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DANO PUNITIVO, LESÃO LUCRATIVA E DANOS BAGATELARES

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27/05/2021 Envio | Revista dos Tribunais
https://revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/25
Dano punitivo, lesão lucrativa e danos bagatelares
DANO PUNITIVO, LESÃO LUCRATIVA E DANOS BAGATELARES
Punitive damages, profitable injury and bargainable damages
Revista dos Tribunais | vol. 1013/2020 | p. 21 - 61 | Mar / 2020
DTR\2020\1807
Paulo Roberto Athie Piccelli
Mestrando em Direito Civil – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Especialista em
Direito Imobiliário – MBA FGVLaw. Especialista em Direito Civil e Empresarial – IBMEC. Presidente da
Comissão de Direito Imobiliário (2019) da OAB/SP – 101º Subseção. Professor em Direito Civil do
Curso Damásio Educacional. Advogado. piccelli@aepadvogados.com.br
 
Área do Direito: Civil
Resumo: A finalidade deste trabalho é analisar se a aplicação da função dissuasória da
responsabilidade civil tem cumprido sua finalidade no Brasil. Para tanto, buscaremos trazer os princípios
básicos da responsabilidade civil com ênfase na aplicação da indenização punitiva e sua evolução
histórica no mundo. Após, trataremos da relação dos punitive damages com o enriquecimento sem
causa e dos critérios para fixação das indenizações analisando decisões proferidas pelo C.STJ.
Atualmente, a jurisprudência pátria tem sido mais sensível na análise dos danos extrapatrimoniais e no
emprego da indenização punitiva, todavia, apesar do desenvolvimento do tema, ainda há um longo
caminho a ser trilhado para que a verdadeira finalidade deste instituto seja alcançada.
 
Palavras-chave: Responsabilidade civil – Função dissuasória – Punitive Damages – Ilícito lucrativo –
Lesão lucrativa – Danos bagatelares – Fator de desestímulo – Indenização punitiva
Abstract: The objective of this work is to analyze the position of national jurisprudence regarding the
application of the deterrent function of civil liability and the social impacts of these positions. To this
end, we will seek to bring the basic principles of civil liability with emphasis on punitive damages and
their historical evolution in the world. Next, we will address the relationship between punitive damages
and unjust enrichment and the criteria for fixing damages, as well as the so-called trivial and illicit
lucrative damages. Currently, the courts have been more receptive to off-balance sheet damages and
the use of punitive damages, however, as will be demonstrated, despite the evolution of the issue,
there is still a long way to go for the true purpose of this institute to be achieved.
 
Keywords: Liability – Deterrent function – Punitive damages – Illicit profit – Profit Injury – Bagatelary
Damage – Factor of discouragement
“Entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c'est la liberté qui
opprime et la loi qui affranchit.”
Jean-Baptiste-Henri Dominique Lacordaire (1802-1861)1
Sumário:
 
1 Introdução - 2 Dano Moral e a Dignidade da Pessoa Humana - 3 Evolução Histórica e Aplicação da
Indenização Punitiva em Outros Países - 4 Critérios para Fixação da Indenização Punitiva, o
Enriquecimento sem Causa e a “Indústria do Dano” - 5 Lesão Lucrativa e Danos Bagatelares - 6
Conclusão - 7 Bibliografia
 
1 Introdução
Por meio do presente estudo, concluir-se-á se a aplicação da indenização punitiva no Brasil tem
cumprido a finalidade real do instituto. A conclusão ocorrerá, em primeiro lugar, pelo estudo dos danos
morais e sua relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Após, analisar-se-á a evolução histórica da indenização punitiva no mundo e seus reflexos no
ordenamento jurídico pátrio, em seguida dissecaremos o instituto do punitive damages, bem como os
critérios para sua fixação, e ainda: se há ou não relação direta desta figura jurídica com o
enriquecimento sem causa.
Por fim, examinar-se-á a relação da função pedagógica da responsabilidade civil2 com a chamada lesão
lucrativa3 e os danos bagatelares4.
Classicamente, o objetivo da reparação civil é proporcionar, tanto quanto possível, que a vítima retorne
ao estado anterior ao dano sofrido, com base no princípio da restitutio in integrum, que impõe àquele
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https://revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 2/25
que causou o dano a obrigação de levar a vítima ao statu quo ante por meio de uma indenização civil.
Ensina o professor Cavalieri Filho:
“O anseio de obrigar o agente causador do dano a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento
de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente
existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse
equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o
princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à
lesão. Isso se faz por meio de uma indenização fixada em proporção ao dano. Indenizar pela metade é
responsabilizar a vítima pelo resto (Daniel Pizzaro, in Danos, 1991). Limitar a reparação é impor à
vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados.”5
Sabe-se que, em regra, é a vítima que suportará todos os danos sofridos6, todavia, quando
demonstrados os requisitos ensejadores para responsabilização do agente7 causador do dano, nasce a
possibilidade de requerer a restituição que, neste estudo, será enfocada nos danos extrapatrimoniais,
mais especificamente nos danos morais.
A dor, angústia, tristeza, perda do desejo de viver8, não podem ser precificadas, mas mesmo assim,
nos casos onde a conduta do agente causa um dano que vai além da esfera patrimonial (ou material), é
imprescindível que haja uma quantificação para indenização, não apenas para reparar o sofrimento da
vítima (vista que nem sempre será possível repará-lo), mas principalmente para evitar que a conduta
causadora do dano se perpetre.
Nesse contexto é que se encaixa o conceito de indenização pedagógica, isto é, aplica-se uma dupla
indenização, onde uma quantia se destina a reparar o dano causado e promover a restituio in
integrum9, enquanto o outro valor tem a finalidade de inibir a conduta reprovável e potencialmente
danosa.
Pede-se venia para frisar que o princípio da resitutio in integrum10 deve sim servir de norte para a
responsabilização do agente causador do dano, mas não pode ser o único baldrame, é imprescindível
que haja, também nesse ponto, uma evolução a fim de que a responsabilidade civil seja vista de uma
ótica mais ampla, analisando a atividade, a forma de agir, o tempo e tantas outras características
daquele que causa o dano, visto que na sociedade atual pode ser considerada uma utopia trazer a
condição anterior às vítimas de determinados danos.
Contudo, essa dinâmica (de apuração das variáveis para quantificação da indenização) não é simples
quando tratamos, por exemplo, de grandes empresas numa sociedade massificada, pois a apuração do
ato ilícito vai muito além do dano causado e da conduta reprovável, abrange todos os valores que a
grande empresa deixou de gastar com a prática daquele ato e, ainda, outras pessoas que sofreram
danos considerados de “menor potencial” e deixaram de serem reparadas pela ignorância do próprio
prejuízo e, portanto, não se socorreram da justiça, além de tantos outras variáveis.
Nesse raciocínio, após o enfrentamento de tantas problemáticas, deparamo-nos com outra barreira: a
prevenção do poder judiciário.
O termo prevenção foi utilizado para ilustrar o conservadorismo que ainda paira nos tribunais pátrios,
com todas as venias, e impede, por muitas vezes, a aplicação da indenização punitiva de uma forma
que possibilite o combate real às atividades danosas e, por consequência, alguma reparação à vítima
(já que a restitutio in integrum, nos dias de hoje, pode ser considerada uma utopia em alguns casos).
Apesar da evolução do tema, os casos em que se aplicam a indenização punitiva ainda contemplam
quantias ínfimas frente aos danos causados (em sua grande maioria), enquanto a outra partedos
julgadores ainda se finca na falta de previsão legal ou no combate à chamada “indústria do dano”11 e
ao enriquecimento sem causa12.
A jurista Luciana Gattaz, ao realizar pesquisa jurisprudência nacional no STF, STJ e nos Tribunais de
Justiça do Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, Distrito Federal e Territórios,
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, constatou que
“[...] dos 101 (cento e um) acórdãos analisados, apenas 9% admitem a aplicação dos punitive
damages no direito brasileiro, sendo que 22% não admitem e 69% admitem uma aplicação ‘restrita’, ou
seja, com ressalvas.”13
Em que pese a alegação da ausência de um dispositivo específico para aplicação da indenização
punitiva, entendemos que os dispositivos legais presentes no ordenamento jurídico pátrio14 são
suficientes para instituir o desestímulo à atividade danosa ou potencialmente danosa.
