Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TÓPICO I - A Amazônia e o mercado mundial Através das várias fases de sua ocupação, a Amazônia oferece seus produtos naturais para satisfazer principalmente as necessidades do mercado mundial. A região abre-se para o mundo através dos seus 50.000 km de rios navegáveis. Somente o rio Amazonas é formado por 1.100 rios afluentes até a foz. Também podem ser encontradas na região 80% das variedades de vida do planeta, constituindo-se na maior floresta tropical do mundo. Os nove Estados que compõem a Amazônia brasileira são os seguintes: Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Roraima, Amapá, Tocantins e a porção a Oeste do meridiano 44º W do Estado do Maranhão (PASSOS, 1998: 15). Além do grande complexo brasileiro, a Amazônia sul-americana é formada por mais oito países, compreendendo: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Para demonstrar o potencial e a capacidade da Amazônia brasileira, BECKER (1997: 9) acrescenta sobre o potencial da região de forma ampliada1. Há cinco séculos passados, segundo MATTOS (1980: 31), “a Amazônia foi uma descoberta espanhola e uma conquista portuguesa: ao contrário, o [rio] Prata foi uma descoberta portuguesa e uma conquista espanhola”. Assim, historicamente a ocupação da região foi no intuito de aproveitar o grande potencial de recursos florestais, minerais e introduzir projetos agropecuários com fins de acumulação de capitais. Contudo, a Amazônia brasileira vem sendo ocupada ao longo dos tempos pela “cobiça internacional e pela potencialidade econômica” (PASSOS, 1998: 52). Neste sentido, o mundo volta-se para a região “amazônica, a terra cobiçada desde o século dezesseis” (ESPÍRITO SANTO, 1956: 125). Com o objetivo 1 “...vista a partir do cosmos, a Amazônia sul-americana corresponde a 1/20 da superfície terrestre, 2/5 da América do Sul, 3/5 do Brasil, contém 1/5 da disponibilidade mundial de água doce e 1/3 das reservas mundiais de florestas latifoliadas, mas somente 3,5 milésimos da população mundial. A Amazônia sul-americana com 6.500.000 km², envolve além do Brasil, sete países fronteiriços. O Brasil possui 63,4% da Amazônia sul-americana, sendo que a Amazônia brasileira corresponde a mais da metade do território nacional [59%]. Estende-se até os estados de Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão. Ela não se confunde com a região Norte, que é uma divisão político-administrativa para fins censitários”. Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Sublinhado Pollyana Realce Pollyana Realce de usufruir os seus recursos naturais, os europeus foram “os primeiros a entrar em contato com o antigo e legítimo povo da floresta” (MELLO, 1991: 26). Eles vinham atraídos pelas vantagens econômicas oferecidas pela gama de produtos da floresta. Os colonizadores da América visavam a aproveitar os recursos da natureza ali existentes. A ocupação do território amazônico iniciou-se no século XVI, sem, no entanto, apossar-se efetivamente da região. Somente no século XVII os “portugueses se instalam na foz do rio [Amazonas] em 1616, expulsando daí ingleses e holandeses, os primeiros ocupantes” (PRADO JÚNIOR, 1973: 43). Neste mesmo ano foi fundada a cidade de Belém, no Estado do Pará. A ocupação portuguesa ocorreu mais por “motivos políticos que econômicos. Sua função deu-se para afastar os holandeses e ingleses” (CHIAVENATO, 1984:152). Assim, em clima de incertezas ocorreram os primeiros povoamentos, acompanhados de disputas tumultuadas devido ao fato de a região caracterizar-se por espaço de soberania duvidosa, e também pelo fácil acesso pelos rios navegáveis da região2. O fator que mais contribuiu com estreitas relações entre a Amazônia e a Europa no período colonial foram as técnicas do navio a vela, pois era mais prático ligar a região com a metrópole portuguesa que com a costa do Atlântico brasileiro. Neste sentido, “as condições adversas diziam respeito ao regime de correntes marítimas e também ao regime de ventos ao longo da costa” (SODRÉ, 2002: 144). Contudo, “a conquista européia e a posse da Amazônia, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, se realizam sob um intenso processo de luta e disputa entre portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses” (BENCHIMOL, 1992: 69). Com o final destas disputas, os “portugueses acabaram dominando o delta e a maior parte da calha central do rio Amazonas” (BENCHIMOL, 1992: 69). Assim, impulsionados pela grande capacidade econômica desta terra, “os 2 “Abre-se para o mar pelo delta do Amazonas, desembocadura de um imenso sistema hídrico, sem paralelo no mundo, que se estende sobre uma área de 6.400.000 km² (dos quais 3.800.000 em território brasileiro) e formando cursos d'água de grande volume, em boa parte perfeitamente navegáveis até por embarcações de vulto. A penetração foi, por isso, muito fácil. É a isto aliás que a colonização luso-brasileira deveu ao domínio sobre o vasto interior do continente sul-americano que de direito cabia aos hispano-americanos segundo os primeiros acordos ajustados entre as duas coroas ibéricas.(...) Mas se os rios da Amazônia oferecem esplêndida via de penetração e trânsito, e são altamente favoráveis ao homem, doutro lado a floresta equatorial que os envolve, densa e semi-aquática nas enchentes as águas fluviais, alagam extensões consideráveis das margens e representa grande obstáculo à instalação e progresso humano.” (PRADO JÚNIOR, 1988: 11). Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce homens sonham em encontrar o paraíso” (GONDIM, 1994: 9). Os portugueses buscaram interferir na região através do extrativismo mineral e florestal, bem como produtos da caça e da pesca. O grande interesse na região foi provocado pelo surto das drogas do sertão e, assim, “a Amazônia substitui o Oriente como fonte de especiarias” (SODRÉ, 2002: 150). Mas é a mineração de ouro que na metade do século XVIII, quando as minas são descobertas “em Minas Gerais (último decênio do século XVII), Cuiabá, em 1719, e Goiás seis anos depois, desencadeia o movimento” (PRADO JÚNIOR, 1973: 39), e assim ocorre uma penetração na região de forma mais acentuada. Nesta perspectiva, as descobertas auríferas abriram um novo ciclo migratório europeu para o Brasil. Foi através da entrada dos extrativistas e coletores dos produtos da região amazônica no século XIX que nasceu a Revolução dos Cabanos, entre 1823 a 1839, e ocorreram lutas envolvendo índios, negros e brancos. No episódio, estes entraram em choque contra as opressões que foram cometidas pelo Estado brasileiro e assumiram um caráter separatista, reivindicando o “País do Amazonas” (GONÇALVES, 2001: 19). A Revolta dos Cabanos, mais conhecida como Cabanagem, resulta em um massacre, “do qual as desencontradas estatísticas chegaram a falar de 30 mil mortos entre os cabanos e 12 mil entre os que os combatiam” (GONÇALVES, 2001: 19). Para CHIAVENATO (1984: 147), “quando o estado do Pará tinha 120 mil habitantes, morreram 30 mil pessoas”. Assim, para sufocar os revoltosos pelas condições impostas, foi travada “a mais sangrenta guerra civil brasileira” (CHIAVENATO, 1984: 149). Por outro lado, é importante conhecer os movimentos da colonização do País através da interferência européia. A colonização brasileira começou a sair do espaço da costa do Atlântico, onde, a partir de 1500, concentrou-se na extração do pau-brasil – a primeira forma econômica de exploração extrativado território brasileiro. Esta atividade se concentrava basicamente no litoral brasileiro. Conforme PRADO JÚNIOR (1988: 26), esta forma de extrativismo “não serviu em nada para fixar qualquer núcleo de povoamento no país”. A penetração e o povoamento na região amazônica aconteceram só mais tarde, principalmente através da “mineração e dispersão das fazendas de gado” (PRADO JÚNIOR, 1973:55). Pollyana Realce Pollyana Sublinhado Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Lápis A colonização brasileira e o povoamento das diferentes regiões foram formados pelos marginalizados no processo histórico e se justificavam pelos interesses dos colonizadores europeus nos produtos brasileiros. Em princípio, quando o Brasil pertencia a Portugal, entraram os degredados, principalmente os vindos do país português (PRADO JÚNIOR, 1973: 87). Estes vinham para suprir as necessidades de mão-de-obra. Os povos originários em pouco contribuíram para a formação da força de trabalho na costa litorânea brasileira. Mesmo que estes não tenham se adaptado ao trabalho forçado nesta parte do País, na Amazônia foram muito úteis. O extrativismo fazia parte do seu dia-a-dia. Nesta região em muito contribuirão para o processo de colonização. Contudo, verificou-se uma grande “dificuldade de organizar a produção com base no escasso elemento indígena local” (FURTADO, 1999: 30-31). Assim, embora tímida a ocupação até a metade do século XX, a vida econômica era proporcionada, principalmente, pelos recursos naturais da floresta. PRADO JÚNIOR (1973: 211) diz que: encontram os colonos na floresta amazônica um grande número de gêneros naturais aproveitáveis e utilizáveis no comércio: o cravo, a canela, a castanha, a salsaparrilha e sobretudo o cacau. Sem contar a madeira e produtos abundantes do reino animal: destes