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OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Geografia Agrária Perspectivas no início do Século XXI

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Prévia do material em texto

DOM TOMAs BALDUINO • ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA • ANTONIO
THOMAZ JR. • JOSE GRABOIS • MANOEL DOS REMEDIOS • CARLOS
RODRIGUES BRANDAo • ELLEN F. WOORTMANN • MARTA INEZ MEDEIROS
MARQUES • ALFREDO WAGNER B. DE A~MEIDA· LUCIA HELENA RANGEL •
CARMEN LUCIA RODRIGUES • CARLOS WALTER P. GON<;ALVES • ZILDA
IOKOI • BERNARDO MAN<;ANO FERNANDES • GILMA BENITEZ BENAVIDES •
OSMARINO AMANCIO • DANIEL MUNDURUKU • PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO
• CARLOS EDUARDO MAZZETTO • GILMAR MAURO • IGNACY SACHS
mDDODDDDDDDDDDDDDDDDDDDD
DDDDDDDDDDDDDDDD~
a ,CAMPO NO
SECULO XXI
TERRJTORIO DE VIDA, DE LUTA
E DE CONSTRUl;:AO DA JUSTll;:A SOCIAL
fI Caso
Amarela
E1')
PAZ £ TERRA
Editor: Mauricio Torres
Projeto grafico: Veruscka Melanne
Preparac;:aoe revisao: Mauro Feliciano
Notac;:aocientifica: Maria Luiza Camargo
Assistente de produc;:ao: Clarice Alvon
o logotipo do II Simp6sio Nacional de Geografia Agraria /
I Simp6sio Internacional de Geografia Agraria presente na
capa do livro e de autoria de Carlos Alberto Feliciano.
DIREITOS UNIVERSAlS DE PUBLICAc::Ao RESERVADOS A
EDITORA CASA AMARELA
Rua Fidalga 162 - Sao Paulo-SP - CEP 05432-000
Telefone: (11) 3819-0130/ Fax: (11) 3819-5710
livros@carosamigos.com.br .
Dados lnternacionais de Cataloga~aona Publica~ao(ClP)
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
o Campo no Seculo XXI : territ6rio de vida,
de luta e de construc;:aoda justic;:asocial /
Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Marta Inez
Medeiros Marques (orgs.). -- Sao Paulo:
Editora Casa Amarela e Editora Paz e Terra, 2004.
1. Brasil - Condic;:6esrurais 2. Geografia
agricola 3. Movimentos sociais 4. Posse da terra
5.Reforma agraria 6. Sociologia rural 1. Oliveira,
Ariovaldo Umbelino de. II. Marques, Marta Inez
Medeiros. III. Titulo.
Indices para catalogo sistematico:
1. Questao fundiaria : Economia 333.3
GEOGRAFIA AGRARIA:
PERSPECTIVAS NO INICIO DO SECULO XXI*
"Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha,
Ir tocando em frente ..:·l
Discutir as perspectivas que se poem para a Geografia Agra.ria abre es-
pac;:ospara discussoes profundas sobre os rumos que esse campo de investi-
gac;:aoda ciencia geografica, em particular, e das analises sobre 0 campo vem
trilhando neste inicio de seculo XXI. 0 debate e 0 confronto das ideias sao
tambem func;:ao basica da produc;:ao academica e da reflexao intelectual.
Abrir a discussao sobre as multiplas dimensoes que envolvem as analises so-
bre 0 campo significa mergulhar no debate politico, ideo16gico e te6rico.
Assim, tratarei a tematica ponderando as contradic;:oes vividas pelo campo
no Brasil e no mundo atual e 0 estado da arte da Geografia Brasileira.
Gostaria de deixar claro, de inicio, que as alterac;:oes recentes na confi-
gurac;:ao territorial do mundo e do Brasil nas duas ultimas decadas revelam
que 0 mundo se transformou. Revelam tambem que 0 Brasil se transformou.
o capitalismo monopolista mundializado adquiriu novos padroes de acu-
mulac;:ao e explorac;:ao, e e essa nova feic;:aoque muitos chamaram de mo-
dernidade, p6s-modernidade etc. Como se sabe, a realidade e a unica refe-
rencia para se submeter a discussao nossas concepc;:oes te6ricas.
* Texto apresentado na mesa-redonda "Perspectivas da Geografia Agr<3ria" do II Simposio Nacional de'
Geografia Agraria II Simposio Internacional de Geografia Agraria, realizada no dia 5 de novembro de 2003.
** Geografo. Professor titular do Departamento de Geografia da FFLCH-USP, pesquisador do CNPq.
E-mail: arioliv0usp.br
Como tenho insistido em meus textos2, todos estamos inseridos no tur-
bilhao do mundo da modernidade. Dns engajam-se no establishment, outros
criticam-no. Dns fazem da ciencia instrumento de ascensao social e envolvi-
mento politico, outrosprocuram colocar 0 conhecimento cientffico a servi-
c;o da transformac;ao e da justic;a social. Nao se trata, pois, de encontrar de
forma maniquelsta 0 que esta certo ou errado. Trata-se, isso sim, de cons-
truir as explicac;6es das diferenc;as, demarca-Ias e revela-Ias por inteiro. Esse
debate tern de ser feito atraves das necessarias reflex6es sobre a praxis e tern
de dar conta da utopia para pensa-Ia como instrumento que permita a cons-
truc;ao da liberdade, da autonomia e do compromisso social no interior da
pratica universitaria.
2. AS PESQUISAS EM GEOGRAFIA AGRARIA
E AS CORRENTES FILOSOFICAS DO PENSAMENT03
A Geografia moderna, como a maioria das ciencias human as, nasceu no
seculo XIX, sob a egide do debate filosofico entre 0 positivismo, 0 histori-
cismo e, por certo, a influencia da dialetica. Penso que essas tres correntes
filosOficas estao na formac;ao das rafzes do pensamento geografico moder-
no. Os trabalhos de Manuel Correia de Andrade e Horacio Capel iluminam
nessa direc;ao. Manuel Correia de Andrade4 aponta para a existencia de uma
Geografia libertaria representada pelos trabalhos de Elisee Reclus5 e Piotr
Kropotkin6• Ja Capel? faz referencia a urn geografo anarquista marginaliza-
do na historia do pensamento geografico.
Assim, estou assumindo uma posic;ao crftica em relac;ao a autores que
tratam deste perfodo da historia da Geografia qualificando-o como Geogra-
fia Tradicional, como e 0 caso de Antonio Carlos ,Robert Moraes8 e Ruy
Moreira9• Esta expressao nao ajuda a revelar a raiz historicista da Geogra-
fia, e nao abre possibilidades para compreensao do importante debate entre
o materialismo e 0 idealismo Has ciencias humanas, particularmente no se-
culo XIX. Em 1978, ja apontava para essa questao na Geografia; Mais do
que camuflar, 0 debate dessa posic;ao contribuiu para que os geografos con-
tinuassem, na maioria das vezes, "geografizando" essa discussao sob 0 sig-
no determinismo versus possibilismo. Esse debate geografizado, em primei-
ro lugar, retira a discussao do campo da filosofia, on de ela deve ser feita, e
remete-a a analise da realidade (relac;ao entre a sociedade e a natureza), vis-
ta quase que exclusivamente entre geografos. Em segundo lugar, remete a
origem da Geografia exclusivamente, ao positivismo. Em terceiro lugar, a
meu jufzo, continua desconhecendo a possibilidadede existencia de uma ter-
ceira raiz do pensamento geografico, construfda sob influencia da dialetica.
o embate filosOfico travado no seculo XIX tinha como centro a possi-
bilidade de as ciencias humanas possufrem estatuto cientffico proprio, e era
essa discussao que opunha positivistas e historicistas e ambos aqueles influen-
ciados pelo pensamento hegeliano. Esse rico debate deve ser entendido agora
no interior de uma visao social de mundo compreendida como perspectiva de
conjunto, como a estrutura categorial, como 0 estilo de pensamento social-
mente condicionado, que, todos sabemos, pode ser ideol6gico ou utopico.
Nao se trata, pois, de opor ciencia a ideologia, ou de opor ideologia a utopia,
temos de articular essas formas sociais de pensar 0 mundo, e entende-las his-
toricamente, como prop6e, por exemplo, Michael L6wylO.
o positivismo que teve em Auguste Comtell urn de seus principais pen-
sadores, como uma doutrina da neutralidade axiol6gica do saber, estava
fundado em urn conjunto de premissas que estruturaram
urn "sistema" coerente e operacional que entende que: 1) a sociedade
e regida por leis naturais, isto e, leis invariaveis, independentes da
vontade e da as;aohumana; na vida social, reina uma harmonia natu-
ral; 2) a sociedade pode, portanto, set epistemologicamente assimila-
da pela natureza (0 que classificaremos como "naturalismo positivis-
ta") e ser estudada pelos mesmos metodas, demarches (metodo, modo
de evolus;iio,trajet6ria) e processos empregados pelas ciencias da na-
tureza; 3) as ciencias da sociedade, assim como as da natureza, devem
limitar-se it observas;iioe it explicas;iiocausal dos fenomenos, de forma
objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor au ideologias, descar-
tando previamente todas as prenos;6es e preconceitos.12
A difusao dessasideias, particularmente do postulado de uma ciencia
axiologicamente neutra, apareceu tambem fora do quadro estrito do po-
sitivismo, alcans;ando mesmo 0 historicismo e 0 marxismo. Esse fenome-
no revela, antes de tudo, uma certa dimensiio positivista no interior de
vertentes dessas escolas de pensamento. Nao custa lembrar que, embora
o positivismo tenha surgido como utopia cdtico-revolucionaria da bur-
guesia antiabsolutista, tornou-se ainda no seculo XIX uma ideologia con-
servadora identificada com a ordem industrial/burguesa estabelecida.
Esse postulado da neutralidade valorativa das ciencias humanas condu-
ziu, inevitavelmente, it negas;ao, ou a que os seguidores ignorassem 0
condicionamento historico-social do conhecimento. Por outro lado, re-
fors;ou sua base doutrinaria na objetividade/neutralidade cientffico-soci-
al. Parece obvio insistir que 0 movimento neopositivista na Geografia, ou
seja, 0 empirismo logico, manteve praticamente intatos esses postulados
basicos, sobretudo 0 da objetividade/neutralidade.