No Direito Espanhol, Fernando Pantaleón critica a literalidade do art. 1.902 do Código Civil
(LGL\2002\400):
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“[...] es palmariamente insuficiente para dar respuestas sensatas a los problemas prácticos que está
llamado a solucionar: porque se limita a incorporar un principio elemental de justicia conmutativa, que
sólo ha podido parecer una norma jurídica directamente aplicable ala luz de las velas del gabinete, o de
la celda sin ventanas, de un iusnaturalista racionalista.”15
Contudo, para o Mestre Rogério Donnini, é dispensável a criação de novo dispositivo legal no sistema
legal nacional:
“Em uma sociedade de massa, com lesões constantes e evidente dano social, a inobservância da função
punitiva da responsabilidade civil ou valor de desestímulo infringe, inicialmente, a função social da
responsabilidade civil, que consiste na reparação proporcional, justa adequada, realizada por meio de
uma indenização em consonância com a realidade financeira e econômica das partes, além da
prevenção de danos, funções que integram o princípio que denominamos da responsabilidade
(neminem leadere e iustitia protectiva), que se faz presente em nosso ordenamento jurídico no art. 5º,
XXXV, da Constituição; arts. 12, 186,187 e 927 do Código Civil (LGL\2002\400); art. 6º, VI, do Código
de Defesa do Consumidor, entre outros. Além disso, há o dever de instituir um desestímulo ao lesante,
com a finalidade de que o ato ou atividade danos cesse e, como consectário, não atinja outras pessoas,
especialmente se praticado de forma contumaz. Não existe, como dissemos, a necessidade de um
dispositivo específico para acolhimento do valor de desestímulo ou punitive damages, tendo em vista
que as ponderações de justiça que integram nosso ordenamento jurídico nos planos constitucional e
infraconstitucional, tais como: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF (LGL\1988\3)),
solidariedade (art. 3º, I, da CF (LGL\1988\3)), segurança (art. 6º, caput, da CF (LGL\1988\3)), justiça
social (art. 170, caput, da CF (LGL\1988\3)), vedação ao abuso de direito (art. 187 da CF
(LGL\1988\3)), função social dos institutos de Direito Privado, da responsabilidade civil, inclusive, entre
outras, princípios ou, mais precisamente, cláusulas gerais, que exercem função primacial, e não apenas
permitem a aplicação desse instituto, mas impõem a utilização dessa inibição à atividade danosa.”16
O enunciado 379, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, confere interpretação extensiva ao art. 94417
do Código Civil (LGL\2002\400): “O art. 944, caput, do Código Civil (LGL\2002\400) não afasta a
possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”.
Ainda no que diz respeito à quantificação, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
(LGL\1942\3)18 dispõe em seu art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
A equidade é princípio geral de direito que auxilia na aplicação das normas, e pode ser conceituada
como uma espécie de liberdade conferida ao julgador para solucionar o caso concreto da maneira mais
adequada, na falta de norma específica19, sendo ferramenta indispensável no abalançamento do
Magistrado para a definição do quantum, para Pietro Perlingieri:
“Digna de atenção é a estrada escolhida pela jurisprudência de alguns Tribunais que, reafirmando ora a
necessidade de ressarcir o dano físico ou moral, como tal, ora a autonomia conceitual do dano à saúde,
evidencia a oportunidade de uma liquidação equitativa. Esta tem a vantagem da flexibilidade e da
maior adequação às exigências e às circunstâncias da fatti-specie concreta, mas, para evitar aplicações
distorcidas, tem de ser especificada. Ela não pode consistir em uma operação arbitrária, mas em uma
avaliação discricionária que leve em consideração as particularidades existenciais da pessoa, isto é,
aquelas exigências conaturais à sua personalidade e atinentes ao seu livre desenvolvimento e às suas
intrínsecas manifestações. Desse modo, a avaliação equitativa (art. 1.226 do Cód. Civ.) é fortemente
personalizada, individualizada, superando-se qualquer critério rígido e mecânico de avaliação em
contraste com o art. 3, § 2º, Const. Que postula tratamentos diferente em presença de condições
desiguais. Assim, especial será o dano ao ouvido de um esportista ainda que não profissional que ama
nadar ou para quem se dileta a ouvir música; assim como será especial o dano na perna de quem mora
em um dos últimos andares de um edifício sem elevador. A avaliação equitativa prescinde do
rendimento individual ou pro capitae e concentra-se nas consequências que o dano produz nas
manifestações da pessoa como mundo de costumes de vida, de equilíbrios e de realizações
interiores.”20
Contudo, mesmo diante dos dispositivos e da base principiológica, ainda há resistência dos tribunais na
aplicação dos punitive damages sob os pretextos de falta de previsão legal e do enriquecimento sem
causa21:
“Agravo em Recurso Especial 1.522.638/DF (2019/0170682-8). Relator: Ministro Luís Felipe Salomão.
Agravante: Hospital Prontonorte S/A. Advogados: Terence Zveiter e outro(s). Amanda Bertolin Alves.
Agravado: Nair Madalena Coutinho Macedo, repr. por: Claudia Maria Pereira Macedo – Curador
advogado: Fabio Vivan Pampado e outro(s). Decisão1. [...]. In casu, o dano moral experimentado pela
autora (idosa e portadora de Alzheimer) é evidente, haja vista que sofreu lesão no ombro durante o
período de internação no nosocômio, tendo permanecido sem o devido tratamento médico para a
redução das dores por 13 dias. 8.2. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de
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razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos
danos sofridos, as circunstâncias do caso (dores físicas, tempo para o diagnóstico da lesão no ombro,
condições físicas da paciente etc.), a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (instituição
hospitalar) e a prevenção de comportamentos futuros análogos. Normativa da efetiva extensão do dano
(CC (LGL\2002\400), art. 944). Nesse passo, é de se majorar o valor fixado na sentença para R$
15.000,00. 9. A figura do dano punitivo (punitive damages), como o próprio nome remete, diz respeito
à ideia de indenização punitiva, consistindo num montante conferido ao autor de uma ação
indenizatória em valor muito superior ao necessário para compensar seu prejuízo, visando a inibir a
repetição da conduta, servindo de exemplo para a sociedade. 9.1. Ainda que possua semelhanças com
a teoria do valor do desestímulo, incabível a fixação de danos punitivos de forma autônoma no caso,
ante a ausência de previsão legal, sob pena de enriquecimento sem causa. Ademais, a punição
imediata é tarefa específica do direito administrativo e penal. 10. Pedido de desistência do recurso
adesivo de fls. 256-283 homologado. Recurso de apelação do réu conhecido e desprovido. Recursoda
autora conhecido e parcialmente provido para majorar o valor dos danos morais. Sentença reformada
em parte. Honorários recursais fixados.”
É imprescindível que os operadores do direito se atentem para a importância da função dissuasória da
indenização, a fim de que a responsabilidade civil surta um efeito de reorganização econômica e social
àqueles que exercem atividades danosas (ou potencialmente danosas). No raciocínio de Nelson
Rosenvald:
“Aos acadêmicos de direito ensinamos que o propósito de uma indenização é fazer como que se o ilícito
jamais houvesse ocorrido. Essa declaração, todavia, é fonte de perplexidade, servindo apenas como
cortina de fumaça para simular as difíceis questões de políticas públicas que juízes são obrigados a
confrontar. O dinheiro é incapaz de desfazer perdas graves e parece mesmo uma piada cruel dizer que
uma condenação pecuniária possa restituir a integridade de uma pessoa seriamente lesada. Pior ainda,
se o dinheiro fosse capaz de tornar uma pessoa lesada saudável, parece então que prejudicar alguém e
depois pagar é tão bom quanto não prejudicar. O grave problema da responsabilidade civil brasileira
consiste na miopia de preservar o paradigma puramente compensatório, em detrimento de um modelo
plural e aberto que possa albergar a civilizada convivência de remédios reparatórios, restituitórios e
punitivos, cada qual dentro de seus pressupostos objetivos.”22
Ainda cultiva-se a ideia de que a “importação” do instituto do punitive damages não é medida
escorreita no Brasil por conta das diferenças entre o sistema romano-germânico23 e o da Common
Law24, todavia, conforme demonstraremos nos capítulos seguintes, não é necessário que o instituto
seja simplesmente trazido na íntegra, podem e devem haver limitações e alterações, mas para isso é
imprescindível uma mudança na mentalidade da sociedade como um todo (não apenas dos tribunais ou
dos que desenvolvem atividades de risco).
2 Dano Moral e a Dignidade da Pessoa Humana
No Digesto 1.1.10.1, Ulpiano conceitua os preceitos do direito que, em tese, deveriam ser suficientes
para solucionar todas as celeumas que se apresentam no desenvolvimento de uma sociedade, pois são
preceitos incutidos no íntimo de todos os seres humanos (ou ao menos deveriam)25, são eles: viver
honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu (Iuris praecepta sunt haec: honeste
vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere)26.
Em artigo tratando a respeito da boa-fé (bona fides), ensina o Professor Rogério Donnini27,
conceituando de forma admirável os preceitos de Ulpiano:
“O segundo preceito de Ulpiano, alterum non laedere ou neminem laedere (a ninguém lesar),
considerado elemento negativo da justiça, advém da filosofia epicurista, que propaga o direito como
resultado de um compromisso de utilidade, ou seja, com a ideia de não se ofender reciprocamente, que
tem sua origem no Direito Natural. De acordo com essa corrente filosófica, a proposta era de uma
busca da felicidade, entendida esta como o bem-estar individual e coletivo. Sendo assim,
diferentemente dos estoicos, que pugnavam como regra de vida a observância à razão, à natureza e à
virtude, a filosofia epicurista não guarda relação com o cálculo da justa parte que deve corresponder a
cada um, mas o de não causar prejuízo a outrem, não lesar (non laedere), verdadeiro óbice à livre ação
ou omissão que cause danos a outrem e que exerce o papel não apenas na reparação da ofensa, mas,
sobretudo, como maneira de prevenção de lesões. O terceiro preceito, dar a cada um o que é seu
(suum cuique tribuere) traduz a noção do justo e do injusto, idealizada especialmente por Aristóteles e
indica a justiça distributiva, que versa sobre a divisão de dignidades, das funções e das vantagens
sociais, não com fundamento na igualdade estrita, mas na ideia de proporcionalidade.”