últimos, são em particular a tartaruga, bem como seus ovos, e o manacuru (peixe-boi) que servirão em escala comercial. Sem estas fontes de riqueza teria sido impossível ocupar o vale. Os colonos não teriam procurado, os missionários não encontrariam base material de subsistência para manter seu trabalho de catequese dos indígenas. Desta forma, “a coleta, a caça, a pesca, já são seus recursos no estado da natureza” (PRADO JÚNIOR, 1973: 212). Mas é através da “grande propriedade monocultural que se instala no Brasil o trabalho escravo” (PRADO JÚNIOR, 1988: 34). A pouca adaptação dos povos originários ao trabalho nos canaviais dificultou a prosperidade do maior ciclo econômico da colônia portuguesa. Ao mesmo tempo, a “colonização preparava o surto do capitalismo mundial em que o País futuro iria ingressar na qualidade de nação dependente” (BOSI, 1994: 378). Para que isto acontecesse fez-se necessário iniciar o tráfico de escravos, mas “calcula-se que, em média, apenas 50% chegavam com vida ao Brasil, e destes, muitos estropiados e inutilizados” (PRADO JÚNIOR, 1988: 37). Pollyana Lápis O tráfico de escravos era o mais importante comércio das importações no ciclo açucareiro e representava “mais de uma quarta parte do valor das importações” (PRADO JÚNIOR, 1988: 116) no período compreendido entre 1796- 1804. Com a introdução do trabalho escravo importado, na “metade do século XVII o Brasil será o maior produtor mundial de açúcar” (PRADO JÚNIOR, 1988: 39). Neste período, as demais culturas alimentares ficavam restritas às necessidades de subsistência da população local, pois o objetivo maior de Portugal era a exportação de açúcar da colônia brasileira para servir ao mercado mundial. No período “de 1831 a 1856, cerca de 500.000 escravos entraram no Brasil, a maioria em navios dos Estados Unidos” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 76). Neste período o País já havia conquistado sua independência, o interesse no tráfico negreiro era pelos altos lucros na operação e fazia parte do ramo comercial “mais importante da fase mercantil” (SODRÉ, 2002: 126). Para a classe capitalista da época, “o escravo era, no fundo, um animal de serviço e, portanto, um desvalido. Mas era ao mesmo tempo um bem, uma mercadoria, imobilização de capital” (MARTINS, 1997: 67). Também “as correntes migratórias se intensificam depois de 1850; veremos coexistir, nas lavouras de café, trabalhadores escravos e europeus livres” (PRADO JÚNIOR, 1988: 175). Com o fim da escravidão negra em 13 de maio de 1888, a força de trabalho é trazida da Europa. O crescimento da economia do açúcar e do café transforma os escravos livres e os trabalhadores vindos do continente europeu em assalariados. Neste sentido, pela emancipação política do País, em 1822, as correntes imigratórias ganharam um novo personagem e se intensificaram de forma bastante acentuada no final do século XVIII. Para SODRÉ (2002: 219), existem duas fases distintas no cenário mundial: a primeira se iniciou no século XVI, era dominantemente de capital comercial, e a classe dominante era a dos senhores feudais; a segunda ocorreu no século XVIII, quando se iniciou o processo de Independência brasileira: era dominantemente o capital industrial e a classe dominante era a burguesia. Com o País independente de Portugal, o processo imigratório para o Brasil foi fruto de sérios problemas sociais na Europa e a longa agonia do feudalismo como sistema, também pela necessidade de força de trabalho à Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce disposição da produção dos cafezais e dos engenhos de açúcar, proporcionada pelo declínio gradativo do uso da mão-de-obra escrava. Além disso, no período de 1864 até 1870 o País estava mergulhado em sangrenta guerra contra o Paraguai e grande parte da mão-de-obra estava envolvida nos combates (LOBO: 1972: 139). PRADO JÚNIOR (1988: 190-191) nos demonstra a evolução imigratória: o progresso da imigração no último quartel do século será rápido. Ela começa a crescer depois de 1871, atingindo em 1886 pouco mais de 30.000 indivíduos. No ano seguinte, quando a abolição do regime servil se mostra já eminente, salta bruscamente para 50.000; e no próprio ano da abolição (decretada como vimos em maio de 1888) sobe para mais do dobro deste número (133.000). Daí por diante, até o fim do século, a imigração conservar-se-á sempre num nível médio anual largamente superior a 100.000. No processo migratório, “desde 1870, o governo imperial tomou a si as despesas de viagem, desordenando delas o senhor de terras e o imigrante” (SODRÉ, 2002: 280). Para LOBO (1972: 137), a partir de 1876 a principal corrente migratória tinha como destino o Estado de São Paulo. Também se formou próspero núcleo de colonos alemães e italianos nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Contudo, comparado com o desenvolvimento das forças produtivas do País, a situação da Amazônia continuava estagnada. A população da região “em fins de séc. XVIII não alcançava uma centena de mil habitantes (incluindo índios domesticados)” (PRADO JÚNIOR, 1988: 72). Neste período, “a Amazônia ficou muito atrás das demais regiões ocupadas e colonizadas no território brasileiro” (PRADO JÚNIOR, 1988: 74). Este fato é proporcionado pela economia cafeeira de São Paulo, sendo que na “última parte do século XVIII começa a ser cultivado em grande escala” (PRADO JÚNIOR, 1988: 85). O ciclo cafeeiro cresceu, mas o País enfrentou graves problemas na formação da força de trabalho, tendo pouca disponibilidade de mão-de-obra para oxigenar a produção, principalmente com o fim do regime escravocrata.A senzala desaparece do cenário cafeeiro, pois “o trabalho livre amplia-se particularmente com a imigração” (SODRÉ, 2002: 271). Por outro lado, “a massa escrava evolui muito mais para a servidão do que para o trabalho livre. Além disso, chegando no século XIX, pode ser identificada uma maior intensificação dos interesses das multinacionais, pois o “capital estrangeiro começara a fluir para o Brasil em proporções consideráveis” (PRADO JÚNIOR, 1988: 223). Este fato criou sérios problemas em seus objetivos expansionistas, pela já existente falta de mão-de-obra no País. Contudo, em 1889, o quadro brasileiro era traçado em poucas coordenadas: o Brasil dispõe de “14 milhões de habitantes, distribuídos em 916 municípios, com 348 cidades; conta com apenas dois portos aparelhados e apenas uma usina elétrica; com 8.000 escolas, 533 jornais, 360 quilômetros de rodovias, 10.000 quilômetros de ferrovias e 18.000 linhas telegráficas” (SODRÉ, 2002: 316). Neste sentido, PRADO JÚNIOR (1988: 212) nos apresenta de forma clara como ocorreu o processo de exploração da força de trabalho brasileira no período expansionista. Tal contingência, particular de pouca disponibilidade de mão-de-obra, forçará a adoção de um sistema de relações no trabalho que obrigasse o empregado, embora juridicamente livre, a conservar-se no seu lugar. O processo para chegar a este fim e que mais difundiu no Brasil será o de reter o trabalhador com dívidas. Pagando salários reduzidos, e vendendo-lhe ao mesmo tempo, por preços elevados, os gêneros necessários ao seu sustento, o empregador conseguirá com relativa facilidade manter seus trabalhadores sempre endividados e, portanto, impossibilitados de o deixarem. Este sistema tornar-se-á regra geral em muitas regiões do país; em particular na indústria da extração da borracha. Torna-se fácil estabelecê-lo por causa das distâncias que em regra separam as explorações rurais dos centros urbanos e do comércio, o que faz o proprietário, quase sempre, um fornecedor obrigatório dos gêneros consumidos por seus trabalhadores. Doutro lado, o baixo nível cultural da massa trabalhadora do país, tão recentemente egressa da escravidão, facilita o manejo arbitrário das contas sempre em prejuízo do empregado. Nesta nova dinâmica de capitalismo de expansão, o Brasil, por possuir a maior reserva mundial de seringueiras nativas, projetou-se ao mercado mundial através do extrativismo, e “a exportação da borracha vem em contínuo aumento desde 1827” (PRADO JÚNIOR, 1988: 236). Há notícias de que os povos originários tinham amplo conhecimento das propriedades da borracha em 1720, pois “os índios da Amazônia já conheciam a elasticidade da borracha e faziam bolas com as quais praticavam originais esportes” (FERREIRA, 1980). Através do aprendizado com os povos da floresta, a Amazônia brasileira projetou-se ao mercado mundial de forma mais acentuada a partir do ciclo da borracha3. Este produto amazônico, monoextrativista, aumentou sua produção a partir de 1870, estendendo-se gloriosamente até 1912. No mais acentuado período extrativista “a selva amazônica é invadida por legiões de brasileiros do Nordeste, flagelados da seca” (FERREIRA, 1980: 34). Nesta fase da investida capitalista na Amazônia, e que compreende o decênio 1901-10, as exportações da borracha atingiram o nível mais alto das exportações brasileiras. Contudo, este ciclo beneficiava “apenas as classes seringalistas, os grandes latifundiários, enquanto a mão-de-obra desse ciclo, o seringueiro, num quadro econômico escravagista, ficava à margem dessa participação” (MARTINS, 1981: 17). Na passagem do século XIX para o século XX, a produção da