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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E PROCESSO CIVIL João Borja ANÁLISE DE ACÓRDÃO SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL EM UM CASO DE ACIDENTE AÉREO Porto Alegre 6 de julho de 2016 __________________________________________________________________________________________ Análise de Acórdão sobre Responsabilidade Civil em um Caso de Acidente Aéreo 1 JOÃO BORJA ANÁLISE DE ACÓRDÃO SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL EM UM CASO DE ACIDENTE AÉREO Este trabalho faz parte dos componentes de avaliação da disciplina de Responsabilidade Civil, ministrada na UFRGS. Professor: Marco Fridolin Sommer dos Santos Porto Alegre 6 de julho de 2016 2 __________________________________________________________________________________________ João Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2016 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 3 2 OBJETIVO........................................................................................................................ 4 3 ANÁLISE DO ACÓRDÃO ............................................................................................... 4 3.1 DANO MORAL ............................................................................................................... 4 3.2 DANO RICOCHETE ....................................................................................................... 5 3.3 LEGITIMIDADE DO PLEITO DOS IRMÃOS ............................................................... 6 3.4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA ............................................................................... 7 3.5 PUNIÇÃO ....................................................................................................................... 8 3.6 VALOR A SER INDENIZADO ....................................................................................... 9 4 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 9 4.1 VALOR PECUNIÁRIO DECIDIDO.............................................................................. 10 4.2 DEFINIÇÕES SOBRE DANO MORAL ........................................................................ 11 4.3 RESPONSABILIDADE OBJETIVA ............................................................................. 12 4.4 FUNÇÃO PUNITIVA .................................................................................................... 12 4.5 DANO EMERGENTE ................................................................................................... 13 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 14 __________________________________________________________________________________________ Análise de Acórdão sobre Responsabilidade Civil em um Caso de Acidente Aéreo 3 1 INTRODUÇÃO A análise de Acórdãos é uma importante forma de aprendizado. Neles, é apresentada vasta gama de decisões jurisprudenciais, além de bases doutrinárias. Com esse intuito, procedeu- se com uma análise sobre o Acórdão de Apelação Cível nº. 0061604-42.2009.8.19.0001 TJ/RJ, relatado pela Dr. Des. Teresa de Andrade Castro Neves, tratando de um caso de acidente aéreo. O acidente aéreo em questão, foi proveniente de Manaus, com destino à Brasília, que após se chocar com outro jato, caiu na selva amazônica, matando todos aqueles que estavam na aeronave, causando o terceiro maior acidente aéreo da história do Brasil (fl. 101). Conforme a Relatora do acórdão analisado, há indiscutível existência de dano moral, devido prova do resultado e do nexo de causalidade, sendo dispensável a análise da culpa do transportador, já que a responsabilidade é objetiva, por exercer serviço público mediante concessão. O dano moral é direito personalíssimo, inserido na esfera individual de cada titular. Porém, o chamado Dano Ricochete vai além do evento danoso único, pois o dano que este causa repercute na esfera de vida de uma gama de pessoas eventualmente envolvidas ou ligadas àquela vítima. Por isso, não podem os irmãos ser considerados ilegítimos titulares do dano sofrido com a morte precoce, violenta e inesperada do outro irmão, tão somente porque outros parentes foram indenizados (fl. 12). A questão principal da decisão proferida foi o valor indenizatório, que já tinha sido fixado pelo juiz de primeiro grau em R$ 50.000,00 para cada um dos autores - irmãos da vítima (fl. 11). Dada esta equação, o referente acórdão fortalece, perante aos casos futuros, que cabe ao julgador equilibrar a quantificação do dano quando do arbitramento do valor indenizatório, não afastando, portanto, “friamente” (como descreveu a relatora), o dano efetivamente sofrido com a “trágica morte” de um ente amado. 