É, em suma, como preceitua Ulpiano, a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe cabe,
que se vale dos dois outros preceitos (elemento negativo e moral da justiça: neminem laedere e
honeste vivere, respectivamente).
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O primeiro preceito, que tem especial relevo para este estudo, é o moral (viver honestamente), que
retrata justamente a moral estoica, que estabelece a honestidade como um bem supremo.
Para o estoicismo, a virtude está acima de tudo e é imposta por todo o universo, haja vista que a
natureza é dominada pela razão e esta regula a natureza do homem. Desta forma, o que corresponde à
razão prática e às concepções da ética é, simultaneamente, natural. Um homem justo, correto, era
aquele que cumpria com sua obrigação proveniente de um contrato.
Portanto, agir com correção estava vinculado ao respeito aos direitos do outro contratante, com a
efetivação daquilo que foi prometido, pactuado. Essa ação justa, correta, proporcional, resultou na
denominada iustitia commutativa. Contudo, no Direito justinianeu, honeste vivere passou a ter um
significado mais amplo, que abarcou a boa-fé (bona fides), a ideia de justiça e também de lealdade.
Assim, a noção de bona fides (boa-fé) está relacionada a honeste vivere, pois honestus tem relação
com virtus (de vir) e com honor.
Contudo, apesar de tais preceitos (especialmente alterum non leadere, que é de maior relevância para
este estudo), antes da Carta Política de 1988, prevalecia na jurisprudência tese de que o dano moral
era irreparável, isso por influência do Código Civil de 1916, que praticamente28 não tratava desse tipo
de dano29.
Com o advento da Constituição Federal vigente, a pessoa passou a ser tratada de forma muito mais
especial, com valor e dignidade30. Na feliz síntese de Luiz Edson Fachin, a respeito da
despatrimonialização do direito privado:
“A pessoa, e não o patrimônio, é o centro do sistema jurídico, de modo que se possibilite a mais ampla
tutela da pessoa, em perspectiva solidarista que se afasta do individualismo que condena o homem à
abstração. Nessa esteira, não há, pois, direito subjetivo arbitrário, mas sempre limitado pela dimensão
coexistencial do ser humano. O patrimônio, conforme se apreende do exposto por Sessarego, não deixa
de ser centro do Direito, mas a também a propriedade sobre os bens é funcionalizada ao homem, em
sua dimensão coexistencial.”31
Na mesma linha, Pietro Perlingieri:
“Individualiza-se uma tendência normativa-cultural; se evidencia que no ordenamento se operou uma
opção, que, lentamente, se vai concretizado, entre personalismo (superação do individualismo) e
patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do
consumismo, depois, como valores).”32
A importância de reparar o dano (que afeta à dimensão espiritual e sentimental), que não é
quantificável, passa então a ser relevante no ordenamento jurídico pátrio, o ser humano torna-se
passível de indenização independentemente de sua capacidade de gerar renda, de acordo com Carlos
Fernandez Sessarego:
“É importante assinalar que, como resulta evidente na atualidade, para o efeito da reparação de um
dano à pessoa humana, esta deve ser considerada no que ela, em si mesma, significa e representa. Daí
que deve deixar-se de lado qualquer critério que pretenda estimá-la em função da renda que produz.
Uma criança, um desocupado, um ancião, um tetraplégico, um enfermo mental, uma tradicional dona
de casa, que não geram renda, não podem, por aplicação de um critério errôneo e superado, ficar
injustamente à margem, juridicamente desamparados. Eles também, sem embargo de não gerar
riqueza material, são seres humanos suscetíveis de ser lesionados.”33
O homem torna-se o epicentro da relação jurídica, o valor da pessoa passa a ser tutelado com viés
humanista, na lição de Carlos Ghersi:
“Sem respeito pelo ser humano não existe convivência em paz. Isso não só deve ser encarado desde a
norma como ferramenta de controle e harmonização social, como desde a realidade dos
acontecimentos vitais; entre eles devemos destacar a transcendênciado processo econômico e do
sistema distributivo de riqueza, como resposta que consolide esse respeito e essa convivência.”34
A palavra dignidade, de acordo com o dicionário Houaiss, tem o seguinte significado: “1. Característica
ou particularidade de quem é digno; atributo moral que incita respeito; autoridade. 2. Maneira de se
comportar que incita respeito; majestade [...], dentre outros”.35
O Doutor Alexandre de Moraes define a dignidade da pessoa como:
“[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito
por parte das demais pessoais, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos
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direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as
pessoas enquanto seres humanos [...].”36
Sendo a dignidade atributo moral, torna-se relevante trazer a explanação constante na obra da
Professora Giselda Hironaka:
“A manutenção e preservação da dignidade humana vislumbrada sob o ângulo objetivo da antropologia,
quer dizer, mais especificamente sobre aspectos físicos do ser humano tais como a vida, integridade
física do homem, não desperta maiores dúvidas ou questionamentos quando desencadeada análise
acerca da ocorrência de dano e consequentemente responsabilidades pela reparação respectiva. Não
escapa ao senso comum do homem, a constatação da ocorrência de danos à vida ou à integridade física
de determinada pessoa. O bom senso, o senso comum, a prudência e o equilíbrio na interpretação dos
fatos definirão sua ocorrência e grau quantitativo da lesão, além da própria tipicidade legal. Já, no que
se refere à verificação da ocorrência de dano às qualidades morais da pessoa humana (trazidas pelo
dicionário como sinônimo de dignidade), a dificuldade aqui já se apresenta com maior relevo.
Qualidades morais são bens imateriais ligados à pessoa humana, cuja definição e aferição de eventual
ocorrência de lesão reclamam uma análise filosófica da questão. Onde se situa o dano moral? O desate
dessa questão reivindica uma parada, dado que se fala em lesão à moral (e tenho para mim que
devemos evitar o termo dor moral), deve-se conceituar o que, juridicamente, se deva entender por
moral. Etimologicamente, moral vem do latim (mos-moris) e quer dizer costume. O conceito de moral é
puramente filosófico. A moral é uma ciência que tem por objeto as leis da vontade para alcançar o bem.
Para melhor entendimento: se, na lógica, você procura estudar as leis da inteligência para alcançar a
verdade, na moral, as regras são relativas à vontade, à faculdade de querer. Há quem defina a moral
como a ciência do bem e do mal, ou seja, a ciência da vontade. Apesar da moral ter um único objeto,
nela se distinguem duas partes: uma teórica, outra prática. Na teórica, ocupa-se da existência de uma
lei moral ou quais condições de moralidade e qual a relação de liberdade com essa moralidade. Na
prática, aplica-se a lei moral aos atos livres do homem. E aí nasce a moralidade individual, a social, a
doméstica, apolítica, a religiosa etc. Nesse último sentido, entende-se facilmente, o intuito da moral é
dirigir o homem para o bem, ou seja, dirigir as ações do homem para o bem. Por isso, podemos afirmar
que a moral é o que deve ser, enquanto o direito é o ser. Em outras palavras: o direito é; a moral deve
ser. Melhor dito: o direito opera no campo do ser, enquanto que a moral opera no campo do dever
ser.”37
A moral, portanto, é fenômeno individual, que pode unir ou separar pessoas, na obra Direito e Justiça
(Om ret og retfaerdighed)38, Alf Ross ensina que:
“Em toda comunidade há uma tradição cultural viva que encontra expressão em ideias mais ou menos
uniformes sobre a conduta que cumpre assumir numa dada situação. Como será demonstrado na
sequência, com maiores detalhes [...], essas ideias são incalculadas no indivíduo durante seu período
de crescimento através da pressão do seu ambiente social. Desde a tenra infância (ou seja, desde que
é um bebe), a criança é exposta a um bombardeio de impressões que moldam sua postura. Aprende a
comer, beber e falar, e assear-se, a dizer ‘como vai?’, a apertar as mãos das pessoas. A não dizer
mentiras ou praguejar, a ser trabalhador e cumprir a palavra empenhada. E assim a criança cresce, por
assim dizer dentro de um vasto conjunto de regras de vida que ela absorve gradualmente e que se
manifestam como atitudes automáticas que, em dadas situações, levam o selo da validade. Estas
regras são sensivelmente vividas como regras morais quando entram em conflito com os desejos do
indivíduo. Se não houver conflito, são experimentadas como convenção; por exemplo, as regras de
polidez, da urbanidade, do vestir etc. Embora essas regras tenham uma origem social, sendo, portanto,
mais ou menos uniformes entre os povos que vivem no meio social, constituem, não obstante,
fenômenos individuais. Não se acham ligadas a normas de competência que instituem autoridade
comum capacitadas a determinar e estabelecer normas gerais e autorizar sanções por conta da
comunidade.”39
Na Constituição Federal de 1988 o vocábulo “moral” aparece 12 (doze) vezes, destacam-se para objeto
deste estudo os incisos V e X do art. 5º:
“V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
[...]
“X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...].”
