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PRIMEIRA REPUBLICA, ECONOMIA CAFEEIRA, URBANIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO. NETO, José Miguel Arias.

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Primeira República: economia cafeeira, 
urbanização e industrialização 
José Miguel Arias Neto 
Professor adjunto do Departamento de História 
da Universidade Estadual de Londrina. 
INTRODUÇÃO 
Parece ter se consolidado no imaginário brasileiro contemporâneo a imagem, 
veiculada em inúmeras publicações e meios de comunicação como rádios, 
jornais, televisão, de que a expansão da economia cafeeira teria promovido 
a urbanização e a industrialização do país. Esse fenômeno encontra, sem dú-
vida, bases em determinada realidade espaço-temporal tratada pela 
historiografia, pela literatura e pelo jornalismo como "modelo clássico", a 
saber, o caso paulista. É graças à ideia de que o sentido da história é dado por 
um movimento progressivo de mudanças e transformações cumulativas que 
isso acontece. Dito de outro modo, na medida em que a articulação da eco-
nomia cafeeira ao desenvolvimento urbano-industrial se processou, em fins 
do século X I X e ao longo dos três primeiros decênios do século X X em São 
Paulo, e que também ocorreu um "novo e significativo" ajuste do Brasil à 
dinâmica econômica internacional, pareceu a jornalistas, cronistas, roman-
cistas e historiadores que era em São Paulo que se processava a história do 
Brasil per si. A noção de história tornou-se, assim, sinônimo de progresso, 
modernização, enriquecimento capitalista e o processo que se passou em São 
Paulo, um modelo a ser seguido. A imagem de São Paulo como locomotiva do 
Brasil, arrastando uma série de vagões vazios, é inequívoca nesse sentido. Essa 
ideia é também a fonte da legitimidade do poder do fazendeiro e do indus-
trial: progressista e promotor da modernidade do país, é justo que tenha o 
mando político da nação. Não é por acaso que nas imagens da história e da 
memória nacionais, a abolição da escravidão, a proclamação da República, a 
urbanização e a própria industrialização são creditadas a este agente da 
modernidade: o fazendeiro paulista. 
Consequentemente, aqueles que se opuseram e resistiram a esse modelo 
que, não se tenha nenhuma ilusão, foi inT£ostoxou_mesmo_outras regiões do 
país cuja inserção no capitalismo se processou de outro modo, inclusive em 
decorrência da hegemonia política e econômica paulista, foram classificados 
como tradicionais, atrasados e bárbaros. Movimentos sociais urbanos e ru-
rais como, por exemplo, a Revolta da Vacina, Canudos, Contestado, a Re-
volta dos Marinheiros, foram interpretados como desvios indesejáveis da 
história, símbolos do atraso e da barbárie, e seus agentes, rnrr|r> ignorantes, 
inferiores r r ^ p ^ n d i a m e. por isso mesmo, não tinham__ 
o direito de gurstinnar Q pr(>rp<L<n prtf curso e de escolhezjeus próprios desli-
nos enquanto seres humanos e brasileiros. 
Essa não é, contudo, a história de ontem, é também a história de hoje: os 
questionamentos e resistências ao atual modelo neoliberal, que, mais uma 
vez não se tenha nenhuma ilusão, é imposto, continuam sendo vistos como 
signos do atraso: nas imagens veiculadas através dos vários espaços midiáticos 
a resistência ao programa de privatizações, o MST, os movimentos urbanos 
são representados como estando na contramão da história. Assim como o 
modelo paulista, o neoliberalismo é visto e representado como processo 
irreversível e, portanto, não passível de questionamentos. As disputas eleito-
rais após a redemocratização evidenciam esse dilema crítico na história do 
Brasil: o próprio bem-estar da população deve ser tutelado pelas elites e pelo 
Estado para que se efetive dentro da Ordem e do Progresso, num momento 
em que o agente privilegiado não é mais apenas o fazendeiro, mas também o 
industrial e o banqueiro. 
