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12. Violência contra a pessoa idosa: algumas reflexões Sara Nigri Goldman e Vicente de Paula Faleiros Impossível falar sobre violência contra a pessoa idosa sem considerar que seus alicerces se estabelecem no modo de produção capitalista sob o neoliberalismo. Assim, verificamos que, nas sociedades capitalistas, a marginalização do segmento idoso é mais evidenciada, pois o mercado de trabalho exige um contingente de trabalhadores qualificados em relação às novas tecnologias, saudáveis, jovens e dinâmicos. O documento “Dados sobre o Envelhecimento no Brasil”, elaborado pela Coordenação Geral dos Direitos do Idoso, da Secretaria Nacional de Pro- moção e Defesa dos Direitos Humanos, e obtido graças ao empenho do dr. Wilson José Alves Pedro, docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em gerontologia, aponta claramente o aumento das denúncias contra a violação dos direitos das pessoas idosas (BRASIL, 2013). Eis o que o documento revela. Dados gerais – Disque 100 de janeiro a novembro de 2012, o disque direitos Humanos – disque 100 realizou 234.839 atendimentos, sendo 10.131 (4,3%) orientações/ disseminação de informações; 155.336 (66,1%) denúncias; 68.651 (29,2%) repasses de informações à população sobre telefones e endereços de serviços de atendimento, proteção e responsabilização presentes nos estados e municípios; e 715 (0,3%) de outras manifestações, como elogios, sugestões e solicitações. em comparação ao mesmo período de 2011, todos os módulos apresentaram crescimento, sendo o módulo de idosos com 199% o 334 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa maior aumento proporcional ao período, seguido do lGbt com 197%, pessoa com deficiência 184%, outros com 125%, criança e adolescente com 59% e 26% no de população em situação de rua. Módulo temático Janeiro a novembro de 2011 Janeiro a novembro de 2012 % de aumento idoso 7.160 21.404 199% lGbt 2.537 7.527 197% pessoa com deficiência 997 2.830 184% outros 1.218 2.742 125% criança e adolescente 75.464 120.344 59% população em Situação de rua 388 489 26% total 87.764 155.336 77% Tipos de violação contra a pessoa idosa em relação aos idosos, o ddH registrou 68,7% de violações por negligência, 59,3% de violência psicológica, 40,1% de abuso financeiro/ econômico e violência patrimonial, sendo para essa população o maior índice dessa violação, e 34% de violência física. em 2012, a Secretaria de direitos Humanos reafirma seu compromisso de trabalhar assiduamente para que se reconheça a legislação dos direitos da pessoa idosa, estabelecendo mecanismos a fim de efetivar as normatizações nacionais e internacionais. para tanto, coordena a elaboração do plano nacional dos direitos da pessoa idosa, que, 335 Violência contra a pessoa idosa: algumas reflexões proposto como uma estratégia integral, materializa o esforço coletivo de implementação das políticas públicas desenvolvidas nos últimos anos. o plano nacional dos direitos da pessoa idosa tem como finalidade estabelecer objetivos nacionais, estratégias e prioridades que servirão de base para os programas setoriais e regionais, respondendo às demandas e necessidades de uma sociedade cada vez mais preocupada com o respeito e a promoção dos direitos fundamentais da pessoa idosa. o documento na íntegra pode ser visualizado no site: http://www.sdh.gov.br/ assuntos/pessoa-idosa/ dados-estatisticos/ dadossobre oenvelhecimento nobrasil.pdf/view Para refletir o que significa violência para você? Qual é o seu conceito de violência? Quais os determinantes da violência? como você descreveria as atitudes de violência contra pessoas idosas? O cenário atual tem redimensionado as formas de regulamentação estatal que se traduzem em um processo crescente de transferência de responsabilidades públicas para a família, comunidade e sociedade civil. Assim, mesmo o universo familiar é atingido diretamente pelo aumento do desemprego, precarização das relações de trabalho e principalmente pelo distanciamento do Estado na cobertura da proteção social. Em consequência, a família passou a ser considerada um núcleo privado fundante à proteção social de seus membros, inclusive dos idosos. O recuo