1 Apelação Cível nº. 0061604-42.2009.8.19.0001. 2 Opus cit. 4 __________________________________________________________________________________________ João Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2016 2 OBJETIVO O presente trabalho tem por finalidade a análise do conteúdo jurídico do Acórdão referido, que apresenta uma caso de indenização por danos morais dado um evento de acidente aéreo com vítimas fatais. Da sentença, foi provido parcialmente o recurso dos Apelantes: DAILTON FERREIRA TRINDADE e outros (irmãos da vítima); sendo o Apelado: VRG LINHAS AÉREAS S/A, condenado ao pagamento. Este provimento foi unânime entre os Desembargadores (Vigésima Câmara Cível do TJ/RJ). Um recurso da VRG LINHAS AÉREAS S/A foi apreciado em simultâneo ao recurso dos irmãos citados, porém, os dois recursos tratavam de aumento e diminuição do montante de pagamento indenizatório. Sendo assim, o recurso da Empresa teve provimento negado. Da análise realizada sobre o Acórdão referido, pretende-se identificar os aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais do acórdão, avaliando-se o caráter qualitativo presente. Sendo assim, será possível identificar o conteúdo base aceito, sob a ótica da Responsabilidade Civil, como sendo científico, jurídico ou político, e, neste último caso, se tomou como pressuposto a opinião pública. 3 ANÁLISE DO ACÓRDÃO 3.1 DANO MORAL Como definição geral de dano moral, a Relatora toma como base os dizeres de Cahali (19983), afirmando que o dano moral seria a privação ou diminuição da parte social ou da parte afetiva do patrimônio moral, isto é, daqueles bens que têm valor precípuo na vida do homem (fl. 11): - a paz; - a tranquilidade de espírito; 3 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 2ª Edição. Editora RT, São Paulo, 1998. __________________________________________________________________________________________ Análise de Acórdão sobre Responsabilidade Civil em um Caso de Acidente Aéreo 5 - a liberdade individual; - a integridade individual; - a integridade física; e - a honra. Então, devido ao dano extra-patrimonial (dano moral) repercutir na esfera íntima da vítima, é revestido de um caráter subjetivo que necessita de certa ponderação. A Relatora acrescenta ainda que, derivando do próprio fato ofensivo, não necessita de provas materiais concretas, ou seja, o dano moral existe in re ipsa (fl. 12), de acordo com Venosa (20044): “O dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão,por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” Dado o fato ofensivo contra o patrimônio moral da vítima, o juiz deverá se posicionar no lugar desta vítima, a fim de valorar os danos causados em sua parte social ou íntima afetiva. Este procedimento é explicado a seguir, nas palavras da Relatora (fl. 12): “Provada a ofensa, está demonstrado o dano moral a guisa de uma presunção natural que decorre da experiência humana do julgador em verificar ou não a sua configuração, de acordo com as regras da experiência comum do homem médio.” 3.2 DANO RICOCHETE A Relatora define o dano ricochete como sendo o dano causado por um evento que repercute na esfera de vida de uma gama de pessoas eventualmente envolvidas ou ligadas a uma vítima. Se tratando, portanto, de dano moral e personalíssimo, inserido na esfera individual de cada titular. Neste âmbito, nega uma liminar contra a legitimidade de ação ativa dos parentes que se sentiram abalados, pois, conforme a Relatora, “os autores pleiteiam em nome próprio direito próprio e não alheio” (fls. 2-35). Lembra a Relatora, que a relação entre os apelantes e o réu (empresa) é extracontratual, sendo os danos advindos daquele contrato, que atingiram os apelantes, considerados ricochetes. Assim, os juros moratórios não são contados da publicação da sentença, nem são 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil IV, 4ª Edição. Editora Atlas, São Paulo, 2004. 5 Acórdão sob análise no presente trabalho (Apelação Cível nº. 0061604-42.2009.8.19.0001 TJ/RJ). 6 __________________________________________________________________________________________ João Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2016 contados da data da citação do réu, mas contados da data do evento danoso (fl. 16). Em corroboração, cita três sentenças semelhantes do TJ/RJ, que tiveram juros contados a partir do evento danoso, dadas as Súmulas 129 do TJE/RJ e 54 do STJ (fl. 17-18). 