borracha nativa mundial atingiu seu auge. O látex4 era quase na sua totalidade produzido na Amazônia brasileira, principalmente nos Estados do Pará, do Amazonas e do Acre, este último na divisa com os países vizinhos, o Peru e a Bolívia. O Brasil tornou-se o “maior exportador mundial do produto, chegando a contribuir com 100% de toda a produção do mercado mundial” (MARTINS, 1981:25). A Amazônia no ciclo da borracha foi exclusivamente monoextrativista, sendo esta atividade a principal da região (IANNI, 1986: 57). A procura do produto, principalmente pelos Estados Unidos, acentuou-se a partir de 1850, proporcionada pelos interesses da indústria automobilística. A borracha era usada principalmente na “fabricação de pneumáticos, provocando a corrida para a Amazônia” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 155), e o produto extrativo passou a fazer parte do mercado mundial. Com esta nova alternativa 3 “Ciclo da Borracha. Período da história econômica do Brasil marcado pela grande atividade de extração do látex da borracha nos seringais da Amazônia, para exportação. Essa atividade atingiu seu apogeu na primeira década do século XX, quando o Brasil era o maior produtor mundial do látex, que respondia por 26% do valor das exportações nacionais. A valorização da borracha no mercado internacional decorria do desempenho da indústria automobilística na Europa e Estados Unidos, o que intensificou a procura da matéria-prima para a produção de pneus. O predomínio brasileiro na produção passou a declinar depois que os ingleses iniciaram a cultura da seringueira no oriente, sobretudo na Tailândia e em Cingapura. [com as primeiras sementes da Amazônia]. Em 1914, o Brasil respondia apenas com a metade da produção e, em 1930, contribuía somente com 3%” (SANDRONI, 1994: 50). 4 “Látex, ou leite da seringueira, é o liquido branco que se obtém fazendo uma incisão na casca da seringueira. O nome leite – ou látex – é bem apropriado, pois a sua cor é branca como o leite. Um simples corte na casca da seringueira é suficiente para escorrer o líquido branco, leite ou látex. Deixando-se esse líquido exposto no ar, ele coagula, adquirindo consistência e elasticidade. Este produto da coagulação natural é denominado 'sernambi'. Já não é mais látex. Coagulado em condições naturais, chama-se sernambi, que é consistente e elástico. Mas, se aquele látex é forçado a coagular sob a ação de fumaça quente, adquire consistência e uma elasticidade maior do que o sernambi e recebe o nome de borracha” (FERREIRA, 1961: 248). Pollyana Realce Pollyana Realce econômica, “os Estados Unidos, desde o século passado [XIX], se tornaram a potência estrangeira mais interessada na Amazônia brasileira” (MENDONÇA, 2000: 33). No entanto, neste período a região se apresentava como “a terra do crédito. Não há capital. O seringueiro deve ao patrão, o patrão deve à casa aviadora, a casa aviadora deve ao estrangeiro, e assim por diante” (WEINSTEIN, 1993: 38). Neste processo, pela dispersão da coleta na vasta região amazônica, “o grande número de intermediários que participavam de cada transação fragmentava os lucros e gerava uma hierarquia de endividamento” (WEINSTEIN, 1993: 298). Na época, “Belém e Manaus transformam-se em dois grandes centros do comércio exterior do Brasil” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 155). Os reflexos desta fase podem ser avaliados pelo fortalecimento destas duas cidades, “que acabaram por capitalizar de modo imperial a vida política, social e econômica da região” (TOCANTINS, 1982: 106). O governo brasileiro por outro lado não conseguia um razoável controle da região, e o contrabando “desviava considerável parcela da receita que a extração da borracha produzia” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 156). Assim, milhares de quilos da borracha eram desviados para os Estados Unidos através da aduana de Puerto Alonso, na Bolívia (MONIZ BANDEIRA, 1978: 156).Ao mesmo tempo, acentuava-se a pirataria de todos os produtos florestais e minerais desta vasta região. Fatos desta natureza eram possíveis pelo fácil acesso por seus rios navegáveis e a facilidade da saída dos produtos pelo rio Amazonas direto ao mercado mundial. Mesmo assim, o ciclo da borracha no Brasil representou um período de muita prosperidade aos grupos econômicos ali instalados. Para SOUZA (2002: 184), “a economia do látex quebrou o isolamento e buscou integrar a região ao mercado mundial”. Este fato proporcionou a entrada de grande contingente migratório de trabalhadores para oxigenar a produção extrativista da Amazônia. QUADRO EVOLUTIVO DO AUMENTO POPULACIONAL AMAZÔNICO, QUE COMPREENDE O PERÍODO ENTRE 1823 A 1920. Período Número de habitantes. Até 1823 127.000 Pollyana Realce Pollyana Realce De 1823 até 1872. 340.000 De 1872 até 1900 700.000 De 1900 até 1920 1.400.000 Fonte: Elaboração própria com base em Martins (1981:26), e Cardoso e Müller (1977: 25). Para a região, no período de 1870-1910, “foram trazidos entre quinhentos e trezentos mil nordestinos” (PINTO, 1980: 103). Estes migraram para a região com a finalidade de servirem de força de trabalho, principalmente na extração do látex. Concordando com os dados, GONÇALVES (2001: 86) admite que entre “300 a 500 mil migrantes nordestinos deslocaram-se para a Amazônia durante o período de 1860 a 1912”. Para GALEANO (1987: 98), “em 1900, 40 mil vítimas da seca abandonaram o Ceará. Tomaram o caminho habitual por esta época: a rota do Norte rumo à selva”. Contudo, a principal força de trabalho utilizada na região foi a do caboclo da floresta, por fazer parte de seu dia-a-dia o extrativismo. Para facilitar a estratégia comercial e a exportação dos produtos extrativos foi construída a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, conhecida como “estrada do diabo”, concluída em 1912. Este foi um dos mais importantes episódios da floresta. O presidente dos Estados Unidos da América, Theodore Roosevelt, chegou a dizer na época que “as duas maiores obras realizadas até então na América eram o canal de Panamá e a Estrada de Ferro Madeira- Mamoré” (MELLO, 1991: 33), na Amazônia. A construção desta estrada deixou um saldo sinistro: “mais de trinta mil operários morreram, vítimas de acidentes e de doenças tropicais” (MELLO, 1991: 34). Contudo, “mal concluída em 1912, deixou de funcionar ferida pelo fim do ciclo da borracha amazônica” (MELLO, 1991: 34). No ciclo da borracha a força de trabalho era controlada pelos barões da borracha, que faziam a conexão entre o mercado mundial e a região amazônica. Em 1912 os Estados Unidos absorviam 36% do total das exportações do Brasil. Na “mesma época 60% ou mais da borracha vendida em nova York procediam da Amazônia” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 190). Nesta época, a interferência dos estadunidenses não se limitava à região amazônica, ela se fazia presente em todo o território brasileiro. Assim, no começo do século XX o Brasil tornou-se área de livre acesso ao mercado mundial e a Amazônia brasileira começou a internacionalizar-se de forma mais efetiva. Pollyana Realce Entretanto, segundo FERREIRA (1980: 35), a Amazônia perdera o seu maior tesouro, as sementes tinham sido levadas para Londres, e de lá as mudas foram transplantadas no Ceilão e depois em Cingapura e na Malásia. Em 1910, somente a Malásia estava produzindo 160.000 hectares. Para SHOUMATOFF (1990: 36), as 70 mil sementes do colapso foram embarcadas da Amazônia em 1876, com destino a Londres, por Henry Wickham. Apenas duas mil sementes germinaram e deram origem a milhões de hectares na Malásia. HOMMA (1999: 97) também confirma a data da saída das sementes pirateadas em 1876. Assim, “o monopólio estava quebrado por plantações racionalizadas” (SOUZA, 2002: 190). E esta “disseminação das culturas de seringueiras no Oriente marcou o brusco final das décadas de prosperidade da Amazônia” (WEINSTEIN, 1993: 301). No final da década de 30 do século XX, o empresário Henri Ford, o maior fabricante de carros do mundo, com um milhão de unidades produzidas por ano, escreveu uma nova história na Amazônia. Este norte-americano, não contente com o domínio inglês na produção do produto na Malásia, veio para a região com o intuito de criar a cultura do plantio das seringueiras. Objetivava sair da extração nativa, para introduzir projetos florestais de extrativismo na região, visto que as sementes eram originárias da própria região. Também era impulsionado pelo sucesso da produção dos seringais cultivados no continente asiático. Neste sentido, “Ford fez um acordo com o governo do Pará, e no final de 1927 iniciaram-se os arrojados trabalhos da chamada Fordlândia às margens do rio Tapajós” (MELLO, 1991: 32). Com esta atitude, o governo brasileiro passou a intensificar o processo de internacionalização da Amazônia. Segundo MONIZ BANDEIRA (1978: 213): por volta de 1926, o governo de Efigênio Sales dividiu o Estado do Amazonas em oito zonas para a exportação de minérios, das quais entregou seis à American Brasilian Co., Canadian Co. e The Amazon Co., todas pertencentes ao mesmo grupo financeiro. E em 1927, o grupo Ford obteve do Governador Dionísio Bentes a concessão de um milhão de hectares de terra na Amazônia para estabelecimento de uma ou várias empresas, que