da medicação requerida. A ausência do procedimento administrativo mencionado pela impetrada, supostamente necessário à dispensação do medicamento, não 35 obsta o fornecimento da droga prescrita, eis que o moroso trâmite burocrático não pode sobrepor-se ao direito à vida da recorrente. Neste diapasão o Superior Tribunal de Justiça decidiu pelo provimento do recurso para conceder a impetrante o fornecimento do medicamento requerido. O Egrégio Supremo Tribunal Federal também tem proferido decisões nesse sentido: EMENTAS: 1. RECURSO. EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DIREITO À SAÚDE. JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA. AUSÊNCIA DE RAZÕES NOVAS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. Nega-se provimento ao agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte. 2. RECURSO. AGRAVO. REGIMENTAL. JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA SOBRE A MATÉRIA. CARÁTER MERAMENTE ABUSIVO. LITIGÃNIA DE MÁ-FÉ. IMPOSIÇÃO DE MULTA. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, II e III, e 17, VII do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado. (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 534.908-0, 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, Min. Rel. Cézar Peluso, publicado em 22/02/2008). Trata-se de Agravo Regimental interposto contra decisão que condenou o Estado de Pernambuco a fornecer medicamento para tratamento de paciente que não pode suportar o seu custo. A recusa do Estado em fornecer o medicamento coloca em risco a saúde de paciente necessitado e representa desrespeito ao disposto na Constituição Federal. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição. 36 O direito á saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito á vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, em grave comportamento inconstitucional. O agravante requereu o provimento do recurso sob a alegação de que não se trata de negar tratamento ao paciente, mas sim de fazê-lo de maneira com que se garanta a universalidade do fornecimento de medicamentos, mediante a correta alocação de recursos. O ministro relator, em seu relatório afirmou que o referido agravo não traz razões novas para ditar eventual releitura da orientação assentada pela Corte, não sobrando, senão, caráter abusivo. Afirmou ainda, que a litigância de má-fé não é ofensiva apenas à parte adversa, mas também á dignidade do Tribunal e à alta função pública do processo. Nestes termos, negou-se provimento ao agravo, por unanimidade de votos, mantendo a decisão agravada por seus próprios fundamentos, e condenou a parte agravante a pagar à parte agravada multa de 5% (cinco por cento) do valor corrigido da causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso, ao depósito da respectiva quantia. Apesar de teoricamente não ser o Judiciário a esfera adequada para a solução de conflitos envolvendo a alocação de recursos na área da saúde, os dados mostram que os conflitos judiciais versando sobre o direito à saúde, especialmente sobre o fornecimento de medicamentos, cresceram nos últimos anos. No mês de abril do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal realizou uma audiência pública sobre os conflitos ocasionados pelas decisões judiciais para discutir a intervenção da justiça no sistema de saúde pública do Brasil, com o objetivo de buscar informações que pudessem subsidiar as várias ações que tramitam no Tribunal envolvendo, entre outras questões, o fornecimento de medicamentos, por ser uma das questões mais sensíveis que hoje afeta as decisões não só do Supremo, mas de todo o Judiciário brasileiro. 37 O Judiciário se manifesta quando há um déficit na prestação do serviço pelo Estado. Não se trata de substituir a administração pública pelo Judiciário, mas de atuar em situações específicas, quando há falta de vontade ou planejamento. Nesses casos, o Judiciário pode e deve intervir para corrigir defeitos na administração pública. Culpar o sistema de justiça por falhas de saúde é culpar o cidadão que recorre ao Judiciário para resolver seu problema. Não é possível justificar para um cidadão que a ação dele não será deferida porque a doença dele não está prevista no sistema de saúde ou no orçamento. Essa justificativa é muito cruel. O financiamento do Sistema Único de Saúde não é de responsabilidade exclusiva da União, mas também de Estados e Municípios, cujas parcelas de participação serão estabelecidas em leis complementares que ainda tramitam no Congresso Nacional. É claro que o Estado não pode ser negligente frente a indivíduos que correm risco de vida iminente. No entanto, como o direito à assistência farmacêutica depende de uma política pública para ser garantido, sob a perspectiva da justiça distributiva, é preciso que as necessidades individuais sejam contextualizadas dentro da política públicade medicamentos. Já que o Judiciário não pode deixar de julgar, nos termos do artigo 126 do Código de Processo Civil, deverá aparelhar-se para melhor decidir os conflitos desta natureza. A decisão jurídica do caso individual, portanto, posta a quem teve a oportunidade de acesso ao Judiciário, não pode desconsiderar a política pública destinada a garantir o mesmo direito de toda uma coletividade, sob pena de privilegiar os interesses de uma pequena parcela da população. Os argumentos apresentados nas ações que chegam ao Poder Judiciário são tecnicamente questionáveis e sem sustentação científica robusta. Isto porque muitos solicitam medicamentos sem comprovação de eficácia e eficiência, sem a adequada relação custo-benefício e sem o reconhecimento do Conselho Federal de Medicina. Ainda assim o Judiciário acaba por conceder o acesso obrigando o gestor a fornecê- lo mediante punições. 