Assim, a historia do pensamento geografico na Geografia Agraria
nao foi, em hip6tese alguma, diferente da influencia dessa corrente, so-
bretudo na sua versao atual, teorico-quantitativista, esta claramente pre-
sente entre os geografos que estudam 0 campo. 0 artigo "Renovas;ao da
Geografia Agraria no Brasil" no Simposio A Renovas;ao da Geografia13,
publicado pela AGB - Associas;ao dos Geografos Brasileiros em - 1973,
e 0 livro Geografia da agricultura, publicado pela Difel em 1984, de auto-
ria de Jose Alexandre Filizola Diniz14, saDurn otimo exemplo dessa corren-
te, na versao do empirismo logico.
o historicismo, por sua vez, como escola fundada na Alemanha, teve
como urn de seus principais pensadores Wilhelm Dilthey15. Essa escola, que
nasceu no interior do idealismo defendendo a autonomia do estatuto cien
tifico das ciencias human as, admitia que:
1) Todo fenomeno cultural, social ou politico e hist6rico e mio pode ser
compreendido senao atraves da e na sua historicidade. 2) Existem dife-
renc;:asfundamentais entre os fatos naturais e as fatos hist6ricos e, conse-
qiientemente, entre as ciencias que os estudam. 3) Nao somente 0 obje-
to da pesquisa esta imerso no fluxo da hist6ria, mas tambem 0 sujeito, 0
pr6prio pesquisador, sua perspectiva, seu metoda, seu ponto de vista.16
o historicism a esta, pais, na raiz filos6fica daquilo que as ge6grafo.
cham am de possibilismo. Tambem nao e demais lembrar que a discussao so
bre a regiao na Geografia tern de passar necessariamente pelo historicismo
Entretanto, agora, a historicismo ressurge como uma especie de neo-histo
ricismo. Movimento que aparece tambem no interior do marxismo e que
via de regra, alem de manter as prindpios basilares do historicismo, au seja
a conservadorismo, incorre quase sempre na "tentac;:ao reducionista (da His
t6ria, sobretudo como metoda), au ao menos na ausencia de articulac;:a<
precisa e sem equivoco entre a condicionamento social do pensamento e ;
autonomia da pratica cientifica"17.
A hist6ria do pensamento na Geografia Agraria tambem foi fortemen
te influenciada pelo historicismo. 0 excelente capitulo "Metodologia d;
Geografia Agraria" do livro Geografia Agrdria do Brasil, de Orlando Valver
de, e talvez uma especie de marco hist6rico na hist6ria da Geografia Agra
ria no Brasil. Valverde, a meu juizo, vivia, quando escreveu esse livro, a can
tradic;:ao intelectual daquela epoca, entre uma visao historicista da Geogra
fia como ciencia e a sua firme posic;:aopolitica de compromisso com a trans
formac;:ao da sociedade:
No decorrer da decada de 1950, entretanto, os debates sobre a ques-
tao agraria brasileira, que se mantinha como bandeira de lutas e rei-
vindicac;:6esdas esquerdas, alcanc;:arama Congresso Nacional e a pra-
c;:apublica. Urgia dar ao problema seu equacionamento cientifico e
sem paixao. Aquilo que fora urn compromisso moral com 0 meu mes-
tre [Leo Waibel] passou a se-lo com 0 povo brasileiro.18
Cabe tambem mencionarmos a avanc;:oda fenomenologia na Geografia
Talvez essas duas correntes, neo-historicismo e fenomenologia, estejam Sl
constituindo na base do maior numero de trabalhos em desenvolvimento n;
Geografia na atualidade. Pesquisas sabre percepc;:ao e modo de vida das po
pulac;:6es do campo estao se tornando pratica usual na Geografia'Agraria.
A dialetica, por sua vez, como corrente filos6fica na Geografia, a mel
ver, constitui-se em uma especie de raiz, propositadamente esquecida. Nas
cida das obras de Elisee Reclus e Piotr Alekseievitch Kropotkin, permane
ceu praticamente no interior do movimento anarquista do seculo XIX e ini
cio do seculo xx. Contemporaneos de Karl Marx, discutiram profunda-
mente as concepc,;6es de Hegel sobre a dialetica e a transformac,;iio da socie-
dade capitalista. Esse debate foi retomado depois, final da decada de 30 e
inicio da decada de 40 do seculo XX, por urn grupo de ge6grafos france-
ses (Pierre George19, Yves Lacoste20, Raymond Guglielm021, Bernard
Kayser22, Jean Dresch23, Jean Tricart24, entre outros). Muitas vezes, a in-
fluencia historicista mesclava tambem os trabalhos dessa corrente, como
e 0 caso de trabalhos de Pierre George25•
Trazida pela influencia marxista, a dialetica como corrente na Geo-
grafia Agraria esra na base de urn conjunto de trabalhos de Orlando Val-
verde26, Manuel Correia de Andrade27, Pasquale Petrone28, Lea Goldens-
tein29, Manuel Seabra30, entre outros. Tal influencia tern sido marcada por
prindpios que sustentam essa escola de pensamento. Pode-se destacar, en-
tre eles, 0 condicionamento hist6rico e social do pensamento, portanto 0
seu carater ideol6gico de classe. Com 0 marxismo, comec,;oua batalha pelo
desmascaramento do discurso pretensamente neutro e objetivo presente no
positivismo e no empirismo l6gico, e mesmo no historicismo.
Para Karl Marx,
na produc,;ao social da propria vida, os homens contraem relac;:6esde-
terminadas, necessarias e independentes de sua vontade, relac,;6esde
produc;:ao, essas que correspondem a uma etapa determinada de de-
senvolvimento das suas forc;:asprodutivas materiais. A totalidade des-
sas relac;:6esde produc;:aoforma a estrutura economica da sociedade, a
base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurfdica e polfti-
ca, e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciencia.
o modo de produc;:ao da vida material condiciona 0 processo em ge-
ral da vida social, polftico e espiritual. Nao e a consciencia dos homens
que determina 0 seu ser, mas, ao contrario, e 0 seu ser social que de-
termina a sua consciencia. [...] Assim, como nao se julga 0 que urn in-
divfduo e a partir do julgamento que de faz de si mesmo, da mesma
maneira nao se pode julgar uma epoca de transformac;:aoa partir de sua
propria consciencia; ao contrario, e preciso explicar essa consciencia a
partir das contradic;:6esda vida material, a partir do conflito existente
entre as forc;:asprodutivas sociais e as relac;:6esde produc,;ao.31
Por sua fundamentac;:ao, meu metodo dialetico nao so difere do he-
geliano, mas e tambem a sua antftese direta. Para Hegel, 0 processo
de pensamento, que de, sob 0 nome de ideia, transforma num sujei-
to aut6nomo, e 0 demiurgo do real, real que constitui apenas a sua
manifestac,;aoexterna. Para mim, pelo contrario, 0 ideal nao e nada
mais que 0 material, transposto e traduzido na cabec;:ado homem.32
imunes a influencia positivista, historicista ou mesmo racionalista. Alem, e
evidente, de que diferentes vertentes foram gestadas em seu interior. De urn
lado desenvolveu-se urn marxismo positivista, de outro urn historicista. E
6bvio que a Geografia e a Geografia Agraria foram influenciadas por essas
concep<;:6es. De forma sintetica, caberia agora retomar as divergencias,33
o estudo da agricultura brasileira tern sido feito por muitos autores que
expressam diferentes vertentes do marxismo. Por exemplo, ha autores que
defendem 0ponto de vista de que no Brasil houve feudalismo, ou mesmo
rela<;:6essemifeudais de produ<;:ao. Por isso, eles advogam a seguinte tese:
"para que 0 campo se desenvolva, seria preciso acabar com essas rela<;:6es
feudais ou semifeudais e ampliar 0 trabalho assalariado no campo". Para es-
ses autores, a luta dos camponeses contra os latifundiarios exprimiria 0
avan<;:oda sociedade na extin<;:aodo feudalismo. Portanto, a luta pela refor-
ma agraria seria urn instrumento que faria avan<;:ar0 capitalismo no campo.
Esses autores costumam, inclusive, afirmar que 0 capitalismo esta penetrando
no campo. Entre os principais estudiosos que seguem essa concep<;:aoestao tra-
balhos de Maurice Dobb34, Nelson Werneck Sodre35, Alberto Passos Guima-
raes36, Inacio Rangel37 etc. 0 livro Estudos de Geografia Agrdria Brasileira, de
Orlando Valverde38, apresenta essa interpreta<;:ao, tambem presente nas teses
de doutaramento de Miguel Gimenez Benites39,Brasil Central pecudrio: inte-
resses e conflitos, e na disserta<;:aode mestrado de Maria Ap. Serapiao Teixei-
ra40,Adversidade e diversidade dos produtores de leite: de pecuaristas-mercan-
tis a proletarios ou a empresarios, defendidas aqui na Geografia da USP.
Outra vertente entende que "0 campo brasileiro ja esta se desenvolven-
do do ponto de vista capitalista, e que os camponeses inevitavelmente irao
desaparecer, pois eles seriam uma especie de 'residuo' social que 0 progres-
so capitalista extinguiria". Ou seja, os camponeses, ao ten tar em produzir
para 0 mercado, acabariam indo a falencia e perderiam suas terras para os
bancos, ou mesmo teriam de vende-Ias para saldar as dividas. Com isso, "os
camponeses tornar-se-iam proletarios". Entre os principais pensadores des-
sa corrente estao Karl Kautsky41, Vladimir I. Lenin42, Leo Huberman43, Paul
Sweezy44, Caio Prado Jr.45, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Maria Concei-
<;:aoD'Inca046, Jose Graziano da Silva47, Ricardo Abramovay48, Jose Eli da
Veiga etc. A maior parte dos trabalhos em Geografia Agraria tern por base
essa concep<;:ao.Sao exemplos dessa corrente a maioria dos artigos publica-
dos nos Anais dos Encontros de Geografia Agraria e a maior parte das teses
e disserta<;:6esdefendidas na Geografia da UNESP-Rio Claro-SP e na UFRJ
no Rio de Janeiro. Mas, talvez pelo seu carater emblematico, 0 trabalho de
Ruy Moreira49 "0 desenvolvimento do capitalismo e 0 lugar do campo no
processo", publicado na revista Terra Livre nQ 1, seja urn dos melhores exem-
plos na Geografia Agraria. Outro seguidor e Paulo Alentejano.
Assim, para essas duas vertentes, na sociedade capitalista avan<;:adanao
ha lugar hist6rico para os camponeses no futuro dessa sociedade. Isso por-
que a sociedade capitalista e pensada por esses autores como sendo compos-
ta par apenas duas classes sociais: a burguesia (os capitalistas) e 0 proletaria-
do (os trabalhadores assalariados). E por isso que muitos autores e mesmo
partidos politicos nao assumem a defe"sados camponeses. Muitos acham, in-
clusive, que os camponeses sao reacionarios, que "sempre ficam do lado dos
latifundiarios" ete. Se isso realmente ocorre, e preciso compreender 0 que
esra acontecendo com essa classe social. Certamente eles, os camponeses,
nao tern encontrado respaldo politico nesses partidos; alias, eles "nao fazem
parte da sociedade" para esses autores e partidos.
Penso que esses autores "esqueceram" uma frase escrita por Karl Marx
em 0 Capital:
Os proprietdrios de mera {orfa de trabalho, as proprietdrios de capital e
as proprietdrios da terra, cujas respectivas {antes de rendimentos slio a
saldrio, 0 lucro e a renda {undidria, portanto, assalariados, capitalistas
e proprietdrios de terra, constituem as tres grandes classes da sociedade
moderna, que se baseia no modo de produfao capitalista. (grifo meu)50
Portanto, a compreensao do papel e lugar dos camponeses na socieda-
de capitalista e no Brasil, em particular, e fundamental. au entende-se a
questao no interior do processo de desenvolvimento do capitalismo no cam-
po, ou entao continuar-se-a aver muitos autores afirmarem que os campo-
neses estao desaparecendo, mas, entretanto, eles continuam lutando para
conquistar 0 acesso as terras em muitas partes do Brasil. Urn born exemplo
para esclarecer essa questao e 0 aumento do numero de posseiros no Brasil.