A respeito da dignidade da pessoa humana e da violação de direitos com resultado em dano moral,
Antonio Jeová dos Santos explica que a pessoa humana é concebida como um ser de eminente
dignidade, caracterizado por sua razão e liberdade, e ainda acrescenta que a privacidade é um plus à
dignidade humana:40
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“Da dignidade, da autonomia e da inviolabilidade da pessoa extraímos a ideia de que o homem é
portador em si mesmo de um valor moral intrasferível e inalienável, que lhe foi atribuído pelo puro fato
de ser um homem, quaisquer que sejam suas qualidades individuais, ainda que se trate de um
criminoso, de um fugitivo ou de um réu. Desta maneira, o homem não pode ser reduzido a coisa, a
objeto, como no período escravocrata. Daí o respeito a todos os direitos da personalidade. Em havendo
violação, o dano moral há de ser ressarcível da forma mais completa possível, a fim de impedir que o
infrator continue em sua faina violadora de direitos alheios.”41
Para o C. STJ, sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana,
dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral42, a Ministra Nancy
Andrighi, em seu voto,43 trata a relação do princípio da dignidade da pessoa humana com a reparação
por danos morais com a atenção que o tema debela:
“O reconhecimento do dano moral como categoria de dano indenizável, mesmo antes da edição do
novo Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro, enfrentou uma rápida evolução decorrente de sua
conformação aos paradigmas da Constituição Federal de 1988. A priorização do ser humano pelo
ordenamento jurídico nacional exige que todo o Direito deva convergir para sua máxima tutela e
proteção. Desse modo, exige-se o pronto repúdio a quaisquer violações dirigidas à dignidade da
pessoa, bem como a responsabilidade civil quando já perpetrados os danos morais ou
extrapatrimoniais. Destarte, a partir da consagração do direito subjetivo constitucional à dignidade, o
dano moral deve ser entendido como sua mera violação. Partindo dessa premissa, Sergio Cavalieri Filho
conclui que o “dano moral não mais se restringe à dor, tristezae sofrimento, estendendo sua tutela a
todos os bens personalíssimos [...].”44Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações, que
costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no
próprio dano, mas têm nele sua causa direta. Noutras palavras, não é a dor, ainda que se tome esse
termo no sentido mais amplo, mas sua origem – advinda de um dano injusto – que comprova a
existência de um prejuízo moral ou imaterial indenizável.45 Nesse compasso, a jurisprudência do STJ,
incorporando a doutrina desenvolvida acerca da natureza jurídica do dano moral, conclui pela
possibilidade de compensação independentemente da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em
consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser
humano. Assim, em diversas oportunidades, se deferiu indenização destinada a compensar dano moral
diante da simples comprovação de ocorrência de conduta injusta e, portanto, danosa. O estudo
doutrinário acerca da definição do que seja concretamente a dignidade da pessoa humana revela
tratar-se de uma noção fluida, plástica e plural; traduz um valor aberto que “funciona tanto como
justificação moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais”.46
“Pode-se, portanto, concluir que onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito
pela Carta Constitucional, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da
dignidade do ser humano. [...] A partir dessas considerações, pode-se inferir que a legítima defesa e o
estado de necessidade, este sustentado pela primeira recorrida em contrarrazões, são aptos a afastar a
ilicitude do ato praticado, o que é corroborado pelo texto expresso do art. 160, II, do CC/16
(LGL\1916\1) (art. 188, II, do CC/02 (LGL\2002\400)). Todavia, a adoção da restitutio in integrum no
âmbito da responsabilidade civil por danos, sejam materiais ou extrapatrimoniais, nos conduz à
inafastabilidade do direito da vítima à reparação ou compensação do prejuízo, ainda que o agente se
encontre amparado por excludentes de ilicitude, nos termos dos arts. 1.519 e 1.520 do CC/16
(LGL\1916\1) (arts. 929 e 930 do CC/02 (LGL\2002\400)). [...] Destarte, reconhecido o dano moral
puro e in re ipsa decorrente diretamente da situação excepcional que determinou a retirada dos
recorrentes de seus lares, necessária se faz a fixação do quantum indenizatório destinado à
compensação do referido dano, uma vez que a responsabilidade das recorridas – solidária e objetiva –
fora reconhecida expressamente pelo Tribunal de origem e não foi impugnada, seja pelo recurso
especial, seja em sede de contrarrazões.”( STJ, REsp 1.292.141/SP (2011/0265264-3), 3ª T., rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em: 04.12.2012, publicado em: 12.12.2012).
É irrefragável a evolução do prestígio ao ser humano e tudo o que lhe é inerente no Brasil, contudo,
trata-se de tema que ainda precisa de amadurecimento, pois, se ainda enfrentamos dificuldades na
análise do que fere ou não a dignidade de um ser humano, certamente encontramos obstáculos ainda
maiores na aplicação de indenização para coibir a conduta que agride à dignidade e reparar, tanto
quanto possível, a violação ao direito da vítima do dano.
Rogério Donnini47 se manifestou a respeito desta necessidade de amadurecimento:
“Sob a influência de autores franceses e italianos, cujas ideias foram lançadas no século XIX e no início
do século XX, nossos tribunais rechaçaram, na esmagadora maioria dos pleitos, ao longo de quase cem
anos, a possibilidade de reparação desses danos extrapatrimoniais que, posteriormente, em um
primeiro momento, eram admitidos desde que fossem suportados juntamente com os danos
patrimoniais. Apenas a partir dos anos 1980 e, especialmente, depois do advento da Constituição
Federal de 1988, vários julgados passaram a admitir o ressarcimento dessa lesão, mesmo que
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desvinculada de danos materiais. O certo é que entre nós sempre houve uma enorme resistência na
fixação de indenização para este tipo de lesão e um cuidado exagerado no arbitramento de valores
mais elevados, muitas vezes desproporcionais à magnitude e à extensão do dano, além de uma
excessiva preocupação em não se permitir um enriquecimento sem causa do lesado como se o dano
inexistisse. Portanto, é recente a admissão no Brasil dos danos morais e patente a resistência na sua
aplicação ao longo de decênios, razão pela qual tarefa muito mais difícil tem sido invocar a função
punitiva da responsabilidade civil, haja vista que, tradicionalmente, o que impera entre nós é apenas a
denominada função reparatória. Posto claramente existente, a função preventiva não tem merecido a
mesma atenção, seja da doutrina ou da jurisprudência, mesmo porque, desvinculada da função
punitiva, pouca ou nenhuma efetividade possui. Em verdade, quando um juiz condena alguém a pagar
um importância a título de punição, seja invocando o que se denomina na common law punitive
damages, ou aplicando o fator de desestimulo, cuja nomenclatura pode ser, ainda, meio dissuasório ou
pedagógico, está-se diante da teoria da dupla função da indenização por danos morais, ou seja, é
arbitrada uma soma pela violação a um dos direitos da personalidade (dano moral), seguida de outra
destinada a combater o ato ou a atividade ilícita altamente reprovável.”48
Portanto, em uma sociedade que cresce velozmente e consequentemente está sujeita, cada vez mais,
ao risco de sofrer os mais variados tipos de lesões, é importantíssimo que haja um olhar mais atento à
indenização punitiva. Sob a lupa da dignidade, a moral e a ética devem ser ressuscitadas pelos nossos
tribunais e pela sociedade, pois, no afã do crescimento em massa, o princípio da dignidade da pessoa
humana, talvez o princípio mais importante do ordenamento jurídico pátrio, tornou-se banal.
3 Evolução Histórica e Aplicação da Indenização Punitiva em Outros Países
O princípio alterum non leadere é a pedra angular do artigo 5º, XXXV, da Carta Magna: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”49. Esta previsão legal abrange as
funções reparatória e preventiva da responsabilidade civil.50
Além dessas duas funções, há uma terceira função, que é o mote deste trabalho, a função punitiva51,
dissuasória ou pedagógica, ainda chamada de fator desestímulo, trata-se do emprego da indenização
exemplar, daquela que combate a atividade que causa dano52 (ou que tem grande potencial danoso).
A finalidade da indenização punitiva é ensinar ao ofensor que a conduta dele, caso se perpetre, trará
prejuízo financeiro, ou seja, aplica-se um valor que sirva como desestímulo da atividade danosa. Na
verdade, trata-se de uma dupla indenização, pois a quantia será dividida num montante que repare a
violação de um dos direitos da vítima (de personalidade, que dá ensejo ao dano moral), enquanto o
outro valor será destinado a inibir o comportamento ilícito.
Nessa linha de raciocínio, o Professor Pedro Ricardo e Serpa observa a face moralizadora da função
punitiva53:
“Por primeiro, e no que concerne à incidência da indenização punitiva, vale repisar que tal sanção se
destina exclusivamente a remediar condutas particularmente reprováveis, caracterizadas pela
intencionalidade do ofensor (que pode se restringir apenas à intenção de cometer o ato ilícito, impondo
um mal ao ofendido, ou, ainda, vir acompanhada de outras características ainda mais indesejáveis,
como a intenção de extrair vantagens financeiras do ato ilícito cometido) ou, no mínimo, de uma
flagrante e grosseira desconsideração em relação aos direitos alheios (o que, se não é o suficiente para
caracterizar o dolo, certamente se configura como culpa grave, muito aproximada daquela primeira
concepção). Para além disso, também se verificou que a indenização punitiva é uma sanção que atua
exclusivamente para assegurar a efetiva tutela de bens e interesses de especial relevância (em
particularaos direitos da personalidade, aos direitos e interesses metaindividuais e, ainda, o equilíbrio
social); não se imiscuindo no âmbito em que a indenização compensatória poderia atuar, ainda que
isoladamente, de maneira eficiente. Diante dessas premissas, pode-se afirmar que, no que toca à sua
incidência (e em retomada, ainda que parcial, do quanto se disse acerca do paradigma tradicional da
responsabilidade fundada na culpa), a indenização punitiva exerce uma “função moralizadora” (ou,
como preferimos denominar, punitiva): voltam-se os olhos ao passado, para sancionar com especial
rigor uma determinada conduta que se tenha caracterizado pelo mais alto grau de reprovabilidade, e da
qual resultaram lesões a bens e interesses de particular relevância484. Pune-se, assim, o ofensor,
fazendo-o suportar não apenas uma sanção compensatória, mas, também, uma outra, de índole
punitiva, para que ele experimente a reprovação da sociedade quanto ao ilícito por ele perpetrado.”54
Como vimos no capítulo anterior, a aplicação da função punitiva tem sido tarefa árdua em nossos
tribunais diante da “recente” admissão da indenização por danos morais, mas não deveria, pois é
possível verificar desde a antiguidade a presença desse tipo de reparação, tanto dos danos morais
como da aplicação da função punitiva.