exploram a borracha nativa com apenas a obrigação de plantar 1.200 seringueiras, ou seja, uma seringueira por mil hectares. Era verdadeiramente um logro. (...) E a Ford não se obrigava a submeter à aprovação de qualquer autoridade brasileira as plantas das edificações ou construções. Gozava de isenção de todos os impostos existentes ou que porventura viessem a existir pelo espaço de 50 anos. Pollyana Realce Pollyana Realce Contudo, o empreendimento multinacional de interesses dúbios, “a chamada Fordlândia, projeto faraônico e mal conduzido por pessoas não adaptadas à terra terminou ingloriamente quando o governo paraense retomou às glebas doadas, após a morte de Henry Ford” (CARNEIRO, 1988: 20). As experiências (1927-1945) não deram certo, “tendo o governo brasileiro comprado todos os haveres dos norte-americanos em mais uma socialização dos prejuízos” (PASSOS, 1998: 52). O ciclo monoextrativista da borracha brasileira durou cem anos e, embora a partir de 1912 apresentasse declínio na produção e perda da hegemonia mundial sobre o produto, ele se faz presente na região até nossos dias. O declínio na procura do produto deve-se ao fato da substituição gradativa da borracha in natura pelos derivados de petróleo e pela concorrência mundial do produto extraído da seringa por países que passaram cultivar a planta com sementes pirateadas da Amazônia. Mas foi através da Primeira Guerra Mundial que a indústria brasileira começou a desenvolver-se no País. PRADO JÚNIOR (1988: 261) demonstra de maneira clara o crescimento industrial brasileiro neste período. A Grande Guerra de 1914-18 dará grande impulso à indústria brasileira. Não somente à importação dos países beligerantes, que eram nossos habituais fornecedores de manufaturas, declina e mesmo se interrompe em muitos casos, mas a forte queda do câmbio reduz consideravelmente a concorrência estrangeira. No primeiro grande censo posterior à guerra, realizado em 1920, os estabelecimentos industriais arrolados somarão 13.336, com 1.815.156 contos de capital e 275.515 operários. Destes estabelecimentos, 5.936 tinhamsido fundados no qüinqüênio 1915-19, o que revela claramente a influência da guerra. MARINI (2001: 12) nos apresenta a questão da industrialização brasileira, também de forma que o Brasil tira proveito da Primeira Guerra Mundial, retratando o seguinte quadro: a história política brasileira apresenta, neste século, duas fases bem caracterizadas. A primeira, que vai de 1922 a 1937, é de grande agitação social, marcada por várias rebeliões e uma revolução, a de 1930. Suas causas podem ser buscadas na industrialização que se produz no país na década de 1910, graças, sobretudo, à guerra de 1914, que leva a economia brasileira a realizar um considerável esforço de substituição de importações. A crise mundial de 1929 e suas repercussões sobre o mercado internacional vão manter num nível baixo a capacidade de importação do país e acelerar assim seu processo de industrialização. Se a Primeira Guerra Mundial nos impulsionou para a industrialização, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) nos tornou cada vez mais dependentes da interferência dos EUA. Porém, “o surto industrial ficou assinalado no contraste entre os 13 mil estabelecimentos de 1920 e os 100 mil de 1957” (SODRÉ, 2002: 392). Por outro lado, o governo dos Estados Unidos tratava os países da América Latina como um rebanho submisso, sem vontade e autonomia (MONIZ BANDEIRA, 1978: 377, e GALEANO, 1987: 167). Através do acordo militar firmado em 1952, os Estados Unidos obrigavam os brasileiros à obediência, pois vedava a venda de produtos minerais estratégicos para os países da área socialista (SODRÉ, 2002: 419). Os reflexos do domínio mundial hegemônico dos americanos devem-se ao envolvimento dos países europeus nas duas grandes guerras e à conseqüente derrota de alguns. Para SANTOS e RUESGA (1988: 42), o processo de acumulação a partir da Segunda Guerra Mundial recebeu forte influência das inovações tecnológicas. Segundo MONIZ BANDEIRA (1978: 309): a segunda guerra mundial, como continuação, pelas armas da concorrência entre os imperialistas, submeteu as nações mais fracas à hegemonia dos Estados Unidos. Ocorreu, internacionalmente, o fenômeno da concentração e centralização da riqueza, o processo pelo qual a liberdade de competição, principal mola do progresso capitalista, engendrou o sistema de monopólios. A derrota militar da Alemanha, Itália e Japão completou-se com o debilitamento econômico da Inglaterra e da França. Para HAMILTON (1987: 68), a Segunda Guerra Mundial demonstrou a importância crucial do petróleo. Neste sentido, no período entre as guerras (1920-1940), já em pleno declínio da borracha, as indústrias concentravam-se fora da região amazônica, e a região continuava estagnada. Enquanto isso, o extrativismo dos demais produtos nativos tinha sido praticamente interrompido com o ciclo da borracha na região, por esta ser mais lucrativa e ter melhor aceitação no mercado mundial. Porém, com o declínio crescente das exportações da borracha, a região partiu para outras atividades, como o Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce extrativismo florestal e mineral, bem como a formação de núcleos agropecuários, com produção muito insignificante até os anos 40 do século XX. Durante a Segunda Guerra Mundial aconteceu um novo impulso na produção da borracha amazônica, pois “o Japão ocupou rapidamente os seringais cultivados da Malásia e da Birmânia” (DERICKX, 1993: 109). O então presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, deslocou-se ao Brasil para encontrar-se com o Presidente brasileiro da época Getúlio Vargas. Do acordo entre os dois estadistas resultou a alternativa de a população nordestina deslocar-se para a região Norte em busca da borracha, com o objetivo de suprir as necessidades da indústria dos EUA (DERICKX, 1993: 109). Assim, os nordestinos optam entre ir à Itália para lutar na Segunda Guerra Mundial ou deslocar-se para a região Norte e transformar-se em Soldados da Borracha. Para THOMÉ (1999: 39), “em 1942, com o estreitamento dos laços entre Brasil e Estados Unidos, se realizou a denominada 'Batalha da Borracha'”. Com o término do conflito mundial em 1945, “poucos retornaram, muitos permaneceram trabalhando na Amazônia, milhares e milhares perderam a vida neste esforço e estão sepultados em covas anônimas nas barrancas dos rios, entre eles o Juruá” (DERICKX, 1993: 109). Em 1937, no período que antecede ao início da Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro, devido as várias crises no País, organizou a chamada “Marcha para o Oeste”, no período em que Getúlio Vargas era o presidente da República. Esta estratégia deslocou um grande contingente de pessoas para a região em busca da terra e trabalho, tanto no extrativismo, como na agropecuária. Na época a população da Amazônia continuava insignificante, mas passou a aumentar progressivamente ao longo dos anos. QUADRO EVOLUTIVO DO AUMENTO POPULACIONAL NA AMAZÔNIA, NO PERÍODO ENTRE 1920 A 1970 Período Número de habitantes Até 1920 1.400.000 De 1920 até 1950 1.850.000 De 1950 até 1960 2.600.000 De 1960 até 1970 3.600.000 Fonte: Elaboração própria com base em Cardoso e Müller (1977: 53). Aliado ao aumento populacional e ao desenvolvimento amazônico, o restante do País também evoluiu no campo da agropecuária e indústria. Em 1953 o cultivo do café brasileiro encontrava-se extremamente favorecido pela aceitação no mercado mundial, e as exportações do produto forneceram “divisas (na proporção de 60 a 70% na ocasião)” (PRADO JÚNIOR, 1988:312). Por outro lado, também o rebanho bovino brasileiro passou “de 44,6 milhões de cabeças em 1940 para 90 milhões em 1966” (PRADO JÚNIOR, 1988: 339). O desenvolvimento econômico brasileiro, nas várias fases do comércio mundial, limitou-se ao papel de fornecedor de produtos primários aos países importadores. Este fato se evidencia a partir da metade do século XX, quando realmente se efetiva a dependência e a subordinação da economia brasileira pelos “centros financeiros do sistema: as matrizes dos velhos trustes conhecidos hoje pela eufêmica designação de multinacionais” (PRADO JÚNIOR: 1988: 346). MONIZ BANDEIRA (1978: 392) afirma que: Em 1958, de 1.650 grupos estrangeiros, que tinham investimentos no Brasil, 591 firmas (pouco mais de 1/3) pertenciam aos Estados Unidos. Nessa mesma época, 552 firmas (num total de 1.353 registradas como brasileiras, mas com participação direta de capitais estrangeiros) eram americanas, sem contar aquelas (cerca de 76) onde havia triangulações. Neste sentido, a economia capitalista mundial, historicamente, necessita de um centro de gravidade através de um Estado hegemônico. Este deve exercer “funções de liderança e governo sobre um sistema de nações” (ARRIGHI, 1997: 27). Nesta trajetória, “um período sucede o outro, mas não podemos esquecer que os períodos são, também, antecedidos e sucedidos por crises” (SANTOS, 2001: 33). Em nossos dias é um pouco diferente, “o processo da crise é permanente, o que temos são crises sucessivas” (SANTOS, 2001: 35). Mesmo em crise cíclicas permanentes de forma não homogêneas, o centro do capital é determinado pelo poder superior dos estadunidenses. Historicamente, as