Em 1960 existiam 356.502 estabelecimentos agropecuarios controlados por
posseiros. Ja em 1985, eles passaram para 1.054.542 estabelecimentos, e
em 1995 eram 709.710. au seja, ocorreu exatamente, nesse periodo de
grande desenvolvimento do capitalismo (sobretudo industrial) no Brasil, urn
aumento dos estabelecimentos ocupados por posseiros ate 1985, e a sua re-
dw;:ao em 1995 foi provocada pela regulariza~ao fundiaria realizada no go-
verno FHC. Se as teses da extin~ao do campesinato de fato tivessem capaci-
dade explicativa, essesposseiros deveriam ter se tornado proletarios. Mas nao
foi isso 0 que ocorreu. as camponeses, em vez de se proletarizarem, passaram
a lutar para continuar sendo camponeses. Logo, sao as teses sobre a compre-
ensao do desenvolvimento do capitalismo no campo seguidas por esses auto-
res que possivelmente nao tern capacidade explicativa. Na realidade, 0 que
ocorre e que esses autores tern uma concep~ao te6rica que deriva de uma con-
cep~ao ideol6gica de transforma~ao da sociedade capitalista. Ou seja, partem
do pressuposto de que a chegada ao socialismo so seria possivel se a socieda-
de capitalista tivesse apenas duas classes sociais antagonicas: 0 proletariado e
a burguesia. E, pois, essa concep~ao que esses autores e partidos politicos tern
procurado impor as lideran~as dos movimentos sociais a qualquer pre~o.
Com isso, causam mais confusao do que esclarecem essas lideran~as, pois,
em vez de explicar 0 que esta realmente acontecendo no campo, passam
apenas "uma visao teorica" do que "acham" que esta ocorrendo.
Como fa~o parte de outra concep~ao teorica de compreensao do desen-
volvimento do capitalismo no campo, para mim, 0 que ocorre na agricultu-
ra brasileira e urn processo diferente. au seja, 0 estudo da agricultura bra-
sileira deve ser feito levando em conta que 0 processo de desenvolvimento
do modo capitalista de prodw;:ao no territorio brasileiro e contraditorio e
combinado. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que esse desenvolvi-
mento avan<;:areproduzindo rela<;:6esespecificamente capitalistas (imp lan-
tando 0 trabalho assalariado atraves da presen<;:ano campo do "boia-fria"),
o capitalismo produz tambem, igual e contraditoriamente, rela<;:6escampo-
nesas de produ<;:ao (atraves da presen<;:ae do aumento do trabalho familiar
no campo). Entre os mais importantes pensadores dessa corrente estao Rosa
Luxemburg051, Teodor Shanin52, Samir Amin e Kostas Vergopoulos53, e no
Brasil Jose de Souza Martins54, Margarida Maria Moura55, Jose Vicente Ta-
vares da Silva56, Carlos Rodrigues Brandao, Alfredo Wagner, Ellen Woort-
mann etc. Na Geografia Agraria, seguindo essa concep<;:ao, ha os trabalhos
de Regina Sader57, Iraci Palheta, Rosa Ester Rossini, os meus proprios, e
as disserta<;:6es e teses de grande parte de meus orientandos.
Em varios trabalhos analisei essa questa058. No 3Q Encontro Nacional
de Geografia Agraria, realizado em Itatiaia, RJ, em 1980, pela primeira
vez defendi na Geografia essa posi<;:a059.Mas foi no livro Agricultura cam-
ponesa no Brasil que 0 tema foi tratado de maneira mais analitica60. As-
sim, e atraves da compreensao dessa logic a contraditoria que procuro en-
tender as transforma<;:6es que estao ocorrendo na agricultura brasileira
neste inicio de seculo XXI61.
3. AS PESQUISAS DE MEUS ORIENTANDOS NO LABORATORIO DE GEOGRAFIA
AGRARIA DA USP E NA UNESP DE PRESIDENTE PRUDENTE E RIO CLARO
Fieis aos prindpios de liberdade, autonomia e compromisso social,
meus orientandos vao, a seus modos, criando recortes novos no interior
dessa ja classica concep<;:ao de entender a recria<;:aocamponesa no interiordo capitalismo.
Antonio Thomas Jr.62 vai gradativamente formando a vertente da cen-
tralidade do trabalho nos estudos sobre 0 campo. Investe na constru<;:ao de
uma geografia do trabalho. Abra<;:ando teses leninistas, vai cunhando estu-
dos em que 0 campesinato e visto como categoria social no interior da clas-
se trabalhadora. Para ser justo com ele, vai mais alem, quer ver desvendado
esse novo sujeito social nascido das contradi<;:6es do capital e, simultanea-
mente, cunhado nas lutas dos movimentos sociais. Marcia Yukari Mizusa-
ki63, caminhando nas pesquisas sobre a avicultura em Mato Grosso do SuI,
abre urn interessante dialogo com essas ideias de Thomaz, e procura desven-
dar a presen<;:ada reestrutura<;:ao produtiva na avicultura daquele Estado.
Bernardo Man<;:anoFernandes64 investe na constru<;:aode uma geografia
dos movimentos socioterritoriais. Ocupa<;:ao, acampamento e assentamento
formam a trilogia de suas pesquisas. Certamente, constitui-se hoje em urn pro-
fundo conhecedor do principal movimento social do campo brasileiro, 0 MST.
Helena Angelica de Mesquitae65 esclareceu os meandros do massacre de
Corumbiara, em Rondonia, e revelou os sujeitos sociais e seus papeis. Seu
trabalho insere-se na l6gica da constru~ao de uma geografia dos conflitos no
campo. Catia de Oliveira Maced066 seguiu 0 mesmo caminho, levantando
as conseqiiencias do massacre de Eldorado dos Carajas, e no doutorado se-
gue debru~ada sobre essa regiao do suI do Para. Carlos Alberto Felician067,
por sua vez, tambem investiu na compreensao de uma geografia dos confli-
tos, apresentando uma visao geral do Brasil, mergulhou no estudo dos acon-
tecimentos recentes do Estado de Sao Paulo. Varios movimentos sociais e
a~oes sindicais foram por ele visitados: MAST (Movimento dos Agricultores
Sem Terra), CUT, FERAESp,entre outros. Nessa mesma esteira de pesquisas
sobre os movimentos sociais, Marco Antonio Metidiero Jr.68 pesquisou 0
MLST (Movimento de Liberta~ao dos Sem Terra), suas origens e seus rachas
polfticos, agora no doutorado engloba outros movimentos sociais. Selma
Ribeiro Araujo Michelett069 analisou 0 assentamento Timbore, em Andra-
dina, Sp' tratando de sua hist6ria, seus sujeitos sociais e a dura luta pela sua
existencia. Francisco Jose Avelino Junior70, por sua vez, sistematizou 0 le-
vantamento da luta pela terra no Estado de Mato Grosso do SuI. Larissa
Mies Bombardi71 estudou a primeira experiencia de reforma agraria reali-
zada pelo governo estadual de Sao Paulo, pr6ximo a Campinas. No douto-
rado, Larissa ampIia seu estudo para as outras areas do Estado de Sao Pau-
lo que receberam esses projetos na decada de 60.
Buscando urn recorte tematico diferente, Rosemeire Aparecida de Al-
meida72 analisa com profundidade os processos internos e suas conexoes no
interior dos movimentos sociais no Estado de Mato Grosso do SuI. Essa
analise feita por dentro dos movimentos sociais abre a possibilidade da
compreensao de suas virtudes e fragilidades e, particularmente, dos avan~os
alcan~ados pelos sujeitos sociais que os formam. A incorpora~ao dos con-
ceitos de Pierre Bourdieu73 abre urn dialogo interessante com essa corrente
da antropologia.
Nesse mesmo caminho de dialogo com a Antropologia estao Marta
Inez Medeiros Marques74 e Miriam Claudia Louren~ao Simonetti75. Marta
estudou 0 campesinato em Ribeira, na Paraiba, e a a~ao da CPT (Comissao
Pastoral da Terra) nos movimentos sociais em Goias. Miriam pesquisou a
trajet6ria do assentamento de Promissao, Sp, sua hist6ria, conflitos, encon-
tros e desencontros. Ambas tern na produ~ao de Ellen e KlassWoortmam76,
Margarida Maria Mouran e Antonio Candido78, entre outros, a discussao
para compreender 0 territ6rio campones.
Ainda no rumo da busca de uma geografia dos movimentos sociais e
dos conflitos no campo, esta 0 trabalho de Samira Peduti Kahil79, alias, 0
primeiro sobre a tematica que orientei, sobre a luta dos posseiros da lagoa
Sao Paulo, em Presidente Epit:icio, SP.Nesse mesmo bloco esta tambem 0
estudo de Luiz Carlos Batista80 sabre as brasiguaios.
Herdeiro que fui de muitos orientandos de Regina Sader81, assumi urn
grupo com urn conjunto de reflexoes sobre a Geografia e suas rela~oes com
os estudos do imaginario. Entre eles estao as trabalhos de Jose dos Reis San-
tos Filh082,Ely Souza Estrela83,Elaine Louren~084e Magali Franco Buen085,
que, no doutorado, continua suas pesquisas referentes ao imaginario sobre ;
Amazonia. Buscando construir urn caminho mais influenciado pela sociolo
gia, esta 0 estudo sobre 0 conflito pela terra em Conde, PB, de Marcelo Go
mes Justo86, tambem orientando transferido de Regina Sader. Agora inscri
to no doutorado sob minha orienta<;:ao, Marcelo estuda 0 assentament(
Carlos Lamarca, do MST, na regiao de Sorocaba, SP.
Ainda sob 0 vies da Antropologia de Antonio Carlos S. Diegues87, Car
los Rodrigues Brandao88 e Bernadete Castro Oliveira89, entre outros, esta(
os trabalhos de Lucia Cavalieri9o, sobre os camponeses cai<;:arasda Reserv:
Ecol6gica da Juatinga, em Parati, RJ; de Simone Rezende da Silva91, sobrl
os tambem camponeses cai<;:arasdo Camburi, em Ubatuba, Sp' de Dario dl
Araujo Liman, sobre os pescadores de Marambaia, em Rio Grande, RS, I
de Simone Raquel Batista Ferreira93 (tambem vinda da transferencia de Re
gin a Sader), que pesquisou os territ6rios comunais dos cai<;:arase indigena
do extrema norte do Estado do Espirito Santo e sua luta contra a expansa<
da silvicultura do eucalipto imposta pelas industrias de papel e celulose.