3.3 LEGITIMIDADE DO PLEITO DOS IRMÃOS Como base, neste sentido, indica o posicionamento da Corte Superior (T4 - QUARTA TURMA), para o caso no pleito de uma ação indenizatória por irmãos dado um acidente de trânsito. Neste caso (fl. 5), tratou-se da legitimidade da ação devido à demora no juizamento da ação pelos Autores, sendo determinado que "a demora da parte na propositura da ação visando à reparação por dano moral pela morte de ente querido não pode ser tomada como causa para a diminuição da reparação a ser fixada"6. Ainda assim, entende a Relatora que “o elo entre irmãos se presume, posto que é natural a afetividade, sendo extraordinário a sua ausência, ou mesmo inimizade. Assim, competiria à empresa ré comprovar a falta de vínculo entre os irmãos e não aos autores a sua existência (grifo nosso)”. No sentido do dever de indenizar aos parentes próximos, em função da repercussão do dano não limitada à vítima, cita André Gustavo Corrêa de ANDRADE7, o qual sustenta a ideia de que não se prende, absolutamente, a fixação de apenas um valor de indenização por dano moral, havendo uma única vítima fatal. Isto, pois “o que se busca indenizar não é a morte em si, mas o dano psíquico, caracterizado pela dor espiritual, pelo sofrimento” (fl. 6). Desta forma, Andrade (20068) carimba o conceito de “núcleo familiar”, explicando que a indenização por danos morais não estaria limitada a ele. Ainda no sentido do direito de irmãos à indenização moral, a Relatora traz mais um caso jurisprudencial, sendo este provido pela “casa”9 (TJ RJ). Neste caso, tratou-se de um acidente de trem, com responsabilização objetiva ao Réu (risco da atividade com obrigação de resultado), em que reforçou a ideia de que (in verbis, fl. 7): 6 REsp 810.924/RJ, DJ de 18.12.2006. 7 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva, 1ª Edição. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006. 8 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva, 1ª Edição. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006. 9 Apelação Cível nº. 0035718- 12.2007.8.19.0001. __________________________________________________________________________________________ Análise de Acórdão sobre Responsabilidade Civil em um Caso de Acidente Aéreo 7 “A relação afetiva entre irmãos não se apaga mesmo que não estejam mais convivendo sob o mesmo teto ao tempo do acidente fatal. O decurso do tempo, ainda que longo, não é o bastante para romper, em definitivo, os vínculos de amor, amizade, carinho e afeição.” E outro com relação a um acidente com morte, fruto de natureza de transportadora, com finalidade de turismo. Neste último caso, o TJ/RJ10 observou a natureza extrapatrimonial da indenização por dano moral, não se tratando de direito sucessório. Por isso, acrescenta a sentença proferida: “os irmãos têm legitimidade para postular a reparação pelo dano moral” (fl. 8). No sentido de gradação da indenização entre irmãos, a Relatora menciona julgamento da Corte Superior (Quarta Turma do STJ)11, em que é mencionado o fator de proximidade a vítima em relação aos irmãos (in verbis, fl. 8): “Os irmãos têm direito à reparação do dano moral sofrido com a morte da irmã, sendo presumidamente maior a dor da irmã viúva que morava em companhia da vítima, diferente do irmão, casado, residente em outro endereço.” A autora toma como definição de dano moral os ensinamentos de Cahali (1988)12: “tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes a sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido” (fl. 9). Trecho este, no qual, a Relatora grifa a inclusão de “ente querido” diretamente na definição de dano moral, relevando fortemente este sentido como socialmente aceito como um valor social que não deve ser molestado ou agredido. 3.4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA Conforme fundamenta a Relatora, não há que se falar em irresponsabilidade do transportador, que deve cumprir a cláusula de incolumidade prevista no art. 734, do Código Civil (fl. 10). 10 Apelação Cível nº. 0004110-28.2005.8.19.0207. 11 STJ. REsp n° 254.318/RJ. 12 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 2ª Edição. Editora RT, São Paulo, 1998. 