crises podem determinar a transferência de comando do capital mundial, mas este deslocamento é apenas geográfico, pois as estruturas são determinadas pela vontade capitalista mundial, independentemente do local de comando. É nesta perspectiva que, nofinal da terceira década do século XX, os Estados Unidos assumiram a representação capitalista mundial. O papel de país central o qualificava para interferir nas decisões dos países periféricos, Pollyana Realce Pollyana Realce sempre que necessário, para restabelecer a ordem capitalista. As hegemonias são representadas por pólos controladores e centros do capital ao longo da história. Assim, BRAUDEL (1987: 69) determina que: uma economia-mundo aceita sempre um pólo, um centro, representado por uma cidade dominante, outrora uma cidade-Estado, hoje uma capital, entende-se, uma capital econômica (nos Estados Unidos, Nova Iorque, não Washington). Aliás, podem existir, inclusive de modo prolongado, dois centros simultâneos numa mesma economia-mundo. Roma e Alexandria ao tempo de Augusto, Antônio e Cleópatra (1378- 1381; Londres e Amsterdam no século XVIII, antes da eliminação definitiva da Holanda. Pois um desses dois centros acaba sempre por ser eliminado. Em 1929, o centro do mundo, com um pouco de hesitação, passou assim, sem ambigüidade, de Londres para Nova Iorque. WALLERSTEIN (2001: 51) classifica de forma um pouco diferente, mas concorda com o deslocamento do centro hegemônico capitalista mundial e acrescenta que cada período foi selado por uma guerra mundial. Assim, a “hegemonia das Províncias Unidas (Holanda) em meados do século XII, da Grã-Bretanha em meados do século XIX e dos Estados Unidos em meados do século XX” (WALLERSTEIN, 2001: 51). Estamos saindo de uma era hegemônica dos Estados Unidos (1945-1990) e ingressamos numa era pós-hegemônica (WALLERSTEIN, 2002: 19). Mesmo assim, o fim da hegemonia não significa que os Estados Unidos não estejam na frente do centro mundial do capital. Entretanto, enquanto o atual centro mundial capitalista desmonta lentamente, apresentam- se de forma clara três centros: os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão (WALLERSTEIN, 2002: 39). Possivelmente, nas próximas décadas, se sucederão acontecimentos que vão determinar novos rumos para a economia capitalista. Para PÉREZ (1996: 185), na atualidade existe uma crise do modelo do Estado. Assim, faz-se necessário entender o sistema social histórico, para que possamos entender a interferência do capitalismo nos países periféricos hoje. Foi o que aconteceu na América Latina, principalmente na década de 70. A ditadura brasileira ocorrida por ocasião do golpe militar em 1964 foi o reflexo da interferência dos EUA para manter a ordem do sistema na região. O sistema capitalista estava ameaçado, pois “na América Latina estava em marcha uma revolução política, impulsionada sobretudo pelo triunfo do Movimento 26 de julho em Cuba em 1958” (WALLERSTEIN, 2002: 23). Pollyana Realce Pollyana Realce O país centro da hegemonia capitalista mundial visava a manter a lógica imperialista mundial, enquanto que a introdução de ditaduras foi a marca da última metade do século XX na América Latina. O “capitalismo norte-americano consiste em manter e reproduzir as relações de produção capitalista, onde os agentes asseguram a hegemonia entre capitalistas” (TRAGTENBERG, 1980: 186). Assim, o Brasil, a partir dos governos da ditadura, escreveu uma nova história através da expansão capitalista, principalmente na Amazônia brasileira. MARINI (1980: 26) nos explica como foi o golpe promovido pelas forças armadas. El golpe militar que depuso al presidente constitucional de Brasil, João Goulart, en abril de 1964, fue presentado por los militares brasileños como una revolución, y definido, un año después, por uno de sus voceros, como una “contrarrevolución preventiva”. Por sus repercusiones internacionales, sobre todo en América Latina, y ante las concesiones económicas que tuvo para los capitales norteamericanos, muchos lo consideraron sencillamente como una intervención disfrazada de Estados Unidos. Assim, “o imperialismo norte-americano, àquela altura, já estava convencido de que lhe impunha a tarefa de expelir Goulart, como contingência da contra-revolução para conter as massas e o transbordamento da democracia” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 450). Os estadunidenses, ao determinar um estado de ditadura no Brasil e na América Latina, não controlaram somente as massas, mas determinaram e estabeleceram a ordem do sistema capitalista na região. Nesta perspectiva, “os agentes da CIA estabelecem no Brasil extensa rede, com apoio de latifundiários, comerciantes e industriais, amatilhando os radicais da direita, para atos de terror, sabotagem e lutas de guerrilha” (MONIZ BANDEIRA, 1978). O que levou os Estados Unidos a exigirem um golpe de Estado brasileiro foi a campanha contra o comunismo e a manutenção das estruturas do grande capital. É nesta lógica que se movimentou “a própria condição do imperialismo, que reside na exploração dos países dependentes” (SPILIMBERGO, 2002: 16). As estratégias e táticas na ação política se pautam em dois elementos básicos: “seu caráter premeditado e sua intencionalidade planejada” (DREIFUSS, 1986: 23). Nesta ótica, as elites orgânicas se responsabilizam pelo “discurso político- pedagógico para o conjunto das classes dominantes, apresentando não só como de interesse coletivo do capital, mas até da própria nação” (DREIFUSS, 1986: 26). Nesta perspectiva, os vários setores da sociedade se envolveram nesta operação. Para MONIZ BANDEIRA (1978: 471): a oposição pedia o impeachment de Goulart. As organizações de direita, tendo à frente a Campanha da Mulher Democrática (CAMDE), articulam a realização em todo o país das chamadas Marchas da Família, com Deus, pela liberdade, a fim de açular a fúria anticomunista nas classes médias. O tom e a cadência mostravam que existia um regente invisível, orquestrando a campanha, dentro do quadro dos conflitos internos e das lutas de classe, que se aguçavam e das quais o imperialismo norte- americano também participava como empresário. A grande meta desta regência invisível na América Latina foi no sentido de orientar as táticas conservadoras, bem como “homogeneizar a integração do continente no processo produtivo capitalista, através da transnacionalização política, econômica, militar e cultural de cada país” (DREIFUSS, 1986: 119). As estratégias empregadas na dominação dos países de economia dependente, principalmente os do Cone Sul, ocorreram através do sepultamento da soberania, pois não passava de um pacto de cooperação das diplomacias contra o comunismo e atingiram seu auge em 1976 e 1977 através da Operação Condor5 (PROCÓPIO, 1999: 98). A estratégia dos estadunidenses pautava-se no apoio ideológico aos regimes autoritários, vindo a introduzir na prática sua política de dominação fora do território americano (HUGGINS, 1998: 135). Neste sentido, brasileiros, argentinos, chilenos, paraguaios e uruguaios realizaram esquemas conjuntos de terror. A operação tinha como alvo “caça aos militares de esquerda, rotulados de terroristas em uma estratégia diplomático-policial que resultou em 5 A Operação Condor foi um conjunto de repressão política aos cidadãos do Cone Sul e foi firmado entre os países que impunham ditaduras militares em cadeia. Foi idealizada pelo Coronel Manuel Contreras, chefe da DINA (Dirección de Inteligencia Nacional). A aliança de cooperação mútua foi realizada no final de 1975 em Santiago através dos principais órgãos de inteligência da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai e tinha a DINA como sede no Chile. O pacto dava total liberdade de ação aos países membros e tinha como principalobjetivo a criação de um banco de dados sobre pessoas e organizações envolvidas em atividades políticas de oposição aos governos da ditadura. Tinha como objetivo criar uma simular da Interpool na América do Sul, porém voltada ao combate à subversão. Através do acordo mútuo dos países, era possível identificar revolucionários, criar códigos de informações secretas, trocar prisioneiros, criar táticas de tortura, execuções de prisioneiros e liberdade no combate aos inimigos entre os países membros. A operação “Mercosul do Terror”, como ficou conhecida, teve seu auge nos anos de 1976 e 1977. O serviço de inteligência repressivo só foi possível graças à ausência de fronteiras ideológicas e ao fato de ter elegido o comunismo como adversário, além da conivência e do apoio dos americanos, pois tinham interesses por estarem no auge do envolvimento com a Guerra Fria. Pollyana Realce Pollyana Lápis Pollyana Realce um saldo de centenas e mais centenas de desaparecidos no continente” (PROCÓPIO, 1999: 99). Para MONIZ BANDEIRA (1983: 126), os agentes da CIA teceram toda a rede de conspiração contra as massas. Ao mesmo tempo, aglutinavam forças colaborando com os militares brasileiros, os latifundiários, os comerciantes e os industriais com a finalidade de sabotar as forças organizacionais da população, controlando as forças produtivas e consolidando o projeto proposto pela burguesia. Neste processo foi necessário intervir “nos sindicatos e demais órgãos de classe, dissolvendo