Sobre as na<;:6esindigenas e os conflitos para demarca<;:6es de suas ter
ras estao os estudos voltados para a constru<;:aode uma geografia das na<;:6e
indigenas, de Carla Gon<;:alvesAntunha Barbosa94, sobre luta dos povos Gua
rani para a demarca<;:ao de suas terras no Estado de Sao Paulo e a analisl
global das quest6es (terra, territ6rio e recursos naturais) relativas as socie
dades aut6ctones, seu doutorado. Maria Ines Martins Ladeira95 abordou sig
nificado, constitui<;:ao e uso do espa<;:ogeografico Guarani-Mbya na por<;:a(
sul-americana deste continente. Elizeu Ribeiro Lira96, por sua vez, enfocOl
a hist6ria dos Kraho do Tocantins. Ivani Ferreira de Faria97, os povos indi
genas do alto Rio Negro, no Estado do Amazonas. Joao Mar<;:alBode dl
Moraes98, a luta dos Tupiniquim no Estado do Espirito Santo. Ja Maria Lu
cia Cereda Gomide99, os Xavante da Terra Indigena SangradouroNolt:
Grande e as possibilidades da existencia de urn corredor ecol6gico entIi
esta e a Terra Indigena de Sao Marcos, tambem dos Xavante.
Tambem sobre a Amazonia cabe destacar 0 trabalho de Gislaene More
nolOO sobre apropria<;:ao capitalista da terra no Estado de Mato Grosso, ver
dadeira radiografia de uma das maiores "grilagens legalizadas" de terras pu
blicas do pais. Circe da Fonseca Vidiga1l01, em Sinop, MT, entendeu a geo
politica militar para a Amazonia. Paulo Henrique Borges de Oliveira Junior102
junto com os camponeses ribeirinhos e roceiros de Gurupa, PA, investigou 0
processos de constru<;:ao de seus espa<;:osde vida. Tambem sobre os espa<;:o
da vida cotidiana dos ribeirinhos da Amazonia foi 0 mestrado de Manuel d,
Jesus Mazulo da Cruz103, outro orientando herdado de Regina Sader. Atual
mente inscrito comigo no doutorado, Mazulo estende-se sobre os campone
ses ribeirinhos da Amazonia. Ja Silvio Simione da Silva104 buscou desvenda
a fronteira dominada pela agropecuaria no Acre, e Jones Dari Goettert 105, est,
sulista retirante, estudou os migrantes do suI do pais em Rondon6polis, MT.
Relacionados a agricultura brasileira, estao: Fatima Rotundo da Silvei
ra106, com os trabalhadores na citricultura e na cultura da cana-de-a<;:ucar en
Bebedouro, Sp, e com os camponeses na regiao de Presidente Prudente, SF
Helena Copeti Calai107,e a trajet6ria de expropriac;:ao dos colonos no noroes-
te do Rio Grande do SuI; Marcia Siqueira de Carvalho108, e a pequena pro-
duc;:aode cafe no norte do Parana;Jacob Binsztok109, voltado a ideologia,
contradic;:6es e desenvolvimento do espac;:oagrario fluminense; Maria Jose de
Araujo LimallO, e as saberes populares nos perimetros irrigados do semi-ari-
do nordestino; Celia Maria Santos Vieira de Medeiros11!, com a produtor fa-
miliar rural na regiao de Presidente Prudente, SP; e Sedeval Nardoque112, eo
processo conflituoso da ocupac;:aoda terra em Jales, SP.
Diva Maria de Faria Bournierl13, no bojo dos estudos gerais sabre a agri-
cultura brasileira, relaciona a hist6ria da produc;:ao de alimentos e as proces-
sos gerais do desenvolvimento economico.
Virginia E. Etgesl14, inicialmente, relacionou a campesinato produtor de
fumo em Santa Cruz do SuI, RS, com as industrias fumageiras. Depois ca-
minhou na direc;:ao da hist6ria do pensamento geografico sabre a agricul-
tura, na obra do importante ge6grafo alemao Leo Waibel.
Especial destaque deve ser dado ao trabalho de Eliane Paulino Tomi-
asi115 sabre a campesinato moderno e tradicional do norte do Parana.
Sua analise cuidadosa e aprofundada revela a potencial inovador e cria-
dor dessa classe incomoda no territ6rio da modernizac;:ao agricola.
Nazareno Jose de Campos116 (outro orientando vindo de Regina Sader)
diferenciou form as de terras de usa comum existentes no Brasil, ampliando seu
primeiro trabalho sabre as mesmas na ilha de Santa Catarina117.
A pesquisa de Valeria de Marcosl18 sabre a Comunidade Sinsei, em
Guarac;:ai, Sp' abriu perspectivas para a debate sabre a produc;:ao comuni-
taria e a produc;:ao coletiva na agricultura brasileira, alem de mostrar suas
diferenc;:as em relac;:ao as formas de uso comum da terra no Brasil e no
mundo. Aprofundou estudos na perspectiva da compreensao da influen-
cia anarquista na Geografia e, particularmente, na Geografia Agraria. Sua
tese de doutorado119, defendida na Italia, sob orientac;:ao de Massimo
Quaini, contem a germe fertil de urn novo caminho de pesquisa sabre a
campo para alem do capitalismo.
A esses orientandos vao se samar, em breve, as demais pesquisado-
res que comigo desenvolvem seus mestrados e doutorados no Laborat6-
ria de Geografia Agraria do Departamento de Geografia da Universida-
de de Sao Paulo, atraves do programa de P6s-Graduac;:ao em Geografia
Humana: Alexandra Maria de Oliveira, no Ceara, investiga a reforma
agraria de mercado do Banco Mundial; Maria de Lucia Brant de Carva-
lho levanta as conflitos advindos da construc;:ao de Itaipu e as poucas ter-
ras destinadas aos povos Guarani na regiao de Foz do Iguac;:u; e, par fim,
Luis Almeida Tavares pesquisa as faxinais do Estado do Parana.
Dessa forma, vamos prosseguindo nessa tarefa de formar pesquisadores
para que, par meio da Geografia Agraria, possam compreender as processos
recentes de construc;:ao contradit6ria do territ6rio capitalista no Brasil, como
se pode ver, nem sempre seguida pelos meus orientandos.
4. A BUSCA DA TEORIA NA GEOGRAFIA:
A LOGICA DA CONSTRUl;AO DO TERRITORI0120
A analise da agricultura, especificamente a brasileira, neste final de se-
culo e milenio deve ser feita no bojo da compreensao do desenvolvimento
capitalista em nfvel mundial. Isso passa, sempre, pela compreensao desse
desenvolvimento como sendo contraditorio e combinado, ou seja, ao mesmo
tempo em que avanc;:a reproduzindo relac;:6es especificamente capitalistas
mais avanc;:adas,gera tambem, igual e contraditoriamente, relac;:6esnao capi-
talistas de produc;:ao e de trabalho, como, por exemplo, as relac;:6escampo-
nesas, a peonagem etc., todas necessarias a sua logica de desenvolvimento.
Esses process os contraditorios produzem e se reproduzem em diferen-
tes partes do mundo atual, criando, dessa forma, interdependencias entre
Estados, nac;:6ese, sobretudo, empresas de diferentes lugares dos pafses e do
globo. Essa nova realidade abre a possibilidade para 0 debate travado na
Geografia referente a temas como globalizac;:ao, fragmentac;:ao, lugar, forma-
c;:aosocioespacial, mundo ete.
Meus trabalhos refletem essa corrente que tern no estudo do territorio
o tern a central da investigac;:ao em Geografia. Sigo autores como Lefeb-
vrel21 Calabi e Endovina122 Raffestinl23 Gottdiner124 Coraggio125 Quai-, ""
ni126, Chesnaise127 e Lacoste128, entre outros. Parto, portanto, da concepc;:ao
de que 0 territorio deve ser apreendido como sfntese contraditoria, como
totalidade concreta do modo de produc;:ao/distribuic;:ao/circulac;:ao/consumo
e suas articulac;:6es e mediac;:6essupra-estruturais (polfticas, ideologicas, sim-
bolicas etc.), em que 0 Estado desempenha a func;:aode regulac;:ao. 0 terri-
torio e, assim, efeito material da luta de classes travada pela sociedade na
produc;:ao de sua existencia. Sociedade capitalista que esta assentada em tres
classes sociais fundamentais: proletariado, burguesia e proprietarios de terra.
Dessa forma, sao as relac;:6es sociais de produc;:ao e a logica contf-
nua/contraditoria de desenvolvimento das forc;:asprodutivas que dao a con-
figurac;:aohistoric a especffica ao territorio. Logo, 0 territorio nao e urn prius
ou urn a priori, mas a continua luta da sociedade pela socializac;:ao contfnua
da natureza.
A construc;:ao do territorio e, pois, simultaneamente, construc;:ao/destrui-
c;:ao/manutenc;:ao/transformac;:ao. E, em sfntese, a unidade dialetica, portan-
to contraditoria, da espacialidade que a sociedade tern e desenvolve.
Logo, a construc;:ao do territorio e, contraditoriamente, 0 desenvolvi-
mento desigual, simultaneo e combinado, 0 que quer dizer: valorizac;:ao,
prodw;:ao e reproduc;:ao.
A valorizac;:ao e, assim, compreendida como fruto da transformac;:ao
que a produc;:ao e a reproduc;:ao passam. Isso significa dizer que, sob capita-
lismo, a valorizac;:ao e oriunda do trabalho humano nas suas diferentes me-
diac;:6essociais. Significa tambem que a produc;:ao e resultado contraditorio
de constituic;:ao do capital e que a reproduc;:ao do territorio deriva da repro-
duc;:aoampliada do capital.
A l6gica do desenvolvimento do modo capitalista de produ<,;:iioe, pais,
gerada pdo processo de produ<,;:iiopropriamente dito (reprodu<,;:iioamplia-
da/extra<,;:iioda mais-valia/produ<,;:iiodo capital!extra<,;:iioda renda da t~rra),
circula<,;:iio,valoriza<,;:iiodo capital e a reprodu<,;:iioda for<,;:ade trabalho. E essa
l6gica contradit6ria que constr6i/destr6i formar;oes territoriais em diferentes
partes do mundo au faz com que fra<,;:6esde uma mesma forma<,;:iioterritorial
conhe<,;:amdin3micas desiguais de valoriza<,;:iio,produ<,;:iioe reprodu<,;:aodo ca-
pital, conformando as regioes. Trabalhamos, pais, com a principia contradi-
t6rio de que, ao mesmo tempo em que a capital se mundializou, mundializan-
do a territ6rio capitalista, a terra se nacionalizou. E, pais, tambem dessa con-
tradi<,;:iioque nasce a possibilidade hist6rica do entendimento das diferentes e
desiguais forma<,;:6esterritoriais e das regioes como territorialidades concretas,
totalidades hist6ricas, portanto, da espacializa<,;:iiocontradit6ria do capital
(produ<,;:iio/reprodu<,;:iioampliada) e suas articula<,;:oescom a propriedade fun-
diaria, au seja, a terra. Assim, volta a insistir que a capital e na sua essencia
intemacional, porem a l6gica que envolve a terra e na essencia nacional.