Contudo, na medida em que o progresso tecnológico, econômico e fi-
nanceiro não cumpriu o que prometeu, isto é, não resolveu problemas bá-
sicos como educação, saúde, bem-estar para a maioria da população; na 
medida em que o caos urbano se instaurou em megalópolis como São Pau-
lo e Rio de Janeiro, cidades dominadas pela fome, pela violência, pelo nar-
cotráfico; que o índice de desenvolvimento humano no Brasil é uma lástima, 
que os programas oficiais de educação, saúde, saneamento básico, segurança 
constituem um arremedo e uma farsa, a maioria da população é tomada 
pela certeza de que "este não é um país que vai pra frente", que o "Brasil 
2000" não é grande potência, embora seja a 11a economia industrial do 
mundo. Isto sem falar em problemas globais como o desemprego estrutu-
ral, a cultura da violência, o esgotamento dos recursos naturais, os graves 
problemas ambientais, as novas formas de autoritarismo e de genocídios, 
as guerras e o terrorismo. Em suma, no início do novo milênio fica claro 
que desenvolvimento econômico, desenvolvimento humano e democracia 
política não são absolutamente sinônimos e, nesse sentido, volta-se para a 
história, para tentar compreender o que se passou, como se um erro, um 
equívoco, houvesse ocorrido nesse processo. 
O sentido deste texto é, contudo, outro. Procurar-se-á demonstrar que 
a) este processo, cujo início mais visível parece ser a chamada República Velha, 
isto é, cronologicamente o período que vai de 1889 a 1930, tem raízes mais 
antigas; b) que não há uma necessária associação linear e inequívoca entre 
abolição — República — economia cafeeira — industrialização e urbaniza-
ção, isto é, que as relações históricas entre esses fenômenos são complexas e 
contraditórias; e, finalmente, que c) o momento presente está profundamente 
articulado a esses processos do passado. Para isso, o texto está dividido em 
três momentos: a) uma apreciação das transformações ocorridas no Brasil 
na passagem do Império para a República; b) as relações entre desenvolvi-
mento da economia cafeeira, da industrialização e da urbanização na Repú-
blica Velha e c) algumas observações finais à guisa de conclusão. 
DO IMPÉRIO À REPÚBLICA 
O binômio café-indústria, como já dito, é tido por muitos como a expressão 
que sintetiza um momento da história do Brasil: o da chamada República 
Velha ou Primeira República. Esta é uma associação da qual é possível extra-
ir alguns problemas que demandam explicação, a saber: caracterizar a eco-
nomia cafeeira, o desenvolvimento industrial e as relações existentes entre 
ambos. 
Em um rápido retrospecto pode-se dizer que desde o século XVI se de-
senvolveram atividades industriais no Brasil. A fabricação do açúcar nos en-
genhos, a construção naval e algumas manufaturas constituíram-se como as 
mais importantes atividades fabris do Brasil colônia. Essas atividades esta-
vam subordinadas às determinações do sistema colonial, momento específi-
co do desenvolvimento do capitalismo. Como observou Caio Prado Júnior, 
o Brasil foi constituído como 
colônia destinada a fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais 
de grande expressão econômica. [...] Nossa economia subordinar-se-á por isso 
inteiramente a tal fim, isto é, se organizará e funcionará para produzir e ex-
portar aqueles gêneros. Tudo mais que nela existe, e que, aliás, será de pe-
quena monta, é subsidiário e destinado unicamente a amparar e tornar possí-
vel a realização daquele objetivo essencial (Prado Jr., 1990, p. 41). 
Deriva desta finalidade o caráter da colonização fundada na monocultura 
escravista subordinada ao monopólio comercial da metrópole. Impõem-se, 
no entanto, um acréscimo e um reparo à tese de Caio Prado. Por um lado, é 
importante destacar que mesmo a escravidão esteve subordinada às determi-
nações da dinâmica internacional; por outro, é necessário compreender a 
globalidade do sistema, isto é, que as relações entre metrópole e colônia 
compõem um todo integrado. Nas palavras de Alfredo Bosi: 
Na formação do sistema exigiram-se reciprocamente tráfico e senzala, mono-
pólio e monocultura. No plano internacional determinou-se o fluxo e reflu-
xo da mercancia colonizada na linha das flutuações do mercado e sob o im-
pério da concorrência entre os Estados metropolitanos. Em suma, a reprodu-
ção do sistema no Brasile o seu nexo com as economias centrais cunharam a 
frente e o verso da mesma moeda (Bosi, 1992, p. 26). 