agrupamentos políticos de esquerda e calando a imprensa, prendendo e assassinando líderes operários e camponeses, promulgando uma lei de greve que obstruiu o exercício desse direito laboral” (MARINI, 2000: 94). O esforço das elites “latino-americanas visava à projeção de um conjunto de interpelações ideológicas como 'senso comum', buscando a formação de consenso no interior das próprias classes dominantes” (DREIFUSS, 1986: 119). Através desta estrutura planejada e arquitetada, a sanha capitalista promoveu o terror e a ditadura, conseguindo mudar a correlação das forças políticas do País. A conseqüência imediata para a classe trabalhadora foi a “fixação do salário real debaixo do valor da força de trabalho” (MARINI, 2000: 215). Neste sentido, MARINI (1980: 97-98) afirma que o aspecto mais evidente da ditadura. ha sido la contención por la fuerza del movimiento reivindicativo de las masas. Interviniendo en los sindicatos y demás órganos de clase, disolviendo las agrupaciones políticas de izquierda, y acallando su prensa, encarcelando y asesinando líderes obreros y campesinos, promulgando una ley de huelga que obstaculiza el ejercicio de ese derecho laboral, la dictadura logró promover, por el terror, un nuevo equilibrio entre las fuerzas productivas. Se dictaron normas fijando límites a los reajustes salariales y reglamentando rígidamente las negociaciones colectivas entre sindicatos y empresarios, que acarrearon una redución sensible en el valor de los salários. Faz-se necessário entender as estratégias do centro do capital, bem como o papel dos militares na ditadura brasileira. O governo militar, após efetivo controle das forças de oposição, transformou a região amazônica em área de expansão capitalista para grupos capitalistas nacionais e Pollyana Realce Pollyana Realce internacionais, mesmo que esta tivesse que “se basear em uma maior exploração das massas trabalhadoras” (MARINI, 2000: 71). Nesta perspectiva é necessário não perder os reais objetivos do capital global em implantar as ditaduras em cadeia nos anos 60 e 70 na América Latina. O modo ditatorial de o Estado conduzir o processo político e econômico foi a forma de interferência mais acentuada na expansão do capital internacional na região. Esta foi a maneira encontrada para preservar a hegemonia capitalista mundial, na América Latina e no Brasil. Na Amazônia acentuou-se a expansão de grandes conglomerados econômicos internacionais, vindo a estabelecerem-se no Brasil com a finalidade da acumulação através da imposição militar. As modalidades de ações táticas foram puramente ofensivas, e as mais conhecidas foram as de: “doutrinação geral e específica; ação ideológico-social; pressão e penetração política; guerra psicológica geral e seletiva, pressão paramilitar e ação direta” (DREIFUSS, 1986: 120). Para efetivar-se a estratégia de dominação, “a doutrinação geral e específica visava a formação de quadros das classes dominantes e a incorporação das lideranças das classes subalternas” (DREIFUSS, 1986: 120). Através da doutrinação, viabilizaram-se “as ações cívicas e comunitárias que funcionam como uma espécie de tática de freio à politização, foram desenvolvidas sob o título genérico de função social do capital” (DREIFUSS, 1986: 122). Estas ações táticas se formavam através do cunho cívico-comunitário, e nasceram com o objetivo de demonstrar alta visibilidade e impacto condicionante. Uma das bandeiras mais importantes das elites foi a reforma agrária capitalista. A intenção podia ser a de “aumentar a produtividade e os lucros, de abrir novos espaços à penetração do complexo agroindustrial de maquinário e fertilizante, ou simplesmente a fixação do camponês na sua área, para esvaziar problemas decorrentes da migração aos centros urbanos” (DREIFUSS, 1986: 125). Através desta perspectiva, ocorreu uma nova dinâmica no tratamento da Amazônia brasileira, principalmente a partir dos anos 60 do último século, via expansão capitalista. Neste sentido, “as ações de pressão e penetração política tinham como alvos e arenas de luta a mídia, o Congresso, as Forças Armadas, a burocracia Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce do Estado, os partidos, a igreja, o governo etc.” (DREIFUSS, 1986: 126). Para atingir a mídia era relativamente fácil, pois esta pertencia à elite capitalista distribuída nos vários setores da economia, e assim penetrava nos demais órgãos e instituições-alvo. Depois de efetivar as ações de pressão e penetração política, “as atividades de guerra psicológica consistiam na persuasão geral (propaganda, informação e desinformação, manipulação, etc.)” (DREIFUSS, 1986: 128). No último estágio, a atuação tática das elites orgânicas era através de atividades de guerra psicológica, e esta visava à mobilização política, fornecendo subsídios e orquestração às campanhas eleitorais, apoio econômico e político a militantes, bem como formação de grupos para militares. Neste nível, a interferência foi do “amedrontamento de sindicalistas, o apoio aos fura greve, a provocação e atos de terrorismo, até a desestatização completa do regime e a sua derrubada por golpe de Estado” (DREIFUSS, 1986: 131). A América Latina foi transformada em um laboratório da desestabilização, pois o objetivo principal era preservar o sistema capitalista mundial. Fazia-se necessário usar as táticas mais avançadas para preservar o sistema, mesmo que fosse através da interferência das forças militares, dotando os países periféricos com estratégias de submissão e violência com as massas para assegurar a expansão do sistema capitalista mundial das elites. Todas estas táticas visavam restabelecer a lógica sistêmica e abrir caminhos para a entrada dos sobrinhos do “Tio Sam” na América Latina. Através da estratégia elaborada e engenhada por interessesalém-pátria, o Estado brasileiro passou a beneficiar os grandes projetos econômicos, dotando-os de estrutura financeira e do controle das massas pela ditadura. Os militares no comando do Estado brasileiro, através do golpe de Estado, serviram de instrumento para fixação de grandes capitais na região amazônica, bem como a concentração da propriedade privada e expropriação dos povos da floresta. O real motivo da tomada do poder por meio da ditadura foi beneficiar os grupos econômicos, e estes passavam a controlar os movimentos políticos e econômicos do País. Os projetos “Sudam e Basa criados em 1966 marcam o início de uma nova fase de desenvolvimento extensivo do capitalismo na Amazônia” (IANNI, 1986: 67). Assim, “o Estado é o Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce penhor das condições, das relações sociais, do capitalismo, e o protetor da distribuição cada vez mais desigual da propriedade que esse sistema enseja” (BRAVERMAN, 1981: 242). Efetuou-se a estratégia de internacionalização da Amazônia, ocorrendo na prática a expansão capitalista com recursos provenientes do Estado brasileiro através dos incentivos fiscais. Ao mesmo tempo, a forma expansionista criada na região tornou-se dependente do Estado brasileiro. Nesta perspectiva, criaram-se as condições necessárias para dar início a uma fase mais acelerada “das relações de produção e as forças produtivas no extrativismo, agricultura e pecuária da região” (IANNI, 1986: 66). A proposta de ocupação da região, através da oferta de vastas áreas e condições para expansão, veio acompanhada dos mecanismos necessários para as empresas passarem a usufruir os recursos minerais e florestais abundantes na região. O Estado brasileiro colocou-se a serviço dos grandes conglomerados capitalistas nacionais e internacionais, visto ser a ditadura fruto de uma investida internacional de dominação econômica, militar, política e territorial. O controle efetivou-se através do comando da hegemonia capitalista mundial, representada e controlada pelos Estados Unidos, pois o plano tinha objetivos claros: expandir o capital central nos países do Terceiro Mundo, bem como fortalecer o sistema de dominação capitalista mundial através das forças militares. Neste aspecto, efetivara-se na Amazônia brasileira a instalação de forma mais agressiva dos três fatores produtivos, “o capital, a terra e o trabalho” (ROSDOLSKY, 2001: 41). No período pós-1964, o Estado brasileiro, sob domínio estrangeiro, através das estratégias mundiais, passou a servir aos “ianques” intensivamente, submetendo-se às metas do plano global capitalista. Os produtos da região amazônica, que já serviam ao mercado mundial, passavam Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce a se fazer cada vez mais presentes na região, mas agora a investida econômica pôde ser com recursos da nação brasileira em detrimento dos povos nacionais e os da floresta tropical. Os seringueiros passaram à condição de posseiros ou fornecedores de força de trabalho na região. O governo federal, via Incra6, em 1970, contestou o domínio de propriedade em grande parte das áreas de extrativismo, promovendo a expansão de grupos econômicos. Neste sentido, é bom lembrar, que com o quase extinto ciclo da borracha nos anos 70, “é inegável que o extrativismo continua um setor econômico importante na economia da Amazônia. Continuam importantes o setor extrativo e o comércio de borracha, castanha, babaçu, madeira, peles, etc., na