Na forma<,;:iioterritorial capitalista no Brasil, essas contradi<,;:oesgeram
movimentos de concentra<,;:aoda popula<,;:iio,primeiro, nas regi6es metropoli-
tanas e, depois, nas capitais regionais e em geral nas cidades. Ja faz muito
tempo que a popula<,;:aourbana brasileira superou a rural. Formou-se, pois, 0
locus da concentra<,;:aodo capital e da for<,;:ade trabalho, as grandes regi6es in-
dustriais. Nao custa tambem lembrar que, no seio destas, a escassez dos servi-
<,;:ose a acesso a estes geraram a verticaliza<,;:aonas metr6poles e, com ele, a pos-
sibilidade hist6rica da realiza<,;:aoda renda da terra de monop6lio nas cidades.
No campo, esse efeito esta igualmente marcado pelaindustrializa<,;:aoda
agricultura, ou seja, pdo desenvolvimento da agricultura capitalista que abriu a
possibilidade hist6rica aos proprietarios de terras ou aos capitalistas/proprieta-
rios de terra para a apropria<,;:aoda renda capitalista da terra, quer na sua forma
diferencial e/ou absoluta. Esta marcado, pais, pelo processo de territorializa<,;:ao
do capital, sobretudo dos monop6lios.
Porem, a campo esta tambem, contraditoriamente, marcado pela expan-
sao da agricultura camponesa, onde a capital monopolista desenvolveu liames
para subordinar/apropriar-se da renda da terra camponesa, transformando-a
em capital. Aqui, a capital nao se territorializa, mas mono paliza a territ6-
ria marcado pela produ<,;:aocamponesa.
5. A PROPOSTA TEORICA NA GEOGRAFIAAGRARIA: A TERRITORIALlZAt;;AO DO
CAPITAL E A MONOPOLlZAt;;AO DO TERRITORIO
o desenvolvimento, portanto, da agricultura (via industrializa<,;:ao)revela
que a capitalismo esta contraditoriamente unificando a que de separou no inf-
cia de seu desenvolvimento: industria e agricultura. Essa unifica<,;:aoesta sendo
possfvd porque a capitalista se tomou tambem proprietario das terras, latifun-
diario, portanto. Isso se deu igualmente tambem porque a capital desenvolveu
liames de sujei<,;:aoque funcionam como peias, como amarras ao campesinato,
fazendo com que ele as vezes produza exclusivamente para a industria.
Urn exemplo desse contraditorio desenvolvimento ocorre com as USil
ou destilarias de a<;:ucare alcool, onde atualmente industria e agricultura ~
partes ou etapas de urn mesmo processo. Capitalista da industria, propl
tario de terra e capitalista da agricultura tern urn so nome, sao uma so p
soa ou uma so empresa. Para produzir, utilizam 0 trabalho assalariado (
boias-frias que moram/vivem nas cidades.
o outro exemplo se da com os plantadores de fumo no suI do Brasil, (
entregam sua colheita as multinacionais do cigarro. Nesse caso, 0 capitali
industrial e uma empresa industrial, enquanto que 0 proprietario da terr
o trabalhador sao uma unica pessoa, os camponeses. Ja nos casos em que
camponeses arrendam terra para plantar 0 fumo com 0 trabalho de suas
milias, temos como personagens sociais: 0 capitalista industrial, 0 proprie
rio da terra-rentista (que vive da renda em dinheiro recebida pelo aluguel
terra) e 0 campones rendeiro, que com a familia trabalha a terra.
o que esse contraditorio desenvolvimento capitalista no campo rev
e que, no primeiro caso, 0 capital se territorializa. Trata-se, portanto, da I
ritorializac;ao do capital monopolista na agricultura. No segundo caso, e
processo contraditorio revela que 0 capital monopoliza 0 territorio sem, .
tretanto, se territorializar. Trata-se, pois, da monopolizac;ao do territ6
pelo capital monopolista.
No primeiro mecanismo no qual 0 capital se territorializa, ele varre
campo os trabalhadores, concentrando-os nas cidades, quer para ser tra
lhadores para a industria, comercio ou servi<;:os,quer para ser trabalhado
assalariados no campo (boias-frias). Nesse caso, a logica especificamente
pitalista se instala, a reprodu<;:aoampliada do capital se desenvolve na :
plenitude. 0 capitalista/proprietario da terra embolsa simultaneamentc
lucro da atividade industrial e da agricola (da cultura da cana, por exemr:
e a renda da terra gerada por essa atividade agricola. A monocultura se i
planta e define/caracteriza 0 campo, transformando a terra num "mar"
cana, de soja, de laranja, de pastagem etc.
Ja no segundo mecanismo, quando monopoliza 0 territorio, 0 cap
cria, recria, redefine rela<;:6escamponesas de produ<;:aofamiliar. Abre es
<;:0para que a economia camponesa se desenvolva e com ela 0 campesin
como classe social. 0 campo continua povoado, e a popula<;:aorural pc
ate se expandir. Nesse caso, 0 desenvolvimento do campo campones pc
possibilitar, simultaneamente, a distribui<;:aoda riqueza na area rural e
cidades, que nem sempre sao grandes.
Nesse segundo caso ainda, 0 proprio capital cria as condi<;:6espara (
os camponeses forne<;:ammateria-prima para as industrias capitalistas,
mesmo viabilizem 0 consumo dos bens industrializados no campo (ra<;:ao
avicultura ou para a suinocultura). Isso revela que 0 capital sujeitou a reI
da terra gerada pelos camponeses a sua logica, ou seja, se esta diante da I
tamorfose da renda da terra em capital. Revela-se, portanto, que tem-s
frente 0 capital, que nunca deriva de rela<;:6esespecificamente capitalist;
E por isso que 0 desenvolvimento do capitalismo no campo abre es
c;;osimultaneamente para a expansao do trabalho familiar campones, nas
suas multiplas formas, como camp ones proprietario, parceiro, rendeiro ou
posseiro. E assim que os proprios capitalistas no campo se utilizam desse
processo para produzir 0 seu capital.
Assim, a territorializac;;ao do monopolio e a monopolizac;;ao do territo-
rio estao se constituindo em instrumento de explicac;;ao geografica para as
transformac;;6es territoriais do campo.
Embora muitos geografos procurem participar de diferentes construc;;6es
teoricas para a explicac;;aodo campo, ha pesquisadores que, a partir de exer-
cfcios estatisticos, constroem caminhos de investigac;;ao que reproduzem
equivocos e conseqiiencias serias aos estudos da Geografia Agraria. Refiro-
me as propostas de Jose Graziano da Silva sobre 0 "Projeto Rururbano" e
suas analises a respeito do que ha de novo no rural brasileiro e aos textos
jornalfsticos de Jose Eli da Veiga sobre uma parte do Brasil urbano que para
ele e rural.
6. A INFLUENCIA EQUIVOCADA DO RURURBANO DE JOSE GRAZIANO DA
SILVA E DAS CIDADES IMAGINARIAS DE JOSE ELI DA VEIGA NAS PESQUISAS
EM GEOGRAFIA AGRARIA
"A estatistica e
a arte de torturar os numeros
ate que eles confessem."129
A incansavelluta pelo acesso a terra pelos camponeses no Brasil tern uma
dimensao incompreendida por parte da intelectualidade brasileira. No Brasil,
por exemplo, Jose Graziano da Silva acredita que 0 campo praticamente aca-
bou e que a agricultura e atividade de "tempo parcial" (part-time farmer):
... para encerrar essa lista que poderia arrolar inumeros outros fatores,
a crescente tecnificac;:aodos produtores familiares, que permitiu a li-
berac;:aoda mulher e dos filhos menores das lides diarias, tornando
possivel a sua urbanizac;:ao. Ou seja, esse pequeno produtor saiu do
campo e veio para a cidade em busca de escola para os filhos e dos
"confortos" da cidade. Na cidade, a famIlia diversificou a origem de
sua renda, fosse atraves do trabalho assalariado dos filhos, fosse atra-
yeS das rendas de alugueis e cadernetas de poupanc;:a,unicas alternati-
vas ao seu alcance. Assim, do ponto de vista da familia - especialmen-
te da familia ampliada -, as atividades agricolas vila se convertendo
gradativamente em atividades part-time, ainda que fundamentais para
sua reproduc;:ao. (grifo meu)130
Em seu estudo "0 novo rural brasileiro"13l, Jose Graziano de Silva tar
bem afirma de forma categ6rica que:
o prop6sito deste texto e chamar a aten<;:aopara 0 que hi de novo no
chamado meio rural brasileiro. Na verdade, esti cada vez mais diffcil
delimitar 0 que e rural e 0 que e urbano. Mas isso que aparentemen-
te poderia ser urn tema relevante nao 0 e: a diferen<;:aentre 0 rural e
o urbano e cada vez menos importante. Pode-se dizer que 0 rural hoje
s6 pode ser entendido como urn continuum do urbano do ponto de
vista espacial; e, do ponto de vista da organiza<;:aoda atividade econo-
mica, as cidades nao podem mais ser identificadas apenas com a ativi-
dade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuiria.
Em poucas palavras, pode-se dizer que 0 meio rural brasileiro se urba-
nizou nas duas ultimas decadas, como resultado do processo de indus-
trializa<;:aoda agricultura, de urn lado, e, de outro, do transbordamen-
to do mundo urbano naquele espa<;:oque tradicionalmente era defini-
do como rural. Como resultado desse duplo processo de transforma-
<;:ao,a agricultura- que antes podia ser caracterizada como urn setor
produtivo relativamente autirquico, com seu pr6prio mercado de tra-
balho e equilibrio interno - se integrou no restante da economia a
ponto de nao mais poder ser separada dos setores que the fornecem in-
sumos e/ou compram seus produtos. Ji tivemos oportunidade de mos-
trar que essa integra<;:aoterminou por se consolidar nos chamados com-
plexos agroindustriais que passaram a responder pela pr6pria dinamica
das atividades agropecuarias af vinculadas. (grifo meu)132
Jose Graziano da Silva acerta no principal, ou seja, e verdade que 0 d
senvolvimento do modo capitalista de produ<;:ao trouxe consigo 0 desenvc
vimento e a expansao do urbano. 0 urbano tornou-se, assim, maior que
cidade e que 0 campo, tornou-se sua sfntese contradit6ria. Mas essa sfnte
contradit6ria nao eliminou a cidade nem 0 campo. As suas rela<;;6estorn
ram-se mais complexas. Urn nao pode ser entendido sem 0 outro. Mas is
nao quer dizer que urn foi incorporado pelo outro, como parece entend
o autor. MinaI, para ele, sempre existiu a esperan<;;ade que a agricultura
transformasse em uma "fibrica verde", enfim, que as rela<;;6essociais I
produ<;;ao e de trabalho capitalista, quer dizer assalariadas, dominasse
tudo e a todos.