8 __________________________________________________________________________________________ João Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2016 Ainda, não há excludente de responsabilidade por ter o avião de menor porte atingido o avião da transportadora apelante e causado o acidente, já que à luz do art. 735, do Código Civil, a culpa do terceiro não elide a responsabilidade do transportador, que poderá perseguir eventual direito de regresso em face dos pilotos do Legacy (fl. 10). No âmbito da responsabilidade objetiva, a Relatora ressalta a definição do Prof. Des. Sérgio Cavalieri (200813), que contribui para a consagração, cada vez mais, da Teoria do Risco do Empreendimento (fl. 10). Por esta teoria, não há que se cogitar em provar a culpa da empresa, que exerce atividade econômica sujeita a riscos. 3.5 PUNIÇÃO Conforme a Relatora, o pagamento da indenização, neste caso, não é meramente compensatória dos danos morais sofridos pelos autores, mas uma forma de punição do réu (in verbis): “Considera-se em tais casos a indenização como forma de atenuar o sofrimento causado pela precoce perda de um ente querido, além de uma punição ao seu causador, mesmo porque seria impossível pagar o preço pela dor da perda de um parente próximo, irmão,no caso ou da privação prematura e inesperada do convívio com a vítima, por ser tal dor imensurável e sem preço certo” (grifo nosso). No trecho acima, a Relatora esboça uma ideia de que a reparação por danos morais também teria uma natureza punitiva, e acrescenta o instituto da “análise econômica do direito” (fl. 13). Esta abordagem permite que o juiz atinja, de forma significativa, a esfera patrimonial do causador do dano, de modo que este não se torne reincidente na conduta ilegítima. Isso tem o intuito de brecar as reiteradas violações de responsabilidade civil pelo meio empresarial, quando se torna economicamente mais vantajoso que isso aconteça. Como parâmetros de ponderação para a estimativa do valor a ser reparado, a Relatora cita a Apelação Cível nº. 2008.001.01187 TJ/RJ (fl. 14), que demarca os limites da indenização: “[...] deve ser fixada em patamares comedidos, ou seja, não exibe uma forma de enriquecimento para o ofendido, nem, tampouco, constitui um valor ínfimo que nada indenize e que deixe de retratar uma reprovação à atitude imprópria do ofensor, considerada a sua capacidade econômico-financeira.” 13 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 8ª Edição. Editora Atlas, São Paulo, 2008. __________________________________________________________________________________________ Análise de Acórdão sobre Responsabilidade Civil em um Caso de Acidente Aéreo 9 3.6 VALOR A SER INDENIZADO Inicialmente, o juiz de primeiro grau estipulou uma indenização de R$ 50.000,00 para cada um dos irmãos da vítima (fl. 11). Para a decisão recursal, as bases do valor indenizatório, conforme ementa do acórdão, a qual será utilizada para casos futuros, foram (fl. 15-16): “As circunstâncias da morte, como a demora na localização dos restos mortais, retardando a realização de funeral (com caixão fechado) e criando maior desespero para os parentes, que ficaram na esperança vã de encontrar a vítima viva. Esta última consequência, ainda, foi causa de majoração da indenização.” Ao avaliar o caso, a Relatora demonstra preocupação de que a quantia arbitrada não possa servir de enriquecimento sem causa para as vítimas (autores). Ainda, adverte o surgimento da “indústria do dano moral”, que ameaça a banalização do dano moral pelo Poder Judiciário (fl. 13). Em razão da revisão do quantum, a Relatora fundamenta essa possibilidade indicando decisão do STJ14, que permite a revisão de valores, em sede de recurso especial, mas somente sendo cabível quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a não seguir suficientemente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (fl. 14-15). Na folha 16, a Relatora levanta uma situação que pode ser chamada de dano emergente: “Cabe chamar atenção para o fato que a vida dos familiares fica em suspenso até que se realize o funeral”. Por fim, considerando as particularidades do caso, porém, sem analisá-las separadamente, mas, fazendo um esforço mental, subjetivo, sobre todo o desenrolar da situação, a Relatora entendeu que o valor mais adequado seria de R$ 80.000,00 para cada um dos irmãos (fl. 16). 4 CONCLUSÃO Em seu relatório, a Dr. Des. Teresa de Andrade Castro Neves, faz uma extensa revisão da doutrina, de modo a fundamentar as hipóteses sobre as quais permeiam a sentença. Tanto 14 STJ, AgRg no Ag 967410 / SP. 4ª Turma. 