região do Brasil e no exterior” (IANNI, 1986: 57-58). Por outro lado, os capitalistas nacionais e internacionais, sempre atentos às riquezas minerais e florestais desta região, bem antes do início do ciclo da borracha, transformaram a Amazônia em fornecedora de produtos ao mercado mundial, mesmo não se instalando definitivamente nesta região, mas 6 Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Órgão do governo federal, que teve sua criação através do Decreto Lei n. º 1.110, de nove de julho de 1970. Tinha como finalidade o levantamento cadastral das propriedades e a demarcação das terras, bem como a implantação de políticas de colonização no território brasileiro. Tendo sido extinto em 1987, e substituído pelo Mirad, Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário. No Mato Grosso, o órgão limitou-se à tarefa de regularizar títulos de posse e aprovar projetos de colonização da iniciativa privada, pois os governos militares davam toda atenção ao projeto particular de colonização. Pollyana Realce interferindo na área dentro da lógica do sistema. Conforme SANTOS (2001: 123), é esta lógica que determina os movimentos, pois as “populações em seus diferentes níveis, os pobres e os que vivem longe dos grandes mercados obrigam a combinações de formas e níveis do capitalismo”. A região recebeu um grande contingente de empresas nacionais e multinacionais, com fins de constituírem seus negócios voltados para a concentração individual de capitais. O Estado brasileiro facilitou a expansão capitalista na região, tendo como estratégia os incentivos fiscais e o crédito. Segundo Marx7, a sua definição nos orienta sobre a lógica do crédito e as relações Estado/capital. Os conceitos podem ser vistos na obra O capital8. A análise histórica revela que “a reprodução do capital, em escala internacional, não se efetiva nem se desenvolve sem algum tipo de participação do Estado do país dependente” (IANNI, 1988; 118). Na última fronteira de ocupação brasileira, desde que foi instalada a ditadura militar brasileira, a penetração de forma capitalista foi intensificada com ampla organização do poder do Estado. O poder público, com a finalidade de dar “segurança” à sociedade burguesa, desencadeou um processo de “controle e repressão de toda a organização e atividades políticas das classes assalariadas, para que o capital monopolista tenha as mãos livres para desenvolver a acumulação” (IANNI, 1981: 9). As várias formas de atuação e estratégias da ditadura ficam acentuadas em IANNI (1981: 22): 7 “Se o sistema de crédito é o propulsor principal da super produção e da especulação excessiva no comércio, é só porque o processo de reprodução, elástico por natureza, se distende até o limite extremo, o que sucede em virtude de grande parte do capital social ser aplicada por não proprietários dele, que empreendem de maneira bem diversa do proprietário que opera considerando receosos os limites de seu capital. (...). Assim este acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado mundial, e levar até certo nível esses fatores, bases materiais da nova forma de produção, é a tarefa histórica do modo capitalista de produção.(...) O sistema de crédito, pela natureza dúplice que lhe é inerente, de um lado, desenvolve a força motriz da produção capitalista, o enriquecimento pela exploração do trabalho alheio, levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo, e limita cada vez mais o número dos poucos que exploram a riqueza social; constitui a força de passagem para o novo modo de produção” (MARX, 1981: 510). 8 O capital: crítica da Economia Política. É considerada a obra mais importante de Karl Marx, e foi publicada em 1867 a primeira parte dos estudos, três anos após sua morte. A obra seconstitui em três livros divididos em seis tomos e foi traduzida para a língua portuguesa por Reginaldo Sant' Anna pela Editora Civilização Brasileira. Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Sublinhado Pollyana Realce Pollyana Lápis Pollyana Lápis a ditadura passou a atuar, de forma presente, sistemática, profunda e generalizada, na questão da terra, na Amazônia Legal, na política educacional, na indústria cultural, nas relações de produção, nas forças produtivas. O poder estatal passou a expressar, de forma cada vez mais aberta, as exigências da economia política da reprodução monopolista. Ao mesmo tempo em que se desenvolvia a superexploração do proletariado e do campesinato, desenvolvia-se o poder estatal, como máquina de violência concentrada e organizada. As mesmas relações e estruturas de apropriação econômica, determinadas pela reprodução do capital, desenvolviam e apoiavam-se nas relações e estruturas de dominação política. Em conjunto, conformava-se um Estado de cunho fascista. Para facilitar e concretizar a realização dos objetivos dos capitalistas, o Estado adotou como estratégias a criação de órgãos facilitadores, para legalizar a estrutura necessária e a transferência de capitalistas para a região Amazônica. Desta forma, o Estado criou mecanismos que ofereciam as condições necessárias para a apropriação de terras devolutas, passando ao domínio de empresas nacionais e internacionais. Conforme PORTELA E OLIVEIRA (1991: 17), terras devolutas – oficialmente não possuem dono. Trata-se de terras vagas ou desocupadas do ponto de vista jurídico, ou seja, sem titulação de propriedade. Terras tribais – ocupadas por sociedades indígenas e garantidas pelo governo federal. Não são terras tituladas, porque as leis do Brasil garantem aos índios apenas a posse da terra, pois é a União que detém a propriedade delas. Terras griladas – o “proprietário” possui títulos. Ou, então, são áreas não cobertas por títulos legais, cujos “proprietários” – pessoas ou empresas – reivindicam extensões maiores do que as cobertas pelos títulos. Terras Tituladas – o proprietário possui o título emitido pelo governo e registrado em cartório, que é o título legal de propriedade. As empresas, sendo possuidoras de capital, ou com a falta deste, mas com capacidade organizacional e poder político para instalarem-se na região, passaram a ter livre acesso aos benefícios oferecidos pelo Estado. Este exigia como troca dos grupos econômicos beneficiados apoio para fortalecer-se politicamente no País e manter a forma repressiva de governo. As terras devolutas de comunidades indígenas e griladas passaram à condição de terras tituladas nas mãos de grupos organizados. A ditadura de 1964 planejou a expansão do capital nacional e internacional na Amazônia, tornando a última Pollyana Lápis Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce fronteira muito mais integrada ao mercado mundial e pouco ao mercado interno. Assim, “a expansão capitalista na mais recente fronteira do Brasil processa-se mediante a criação de empresas sob o incentivo e a direção do Estado Autoritário” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 8). Através desta perspectiva, foi colocado o “Estado em favor do capital monopolista” (SODRÉ, 1975:17). A tônica da “política econômica governamental concentra-se sobre o processo de acumulação de capital, que é selecionado como fulcro do desenvolvimento” (IANNI, 1989: 12). Neste sentido, “o Estado moderno e a ordem reprodutiva sociometabólica do capital são mutuamente correspondentes” (MÉSZÁROS, 2002: 127). IANNI (1986: 55) diz que: o que ocorreu na Amazônia, nos anos 1964-78, foi principalmente um desenvolvimento extensivo do capitalismo. No extrativismo, na agricultura e na pecuária, desenvolveram-se as relações capitalistas de produção, juntamente com as forças produtivas. Este foi o quadro geral no qual se integrou a política estatal de ocupação, inclusive a colonização dirigida, oficial e particular. A rigor a expansão da empresa de extrativismo, agropecuária e mineração, da mesma forma que a demarcação e titulação de terras devolutas, tribais e ocupadas, ao lado da colonização dirigida, tudo isso expressa o processo mais ou menos amplo e intenso de expansão das relações capitalistas na região. O Estado é decisivo, surge como mediador para facilitar a acumulação capitalista na região. Desta forma, “à medida que se acelera a concentração de capital, desenvolve-se a centralização” (IANNI, 1989: 19). Os diversos capitais transformam-se em um só através da centralização, mas “a concentração é um processo que consiste no aumento do capital das unidades empresariais, pela capitalização da mais-valia ali produzida” (IANNI, 1989: 18). O conceito sobre acumulação foi desenvolvido por MARX9. 