do Estado na efetivação das políticas públicas associado ao contexto de mudanças no mundo do trabalho vem incorrendo na sobrecarga da família, o que propicia crescer a importância da renda da mulher, da criança, do adolescente e da pessoa idosa na manutenção da reprodução doméstica. Perpetua-se, assim, a trajetória da família como principal responsável pela função econômica, cultural, política e social dos seus membros. Portanto, a família está sobrecarregada por inúme- ras funções, o que pode acarretar impactos que conduzam à violência a familiares mais vulneráveis, os velhos, inclusive. A violência contra a pessoa idosa não é um elemento novo em nossa sociedade. Entretanto, ela cresce em proporções alarmantes. Por medo de ameaça, alguns preferem permanecer no silêncio e evitam a denúncia. Na maioria das vezes, os idosos, vítimas de violência, sentem-se inse- guros em denunciar, pois são dependentes de seus agressores, ou seja, possuem um vínculo familiar e/ou afetivo com o agressor, além de serem limitados fisicamente, temendo uma agressão por parte dele. 336 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Segundo Camarano (2004), apenas uma pequena fração das denún- cias é notificada aos órgãos responsáveis em virtude do próprio medo por parte das vítimas com relação à ameaça sofrida pelos agressores, constituindo-se assim, um pacto do silêncio. Apesar disso, as denúncias contra violência de idosos têm aumentado, embora ainda não reflitam o quadro real, como é usual em situações de violência de outros grupos. O Disque 100 nacional acolhe e encaminha as denúncias de violência, inclusive contra idosos. O registro de ocorrências sobre violência contra a pessoa idosa, de acordo com Faleiros (2007, p. 334), ainda é ínfimo, sem organicidade e com conceitos diferenciados do que se entende por maus-tratos, negli- gência, violência psicológica e violência física. Faleiros considera ainda que, na violência intrafamiliar, o pacto do silêncio é rompido, minimamente, em denúncias de ocorrências. Para o autor, cada vez mais os idosos estão assumindo a defesa de si mesmos ao denunciar as condições de vida que lhe são impostas. Na opinião de Faleiros (2007, p. 332), a violência contra pessoa idosa é uma violação não somente dos direitos consagrados no próprio Estatuto do Idoso, mas na legislação civil e penal. Minayo (2005, p. 5) também considera o termo “violência contra idosos” como o avesso dos direitos consagrados no estatuto. Essas violações podem ser tanto a integridade física como a integridade psicológica e ao respeito à pessoa idosa como cidadã e membro da sociedade. A violência contra a pessoa idosa ocorre de diversas maneiras e, por- tanto, dependendo do contexto cultural que esteja inserida, torna-se difícil sua identificação. Contudo, não podemos tratá-la como algo ine- rente e natural à condição humana, principalmente quando se refere à pessoa idosa, por conta de sua condição fragilizada e vulnerável. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como: “O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comuni- dade, que resulte ou tenha probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.” (FREI- TAS, 2002, p.14). A OMS determina violência ou maus-tratos contra o idoso como: “Um ato ou uma ação (única ou repetida) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa 337 Violência contra a pessoa idosa: algumasreflexões de confiança.” (INPEA, 1998; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2001 apud FREITAS; PY; GORZONI, 2006, p.791). De acordo com essa definição, por violência consideram-se os abusos físicos, psicológicos, sexuais, abandono, negligências, abusos finan- ceiros e autonegligências. É importante salientar que podem ocorrer, frequentemente e ao mesmo tempo, todos esses tipos de maus-tratos. Como afirma Minayo (2005, p. 5), ao interpretarmos o problema social da violência contra os idosos mais profundamente, verificamos duas fortes dimensões que se entrecruzam: a coletiva, ou seja, da própria sociedade que transmite uma visão negativa acerca do envelhecimento, entendidos como “seres improdutivos” e sem utilidade; e aquela resul- tante do conhecimento adquirido pelo convívio com os