Mais conhecida, a indústria do açúcar foi alvo de preciosas descrições, como 
a de Antonil, por exemplo. Este autor demonstrou em seu livro Cultura e 
opulência do Brasil que no engenho havia uma complexa divisão de funções, 
baseada na especialização do trabalho: a moagem, o cozimento, a purgação, 
o branqueamento, o encaixotamento do açúcar era realizado por escravos e 
homens livres especializados, divididos em equipes de trabalho comandadas 
por capatazes. O engenho "em si", a fábrica do açúcar, exigia avultado in-
vestimento de capitais: todo o maquinário (moendas, caldeiras) era impor-
tado da Europa e, até mesmo, os operários. Assim, o conhecido "engenho" 
prefigurou, como já se fez notar na historiografia, o sistema fabril dos sécu-
los XVIII e XIX . Há que ressaltar, contudo, que essa não era a tônica geral, 
havia uma grande quantidade de plantadores de cana que se subordinavam 
em graus variados (plantadores obrigados ou livres) aos "senhores de enge-
nho", isto é, aos proprietários de fábricas nas quais deveriam processar o 
produto colhido. 
Outro empreendimento fabril de relevância no período colonial foi a 
construção naval. Nos estaleiros e arsenais, especialmente o da Ribeira das 
Naus, na Bahia, e o do Rio de Janeiro, desenvolveu-se intensa atividade de 
construção naval, que mobilizava grandes quantidades de capitais graças à 
importação de equipamentos para as fundições e carpintarias e de materiais, 
como, por exemplo, a cordoaria e cabos para o velame dos navios. Grada-
tivamente passou-se a produzir alguns produtos no Brasil, como óleos e ca-
bos. Articulada a estes dois principais empreendimentos, desenvolveu-se uma 
manufatura têxtil que produzia velas de navios, roupas para escravos, saca-
ria para o acondicionamento de produtos como o fumo, o cacau, o algodão 
e o café. Além disso, pode-se considerar ainda a produção "de charques e de 
gêneros alimentícios, a preparação de fumo de corda, a fabricação do anil, a 
extração do sal, a produção de azeite de baleia usado na iluminação pública, 
a confecção de móveis, construção civil [...] como manifestações de ativida-
des industriais e manufatureiras no Brasil colônia" (Foot & Leonardi, 1982, 
p. 25). 
A partir de fins do século XVIII, a dinâmica do capitalismo internacional 
passou por transformações radicais. Esse processo desembocou no chamado 
neocolonialismo ou imperialismo moderno e teve como marcos cronológi-
cos três grandes acontecimentos: a Revolução Industrial na Inglaterra, a 
Revolução Americana, isto é, a Independência dos Estados Unidos, e a Re-
volução Francesa. 
O impacto desses eventos no mundo não foi linear nem único e, portan-
to, assumiu múltiplas formas no tempo e no espaço. Alguns países e povos 
africanos e asiáticos, de antiga colonização portuguesa e espanhola, passa-
ram à égide da dominação inglesa, francesa, alemã ou italiana, processo que 
ficou conhecido como "a partilha da África". Outros, anteriormente inde-
pendentes, como a índia e a China, foram conquistados e, no caso da últi-
ma, dividida em áreas de influência de vários países centrais. O Japão, após 
a revolução Meiji, inseriu-se na nova ordem internacional, já em posição de 
grande potência econômica e militar, e passou a expandir sua área de in-
fluência no Pacífico. As antigas colônias portuguesas e espanholas na Améri-
ca Latina — conceito cunhado dentro da geopolítica francesa por ocasião da 
instauração do regime monárquico de Maximiliano I no México — torna-
ram-se independentes do ponto de vista político, e portanto, saindo da órbi-
ta das antigas metrópoles, foram gradativamente submetidas às esferas de 
influência inglesa e, posteriormente, norte-americana. 