Ao buscar as origens de tais previsões, encontramos raízes55 no Código de Ur-Nammu (2.040 a.C.),
Código de Hammurabi (1.700 a.C.), Código Hitita56 (1.600 a.C. -1.180 a.C.), Lei das XII Tábuas (450
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a.C.) e Código de Manu57 (Século II a.C.).
Ao contrário do que muitos acreditam, o punitive damages não nasceu nos EUA, mas na Inglaterra, no
século XVIII, por conta do julgamento do caso Wilkes v. Wood58, originado por grave abuso de
autoridade, conforme explana Thania Maria Bastos Lima Ferro59:
“Trata-se de uma ação de exemplary damages, intentada por John Wilkes contra Mr. Wood em
decorrência de um mandado genérico expedido por ordem do Secretário de Estado do Rei George III,
Lord Halifax, com vistas à prisão de suspeitos de envolvimento na publicação de um artigo anônimo no
Jornal The North Briton, cujo teor foi considerado ofensivo à reputação do monarca porque denunciava
seu autoritarismo. Na ocasião, foram presas 49 pessoas, entre elas Jonh Wilkes, que era membro e
oposição no Parlamento e o autor da publicação. Sua casa foi invadida por mensageiros do Rei e seus
livros e papéis apreendidos, tudo sob supervisão de Mr. Wood, então Subsecretário de Estado. A
argumentação do Autor era no sentido de que a sua residência não poderia ser punida, com vistas a
evitar que outros episódios se repetissem. O pedido foi acolhido e o júri arbitrou o pagamento de mil
libras a título de punitive damages.”60
Em que pese a origem na Inglaterra, foi nos Estados Unidos que o punitive damages (erroneamente
chamado de danos punitivos61) obteve maior força quando inserido na chamada Tort Law (conjunto
normativo que regulamenta a responsabilidade civil extracontratual), desde 1935, onde apenas cinco
estados americanos não acolheram o instituto62.
Nos Estados Unidos, o caso de maior destaque para estudo da indenização punitiva foi Grimshaw x Ford
Motor Co. Trata-se de um acidente ocorrido em 1972, na Califórnia, com um veículo da Ford, tomamos
emprestadas as palavras do colunista Renato Passos para descrever o acidente, dada sua gravidade63:
“A motorista, Lilly Gray, sofreu queimaduras graves por todo o corpo, resultando em sua morte por
insuficiência cardíaca. Já o passageiro Richard Grimshaw, à época com 13 anos de idade, também foi
severamente atingido pelo fogo, sendo desfigurado permanentemente por queimaduras em todo o
corpo, a despeito de um imenso número de cirurgias corretivas. Um acidente ocorrido em 1972, na
Califórnia, com um Ford Pinto parado em uma rodovia quando foi atingido na traseira por um Ford
Galaxie. A motorista, Lilly Gray, sofreu queimaduras graves por todo o corpo, resultando em sua morte
por insuficiência cardíaca. Já o passageiro Richard Grimshaw, à época com 13 anos de idade, também
foi severamente atingido pelo fogo, sendo desfigurado permanentemente por queimaduras em todo o
corpo, a despeito do carro. De acordo com perito contratado pelas vítimas, o tanque de gasolina do
Pinto foi empurrado para a frente após o impacto e perfurado por um flange ou parafuso da carcaça do
diferencial. Com isso, combustível pulverizado a partir do tanque adentrou o compartimento dos
passageiros e tomou conta da porção abaixo do veículo, tornando o incêndio que se iniciaria instantes
após o impacto incontrolável e mortal. Também teria ficado evidente que o espaço para absorção de
impactos entre o para-choques e o tanque, de apenas 10 polegadas (ou 25 centímetros), era menor
que qualquer carro americano contemporâneo ou do que qualquer outro Ford compacto vendido pelo
mundo, que também contavam com reforços estruturais na seção posterior e que se encontrava
ausente no Pinto. Seus concorrentes japoneses colocavam o tanque sobre o eixo, tornando-o mais
seguro. Fechando o circo dos horrores, alegava-se que um flange exposto e um conjunto de parafusos,
alinhados por sua cabeça na carcaça do diferencial, eram suficientes para perfurar o tanque de um
imenso número de cirurgias corretivas.”
Por conta do acidente, a Ford foi condenada a pagar indenização de R$ 2,516,00 ao passageiro
sobrevivente e aos herdeiros do outro integrante, também em indenização compensatória a quantia de
R$ 559,680, a título de indenização punitiva, o júri condenou a empresa ao pagamento de US$ 125
milhões que, posteriormente, foi reduzido para US$ 3,5 milhões64.
Cabe uma reflexão a respeito da “importação do instituto”, visto que por ser de responsabilidade de um
júri no sistema norte-americano, é, com frequência, aplicado de maneira desarrazoada com grande
exagero (no que tange ao valor da punição), mas isso não significa que não possamos adaptar a
indenização punitiva as nossas necessidades e cultura (brasileira), conforme ensina Rogério Donnini65:
“Sobre esse tema já me manifestei em outra oportunidade e asseverei que, ao menos no modelo da
punitive damages norte-americano, não seria adequada sua incidência entre nós, porque o sistema de
fixação para essa indenização nos Estados Unidos é da responsabilidade de um júri que, muitas vezes,
estabelece importâncias exorbitantes e, como consequência, desproporcionais à lesão causada, embora
atualmente exista algum controle da Supreme Court no excesso das cifras arbitradas, que examina a
relação entre o valor condenatório e o grau de reprovação de determinada conduta. [...] A
jurisprudência norte-americana, nos últimos anos, estendeu os limites da punitive damages – que,
antes, eram aplicadas, na maioria dos casos, em relações de consumo e comerciais – para as hipóteses
de ruptura imotivada de promessa de casamento, condutas maliciosas ou opressivas de empresas
prestadoras de serviço público, entre outras hipóteses [...]. Se o sistema da common law da
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indenização punitiva (punitive damages) é inadequado como aplicação no nosso ordenamento jurídico,
isso não significa que inexista a possibilidade de adaptação ou mesmo de mudança do nomen iuris para
fato ou valor de desestímulo. Todavia, esse montante deve ser de tal ordem que efetivamente
desestimule o ato ou a atividade danosa, dentro de um critério de proporcionalidade, de razoabilidade,
sob pena de se tornar inócua a reparação e seu efeito, favorecendo, assim, o lesante que, bem de ver,
persistirá nessa nefasta prática.”66
Na Itália, o Código Civil (LGL\2002\400) prevê a indenização por danos não patrimoniais apenas em
casos com expressa previsão legal67, todavia, as cortes têm admitido posicionamento extensivo para
aplicação da indenização pedagógica.
Entre as decisões, destaca-se o acórdão 16.601 da Corte di Cassazioni, que admitiua extensão ao art.
2.059 para aplicação da punitive damages em razão de acidente por vício em capacete de um
motociclista (que causou graves danos ao lesado), a decisão foi considerada um grande avanço para o
sistema legal italiano, como observa Francesca Benatti68:
“L’importanza della recente sentenza n 16601/2017 delle Sezioni Unite della Cassazione sta nell’aver
affrontato il tema della riconoscibilità in Italia di sentenze che liquidano i danni punitivi, superando
l’orientamento tradizionale e fornendo indicazioni utili al legislatore per un suo eventuale intervento.
Muovendo da indici normativi già presenti e alla luce di una mutata concezione della nozione di ordine
pubblico più adeguata ad una società globalizzata e multilivello, le Sezioni Unite riconoscono l’ormai
polifunzionalità della responsabilità civile. Per tale ragione è stabilita la tendenziale compatibilità tra i
punitive damages caratteristici dei sistemi di common law e il nostro ordinamento, quando sono tipiche
e prevedibili le ipotesi di condanna e vengono fissati limiti all’ammontare del risarcimento.Questa scelta
era auspicata dalla dottrina maggioritaria e si inserisce in una tendenza generale volta a considerare
sempre più rilevanti la sanzione e la deterrenza nell’illecito. Ciò è dovuto anche alle difficoltà di
raggiungere un’effettiva compensazione del danneggiato, soprattutto nei casi più gravi. Esemplificativa
di questa evoluzione è la decisione della Cour de Cassation francese che nel 20106 aveva adottato una
soluzione analoga a quella raggiunta dalle Sezioni Unite, permettendo il riconoscimento dei
provvedimenti che concedono i danni punitivi, purché non di ammontare eccessivo. Va, tuttavia,
osservato come la motivazione della sentenza che si commenta risulti più attenta e meditata di quella
francese e non solo per ragioni stilistiche. Seppure viene richiamato il principio di proporzionalità del
risarcimento quale criterio cardine, sono elencati con precisione i requisiti che i punitive damages
devono avere per la delibazione. Questo è apprezzabile per la complessità della figura e per la facilità
con cui essa può essere suscettibile di manipolazioni, soprattutto in ordinamenti che non hanno una
sufficiente esperienza nel suo impiego.”69
No Brasil, a indenização punitiva já tem sido aplicada, todavia, conforme demonstraremos ainda, não
cumpre sua função com perfeição, porque encontra obstáculos decorrentes do conservadorismo, como
a preocupação excessiva com o enriquecimento sem causa (que, como será demonstrado, não existe),
a falta de base legal (tema que já foi abordado no capítulo anterior) e com a utópica “indústria do
dano” (que também é utopia, uma vez que não pode existir demanda sem oferta, portanto, se não
existe indenização, não há indústria). Infelizmente, são “preocupações” que ofuscam o ponto mais
importante do tema: o desestímulo dos atos ilícitos que causam danos.