idosos, distin- guindo-se, a partir daí, suas características e necessidades. Tipos de violência contra idosos 1. Abuso físico, maus-tratos físicos ou violência física – uso da força física com o objetivo de obrigar os idosos a fazer o que não desejam, com a intenção de feri-los, provocando-lhes lesão, ferida, dor, incapacidade ou morte. Constituem-se nas maiores queixas dos idosos e ocorrem quase sempre no seio familiar, na rua, nas instituições que prestam serviços a eles, entre outros. Na maioria das vezes, o abuso físico traz como consequência lesões e traumas, resultando em internações hospitalares que, em alguns casos, levam à morte; em outros, são insidiosos e praticamente invisíveis. 2. Abuso psicológico, violência psicológica ou maus-tratos psicológicos – entendido como agressões verbais ou gestuais com a intenção de aterrorizar os idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade e isolá-los do convívio social. Pode ser classificado também, de acordo com Freitas (2002), como “a ação de infligir pena, dor ou angústia através de expressões verbais ou não- verbais.” (FREITAS, 2002, p. 791). Alguns exemplos verbais podem ser tomados por atos ou não ditos: “Você já não serve para nada”, “Você já deveria ter morrido mesmo!”, entre outros. Estudos realizados mostram que o sofrimento mental provocado por tais maus-tratos acelera ainda mais processos depressivos e autodestrutivos em idosos, e os que mais sofrem são os muito pobres e/ou dependentes financeira, emocional e fisicamente. 3. Abuso sexual, violência sexual – diz respeito ao ato ou jogo sexual, de caráter homo ou heterorrelacional, que utiliza pessoas idosas com o fim de obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas o livro da professora Minayo, Violência contra idosos (2005), aborda todos os tipos de violência e está disponível em http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/impacto_ violencia.pdf 338 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa por meio de aliciamento, violência física ou ameaças. Em resumo, trata-se de todo contato sexual não consentido. 4. Abandono – manifestado pela ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestar assistência à pessoa idosa que necessite de proteção. Alguns exemplos podem ser encontrados em nosso cotidiano como: o familiar colocar o idoso num quartinho nos fundos da casa privando-o do convívio familiar; deixá-lo em abrigo ou qualquer outra instituição de longa permanência para se livrar de sua presença; conceder a essas entidades o domínio sobre sua vida, sua vontade, saúde e direito de ir e vir; permitir que o idoso passe fome e outras necessidades básicas; privá-lo de cuidados, medicamentos e alimentos exigidos, antecipando sua imobilidade, adoecimento e até a morte. 5. Negligência – é a recusa ou omissão de cuidados básicos, devidos e necessários à pessoa idosa por parte da família ou instituições. Entendida também como a recusa ou falha em exercer responsabilidades no ato de cuidar do idoso. Esse tipo de violência na área da saúde pode ser observado no desleixo e inoperância dos órgãos de Vigilância Sanitária com relação aos abrigos e clínicas. O caso da Clínica Santa Genoveva, ocorrido em 1996, ocasião em que morreram mais de cem idosos em função da irresponsabilidade e maus cuidados com sua higiene, é um exemplo. 6. Abuso financeiro e econômico – consiste na exploração imprópria ou ilegal dos idosos, ou ainda a utilização não consentida por eles de seus recursos financeiros ou patrimoniais, principalmente no âmbito familiar. De acordo com o Ministério Público (MP), 60% das queixas referem-se a ações cometidas por seus próprios familiares, tais como: forçar procurações para acesso a bens patrimoniais; venda de bens e imóveis sem sua autorização; expulsão do idoso do seu tradicional espaço físico e social do lar; confinamento do idoso em um espaço pequeno dentro de sua própria residência. Muitas das vezes, tal violência vem acompanhada de maus-tratos físicos e psicológicos que produzem lesões, traumas e até a morte. 7. Autonegligência – refere-se à conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança ao se recusar a cuidar de si mesma. 