Mas isso e apenas suficiente para explicar parte das transforma<;;6es (
mundo rural contemporaneo, em particular aquelas que se coadunavam co
o paradigma da industrializa<;;ao da agricultura, que previam as "fabricas Vt
des" como prot6tipo da organiza<;;aosocial do trabalho nos campos.133
Entretanto, nao foi isso que aconteceu, e 0 campesinato tern dado me
tra suficiente de sua for<;;a,para que essa tese te6rica, polltica e ideol6gi
da hegemonia plena do capitalismo fosse de fato oearrer, como previram
classicos Marx e Lenin. Por isso, segundo 0 autor, novas formas de orgat
za~ao do processo de trabalho passaram a ocorrer, e elas sinalizam na dire-
~ao de que os camponeses, na realidade, san prestadores de servi~os auto-
nomos que trabalham em suas proprias casas:
Nao e nosso prop6sito nos aprofundarmos nesses aspectos aqui. Apenas
reconhecer que, tanto na industria como na agricultura, essas novas tec-
nologias ja estao alterando profundamente nao so as formas de organi-
za~ao do processo de trabalho, conforme mencionado anteriormente,
mas tambem reduzindo a escala minima necessaria da atividade econo-
mica e redefinindo os requisitos fundamentais de sua localiza~ao espa-
cial. a desejo de uma estabilidade social representada pelo empregado
das grandes corporafoes cedeu lugar, no imagindrio popular, ao prestador
de servifos autonomo que trabalha em sua pr6pria casa. (grifo meu)134
Para a tese de Jose Graziano da Silva e impossivel a existencia da classe
camponesa na sociedade capitalista. Em sua concep~ao teorica, historica, po-
lftica e ideologica, ela e coisa do passado, superada pelo desenvolvimento ca-
pitalista. E, mais, para 0 autor, aqueles que pensam que os camponeses exis-
tern e se reproduzem na sociedade capitalista estao ainda embriagados pelas
teorias classicas, cujo aporte desemboca em uma visao da cisao rural/urbano:
A utiliza~ao que os autores classicos (como, por exemplo, Marx e We-
ber) davam ao corte urbano/rural relacionava-se ao conflito entre duas
realidades sociais diferentes (uma em declinio, outra em ascensao) em
fun~ao do progresso das for~as capitalistas que minavam a velha or-
dem feudal. A dicotomia urbano-rural procurava representar, portan-
to, as classes sociais que contribuiram para 0 aparecimento do capita-
lismo ou a ele se opunham na Europa do seculo XVII e nao propria-
mente urn corte geografico. E a partir dai que 0 "urbano" passou a ser
identificado com 0 "novo", com 0 "progresso" capitalista das fabricas;
e os rurais, ou a "classe dos proprietarios rurais", com 0 "velho" (ou
seja, a velha ordem social vigente) e com 0 "atraso" no sentido de que
procuravam impedir progresso das for~as sociais, como, por exemplo,
na famosa disputa pela revoga~ao das leis que limitavam a importa~ao
de cereais pela Inglaterra na epoca de Ricardo,135
E por isso que Jose Graziano da Silva acertou no principal. Ele esta cer-
to em sua visao da importancia e do significado do urbano. Nesse sentido,
ocampo industrializou-se, porem ele ainda continua sendo 0 campo, 0
mundo rural com suas especificidades, agora contraditoriamente mais con-
flitado. a campesinato moderno passou a cobrar cada vez mais seu lugar no
pacto social das sociedades desenvolvidas. Foi por isso que as polfticas da
Uniao Europeia tiveram de leva-Ios em conta. E, nao como pensa 0 autor,
eles tornaram-se dispensaveis para a ordem capitalista, ou melhor, agora san
apenas necessarios em parte. Eles tornaram-se part-time farmer, ou urn
prestador de servi~os autonomo que trabalha em sua propria casa
No mundo rural dos paises desenvolvidos, esse novo paradigma "p6s-
industrial" tern urn ator social ja consolidado: 0 part-time farmer que
podemos traduzir por agricultores em tempo parcial. A sua caracterfs-
tica fundamental e que ele nao e mais somente urn agricultor ou urn
pecuarista: de combina atividades agropecuarias com outras ativida-
des nao-agricolas, dentro ou fora de seu estabelecimento, tanto nos ra-
mos tradicionais urbano-industriais como nas novas atividades que vem
se desenvolvendo no meio rural, como lazer, turismo, conserva"ao da
natureza, moradia e presta"ao de servi"os pessoais. Em resumo, 0 part-
time nao e mais urn fazendeiro especializado, mas urn trabalhador au-
tonomo que combina diversas formas de ocupa"ao (assalariadas ou
nao). Essa e a sua caracterfstica nova: uma pluriatividade que combina
atividades agricolas e nao-agricolas.136
Alias, 0 pr6prio Jose Graziano da Silva revel a sua mais eloqiiente inten-
"ao te6rica, hist6rica, polftica e ideol6gica: nao hi lugar no mundo moder-
no (para ele, p6s-industrial) para os camponeses:
Na verdade, a novidade em relafao aquilo que na visao dos clcissi-
cas marxistas seria cansiderado camponeses em processo de prole-
tarizafao Iia combinafdo de atividades ndo-agricolas fora do seu es-
tabelecimento, 0 que nao ocorria anteriormente. E mais: os classicos
consideravam que a existencia de membros da familia camponesa tra-
balhando fora de sua unidade produtiva era urn indicador do proces-
so de proletariza"ao e, conseqiientemente, de desagrega"ao familiar,
empobrecimento e piora das condi"oes de sua reprodu"ao social. E pre-
ciso recordar que os camponeses nao eram produtores agricolas especia-
lizados: combinavam atividades nao-agricolas de bases artesanais dentro
do estabelecimento, envolvendo praticamente todos os membros da fa-
milia na produ"ao de doces e conservas, fabrica"ao de tecidos rusticos,
m6veis e utensilios diversos, reparos e amplia"ao das constru"oes e ben-
feitorias etc. 0 sinal visivel de que nao podiam mais garantir a sua
reprodufdo era 0 assalariamento temporcirio fora, que ocorria fun-
damentalmente em unidades de produfdo vizinhas por ocasido da
colheita. (grifos meus)137
E, portanto, pela nega~ao da possibilidade hist6rica da exist encia do
campesinato como classe social no interior da sociedade capitalista que esra
construida a tese de Jose Graziano da Silva. Sua constru~ao te6rica agora se-
gue Mingione e Pugliese138, que, a partir de uma concep~ao flexivel sobre 0
trabalho, veem os camponeses modernos tambem como subprodutos da re-
estrutura~ao produtiva da industria no capitalismo mundializado:
Segundo Mingione e Pugliese, 0 part-time e 0 elemento fundamental da
nova base social da agrieultura moderna. Eles atribuem essa possibilida-
de de combinar atividades agrfcolas com atividades nao-agrfcolas fora do
estabelecimento familiar a um processo de "desdiferencia<;;ao"ou "deses-
pecializa<;;ao"da divisao social do trabalho que tem na sua origem a mo-
difica<;;aodo proprio processo de trabalho, tanto na agricultura moderna
como na industria de basefordista. Varios fatores vem contribuindo para
impulsionar essa nova tendencia no mundo rural dos paises desenvolvi-
dos, entre os quais se deve destacar a crescente semelhan<;;adas formas de
organiza<;;aoe contrata<;;aode trabalho na industria com aquelas secular-
mente existentes na agricultura (flexibilidade de tarefas e da jornada,
contrata<;;aopor tarefa e/ou por tempos determinados etc.), a volta da in-
dustria para as campos, a melhoria nos sistemas de comunica<;;aoe trans-
porte e a aparecimento de novas formas de trabalho a domicflio.139
Assim, a permanencia e a reprodu~ao social do campesinato moder-
no nada tern a ver com ele pr6prio, com sua consciencia de classe campo-
nesa. E a l6gica do capitalismo mundializado emersa na reestrutura~ao
produtiva que 0 redefine, que nao permite que ele seja ele mesmo. Por
isso, para Mingione, Pugliese e Jose Graziano da Silva, ele parece mais urn
mecanico do que urn campones:
Como tambem assinalam Mingione e Pugliese, a pluriatividade na
maioria das vezes se associa a um outro fator complexo, que e a
combina<;;ao,cada vez mais freqiiente, numa mesma pessoa, do esta-
tuto de empregado com 0 de conta pr6pria. 0 resultado dessa asso-
cia<;;aoe a aparecimento de tipos que, tanto do ponto de vista social
como do profissional, saG diffceis de classificar. E citam 0 exemplo
do alugador de maquinas que trabalha com seu pr6prio trator em va-
rias explora<;;6esagrfcolas e que muitas vezes recebe um salario dia-
rio em fun<;;aodas horas trabalhadas. Alem disso tudo, concluem,
"assemelha-se mais a um mecanico do que a um campones, do mes-
mo modo que hoje em dia 0 agricultor tende a preocupar-se mais com
questoes comerciais do que com 0 crescimento das culturas em si".
(grifo meu)l40
Dessa forma, os autores tern de negar a evidencia hist6rica da existencia
do campesinato. Tem de transformar os camponeses em urn nada social, ou
melhor, em urn quase "mecanico", urn quase operario. Ou, como ja afirma-
ram outros em outros tempos, "0 campones e urn trabalhador para 0 capital".
Por isso, agora e preciso buscar no conceito de pluriatividade a base de sus-
tenta~ao empfrica da tese. Mas, como 0 mundo real e contradit6rio, diferen-
te, cheio de misterios, e preciso provar com numeros a sustenta~ao da tese:
Nos paises subdesenvolvidos, tambem jd se pode observar com cla-
reza 0 fenomeno dos part-time, em bora sem a mesma magnitude
que assume nos paises desenvolvidos. E evidente que ha diferen<;;as
substanciais, ainda que se possa observar, em graus diferentes de im-
partancia re1ativa conforme as diferentes regi6es do pafs, os mesmos
fenomenos apontados anteriormente: 0 "desmonte" e a especializac;:ao
das unidades produtivas, 0 crescimento da prestac;:aode servic;:os,a for-
mac;:aode redes dentro dos distintos complexos agroindustriais, 0 cres-
cimento do emprego rural nao-agrfcola e a melhoria das condic;:6esde
vida e lazer no meio rural. (grifo meu)141
Por isso, a necessidade de busca incansavel nao do mundo real, aque
em que os camponeses estao em luta cotidiana pela sua existencia social
pela sua reproduc;:ao, mas do mundo das estatfsticas da Pesquisa Nacion:
por Amostra de Domidlios - PNAD. as dados indicados pelos levantameI
tos estatfsticos do IBGE e que estariam indicando 0 que haveria de novo n
mundo rural. Portanto, e necessario desvendar esses dados utilizados, a pH
pria metodologia da PNAD, para entender que 0 que Jose Graziano da Si
va encontrou de novo no mundo rural nao passa de urn equfvoco da amo
tragem estatfstica da PNAD. Quer dizer, os numeros SaDaqueles mesmo
porem, foram contados como rurais os dados que, no mundo dos mortai
SaDurbanos.