Esse movimento expansionista foi seguido de um processo de revoluções 
e guerras no continente europeu e fora dele, das quais é importante destacar 
as revoluções de 1820, 1830, 1848, as guerras da Crimeia, franco-prussiana 
e as unificações da Alemanha e da Itália. As independências na América fo-
ram seguidas de conflitos com Portugal, Espanha, Inglaterra e França. O pro-
cesso de formação e expansão dos Estados Unidos levou à Guerra de Secessão, 
e dos Estados Platinos com o Paraguai. Também a China só foi submetida ao 
Ocidente após várias guerras, ao conflito e o expansionismo japonês no Pa-
cífico conduziu aquele país a guerras sucessivas com a China, com a Rússia e 
com os EUA. 
No Brasil, as guerras de independência conduziram a uma ruptura "ne-
gociada" com Portugal, sob os auspícios da Inglaterra, país que possuía pri-
vilégios comerciais e políticos arraigados no antigo reino e, posteriormente, 
na ex-colônia. De fato, a fuga da família real portuguesa para o Brasil, no 
contexto da expansão napoleônica, promoveu o fim do "estatuto colonial" 
com a abertura dos portos em 1808, isto é, o fim do monopólio comercial e 
a elevação do Brasil, primeiro, à sede da monarquia portuguesa e, em 1815, 
à condição de Reino Unido. Os ingleses procuraram, nesse contexto, garan-
tir e ampliar os privilégios que possuíam, forçando a assinatura dos tratados 
de Aliança e Amizade, Comércio e Navegação de 1810, através dos quais 
foram concedidas taxas preferenciais ao comércio de seus produtos. Assim, 
as iniciativas joaninas no sentido de dinamizar a vida econômica brasileira, 
estimulando as manufaturas e fundando bancos, foram bloqueadas na práti-
ca. Após 1822, a Inglaterra procurou, com sucesso, garantir a manutenção 
desses privilégios, que foram suspensos somente em 1844, momento de re-
visão dos acordos que redundou no estabelecimento de medidas protecio-
nistas, entre as quais a tarifa Alves Branco. Em razão do crescimento do 
comércio britânico, de há muito a Inglaterra pressionava pelo fim do tráfico 
de escravos, que arraigara enormes interesses em Portugal e no Brasil, e exercia 
grande influência política antes e depois da Independência. Aliás, é funda-
mental destacar que a historiografia brasileira tem, desde meados da década 
de 1970, demonstrado com sucesso como a influência política dos trafican-
tes de escravos foi determinante no Parlamento imperial na primeira metade 
do século X I X , o que permitiu matizar a tese muito difundida de que o Esta-
do monárquico brasileiro expressava prioritariamente os interesses dos gran-
des proprietários rurais. Somente em 1850 o tráfico de escravos foi abolido, 
após quase 50 anos de conflito com a Inglaterra, conflito este que adquiriu 
feições bastante graves na década anterior, tendo aquele país ameaçado, in-
clusive, invadir o território nacional caso não fosse abolido o infame comér-
cio. É importante, nesse sentido, destacar que, da abolição do tráfico ao fim 
do regime escravista, quase 5 0 anos se passaram, durante os quais se 
reordenaram não apenas as estruturas econômicas, como também o pensa-
mento liberal que as legitimava. 
A expansão da economia cafeeira iniciou-se por volta de meados do sé-
culo XIX. Em 1840 o café já era o principal produto da pauta de exporta-
ções brasileiras. Era também um dos símbolos do antigo regime: o brasão do 
Império — duplamente reenquadrado pelo verde Bragança e pelo amarelo 
Habsburgo — era circundado pelos ramos de fumo e de café, o que demons-
trava sua importância econômica. Essa expansão se processou com base no 
sistema agroexportador, ou seja, nos moldes de uma economia colonial e 
escravista, reforçada pelo Estado imperial, sob a batuta do Partido Conser-
vador. Alfredo Bosi demonstra o caráter funcional e tópico do liberalismo 
das elites brasileiras: 
Mantendo sob controle terras, café e escravos, bastava-lhes o registro seco, 
prosaico, às vezes duro, da linguagem administrativa. É o estilo da eficiência: 
o estilo saquarema de Eusébio, Itaboraí, Uruguai, Paraná. Comércio livre, 
primeira e principal bandeira dos colonos patriotas, não significava, necessa-
riamente, e não foi, efetivamente sinônimo de trabalho livre. O liberalismoeconômico não produz, sponte sua, a liberdade social e política (Bosi, 1992 , 
p. 198) . 