8. Violência medicamentosa – administração, por parte de familiares, cuidadores e profissionais, dos medicamentos prescritos de forma indevida, pelo aumento, diminuição ou até exclusão deles. para saber a respeito da violência medicamentosa, leia o Caderno de Violência contra a Pessoa Idosa, da prefeitura Municipal de São paulo, disponível em: http://midia. pgr.mpf.gov.br/ pfdc/15dejunho/caderno_ violencia_idoso_ atualizado_19jun.pdf 339 Violência contra a pessoa idosa: algumas reflexões Para refletir você conhece algum instrumento de rastreamento da violência? e quando suspeitar ou identificar a violência, como você deve notificar? Sabe o que é a Ficha nacional de notificação de violência? conheça a lei n. 12.461 no link http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2011/lei/ l12461.htm. ela altera a lei n. 10.741, de 1o de outubro de 2003, que estabelece a notificação compulsória dos atos de violência praticados contra o idoso atendido em serviço de saúde. Conforme estudo citado por Minayo (2005, p. 22), uma das formas de violência social e relacional que os idosos do Rio de Janeiro mais se indignam refere-se principalmente ao modo como são tratados nas vias e transportes públicos, configurando, muitas vezes, o direito à gratui- dade do passe – expresso em lei – uma humilhação e discriminação. Os homicídios também estão entre as principais causas de morte por violência contra os idosos, seguidos de perto pelos acidentes de trans- portes e quedas. Quase sempre apresentando o mesmo índice, no ano de 1999, registrou-se o maior índice de homicídios, em torno de 11,47%, com decréscimo logo em seguida, tornando a aumentar nos anos de 2003 e 2005, com índices de 11,31% e 10,74%, respectivamente. Elevadas também são as taxas de suicídios entre os idosos, apesar de não se observar picos de crescimento, oscilando sempre entre 7% e 8% em todo o período. Não muito diferente da situação de homicídios, os homens tendem a se suicidar mais, e verificam-se algumas distinções de comportamento relacionadas à idade. Conforme acentua Minayo (2005, p. 23), no total das causas externas para o ano de 2000, na faixa de 60 a 69 anos, as proporções de suicídios foram de 9,7% para homens e 7,6% para mulheres. Na faixa de 70 a 79 anos, há elevação de 10,0% para homens e diminuição de 4,5% para mulheres. Já na faixa de 80 anos em diante, diminui para 6,4% para homens e 1,0% para mulheres. Dentre as principais causas externas específicas que demandariam a busca por internações hospitalares, é possível destacar: quedas, 54,1%; acidentes de trânsito (atropelamentos), 10,1%; complicações da assistência médica e cirúrgica, 6,5%; agressões, 2,6%; e lesões autoprovocadas, 0,6%. Sobre as principais lesões provocadas por causas externas que ocasio-nam a procura por serviços hospitalares, cabe citar: fraturas, 55,1%; lesões traumáticas, 12,7%; luxações, 3,4%; e amputações, 2,4 %. Os dados da pesquisa realizada por Faleiros (2007, p. 332) sobre vio- lência contra a pessoa idosa no Brasil evidenciam que as mulheres com 340 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa idade já bastante avançada, compreendida entre 80 anos e mais, são a grande maioria das vítimas de violência. Tal fato deve-se à sua vulne- rabilidade e dependência no que diz respeito às relações de confiança, principalmente aquelas estabelecidas no âmbito familiar. Tamanha incidência de vitimização entre as mulheres, conforme revela Faleiros (2007, p. 367), deve-se ao forte machismo e à construção do papel reservado à mulher na sociedade e na cultura, com impactos nas relações de poder. Outra conclusão a que chegou o autor, é que muitas das diversas for- mas de violência originam-se no conturbado seio familiar. Tal fato não pode ser pensado dissociado da sociedade capitalista atual, que gera desemprego e condições desumanas de sobrevivência, valoriza apenas a ótica do consumo, resultando no conflito intergeracional. Essa situa- ção, associada à ausência do Estado e à competitividade, é expressa por meio de conflitos sociais no âmbito familiar, na luta pela sobrevivência e para atender às necessidades do consumo. Os idosos, nesse caso, são as principais vítimas dessa armadilha socio- política que implica as