38 O sistema jurídico deve garantir a existência de uma política pública de medicamentos pautada pela universalidade e equidade, que vise à assistência segura e eficaz à saúde dos cidadãos. Também, deve garantir a prestação ininterrupta de um serviço público de assistência farmacêutica para todos que dele necessitarem. A descentralização das decisões no sistema de saúde não pode servir como argumento para deixar de atender o cidadão. Quando não houver políticas públicas de atendimento à população, há uma responsabilidade solidária dos entes federativos (União, Estados e Municípios) de garantir o fornecimento do serviço, sob o risco de frustrar o direito de muitos cidadãos que vivem em regiões pobres do país. É de suma importância para a manutenção do equilíbrio social que o direito reconheça as políticas públicas, devidamente formalizadas. É mister que o sistema jurídico garanta que os indivíduos tenham acesso ao serviço público de assistência farmacêutica ofertado pelo Estado e padronizado pela respectiva política pública. Ou, no caso da inexistência do serviço ou da política, que garanta a assistência farmacêutica e determine a prestação do serviço. Para que este direito seja garantido de forma adequada para toda a coletividade, é necessário que o sistema jurídico conheça os elementos da política pública de medicamentos. O ideal seria que as normas do Ministério da Saúde sobre a padronização de medicamentos estivessem consolidadas em um único documento para facilitar o trabalho dos magistrados e dos profissionais que lidam com o assunto. É necessária, também, uma conscientização dos profissionais de saúde prescritores dos medicamentos no que se refere à padronização dos itens pelo Ministério da Saúde e à promoção do uso racional de medicamentos. Estimaram-se em R$ 48 milhões os gastos do governo federal, no ano passado, em cumprimento das decisões judiciais na área de saúde pública em favor dos pacientes. Esta situação pode levar a um desequilíbrio no Sistema Único de Saúde e também a uma violação ao princípio da isonomia, previsto na Constituição, visto que o fornecimento de determinado medicamento não padronizado para um indivíduo pode representar a falta de outro para o restante da coletividade. 39 Além disso, a dispensação de medicamentos pelo Poder Judiciário sem observância da padronização oficial compromete outras diretrizes da Política Nacional de Medicamentos, traçadas pela Portaria nº 3.916/98, tais como a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos e a promoção de seu uso racional. Há, portanto, dois problemas distintos. De um lado o problema na efetivação do direito à saúde por parte do competente órgão do Executivo, no que se refere ao fornecimento de medicamento. Por outro lado, há o excesso de intervenção do poder Judiciário na política de saúde. O segundo problema ocorre porque o Judiciário, visando sanar as possíveis omissões dos demais poderes na efetivação do direito à saúde, passou a deferir todos os pedidos formulados nas ações judiciais. Isso significa que o Poder Judiciário está, de certa forma, sensibilizado com as questões sociais do país e procura dar efetividade aos direitos sociais previstos na Carta Magna. A intervenção do Judiciário é necessária, principalmente, para coibir abusos das autoridades públicas na saúde, devendo atuar no controle da legalidade, verificando se estão sendo aplicados os recursos financeiros de acordo com os percentuais mínimos constitucionais, se a execução dos serviços está fundada nos princípios do Sistema Único de Saúde e conforme as políticas traçadas pelo Executivo, se as unidades de saúde estão devidamente abastecidas e, se as listas de medicamentos estão sendo revisadas periodicamente. 40 10. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL O acesso universal e integral as ações de saúde foram promovidas pela União Estados, Distrito Federal e Municípios com a promulgação da constituição da republica federativa do Brasil de 1988. Deste modo a constituição da República Federativa do Brasil de 1988 firmou expressamente o compromisso do Estado em conceder a toda população um acesso pleno e igualitário á saúde. Ilustrando o dever do Estado de promover a garantia, convém transcrever excelente ponderação feita por Marcos Salles, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros, no primeiro dia da Audiência de Saúde Pública realizada pelo STF: a busca da cura é uma das situações da condição humana em que por infelicidade se procura e por felicidade se encontra. Mas a vida, por mais fé que se tenha em alguma dogmática religiosa, não pode, no Estado democrático de Direito, ser entregue à própria sorte (SALLES, 2009). Para fazer cumprir a imposição, a própria Constituição Federal elaborou diretrizes a serem cumpridas pelo poder público, estando estampadas nos incisos I a III do artigo 198 que assim previu: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade (BRASIL, 1988). Como bem expresso, o principio básico da saúde é a supervalorização das medidas preventivas, sem causar danos e prejuízos aos serviços assistenciais. Por tanto, o Estado institui entidades públicas, criando ferramenta de cooperação entre estas e o setor privado, visando a garantia da saúde mais igualitária e universal, observando as diferenças regionais e sociais existentes no país. 41 Conforme evidenciado alhures, a Constituição Federal vigente abordou a saúde de maneira singular, figurando o rol dos direitos sociais e fundamentais, além de diversos dispositivos constitucionais espalhados por todo seu texto legal, que, ainda que indiretamente, aludem à saúde. 42 11. LEI DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – LEI Nº 8.080/90 O Sistema Único de Saúde, foi instituído através da Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, regularizando o artigo 196 da Constituição Federal. O Estado deve prover as condições necessárias para que a saúde possa ter o seu exercício pleno haja vista, ser um direito fundamental. O Estado ainda deve garantir políticas sociais e econômicas que tenham por objetivo reduzir riscos de doenças e agravos, ademais devem os estabelecimentos de saúde, terem condições para a promoção, proteção e recuperação
Compartilhar