4 Critérios para Fixação da Indenização Punitiva, o Enriquecimento sem Causa e a “Indústria
do Dano”
Os critérios a serem observados para aplicação da indenização punitiva não possuem natureza
inabalável, quer dizer, tanto quanto possível, o magistrado deverá considerar as variáveis do caso que
se apresenta, atualmente a jurisprudência adota os seguintes parâmetros70: extensão do dano71;
culpabilidade do ofensor; capacidade econômica do ofensor; bem como os princípios da razoabilidade72
e proporcionalidade73.
Havendo condenação ao pagamento de indenização por danos patrimoniais e/ou morais em conjunto
com a aplicação da função dissuasória aqui tratada, é de boa técnica que estas sejam fixadas após
aquelas, isto é, conforme Thania Maria Bastos Lima Ferro74:
“A indenização punitiva deverá ser explicitada de forma separada das demais indenizações reparatórias/
compensatórias porque diverso o fundamento da condenação. Considerando-se que não existe no
ordenamento pátrio nenhum critério objetivo para fixação do quantum a título de indenização punitiva,
deverá o juiz, tal qual nos casos de indenizações por danos extrapatrimoniais, fazer o arbitramento dos
valores na sentença condenatória, com os balizamentos gerais insertos nos arts. 186 e 187 do Código
Civil (LGL\2002\400).”75
Todavia, o excesso de zelo em não interferir na “estabilidade econômica” da sociedade faz com que os
tribunais sejam demasiadamente contidos na aplicação da indenização punitiva, por vezes, diminuindo
os valores arbitrados em instâncias inferiores76.
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Tomemos por exemplo o C.STJ no Recurso Especial 1.520.153/RJ77:
“Quanto à controvérsia trazida aos autos, pela alínea ‘a’ do permissivo constitucional, alega violação
dos arts. 944 do CC (LGL\2002\400) e 6º, VI, do CDC (LGL\1990\40), no que concerne à irrisoriedade
do valor arbitrado a título de danos morais, trazendo o(s) seguinte(s) argumento(s): É importante
deixar bem assentado que a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais), fixada a título de indenização por
danos morais para o ora Recorrente não observa os critérios da razoabilidade e proporcionalidade e a
extensão do dano suportado pelo mesmo, negando vigência ao disposto no artigo 944, do Código Civil
(LGL\2002\400), assim como ao artigo 6º, VI, da Lei 8.078/90 (LGL\1990\40), visto que lhe foi
cobrado um valor a maior de R$ 25.497,30 (vinte e cinco mil, quatrocentos e noventa e sete reais e
trinta centavos), em razão da ausência do dever de cuidado dos ora Recorridos no momento da
renegociação fraudulenta do empréstimo, valendo ser ressaltado que a falsificação é grosseira e que os
réus não resolveram a questão na esfera administrativa após diversas tentativas do autor. É o relatório.
Decido. Quanto à presente controvérsia, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim se
manifestou: O valor da indenização (R$6.000,00 três mil reais para cada réu) é mantido. Afinal, tal
quantia se ajusta aos critérios da proporcionalidade, além de não acarretar enriquecimento ilícito.
Verifica-se, também, que o pedido de majoração da indenização por dano moral teve como fundamento
o caráter punitivo. Contudo, o STJ considera que a aplicação irrestrita das punitive damages encontra
óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Civil de 2002,
vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e a após a novel codificação
civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de
2002 (AgRg no Ag 850.273/BA, DJe 24.08.2010). Confira-se também sobre o tema o REsp 1.354.536/
SE, DJ 26.03.2014, publicado no Informativo 538 de 30 de abril de 2004. Na espécie, incide o óbice da
Súmula 7 do STJ (‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’), uma vez
que, muito embora possa o STJ atuar na revisão das verbas fixadas a título de danos morais, esta
restringe-se aos casos em que arbitrados na origem em valores irrisórios ou excessivos, o que não se
verifica no caso concreto. Nesse sentido: Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou
exorbitante o valor da indenização por danos morais arbitrado não origem, a jurisprudência desta Corte
permite o afastamento do óbice da Súmula 7 do STJ para possibilitar sua revisão. No caso, a quantia
arbitrada na origem é razoável, não ensejando a intervenção desta Corte. [...].”
O foco dos tribunais ainda está na contenção de “ganhos desenfreados” ou “sem causa”, mas é
imprescindível observar que, se houve dano, naturalmente foi decorrente de alguma conduta e,
portanto, existiu causa.
A menção ao art. 844 do Código Civil (LGL\2002\400) é tecnicamente um equívoco quando se refere à
contenção de uma indenização, porque com uma aplicação vultosa, ainda que desmedida, jamais
haverá enriquecimento sem causa, o que poderá existir é um excesso, mas a causa sempre estará
presente e consiste no abalo, no dano, na violação do direito de personalidade da vítima.
A respeito da indenização, José Osório de AzevedoJúnior78 asseverou com brilhantismo que não pode
se tratar de mera fonte de enriquecimento, mas nunca sem causa:
“O valor da indenização deve ser razoavelmente expressivo. Não deve ser simbólico, como já aconteceu
em outros tempos (indenização de um franco). Deve pesar sobre o bolso do ofensor como um fato de
desestímulo a fim de que não reincida na ofensa. Mas deve igualmente haver comedimento, a fim de
que o nobre instituto não seja desvirtuado em mera fonte de enriquecimento.”79
É de clareza solar que não há qualquer relação entre os institutos, o mal arbitramento de indenização
não pode ser confundido com o enriquecimento sem causa, segundo Paolo Gallo80, o enriquecimento
como acréscimo patrimonial ocorre quando alguém se apropria de utilidade que compete a outro;
quando alguém vende bem de um vizinho e, assim sucessivamente, enriquece porque o patrimônio é
acrescido em consequência de um fato lesivo81.
Para Giovanni Ettore Nanni:
“Também se admite o enriquecimento em virtude de uma economia, isto é, despesa não realizada,
como quem utiliza abusivamente imóvel alheio sem válida relação de locação; ou ainda quem consome
bens ou frutos que cabem a outrem. O enriquecimento pode suceder por uma ausente perda
econômica, como no proprietário de uma criação de gado que evita a perda de seus animais graças à
benéfica intervenção de um vizinho que provê a nutrição do seu gado em sua ausência.”82
Em sua obra, a magistrada Thania Maria Bastos Lima Ferro chama atenção para a visão míope do
instituto da responsabilidade civil quando relacionado ao enriquecimento sem causa, por conta das
indenizações vultosas (que dificilmente são verificadas)83:
“Não se pode admitir que a aplicação da sanção punitiva possa ser considerada como ensejadora do
enriquecimento sem causa da vítima, mas deve ser entendida como mais uma ferramenta para impedir
que o agressor possa granjear lucros com sua conduta ilícita, pelo simples fato de que a ninguém é
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dado beneficiar-se da própria torpeza. É que os interesses sociais devem prevalecer sobre interesses
individuais e ainda mais quando esses não compactuam com os novos direcionamentos legais, no caso
os atos ilícitos. É nesse contexto que a sanção punitiva transcende a esfera da vítima para abarcar toda
a coletividade na qual está inserida e esse é um dos fatores que têm de ser considerados para afastar a
alegação do enriquecimento indevido da vítima. Por fim, a aplicação da sanção punitiva em sede de
responsabilidade civil tem caráter autônomo e extraordinário, e tem como fito permitir que o ofensor
seja destituído dos ganhos obtidos com o abuso de regras de responsabilidade. Assim, a destinação dos
valores decorrentes dessa condenação não deverá ser necessariamente direcionada à vítima, mas
poderá ser realocada para outro destino. Esse, parâmetro, inclusive, já se aplica para condenações em
sede de ações civis púbicas, quando os valores em questão poderão ser destinados, inclusive, para
beneficiar a própria comunidade lesionada. Repita-se, mais uma vez, que a sanção punitiva não tem
por objetivo reparar/compensar a vítima, mas sim reprimir e prevenir condutas ilícitas.”84
Para o professor Rogério Donnini, punir alguém no Brasil se torno algo politicamente incorreto e a
palavra “punir” é um baldrame para criação de barreiras nos tribunais85:
“Além desse argumento, um outro, bastante utilizado, é o do enriquecimento sem causa. Sempre que
nos ilícitos que resultam danos graves são fixados valores mais elevados, com viés pedagógico ou
dissuasório, com a efetiva aplicação da indenização punitiva, aparecem posições que sustentam a
impossibilidade dessa majoração, diante do disposto no art. 844 do Código Civil (LGL\2002\400).