relações familiares, pois são os principais prove- dores, explorados tanto pelos filhos como pelos netos. O autor conclui também que é necessário investigar a fundo o perfil da vítima, uma vez que, ao considerar as condições sociais e as relações de poder em jogo, a possibilidade de se tornar vítima não é a mesma para todos. Isso irá depender tanto da distribuição da população como do tipo e da multiplicidade dos atos, riscos, impactos e reações. Porém, a violência contra a pessoa idosa tem vertentes no sexo e gênero ao se referir à vitimização de mulheres, assim como na faixa etária ao contemplar os diferentes segmentos idosos. Um dado também importante é a presença bem acentuada de agresso- res vizinhos e outros, que podem ser cuidadores, instituições públicas ou privadas, principalmente as mais frequentadas pelos idosos, tais como bancos, Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), hospitais e outros, bem como os meios de transporte, principalmente ônibus. Entendemos que todos os tipos de violência devam ser enfrentados como questão de saúde pública e cabe primordialmente ao poder público enfrentá-los e combatê-los. Como a maior incidência de violên- cia ocorre no âmbito familiar, há que se repensar estratégias de educa- ção e saúde que propiciem condições de enfrentamento para tão grave 341 Violência contra a pessoa idosa: algumas reflexões fato. Os idosos que sofrem violência precisam ser protagonistas de seus próprios envelhecimentos e, mesmo sendo difícil, criar estratégias cole- tivas e individuais para se fortalecer como sujeito de direitos. Em 2001, o Ministério da Saúde publicou a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências – Portaria n. 737/2001. Essa política objetiva a redução da morbimortalidade por acidentes e violências no país, mediante o desenvolvimento de um conjunto de ações articuladas e sistematizadas, que abordam todos os segmentos etários, incluindo os idosos. São suas diretrizes: promoção da adoção de comportamentos, de ambientes seguros e saudáveis; monitorização da ocorrência de acidentes e de violências; sistematização, ampliação e consolidação do atendimento pré-hospitalar; assistência interdiscipli- nar e intersetorial às vítimas de acidentes e de violências; estruturação e consolidação do atendimento voltado à recuperação e à reabilitação; capacitação de recursos humanos; e apoio ao desenvolvimento de estu- dos e pesquisas. O Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741), promulgado em 2003, tipifica e criminaliza diversas maneiras de violência e obriga a denúncia. O art. 4º destaca: “Nenhum idoso será objeto de quaisquer formas de discri- minação, violência, crueldade ou opressão, punidos, na forma da lei, os atentados aos seus direitos, por imperícia, imprudência ou negligência.” Sendo, no inciso 1º, apontado: “É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.” A Lei n. 12.461/2011 altera o art. 19 desse estatuto para prever a notificação compulsória dos atos de violência praticados contra idosos atendidos em estabelecimentos de saúde públicos ou privados. A partir dessa nova lei, os casos de suspeita ou confirmação de violência contra idosos serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade sanitária, bem como obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos: autoridade policial; Ministério Público; Conselho Municipal do Idoso; Conselho Estadual do Idoso; Conselho Nacional do Idoso. Para efeitos dessa lei, considera-se violência contra o idoso qualquer ação ou omissão prati- cada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofri- mento físico ou psicológico. Em 2009, com o objetivo de garantir proteção à vítima e o amparo legal aos profissionais de saúde, foi incluída a violência contra a pessoa idosa como um agravo na ficha de notificação do Sistema de Infor- mação de Agravos de Notificação (Sinan). Trata-se de um recurso de comunicação com a rede socioassistencial, permitindo não só a correta vale a pena ficarmos atentos às legislações que norteiam as ações de profissionais de saúde no enfrentamento e denúncia de situações de violência. 