9 “com a acumulação do capital, desenvolve-se o modo de produção especificamente capitalista, e, com o modo de produção especificamente capitalista, a acumulação do capital (...). Todo o capital individual é uma concentração maior ou menor dos meios de produção, com o comando correspondente sobre um exército maior de trabalhadores. Cada acumulação se torna meio de nova acumulação. Ao ampliar-se a massa de riqueza que funciona como capital, a acumulação aumenta a concentração dessa riqueza nas mãos de capitalistas individuais e, em conseqüência, a base da produção em grande escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social realiza-se através do crescimento de muitos Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Lápis Pollyana Lápis O processo capitalista desencadeia na região formas de sujeição dos posseiros, dos indígenas e dos colonos ali residentes, ou os recém-chegados. O controle passa a efetivar-se “através do binômio clássico, ou seja, monopólio da terra e controle do trabalho” (PROCÓPIO, 1992: 19). Desta maneira, a região passa de uma economia completamente dominada pelo setor primário à “uma economia de setor secundário, modificam-se os instrumentos e a política econômica do governo. Como mediação num sistema de relações de classes sociais, o poder público adquire relevância especial na formação do capitalismo industrial” (IANNI, 1989: 46). Com a criação de órgãos como Sudam e Basa10 concretizaram-se mudanças em todos os setores da economia local. A partir da criação destes dois órgãos financiadores, com finalidade de incentivar e atrair capitalistas para esta vasta região, iniciou-se uma nova fase para o desenvolvimento extensivo do capitalismo dependente do Estado brasileiro. Neste sentido, a “política dos incentivos fiscais foi o instrumento que o Estado brasileiro beneficiou os monopólios estrangeiros instalados no país” (SODRÉ, 1975: 153). Portanto, efetivaram-se duas vias de integração: no primeiro estágio vinculou-se a região ao mercado mundial via exportação, e no segundo a internacionalização dos produtos através da produção. IANNI (1986: 61-62) enfatiza as estratégias do capital na Amazônia: em primeiro lugar, dinamizaram-se e diversificaram-se as atividades produtivas. Em segundo lugar, desenvolveu-se bastante o sistema de crédito, público e privado. Em terceiro, desenvolveu-se e ampliou-se a administração pública federal da região. Em quarto, desenvolveu-se e agravou-se a luta pela terra, luta essa que envolve, entre outros elementos: o poder público(federal, estadual, territorial e municipal); grandes e médias empresas agropecuárias e de mineração; posseiros, ou antigos sitiantes e grupos indígenas. Em quinto, recolocou-se a secular problemática indígena, seja quanto à defesa da sua cultura e terra, seja no que se refere à proletarização da sua mão-de-obra. Em capitais individuais e, com eles, a concentração dos meios de produção aumentam enquanto o capital social cresce.” (MARX, 1998: 729). 10 Sudam – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, órgão criado em 27 de outubro de 1966, pela Lei n.º 5.173, sendo considerado o principal instrumento nas mãos do capital nacional e estrangeiro, tendo como função criar incentivos fiscais e financeiros, com planos de valoração, atraindo assim investidores privados. Os incentivos fiscais eram direcionados aos empreendimentos agropecuária, indústria e mineração. Basa – Banco de Crédito da Amazônia S.A, criado em 28 de outubro de 1966, conforme Lei n.º 5.122, sendo que os dois órgãos passaram a atuar de forma articulada na região amazônica. Pollyana Realce sexto, criaram-se núcleos coloniais, com a finalidade de construir reservas de mão-de-obra para empreendimentos públicos e privados. Em sétimo lugar, reformou-se amplamente a significação geopolítica da região amazônica, tanto no que diz respeito à “defesa nacional”, como no que se refere aos problemas da “segurança interna”. Na região ocorreram grandes transformações econômicas, sociais e ambientais. O poder público adotou como estratégia do Estado contemplar as empresas privadas com grandes áreas de terras, vindo a beneficiar grandes conglomerados nacionais e internacionais. Isto foi possível por meio dos incentivos fiscais, pois o Projeto Sudam e o Basa canalizavam para a região uma nova proposta de ocupação, “com a finalidade de levar a empresa privada a participar do desenvolvimento da Amazônia” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 104) Assim, o binômio Estado-empresas privadas, nacionais e internacionais, conseguiu fazer a parceria certa com a finalidade de internacionalizar a Amazônia brasileira, bem como garantir a sobrevivência do sistema capitalista através do Estado ditatorial. Desta ocupação criaram-se grandes monopólios e uma nova fase da história da expropriação dos recursos naturais da região se desencadeou. O então ministro da Justiça, Delfim Neto, um dos mentores do projeto econômico militar, não cansava de repetir a seguinte frase: “exportar é o que importa”. A filosofia de entrega do patrimônio brasileiro e a internacionalização dos espaços deixaram grandes sinais de “expropriação dos recursos naturais, minerais, florestais, dos solos, do suor dos trabalhadores e das nações indígenas” (OLIVEIRA, 1997: 15). HEGEMANN (1996: 61) acrescenta que: na década de 70, a Amazônia atraía inúmeras empresas brasileiras e internacionais que desejavam adquirir propriedades a preços baixos; fazer especulações rentáveis; utilizar subvenções do Estado ou conquistar partes do mercado e vantagens competitivas. Entre os atores, nem sempre sérios, estavam – além de várias empresas brasileiras e firmas fantasmas – algumas empresas estrangeiras como a Volkswagem, a Liquigás, a Nixdorf e até o Banco do Vaticano. O Banco Mundial também estava à frente em vários casos, concedendo empréstimos ou como investidor. Através das facilidades oferecidas pela ditadura, empresas nacionais e multinacionais instalaram-se nesta região, inclusive obtendo recursos financeiros para estruturação. Várias empresas usufruíram dos recursos Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Sublinhado Pollyana Realce Pollyana Lápis promovidos por mecanismos de incentivos fiscais, trazendo pouco retorno para a nação e quase nenhum para a região Amazônica, cenário dos projetos. Alguns destes nasceram apenas com a finalidade de especulação imobiliária da terra. É o caso das empresas de colonização privada, ou para extração dos recursos minerais, florestais e da agropecuária. Podemos destacar alguns dos projetos gigantescos surgidos nesta época, com grande quantidade de hectares de terra11. GRANDES EMPRESAS INSTALADAS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR ENTRE 1964 E 1985. Nome das empresas Tamanho das áreas em hectares Projeto Jari S. A 1.500.000 Suiá-Missu 678.000 Codeara 600.000 Georgia Pacific 500.000 Bruynzeel 500.000 Robim Mac Glolm 400.000 Toyamnka 300.000 Volkswagen 140.000 Fonte: Elaboração própria com base em Becker (1997: 26), Cardoso e Müller (1977: 161) e Pinto (1980: 215). Além dos projetos mencionados, outros grupos econômicos foram beneficiados com grandes quantidades de terras na região. Entre estes grupos estão: Bradesco, Atlântica-Boa Vista, Bamerindus, Swift, Supergasbrás e outros. Estes são apenas alguns dos exemplos de grandes áreas distribuídas aos grupos capitalistas na Amazônia. No período da ditadura, com aval do próprio governo e “usando slogans nacionalistas, mais de seiscentas empresas transnacionais passaram a investir maciçamente na região” (GONÇALVES, 2001: 14-15). Com posse de grande quantidade de terra desmataram em ritmo crescente a Amazônia, utilizando o “trabalho assalariado, que possibilita rápido desmatamento, e nas operações seguintes de aviões que espalham desfolhantes e sementes de capim que em três dias realizam uma operação equivalente a um ano de trabalho vivo” (BECKER, 1997: 26). Para SHOUMATOFF (1990: 72), os aviões tornaram-se um verdadeiro achado. “Podia-se jogar 11 Hectare (ha), unidade de medida agrária com 10.000 m² cada unidade, ou o equivalente a um hectômetro. Esta unidade de medida é a mais usada dentro do território amazônico e serve de referência para informar as medidas de área. Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce Pollyana Realce agente laranja ou bombas de napalm com eles, livrando-se das recalcitrantes culturas que habitavam a selva – índios, seringueiros e caboclos – e fazer o que precisava ser feito, sacrificando algumas milhares de pessoas pelos elevados propósitos do progresso”. Os desfolhantes são proibidos nos países de origem das multinacionais, mas utilizados na nova fronteira de colonização de forma extensiva. Este fato pode ser comprovado no “caso do rio Miranda – MS –, onde foi usado maciçamente o Tordon, o Dow-chemical, o Agente Branco da guerra do Vietnã nas fazendas de cerrado para dessecar as florestas e capoeiras da região do Pantanal” (PINHEIRO et al., 1998: 49). A estratégia capitalista para a região não ficou somente em desfolhar as florestas para posterior penetração. Nesta estratégia “o uso destes desfolhantes, mais que destruir a floresta, visa, muitas vezes, a destruir tribos indígenas; como são poderosos abortivos, provocam um verdadeiro genocídio” (PINHEIRO et al., 1998: 75). Além disso, a região amazônica, por ser pouco habitada, serve de experimento científico em testes para posterior liberação destes agrotóxicos por parte dos grupos econômicos internacionais. Usavam os países periféricos como experimento para avaliar a capacidade dos produtos tóxicos, pois “eles queriam que fóssemos cobaias, para terem maiores lucros” (PINHEIRO et al., 1998: 109). Fatos desta natureza só acontecem quando o Estado é omisso e conivente. No caso brasileiro, o governo passou a ser colaborador, colocando- se sempre na retaguarda do sistema imperialista e protetor dos grandes conglomerados internacionais. Assim, quando necessário, interferiu em nome
Compartilhar