Dessa forma, a pluriatividade estaria agora na agenda do dia e, assir
a produc;:ao agrfcola estaria irremediavelmente em segundo plano. Esse il
telectual afirma, com apoio de parte da mfdia brasileira, que 0 campo se urb
nizou e nao ha mais sentido falar-se em rural. A onda agora e 0 "novo rural br
sileiro", que 0 "Projeto Rururbano" desvendou cientificamente. Estamos, poi
diante de urn processo que substituiu 0 campo do Brasil real pdo Brasil da fi
c;:aovirtual que emerge das analises estatfsticas da PNAD que 0 IBGE levant;;
Nas "Notas tecnicas" das publicac;:6es da PNAD do IBGE se encontra
registrados todos os procedimentos e conceitos que foram utilizados pa
sua elaborac;:ao, seu contexto hist6rico e seus limites. A pesquisa e realiza<
com a populac;:ao residente nas unidades domiciliares, sejam elas de quai
quer tipos que forem. Quanta a situac;:aodo domidlio, que e 0 que intere
sa para os estudos de Jose Graziano da Silva, pode ser urbana ou rural:
A classificac;:aoda situac;:aodo domidlio e urbana ou rural, segundo a
area de localizac;:aodo domidlio, e tern por base a legislac;:aovigente
par ocasiao da realizac;:aodo Censo demografico de 2000. Como situa-
c;:aourbana consideram-se as areas correspondentes as cidades (sedes
municipais), as vilas (sedes distritais) ou as areas urbanas isoladas. A si-
tuac;:aorural abrange toda a area situada fora desses limites. Esse crite-
rio e tambem utilizado na classificac;:aoda populac;:aourbana e rural.l42
au seja, 0 IBGE tomou como referencia a situac;:ao do domidlio I
Censo demografico de 2000, isto e, de acordo com as legislac;:6esmunicipc
que regem a defini~ao legal do que e urbano e do que e rural. Da mesma
forma, as PNADs da decada de 90 levaram em considera~ao a base legal vi-
gente no Censo demografico de 1991:
A classifica~ao da situa~ao do domicflio e urbana ou rural, segundo a
area de localiza~ao do domicflio, e tern por base a legisla~ao vigente
por ocasiao da realiza~ao do Censo demografico 1991. Como situa~ao
urbana consideram-se as areas correspondentes as cidades (sedes mu-
nicipais), as vilas (sedes distritais) ou as areas urbanas isoladas. A situa-
~ao rural abrange toda a area situada fora desses limites. Esse criterio e
tambem utilizado na classifica~ao da popula~ao urbana e rura1.l43
E evidente que, se tomarmos as PNADs da decada de 80, elas se repor-
taram a situa~ao dos domicflios no Censo demografico de 1980. Assim, a
base de dados dos domicflios esta sempre no censo demografico que ante-
cedeu a pesquisa. 0 Censo demografico de 2000 definiu assim a questao re-
ferente a situa<;:aodos domicflios:
Segundo a localiza~ao do domicflio, a situa~ao e urbana ou rural, con-
forme definida por lei municipal em vigor em 14 de agosto de 2000. Em
situa~ao urbana consideram-se as areas urbanizadas ou nao, correspon-
dentes as cidades (sedesmunicipais), as vilas (sedes distritais) ou as areas
urbanas isoladas. A situa~ao rural abrange toda a area situada fora desses
limites, inclusive os aglomerados rurais de extensao urbana, os povoados
e os nucleos. Este criterio tambem e utilizado na classifica~aoda popula-
~ao urbana e rural.144
Ou seja, esta explicitamente indicado que foram contados como rurais os
domidlios e, logicamente, a popula~ao da zona rural propriamente dita, "in-
clusive os aglomerados rurais de extensao urbana, os povoados e os nucleos".
Portanto, os denominados aglomerados rurais de extensao urbana vaGse cons-
tituir no vies que tornara rural 0 que e de fato, no mundo real, urbano. 0 IBGE
sempre explicitou esta realidade que gera tal distor~ao nos dados estatisticos:
AGLOMERADO RURAL DE EXTENSAO URBANA - Localidade que
tern as caracterfsticas definidoras de aglomerado rural e esta locali-
zada a menos de 1 km de distancia da area efetivamente urbaniza-
da de uma cidade ou vila ou de urn aglomerado rural ja definido
como de extensao urbana, possuindo contigiiidade em rela~ao aos
mesmos. Constitui simples extensao da area efetivamente urbaniza-
da com loteamentos ja habitados, conjuntos habitacionais, aglome-
rados de moradias ditas subnormais, ou nucleos desenvolvidos em
torno de estabelecimentos industriais, comerciais ou de servi~os.145
Portanto, vem sendo computada conscientemente como ruraluma
parcela expressiva da popula~ao que e, em verdade, urbana, ou seja, "ex-
tensao da area efetivamente urbanizada com loteamentos ja habitado
conjuntos habitacionais, aglomerados de moradias ditas subnormais, 0
nuc1eos desenvolvidos em torno de estabelecimentos industriais, come
ciais ou de servil5os" .146
o mesmo fato esta explicitado na conceitual5ao de nuc1eo de agloilll
rado rural isolado:
AGLOMERADO RURAL ISOLADO - NUCLEO - Localidade que tern a ca-
racterfstica definidora de aglomerado rural isolado e que esta vinculada
a urn unico proprietario do solo (empresas agrfcolas, industriais, usinas
etc.), ou seja, que possui carater privado ou empresarial.
Dessa forma, estao contados como domidlios e populal5oes rurais tc
dos/as que estiverem como aglomerado rural de extensao urbana, ou isol
dos como povoado, nuc1eo ou outros aglomerados. Apenas 0 estudo a pa
tir dos setores censitarios permite fazer a sua desagregal5ao e sua analise e il
terpretal5ao separada daquela da chamada zona rural propriamente dita. Cal
ainda ressaltar que nessas multiplas situal50es que saDurbanas no proprio rur
estao as bases militares, quarteis, penitenciarias, colonias penais, presidios, a1
los, orfanatos, conventos, hospitais etc.
E por isso que qualquer estudioso que va analisar os dados sobre a pop
lal5aorural do Brasil fica literalmente assustado quando verifica que 0 muni(
pio que tern a maior populal5ao rural do Brasil e Sao Paulo, com 621.065 h
bitantes147• Quem conhece 0 munidpio de Sao Paulo sabe de antemao que es
dado nao corresponde a realidade dos fatos. E por isso, tambem, que qualqu
urn que analisa os dados sobre a populal5ao rural do Brasil verifica que gran'
parte dos munidpios que possuem poyulal5ao rural e1evada saDcidades medi
ou estao em regioes metropolitanas. E tambem por isso que a populal5ao rur
do Estado de Sao Paulo aumentou em termos absolutos em 2000. E, ainda, ql
a populal5ao rural do Brasil, segundo 0 IBGE, se apresenta concentrada pro)
mo as regioes metropolitanas e as cidades medias do pais148•
Inclusive, e preciso tambem deixar registrado que 0 IBGE nunca negou c
sas questoes, ao contrario, procurou sempre chamar atenl5ao para elas. E Pi
isso que, na tabe1a que apresenta a fral5ao da amostragem e a composil5ao ,
amostra, segundo as unidades da Federal5ao e regioes metropolitanas, ha no r
dape uma nota que informa: ':4 composifiio da amostra da Unidade da Fed
rafiio inclui a Regiiio Metropolitana"149.
Assim, e preciso ponderar que a amostragem das estatisticas da PNAD es
contaminada pela presenl5a de grande numero de amostras que cairam no u
bano "c1andestino" computado como rural. Portanto, nao saD so as estati
ticas que registram urn Brasil majoritariamente urbano, mas ha de fato, e
todas as partes deste pais continente, 0 modo de vida urbano dominando :
multanea e contraditoriamente a cidade e 0 campo. E possivel que tenha f;
tado a necessaria compreensao de que nao saD os dados que determinam
realidade, mas, aocontrario, e a realidade que determina os dados. Alias,
possive1 que a ausencia de estudos sobre a realidade e a geografia do Bra
nas pesquisas de Jose Graziano da Silva 0 tenha levado a retirar interpreta-
~6es das estatisticas que apenas visaram "provar sua tese" ja admitida a prio-
ri como verdadeira.
Ha tambem, entre os intelectuais, urn que trava uma falsa briga com as
estatfsticas do IBGE, trata-se de Jose Eli da Veiga.150 Como este Instituto
toma como base para seus levantamentos estatfsticos 0 perfmetro urbano
definido por lei em cada munidpio do pafs, 0 criterio adotado desde os tem-
pos getulistas, "esconderia" urn Brasil majoritariamente rural, pois a maio-
ria das cidades brasileiras vive das atividades rurais. Para ele, portanto, a
maior parte da popula~ao levantada como urbana pelo IBGE e, ao mesmo
tempo, nessa fic~ao da tambem virtual teoria, uma popula~ao rural.
Esse autor tern influenciado trabalhos na Geografia Agraria, em uma
clara tendencia acrftica, pois os ge6grafos que 0 seguem certamente se es-
queceram do debate que a Geografia Urbana tern travado nas tres ultimas
decadas. Alias, e importante real~ar que 0 trabalho de Veiga tinha como ob-
jetivo fundante encontrar urn "caminho te6rico" que pudesse fundamentar
os pIanos de governo de FHC, quando ocupava cargo no Ministerio de De-
senvolvimento Agrario. Ou seja, a decisao polftica a priori invadiu 0 univer-
so da pesquisa. Dessa forma, 0 a priori se impos de forma decisiva. Por ou-
tro lado, junte-se a esse procedimento a ausencia de pesquisa na literatura
academica sobre 0 tema.