Outros óbices dificultam a incidência efetiva dessa função punitiva. O primeiro deles é a palavra
punitiva, uma vez que no Brasil punir alguém, ao que parece, se torno algo politicamente incorreto,
como algo censurável, visto que, se para crimes graves a punição tem sido branda ou inexistente, em
uma sociedade que convive com índices assustadores de violência, uma pena na seara da
responsabilidade civil seria como uma vingança privada. Trata-se de empecilho linguístico, motivo pelo
qual sempre adotei as expressões valor ou fator de desestímulo ou função dissuasória ou pedagógica,
embora nada obsta que se use indenização punitiva ou punitive damages, guardadas as características
do nosso ordenamento jurídico, como acontece na Alemanha e na Itália, entre outros países. O fato de
se valor do termo original, adotado na common law, não significa que a sua aplicação seja realizada da
mesma maneira que, v.g., os norte-americanos o fazem, com cifras milionárias e, muitas vezes,
desproporcionais.”86
A respeito do conceito de causa, sabe-se que são variados os conceitos da palavra, mas para a
responsabilidade civil, tema macro deste estudo, é importante rememorar a teoria da causalidade
eficiente87, onde seria responsável pelo dano aquele que estabeleceu a maior eficiência no resultado,
didaticamente explanada por Renato de Moraes88:
“Seguindo a lógica da causalidade eficiente, a causa é a condição que ‘quebra o balanço entre forças
que se encontram em equilíbrio’, ou que “altera a direção dos eventos. Para ilustrar essa modalidade de
causalidade, imagine-se um balde repleto de água, que não chega a transbordar. Sob a perspectiva da
causalidade eficiente, a causa se traduz na quantidade de água adicional necessária para gerar o
derramamento.”89
Para Rogério Donnini, embora seja crucial estudar a causa eficiente para a compreensão do tema, o
instituto não guarda relação direta com o enriquecimento sem causa90:
A causa efficiens situa-se, portanto, no plano da autonomia privada, na liberdade de agir, na efetiva
causa na produção de efeitos jurídicos. Sendo assim, é examinada e utilizada na apuração de
responsabilidade de uma pessoa que provoca um dano a outrem e seu dever de repará-lo, momento
em que se analisa o nexo de causalidade para estabelecer quem deve indenizar e, ato contínuo, em que
valor .Todavia, não há relação direta entre causa efficiens e enriquecimento sem causa, pois para que
este se configure é necessária a comprovação de uma vantagem patrimonial sem causa (motivo
justificado), ou seja, que esse benefício não esteja fundado em lei ou em um negócio jurídico.91
Concordamos que às vezes pode haver um mau arbitramento na indenização (em que pese ser
pouquíssimo corriqueiro o arbitramento de valores altos no Brasil), mas o equívoco no quantum jamais
pode se confundir com a falta de causa, se houve dano, naturalmente existe causa para o arbitramento
(correto ou não).
Outro ponto que é de bastante importância para o poder judiciário é o combate à “indústria das
indenizações”, que, na verdade, nada mais é do que uma crença de que muitas pessoas se serviriam da
justiça como fonte de lucro.
Com todas as vênias, o enorme número de demandas que assola os tribunais e até mesmo os pedidos
sem fundamentação não podem, de forma alguma, constituírem uma barreira para aplicação da
indenização punitiva.
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Com o desenvolvimento da tecnologia e o dinamismo em que as coisas acontecem, todas as pessoas
estão expostas aos mais variados riscos (e emoções), é uma utopia crer que a justiça funciona, para
alguns, como fonte de “lucro indevido”, repitamos: se houve condenação, houve dano oriundo de
atividade (que deve ser combatida).
A indenização punitiva serviria como regular social e econômico, enquanto o Código de Processo Civil já
traz as penalidades para aqueles que litigam de má-fé92, portanto não é afirmação sólida, inclusive
porque, conforme já tratamos, as indenizações em nossos tribunais não possuem valores abundantes.
Thania Maria Bastos Lima Ferro93 ensina importante lição sobre o assunto:
“Aqui enfoca-se a questão do ajuizamento dedemandas como um problema a ser resolvido mediante
mero entendimento de inaplicabilidade da sanção punitiva. Nada mais errôneo. O argumento não tem
qualquer sustentáculo legal, nem mesmo razoabilidade. É que a garantia do acesso à justiça é corolário
de regimes democráticos e se traduz em expressão da cidadania, visto que pressupõe um Judiciário
atuante, possibilitando a todos os cidadãos recorrer a esse poder para que este aprecie as suas
demandas. Esse é o Universal dos Direitos Humanos; no art. 6º, I, da Convenção Europeia para os
Direitos do Homem; do art. 14, inciso I, do Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos; e do art. 8,
alínea “i”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. No
direito brasileiro, este princípio está inserto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal e é um
direito fundamental que garante a tutela da prestação jurisdicional da forma mais ampla possível, seja
a nível individual ou coletivo, podendo envolver questões de ordem administrativa e até mesmo
política. A proteção em questão é garantida não somente para casos de lesão efetiva, mas também
para casos de ameaça a direitos e não fica limitada à mera possibilidade de a parte ingressar em juízo,
mas sim com vistas a obter uma tutela jurisdicional em prazo razoável e com um mínimo de custos.
Dessa forma, a mera alegação de inaplicabilidade da sanção punitiva não é fato que possa ser
considerado como impeditivo para ajuizamento de demandas, que é uma questão de cunho cultural,
pois é patente que o brasileiro ainda não é dado a soluções de caráter extrajudicial. Por sua vez, o
problema do congestionamento processual nos tribunais tem multiplicidade de causas, tais como
deficiências na legislação, estrutura inadequada dos tribunais, o número insuficiente de juízes. Contudo,
entre essas causas não se incluem entendimentos sobre esta ou aquela matéria. Ora, caso o aplicador
da lei entenda que tal possibilidade não é aplicável no nosso ordenamento jurídico, julgará pela
improcedência do pedido, que, após decisão em instância final, acarretará o arquivamento do processo,
sem supressão de qualquer prerrogativa do jurisdicionado, como deve ser feito em regimes
democráticos como o brasileiro. O que não pode ocorrer é que o cidadão fique impedido de acessar a
justiça em razão desse ou daquele entendimento doutrinário ou mesmo jurisprudencial. Isso é
raciocinar às avessas.”
Portanto, que toda e qualquer lesão que é causada a uma pessoa por determinado comportamento
possui causa (o próprio comportamento que lesa), desta forma, não existe enriquecimento sem causa
(seja qual for o valor arbitrado pela corte), o que pode acontecer em determinados casos é um
arbitramento que talvez não se coadune com a realidade fática.
Da mesma forma, a busca por “vantagens indevidas” (se é que existem) não constitui regra em nossos
tribunais, de maneira que não pode, sob nenhum prisma, constituir óbice para aplicação da indenização
punitiva, uma vez que se trata de tutela coletiva (da sociedade exposta às atividades lesivas, ou
potencialmente lesivas) e, portanto, de interesse de todas as pessoas, enquanto àqueles que buscam a
justiça de forma indevida restam as penas da lei, a maioria não pode ser prejudicada em razão da
minoria.
5 Lesão Lucrativa e Danos Bagatelares
Ao examinarmos a lesão causada pela violação de algum direito que dá ensejo à reparação por dano
moral, é fundamental observar que ainda que seja possível a restituição da pessoa ao estado anterior
àquela violação94, a depender da atividade, mesmo com a reparação, o ofensor pode ter obtido
vantagem patrimonial.
Trata-se de mera conclusão lógica, ao pensarmos em uma grande empresa de telefonia, por exemplo, é
elementar a vantagem financeira da empresa que, ao ser demandada em juízo e apenas após todo
deslinde do trâmite judicial (que infelizmente não é tão célere, mesmo nos dias de hoje), será (com
sorte) condenada ao pagamento de indenização em valor irrisório (frente ao fluxo de caixa da
empresa), por eventual dano moral causado a um consumidor.
Devemos observar ainda que, em muitas das vezes, existem empresas que procrastinam o trâmite
judicial ao máximo e encerram a celeuma com uma composição extrajudicial (acordo) em valor inferior
àquele arbitrado pelo magistrado, ou seja, trata-se de clara vantagem econômica obtida pelo causador
do dano, pois, ao invés de dispor de seu patrimônio para reparar o dano causado, tem a oportunidade
de continuar trabalhando com o capital (e praticando outras lesões, obtendo lucro) até o último
momento, onde pode barganhar com o lesado95.