342 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa identificação do problema, como também a construção de estratégias para seu enfrentamento. As pessoas idosas queixam-se de violência, e a principal delas é a des- criminação. Uma pesquisa feita pelo SESC/SP, em convênio com a Fun- dação Perseu Abramo (2007), revelou que: Embora inicialmente apenas um em cada sete idosos relate es- pontaneamente ter sofrido alguma violência por sua condição de pessoa idosa, após o estímulo de diferentes formas de maus- -tratos ou desrespeito, mais de um terço dos idosos informa já ter sofrido alguma violência por conta da idade. Essa pesquisa revelou que 15% dos idosos afirmam haver sofrido vio- lência ou maus-tratos após os 60 anos, sendo 18% homens e 13% mulheres. No entanto, essa violência se manifesta diferentemente, conforme o Gráfico 1. leia a pesquisa Envelhecer é um privilégio, da Fundação perseu abramo, disponível na íntegra na biblioteca do ava. Fonte: Fundação perseu abramo (2007, p. 249). Gráfico 1 – Local em que ocorreu a violência e agressor 343 Violência contra a pessoa idosa: algumas reflexões Para os homens, 6% das ocorrências de violência ocorreram na rua, 6% em casa e 2% nos ônibus. Para as mulheres, 7% das ocorrências foram em casa, 2% na rua, 1% nos ônibus. Violência contra a Pessoa Idosa: ocorrências, vítimas e agressores, pesquisa de Vicente de Paula Faleiros, que resultou no livro publicado em 2007, tratou do tema da violência intrafamiliar de forma mais profunda. A pesquisa buscou as ocorrências nas delegacias, Ministério Público, Dis- que Idoso e Conselhos dos Direitos da Pessoa Idosa. Em 2005, foram constatadas 15.803 ocorrências nas 27 capitais brasileiras, onde viviam 4.067.361 idosos. Na pesquisa, comprovou-se que 60% das vítimas são mulheres, e 54,7% dos agressores são filhos e filhas. Os dados referem-se apenas às denúncias. A violência intrafamiliar apresenta expressões tanto de violência física como de violência financeira, psicológica e negligência. Na pesquisa do professor Vicente de Paula Faleiros (2007), as ocorrências de violência física foram detectadas de modo expressivoem todas as capitais. A vio- lência financeira foi perceptível em 25 capitais, a psicológica em 24, a negligência em 23, o abandono em 17 e a violência sexual em 8. Para obter mais detalhes, leia o livro. a notificação é a comunicação obrigatória de um fato. a denúncia é o nome técnico dado à peça processual que dá início à ação penal pública. a notificação (comunicação obrigatória do fato) cabe à equipe de saúde. notificar casos de violência é de extrema importância, pois se trata de instrumento de combate à violência, uma vez que possibilita o embasamento de ações de intervenção em vários níveis. ao tornar público um fenômeno que ocorre no privado, é possível perceber que ele é mais comum que se imagina, mas nem por isso deve ser banalizado ou normalizado. Cabe registrar que a violência psicológica se refere não só à discrimina- ção, mas também à desqualificação, à ameaça e à desvalorização, com uma porcentagem de ocorrências entre 40% e 49% em seis capitais e de 20% a 29% em oito capitais. Para enfrentar esse tipo de violência, é importante que seja feita a denúncia no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), no Cen- tro de Saúde, Promotoria, Delegacia do Idoso ou delegacia comum. Esses órgãos, todavia, ainda não funcionam de forma articulada e em rede de proteção e, muitas vezes, a pessoa idosa precisará de um advogado. 344 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa A grande maioria das denúncias é anônima, pois as pessoas idosas têm um conluio de silêncio para não delatar seus agressores com a intenção de não perder o laço, ainda que tênue, com seus filhos e filhas, ou por receio de mais violência no ciclo, tensão, ameaça, agressão, reparação, perdão e nova tensão. A questão da violência intrafamiliar é muito complexa, vinculada à história familiar com o revidar e ao contexto social de desemprego, uso de drogas ilícitas e álcool, consumismo, entre outras. Sobre esse assunto, reveja o Módulo 10, na unidade de aprendizagem ii, denominado “estrutura e dinâmica da rede de atenção à saúde da pessoa idosa”. lembre-se de que existe, no município ou região, o cras e o centro de referência especializado