Ana Fani A. Carlos, na revista Geousp nQ 13, tambem criticou esse ca-
minho seguido por Veiga, lembrando que:
A ideia de estabelecimento de dialogo com 0 professor Jose Eli da
Veiga traz uma primeira dificuldade: 0 conjunto de artigos nao apre-
senta uma reflexiio aprofundada baseada em argumentos s6lidos, e
uma pesquisa capaz de construir urn referencial a altura do desafio
lan~ado pelo tftulo do livro. Urn outro problema que enfrentamos e
que 0 autor vai emitindo opinioes muitas delas apoiadas em estatfs-
ticas dos paIses centrais para explicar "nosso desenvolvimento". Po-
derfamos tecer, inicialmente, uma primeira observac;:iioreferente ao
metodo, e nessa perspectiva a preocupac;:iio que atravessa 0 livro e a
ideia da produc;:iio de urn conhecimento aplicado, em muitos mo-
mentos banalizado pela ideia de ecossistema, como modelo de inte-
ligibilidade do mundo; urn modelo fechado, ao apontar uma ordem
estabelecida e na medida em que traz como conseqiiencia a busca
para sua manutenc;:iio. Essa analise envolve riscos de simplificac;:iioda
realidade, pois a sistematizac;:iio,ao evitar 0 diferente, desemboca ne-
cessariamente na busca de uma harmonia que ignora as contradic;:oes
profundas sob as quais se deve analisar as atuais relac;:oescidade/campo
no Brasil. Como decorrencia, a analise desemboca no 6bvio: a busca
do "desenvolvimento sustentavel" como caminho unico possivel de re-
solver os desequilfbrios. Aqui, a busca do equili:brio,harmonia e coeren-
cia confunde, inexoravelmente, desenvolvimento com crescimento.151
Portanto, 0 caminho percorrido por Jose Eli da Veiga nao se sustenta nl
do ponto de vista te6rico, nem do hist6rico. E 6bvio a qualquer estudioso
questao urbana que 0 Brasil esta definitivamente urbanizado. Isso nao quer
zer que desapareceram as diferen<;:asentre 0 urbano e 0 rural, ao contrar
elas tornaram-se mais complexas, como ja indiquei.152Ana Fani, de forma
guta, busca nas contradi<;:6esque 0 livro de Veiga apresenta a verdadeira c(
fusao existente em sua concep<;:aosobre cidade e urbano, cidade e campo:
A segunda observa~ao refere-se ao fato de que os argumentos de-
senvolvidos nos artigos do livro caminham na dire<;:aooposta ao
que 0 autor quer provar. Veiga, ao mesmo tempo em que assinala 0
fato de que 0 Brasil e menos urbano do que se calcula, reconhece
que ha, hoje, uma profunda transforma~ao nas rela<;:6escidade/cam-
po, mas nao enfrenta a necessidade de desvendamento do conteudo
e sentido dessas transforma~6es.
o que 0 autor parece ignorar e que cidade e campo se diferenciam
pelo conteudo das rela~6es sociais neles contidas e estas, hoje, ga-
nham conteudo em sua articula~ao com a constru~ao da socieda-
de urbana, 0 que demonstra, por exemplo, 0 desenvolvimento do
que chama de pluriatividades. Portanto, hci na conclusao do au-
tor uma inversao: no Brasil, a constitui~ao da sociedade urbana
caminha de forma inexoravel, nao transformando 0 campo em
cidade, mas articulando-o ao urbano de um "outro modo", rede-
finindo a antiga contradi~ao cidade/campo: este e, a meu ver, 0
desafio da analise. Significa dizer que 0 processo atual de urbani-
za~ao nao se mede por indicadores referentes ou derivados do au-
mento da taxa anual de crescimentoda popula~ao urbana, e muito
menos pela estrita delimita~ao do que seria "urbano ou rural", como
faz 0 autor.Significa que nossas analises devem ultrapassar os dados
estatisticos (que, por sinal, saD poucos no livro). Por outro lado, a
analise do fenomeno deve superar a visao institucional- como os de-
eretos que definem regi6es metropolitanas, a delimita~ao das areas
urbanas municipais feitas pelas prefeituras com 0 intuito de aumen-
tar a arrecada~ao do IPTU etc., como faz Veiga. (grifo meu)153
A tese central do livro de Veiga esta fundamentada em evidentes el
vocos. Em primeiro lugar, fica flagrante 0 desconhecimento do autor sc
o debate da Geografia Urbana brasileira nos ultimos trinta anos, particu
mente aquele relativo ao conceito de cidade. Ana Fani, de forma clara,
sume esse procedimento equivocado de Veiga:
tor deriva seu raciocinio sobre 0 calculo do numero de cidades no Bra-
sil a partir de uma definic;:aopolftico-administrativa (descartada ha de-
cadas pela Geografia Urbana), segundo a qual a cidade, no Brasil, e de-
finida como sede de municipio. Deriva dessa assertiva a constatac;:ao
de que existiriam no Brasil 5.507 sedes municipais em 2000, todas
com estatuto legal de cidade - 0 que, a meu ver, nao diz nada sobre 0
seu conteudo. Mas desse dado revela que 455 seriam "inequivocamen-
te urbanos", sobrando 5.052, dentre as quais seria preciso, para Vei-
ga, distinguir as que "pertencem ao Brasil rural" e as que estariam "no
meio de campo" (sic), imagino que entre a cidade e 0 campo, segun-
do 0 criterio estabelecido pdo autor.154
Em segundo lugar, Veiga estabelece uma relac;:aopuramente idealizada
referente a densidade demografica e ao que 0 autor imagina ser 0 estagio de
desenvolvimento dos diferentes ecossistemas existentes no Brasil. E 6bvio
que 0 dado de densidade demografica, por si so, ja pressup6e generaliza<;:ao
e abstra<;:ao, representando, pois, apenas e tao-somente indicativo relativo
da distribuic;:ao espacial da popula<;:ao e nunca indicador representativo das
caracterfsticas do processo de produ<;:ao do territorio. Veiga parece desco-
nhecer 0 Brasil dos brasileiros, fazendo com que 0 referencial de seu meto-
do seja uma suposi<;:aodo que 0 Brasil e, ou seja, apenas uma representa<;:ao
sua, pessoal, portanto. Nao estamos, pois, diante de urn Brasil real, concre-
to e com historia. Ana Fani, mais uma vez, em seu texto sobre 0 livro de Vei-
ga, mostrou 0 confuso e desconexo caminho da idealiza<;:aodo mundo real
feita pelo autor:
Para apoiar esta classifica<;:ao,estabelece urn criterio baseado na densida-
de demografica, que estaria no amago do chamado "fndice de pressao an-
tropica" (definida como 0 melhor grau de artificializac;:aodos ecossiste-
mas e, portanto, do efetivo grau de urbaniza<;:aodos territ6rios), onde a
localizac;:aorefletiria as modificac;:6esdo meio natural que resultariam da
atividade humana. Nesse raciocinio distingue areas "mais rurais" em fun-
<;:aoda "natureza intocada" e "ecossistemas mais alterados" pela a<;:aohu-
mana e manchas ocupadas pelas "megalopoles", ecossistemas "mais alte-
rados" ou "artificializados". Uma classificac;:aoaltamente questionavel.l55
Ha no livro de Veiga urn trecho em que a estatfstica se torna "a arte de
torturar os numeros ate que des confessem", como gostava de dizer 0 genial
economista Jose Juliano de Carvalho Filho, da Faculdade de Economia, Ad-
ministra<;:aoe Contabilidade - FEA -, da USp' nas reuni6es de elabora<;:aodo
II Plano Nacional da Reforma Agraria do governo Lula no segundo semes-
tre de 2003. Vamos a ele:
Muitos estudiosos procuraram contornar esse obstaculo pelo uso de
uma outra regra. Para efeitos analfticos, nao se deveria considerar ur-
banos os habitantes de municipios pequenos demais, com menos de 20
mil habitantes. Por tal conven<;ao, que vem sendo usada des de os anos
50, seria rural a popula<;ao dos 4.024 munidpios que tinham menos
de 20 mil habitantes em 2000, 0 que, por si s6, ja derrubaria 0 grau
de urbaniza<;ao do Brasil para 700/0.
A grande vantagem desse criterio e a simplicidade. Todavia, ha muitos
munidpios com menos de 20 mil habitantes que tern altas densidades
demograficas, e uma parte deles pertence a regi6es metropolitanas e
outras aglomera<;6es. Dois indicadores dos que melhor caracterizam 0
fenomeno urbano. Ou seja, para que a analise da configura<;ao territo-
rial possa de fato evitar a ilusao imposta pela norma legal, e preciso
combinar 0 criterio de tamanho populacional do municfpio com pelo
menos outros dois: sua densidade demografica e sua localiza<;ao. Nao ha
habitantes mais urbanos do que os residentes nas doze aglomera<;6es
metropolitanas, nas 37 demais aglomera<;6es e nos outros 77 centros ur-
banos identificados pela pesquisa que juntou excelentes equipes do
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica -, do IPEA - Ins-
tituto de Pesquisas Economicas Aplicadas - e da Unicamp - Universi-
dade de Campinas: Caracterizac;ao e tendencias da rede urbana do
Brasil (1999). Nessa teia urbana, formada pelos 455 munidpios dos
tres tipos de concentra<;ao, estavam 57% da popula<;ao em 2000. Esse
e 0 Brasil inequivocamente urbano.
o problema, entao, e distinguir entre os restantes 5.052 munidpios
existentes em 2000 aqueles que pertenciam ao Brasil rural e os que se
encontravam no "meio de campo", em situa<;ao ambivalente. E, para
fazer este tipo de separa<;ao, 0 criterio decisivo e a densidade demo-
grafica: e ela que estara no imago do chama do "indice de pressao an-
tr6pica", quando ele vier a ser construido. Isto e, 0 indicador que me-
lhor refletiria as modifica<;6es do meio natural que resultam de ativi-
dades humanas. Nada pode ser mais rural do que as escassas areas de
natureza intocada, e nao existem ecossistemas mais alterados pela a<;ao
human a do que as manchas ocupadas por mega16poles. E por isso que
se considera a "pressao antr6pica" como 0 melhor indicador do grau
de artificializa<;ao dos ecossistemas e, portanto, do efetivo grau de ur-
banizal<ao dos territ6rios.
Quando se observa a evolu<;ao da densidade demografica conforme di-
minui 0 tamanho populacional dos munidpios, nao ha como deixar de
notar duas quedas abruptas. Enquanto nos munidpios com mais de
100 mil habitantes, considerados centros urbanos pela citada pesquisa
IBGE/IpealUnicamp, a densidade media e superior a 80 habitantes por
quilometro quadrado (hab/km2), na classe imediatamente inferior (en-
tre 75 e 100 mil habitantes) ela desaba para menos de 20 hab/km2• Fe-
nomeno semelhante ocorre entre as classes superior e inferior a 50 mil
habitantes (50-75 mil e 20-50 mil), quando a densidade media torna
a cair, dessa vez para 10 hab/km2• Sao esses dois "tombos" que permi-
tern considerar de pequeno porte os munidpios que tern simultanea-
mente menos de 50 mil habitantes e menos de 80 hab/km2, e de me-
dio porte os que tern popula~ao no intervalo de 50 a 100 mil habitan-
tes, ou cuja densidade supere 80 hab/km\ mesmo que tenham menos
de 50 mil habitantes.
Com a ajuda desses dois cortes, conclui-se que nao pertencem ao Brasil
indiscutivelmente urbano, nem ao Brasil essencialmente rural, 13% dos
habitantes, que vivem em 10% dos municfpios157.E que 0 Brasil essen-
cialmente rural e formado por 800/0 dos municfpios, nos quais residem
30% dos habitantes. Ao contrario da absurda regra em vigor - criada no
periodo mais totalitario do Estado Novo pelo decreto-lei 311/38 -, essa
tipologia permite entender que s6 existem cidades nos 455 municfpios
do Brasil urbano. As sedes dos 4.485 municfpios do Brasil rural SaGvila-
rejos e as sedes dos 567 municfpios intermedios SaGvilas, das quais ape-
nas uma parte se transformara em novas cidades.l56
Como se pode ver, Veiga parte de urn principio claramente equivocado
quando estabelece 0 exerckio aritmetico entre fenomenos, processos e sua
evidencia quantitativa. 0 chamado perimetro urbano definido pelas cama-
ras municipais, segundo a lei, na realidade divide a terra vendida a metro
quadrado da terra vendida a hectare ou alqueire. Separa,

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