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Assim, nasce a ideia de que não se pode obter ganho com atividade danosa96, de maneira que dentro
da indenização punitiva existem duas ferramentas principais para o combate ao chamado “lucro ilícito”
ou “ilícito lucrativo”, os chamados “disgorgment of profits” e “restitutionary damages”, cuja aplicação é
impecavelmente ensinada por Nelson Rosenvald97:
“No âmbito da responsabilidade civil, a racionalidade de ambos modelos jurídicos supera a visão
estreita de que a reparação integral apenas opera quando a vítima obtém aquilo que perdeu em termos
patrimoniais e extrapatrimoniais. Nesse sentido, ambos remédios restitutórios da common law servem
ao mesmo propósito fundamental: evitar que alguém lucre com a prática de um ato ilícito (“non person
shall profit fro his or her wrong”), pela recaptura dos ganhos auferidos com o descumprimento de um
dever legal ou violação de um direito alheio. Em comum às duas espécies de restituição por ilícitos,
disgorgment e ao restitutionary damages, a condenação não levará em conta a real existência de
prejuízo por parte do demandante, ou, se esses existiram, se há proporcionalidade entre as perdas e os
ganhos indevidos do réu. Contudo, a diferença entre os dois remédios de gain-based damages está na
forma como apura-se o quantum da obrigação de restituição e, primordialmente, nas próprias funções.
Enquanto em restitutionary damages há uma reversão da transferência patrimonial entre as partes, no
disgorgment há supressão da vantagem adquirida pelo réu com independência de qualquer translação
de bens do autor. Pela primeira, beneficia-se o autor de uma quantia correspondente ao bem
transferido ou subtraído do seu patrimônio. Pela segunda, suprime-se a vantagem que, sem
correspondência com a utilização do patrimônio do autor, o réu obteve com a prática do ato ilícito. O
disgordment não apenas visa a privar o agente dos ganhos realizados, como também pelas despesas
economizadas, com a reversão dos valores indevidamente obtidos às expensas da vítima. [...].
Destarte, a distinção entre as duas espécies de pretensões fundadas nos ganhos indevidos – sendo que
ambas são restitutórias – consiste em que o restitutionary damages corresponde a um ‘give back’
(devolução), ou seja, uma medida de aplicação do princípio da justiça correlativa pela qual será
restituído ao autor da demanda o ganho do réu correspondente àquilo que ele perdeu como
consequência do ilícito. Isso se insere perfeitamente no direito restitutório; já o disgorgment se refere
ao ‘give up’ (desistência), isto é, o a gente renunciará aos ganhos, mesmo que eles não tenham sido
diretamente obtidos da vítima.”98
Tratam-se de ferramentas poderosíssimas para auxiliar e controlar o crescimento desenfreado (a
qualquer custo) de tantas atividades potencialmente lesivas, pois num caso concreto o magistrado
deverá verificar: a) a violação do direito que causa dano, para aplicação da indenização ressarcitória;
b) a conduta (acrescida aos outros requisitos já tratados) para aplicação da indenização punitiva; e c)
qual foi o lucro ou a economia, ou o benefício que o lesante obteve ou obtém com aquela conduta.
É de salutar importância que o magistrado tenha um olhar além dos autos, analise a postura daquele
que lesa perante a sociedade para verificar, com maior clareza, se é de fatoo caso de aplicação da
função dissuasória e das ferramentas supra, pois, se entender pertinente, deverá aplicá-las como forma
de “exemplo”.
O C.STJ já tem estendido seu olhar para “além dos autos” aplicando, por exemplo, a teoria do desvio
produtivo99, contudo, ainda é necessário um amadurecimento do tema para que aqueles que lesam (ou
desenvolvem, reiteradamente, atividades potencialmente lesivas) passem a sentir patrimonialmente os
efeitos de suas condutas, respondendo, inclusive, pelos ganhos ou economias que delas decorrem:
“Tempo de atendimento presencial em agências bancárias. Dever de qualidade, segurança, durabilidade
e desempenho. Art. 4º, II, ‘d’, do CDC (LGL\1990\40). Função social da atividade produtiva. Máximo
aproveitamento dos recursos produtivos. Teoria do desvio produtivo do consumidor. Dano moral
coletivo. Ofensa injusta e intolerável. Valores essenciais da sociedade. Funções. Punitiva, repressiva e
redistributiva. 1. Cuida-se de coletiva de consumo, por meio da qual a recorrente requereu a
condenação do recorrido ao cumprimento das regras de atendimento presencial em suas agências
bancárias relacionadas ao tempo máximo de espera em filas, à disponibilização de sanitários e ao
oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção, além da compensação dos danos
morais coletivos causados pelo não cumprimento de referidas obrigações. 2. Recurso especial
interposto em: 23.03.2016; conclusos ao gabinete em: 11.04.2017; julgamento: CPC/73
(LGL\1973\5).3. O propósito recursal é determinar se o descumprimento de normas municipais e
federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial
em agências bancárias é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva. 4. O dano moral coletivo
é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psicofísica da coletividade, bem de
natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais
atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais
individuais. 5. O dano moral coletivo não se confunde com o somatório das lesões extrapatrimoniais
singulares, por isso não se submete ao princípio da reparação integral (art. 944, caput, do CC/02
(LGL\2002\400)), cumprindo, ademais, funções específicas. 6. No dano moral coletivo, a função
punitiva – sancionamento exemplar ao ofensor – é aliada ao caráter preventivo – de inibição da
reiteração da prática ilícita – e ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito do agente, a fim de
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que o eventual proveito patrimonial obtido com a prática do ato irregular seja revertido em favor da
sociedade. 7. O dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos
fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC (LGL\1990\40), tem um conteúdo
coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos
recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo. 8. O desrespeito voluntário das
garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela
ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função
social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor. 9. Na hipótese concreta, a
instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço aos padrões de qualidade previstos
em lei municipal e federal, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação
injusta e intolerável ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos, o que é
suficiente para a configuração do dano moral coletivo. 10. Recurso especial provido.”100
Contudo, existem casos onde o dano causado pode ser considerado “ínfimo” e, na prática, não
compensa para o lesado perseguir seu direito à reparação (isso quando há ciência do dano sofrido),
parte da jurisprudência chama esses danos de “mero dissabor”, pois entende que são inerentes ao
convívio em sociedade.
Novamente, Nelson Rosenvald101 se manifesta de forma precisa sobre os chamados “danos
bagatelares”:
“A segunda razão é a ‘apatia’ racional das vítimas em casos de danos insignificantes e dispersos (trifling
damages). Casos em que o dano sofrido por cada ofendido é de pequena monta e não o encoraja a
iniciar um procedimento com dispêndio de tempo e energia e resultados modestos. Em tais casos, não
demandar parece ser a atitude racional. Muitas vítimas sequer possuem noção dos prejuízos
(ilustrativamente, nos casos em são tarifados por um mínimo excesso em relações de consumo). Nada
obstante, o dano à sociedade como um todo ou a um específico grupo pode ser excessivo, pois um
significativo número de pessoas é atingido e o lucro dos ofensores é de grande magnitude. Acessar a
extensão desses danos e identificar as vítimas é uma tarefa problemática, sobremaneira diante do
paradigma clássico do acesso individual à justiça. Daí a emergência das ações coletivas.”102
Da nossa parte, entendemos que é imprescindível a isonomia do magistrado na análise do caso
concreto, contudo, num primeiro momento, a justiça deve ensinar àqueles que lesam que suas
atividades têm consequências que extrapolam o dano visível, há reflexos sociais que podem ser
incrustrados no povo caso não haja uma mudança de mentalidade, e é essa a importância do
disgorgment e restitutionary damages, que devem ser utilizados como ferramentas de extensão da
indenização punitiva, a fim de que exista uma indenização pela violação dos direitos e a punição correta
ao agente ofensor, com devolução ou remoção dos lucros indevidamente obtidos com sua conduta.
6 Conclusão
Concluímos que, com o avançar da sociedade, as lesões serão cada vez mais frequentes, por isso é
fundamental que nossos tribunais passem a avaliar a aplicação de remédios que proporcionem uma
função pedagógica para todos aqueles que agem em desconformidade com a lei ou com princípios
gerais de direito e causam danos.
Entre tais remédios, destaca-se a indenização punitiva, que permite que o magistrado, além de arbitrar
indenização para reparação do direito de personalidade violado (que nem sempre será possível na
prática), arbitre valor que seja suficiente como fator de desestímulo da atividade lesiva.
A indenização punitiva possui, entre outras, as ferramentas disgorgment e restitutionary damages, que
proporcionam a avaliação e retirada (ou restituição) dos lucros obtidos pelo agente com sua conduta
danosa.
É dispensável a criação de um dispositivo legal que permita a aplicação da indenização punitiva, uma
vez que nosso ordenamento já possui dispositivos (civis, constitucionais e orientações doutrinárias) que
permitem sua aplicação, basta apenas a alteração do conservadorismo excessivo que paira em nosso
poder judiciário.
O olhar dos Tribunais deve ser expandido para “além dos autos”, deve ter por premissa, em nossa
opinião, a boa-fé, que, além de cláusula geral, é um dos princípios do direito e permite, portanto, que a
justiça ajuste toda situação onde não existe “correteza”.
Nesse sentido, a brilhante jurista Teresa Negreiros103:
“Assim é que, sob este ponto de vista, a correlação estabelecida entre boa-fé e a normativa
constitucional se ajusta igualmente aos demais princípios. A fundamentação constitucional do princípio
da boa-fé assenta na cláusula geral de tutela da pessoa humana – em que essa se presume parte
integrante de uma comunidade e não um ser isolado, cuja vontade em si mesma fosse absolutamente
soberana, embora sujeita a limites externos. Mas especificamente, é possível reconduzir o princípio da
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boa-fé ao ditame constitucional que determina como objetivo fundamental da República a construção
de uma sociedade solidária, na qual o respeito pelo próximo seja um elemento

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