em assistência Social (creas) para intervenção em conflitos familiares. o cras é a referência na ausência do creas. Caderno de atividades realize a atividade 1 do Módulo 12. pesquise, na biblioteca do curso do ava, os seguintes documentos: • Plano Nacional de enfrentamento da violência contra a pessoa idosa. • Texto Viva e Idoso, sobre vigilância de violências. • Portaria n. 936/2004, que cria o Sistema de redes de enfrentamento e prevenção da violência. • Relatório do Encontro do ipea sobre violência. • Humanização do atendimento a vítimas de violência. • Texto da profa. Maria cecília Minayo sobre violência. conheça a Ficha de notificação de violência, disponível em: http://bvsms. saude.gov.br/bvs/folder/ ficha_notificacao_violencia_ domestica.pdf ou em http://portal.saude.gov.br/ portal/saude/profissional/ area.cfm?id_area=1520 A questão da violência contra a pessoa idosa tem mobilizado o governo e o Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Idosa. O tema mereceu destaque nas três Conferências Nacionais de Direitos da Pessoa Idosa. O governo federal articulou um Plano Nacional de Enfrentamento da Vio- lência contra a Pessoa Idosa. Por sua vez, o Ministério da Saúde estabele- ceu um Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sen- tinela (Viva) com o objetivo de implementar ações de vigilância de causas externas, que já vêm sendo executadas a partir de análises do sistema de mortalidade ou de morbidade hospitalar. Ele permite conhecer melhor a dimensão, magnitude e gravidade desse sério problema de saúde pública, possibilitando identificar as várias formas de violências e acidentes, como os acidentes de trânsito, de trabalho, quedas, afogamentos, intoxicações, violências física, sexual, psicológica, financeira, os maus-tratos, dentre outros, que vitimam homens e mulheres em todas as fases de suas vidas. A criação de núcleos tem por proposta integrar ações e recursos para o enfrentamento dos agravos da violência. Tais núcleos são de natu- reza acadêmica como as universidades, Secretarias Estaduais de Saúde, Secretarias Municipais de Saúde e ONGs. O sistema Viva subdivide-se em dois componentes: vigilância contínua e vigilância por inquéritos. Cada um deles possui instrumentos de noti- ficação e coleta de dados distintos, conforme apresentado a seguir: � Ficha de Notificação/Investigação de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências (autoprovocadas) – utilizada em notificação de uso contínuo. 345 Violência contra a pessoa idosa: algumas reflexões � Ficha de Notificação de Acidentes e Violências em Serviços de Urgência e Emergência – utilizada como instrumento de coleta em pesquisas de demanda e/ou inquéritos (vigilância pontual). Referências braSil. lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. institui o estatuto do idoso. Diário Oficial da União, brasília, dF, 3 out. 2003. Seção 1, p. 1. braSil. lei n. 12.461, de 26 de julho de 2011. altera a lei n. 10.741, de 1o de outubro de 2003, para estabelecer a notificação compulsória dos atos de violência praticados contra o idoso atendido em serviço de saúde. Diário Oficial da União, brasília, dF, 27 jul. 2011. braSil. Secretaria de direitos Humanos. Secretaria nacional de promoção defesa dos direitos Humanos. Dados sobre o envelhecimento no Brasil. brasília, dF, [2013]. disponível em: <http:// www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/dados-estatisticos/dadossobreoenvelhecimentonobrasil.pdf/ view>. acesso em: 20 mar. 2014. braSil. Ministério da Saúde. portaria n. 737, de 16 de maio de 2001. institui a política nacional de redução da Morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União, brasília, dF, 18 maio 2001. caMarano, a. a. (org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60 anos. rio de janeiro: ipea, 2004. FaleiroS, v. p. Violência contra a pessoa idosa: ocorrências, vítimas e agressores. brasília, dF: ed. universa, 2007. FreitaS, e. v.; pY, l.; Gorzoni, M. l. Tratado de geriatria e gerontologia. rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Fundação perSeu abraMo. Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativa na 3a idade. 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