10 __________________________________________________________________________________________ João Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2016 há decisões interlocutórias meramente formais, em que a Relatora se baseia na jurisprudência, como a demarcação do início da incidência de juros de mora, como há parâmetros essenciais para o norteio do pleito material, em que a Relatora destaca os pontos a serem considerados sobre o direito imaterial infringido. No caso da definição de dano moral, fez uso da doutrina, citando os autores: Cahali (199815), Venosa (200416) e Andrade (200617). Se tratando da verificação da legitimidade do pleito dos irmãos da vítima, citou-se vasta jurisprudência confirmando como positiva a legitimidade. Com referência ao instituto da responsabilidade objetiva, faz referência à doutrina e a lei: Cavalieri (200818), e aos artigos 734 e 735 do Código Civil. Já pela ideia punitiva do dano moral, a Relatora expõe construção argumentativa própria, bem como de decisão já proferida pelo TJ/RJ. Finalmente, como forma de ponderação de um valor para a condenação, a Relatora utiliza parâmetros jurisprudenciais que fixam o limite inferior e o superior, ainda que nebulosos e subjetivos. 4.1 VALOR PECUNIÁRIO DECIDIDO Na decisão do valor indenizatório, a decisão da Relatora é puramente subjetiva, levando em conta a avaliação do “homem médio” (fl. 12). Sendo assim, o valor foi quantificado levando em conta, como parâmetro, unicamente, o valor decidido em instância inferior. Ao entendimento deste Analista, a decisão do valor foi um “acordo implícito”, em que decidiu- se por um valor que contentaria as duas partes, a fim de que cessasse as apelações. Nisso, o valor inicial, estipulado pela instância inferior foi de grande importância, pois a Relatora, no Acórdão referido, não poderia divergir muito desse valor. Ainda, na percepção deste Analista, qualquer um dos valores tomados foi irrisório (primeira e segunda instância), frente ao poder econômico da companhia aérea. 15 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 2ª Edição. Editora RT, São Paulo, 1998. 16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil IV, 4ª Edição. Editora Atlas, São Paulo, 2004. 17 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano Moral e Indenização Punitiva, 1ª Edição. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006. 18 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 8ª Edição. Editora Atlas, São Paulo, 2008. __________________________________________________________________________________________ Análise de Acórdão sobre Responsabilidade Civil em um Caso de Acidente Aéreo 11 Ainda, como limite ao parâmetro de conter a supremacia de uma parte em relação a outra, tem-se a monografia de Magro (2011), que discorreu sobre a possível aplicação da Cláusula Geral de Redução da Indenização (consagrada na responsabilidade subjetiva - artigo 944, caput, do Código Civil de 2002), que poderia ser aplicada também na responsabilidade objetiva, isto é, para os casos que independem de culpa do agente. Nisto, a autora cita Zanchim (200819 apud MAGRO 2011), o qual afirma que “viver em sociedade representa suportar os riscos do desenvolvimento, de forma que, no âmbito do Código Civil, em que não há presunção de hipossuficiência da vítima (como ocorre no Código do Consumidor e na legislação trabalhista), não há cabimento deixar sempre de lado a condição daquele que causou o dano”. Assim, neste âmbito, este Analista pressupõe que as indenizações prestadas não poderiam ameaçar a condição de “vivência” da empresa, por riscos presentes na sociedade tecnológica erga omnes. Sobre o artigo 944 do C.C, Rui Stoco (200420 apud MAGRO 2011) critica a influência da culpa na fixação do quantum indenizatório, pois entende que o legislador se equivocou, não por ter adotado o critério da equidade para a fixação da indenização, mas sim, por ter condicionado a redução com base no grau da culpa. Para o autor, seria mais adequado que a redução tivesse sido condicionado às possibilidade financeiras daquele que causou o dano e do que sofreu o dano. Ao menos estes critérios não foram utilizados pela Relatora. 4.2 DEFINIÇÕES SOBRE DANO MORAL No referidoAcórdão, o dano moral é tratado como “dano imaterial” e, também, como “dano extrapatrimonial”. Pois bem, ao tratar a reparação moral como forma de punição, a Relatora diverge de Noronha (1993), o qual ensina que o “dano extrapatrimonial”, oriundo de violação psíquica, não pode ser tratado como indenização, mas como uma compensação pecuniária para amenizar o sofrimento causado. Para o “homem médio”, referido na medição do valor, Noronha (1993) afirma que este parâmetro é utilizado para a Apreciação in abstrato nos casos de culpa simples, em que o 19 ZANCHIM, Kleber Luiz. Redução da indenização na responsabilidade objetiva. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.9, n.33, 2008. 20 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ed. rev.atual. aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 12 __________________________________________________________________________________________ João Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2016 agente não observou os cuidados do “cidadão comum”. Portanto, não há sentido em observar subjetivamente o “homem médio”, para a verificação de um valor razoável a ser recebido, no caso de uma indenização por danos morais como no presente caso. Sendo assim, ao bem ver deste Analista, faltou uma análise mais detalhada quanto aos limites superior e inferior envolvidos, os quais deveriam ser quantificados para uma decisão mais adequada. 4.3 RESPONSABILIDADE OBJETIVA Em complementação ao que foi exposto no Acórdão, tem-se os ensinamentos de Noronha (1993) que aderem ao caso, sendo a responsabilidade objetiva agravada, visto que o tipo de atividade (transporte de passageiros), traz a obrigação de garantia, ou seja, obrigação de indenizar independentemente do nexo de causalidade. Isto significa que, mesmo com um infortúnio, a empresa não poderia alegar a quebra no laço de causalidade para deixar de indenizar. 4.4 FUNÇÃO PUNITIVA Conforme Facchini Neto (2002), esta função ainda se faz presente, principalmente ao tratar de danos extrapatrimoniais. Como isso, busca-se punir o réu pela conduta que ofenda gravemente o sentimento ético-jurídico prevalecente em determinada comunidade. O autor complementa que esta função tem em vista uma conduta reprovável passada, de intensa antijuridicidade. Sendo assim, da maneira exposta no Acórdão referido, a função punitiva não se adéqua, pois, deste modo, pune-se a conduta do risco da atividade como sendo algo antiético. Devido ao teto indenizatório ensejado pela função indenitária, Grivot (201121 apud MAGRO) preconiza a impossibilidade, no direito brasileiro, para a indenização punitiva. Segundo Grivot, há outras formas que atentam para um montante maior que o correspondente ao dano, como os punitive damages, o smart money, e os exemplary damages. Os quais têm a 21 GRIVOT, Débora Cristina Holenbach. Limites ao valor da indenização: O problema da função punitiva da responsabilidade civil. In MAMEDE, Gladson, São Paulo, Ed. Atlas, 2011. __________________________________________________________________________________________ Análise de Acórdão sobre Responsabilidade Civil em um Caso de Acidente Aéreo 13 finalidade de gerar ao ofensor uma situação de repreensão pela sua conduta. Para isso, cita o relatório do Ministro Carlos Fernando Mathias (Quarta Turma, DJe 16/03/2009): “Ressalta-se que a aplicação irrestrita das “punitive damages” encontra óbice regulador em nosso ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002, já vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e, após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002 (...)” 4.5 DANO EMERGENTE Em vias de decidir o valor da causa, a Relatora menciona que “a vida dos familiares fica em suspenso até que se realize o funeral”. Isto pode ser relacionado com o Dano Emergente da responsabilidade civil. Uma interpretação do Prof. Clóvis apud Facchini Neto (2002), pode ser feita, relacionando ao presente caso: o dano emergente surge a partir da privação de uma pessoa da possibilidade de gozar dos prazeres da vida, próprios de sua idade cultural e meio social em que vive, ou seja, prejuízos causados no lazer da pessoa afetada. 14 __________________________________________________________________________________________ João Borja. Porto Alegre: UFRGS, 2016 REFERÊNCIAS FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo código, São Paulo: Saraiva, 2002. MAGRO, Alexandra Lago. Exceção ao princípio da reparação integral do dano na responsabilidade civil objetiva. Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Direito Civil Aplicado da UFRGS, 56 fls., 2011. NORONHA, Fernando. Responsabilidade civil: uma tentativa de ressistematização. Revista de direito civil, imobiliário, agrário e empresarial, São Paulo: RT, v. 17, n. 64, 1993. RIO DE JANEIRO. Apelação Cível nº. 0061604-42.2009.8.19.0001 TJ/RJ, relatado pela Dr. Des. Teresa de Andrade Castro Neves, tratando de um caso de acidente aéreo. Rio de Janeiro, 05 de maio de 2010.
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