No novo contexto liberal, as elites, enfatiza o mesmo autor, defendiam o 
laissez-faire advogando, na defesa do livre comércio e da escravidão, as pe-
culiaridades da formação social brasileira, posição que não destoava dos 
plantadores de algodão do Sul dos Estados Unidos e da oligarquia açucareira 
cubana. 
Os liberais brasileiros descartavam qualquer espécie de protecionismo às 
manufaturas e às indústrias e defendiam que os novos capitais desviados do 
tráfico de escravos deveriam ser aplicados na consolidação da lavoura. Em 
outras palavras, reforçava-se o pensamento quase fisiocrata que, contrário à 
intervenção estatal na economia e, consequentemente, ao protecionismo à 
manufatura e à indústria, defendia a ideia da "vocação agrária do Brasil". 
Mesmo sob a condenação formal de pensadores e de políticos como Alencar 
e Itaboraí, esse capital afluiu, contudo, para atividades^cmnerriais, manur 
fatureirajvtransportes e. até mesmo, para a especulação financeira,. promo-
vendo um primeiro surto de urbanização e de alargamento do emprego do 
trabalho livre^ 
A linha de corte da história do Brasil ocorreu, contudo, somente a partir 
dos fins da(3écãda deJ86Ò^ quando, pari passu às transformações eronômi-
cas, emergiu um novo liberalismo, que propugnava a inserção do Brasil na 
moderna civilização ocidental. Esse novo liberalismo surgiu, primeiramente, 
como reação ao "estelionato político" promovido por D. Pedro II, que, sob 
a pressão da espada de Caxias, despediu o gabinete de Zacarias de Góes e 
Vasconcelos e passou o cetro da política aos conservadores retintos lidera-
dos por Itaboraí. Iniciou-se aí, como observou Joaquim Nabuco, em asserção 
reafirmada pela historiografia política brasileira, o "plano inclinado do Im-
pério", pois redundou na maré liberal democrática do fim de século, na qual 
foram acalentadas, por diferentes agentes sociais e políticos, as propostas 
abolicionistas, imigrantistas, republicanas, democráticas e industrializantes. 
O vigor das ideias mais radicais atraiu inclusive os positivistas, mas elas fize-
ram brilhante carreira nas escolas do Exército e da Armada. 
É importante, contudo, destacar um elemento fundamental para a compre-
ensão da dinâmica do período no que diz respeito ? qnpsrnn rln fim rln pscrayismo-
se para determinado grupo de_abolicioriistas — intelectuais liberais radicais 
positivistas que eram notadamente urbanos —jxatava-se de libertar o negtQ, 
inserindo-o em uma nova estrutura econômica e social fundada no trabalho li-
vre, para os fazendeiros paulistas tratava-se de substituir o trabalho escravo. Seu 
republicanismo visava, entre outras coisas, à autonomia provincial para a reso-
lução do "problema da mão de obra", daí seu imigrantismo, e, como observou 
Alfredo Bosi, ingressaram no abolicionismo de 1887 porque "o problema da 
força de trabalho já fora equacionado em termos de imigração europeia maciça, 
subvencionada pelos governos imperial e provincial" (Bosi, 1992, p. 242). 
A pauta de exportações do Brasil, no período, permite entrever como 
eram enormes os interesses a serem preservados: 
PRINCIPAIS P R O D U T O S D E E X P O R T A Ç Ã O 1 8 2 1 - 1 8 9 0 
(°/o na receita das exportações) 
PERÍODO CAFÉ AÇÚCAR ALGODÃO BORRACHA COUROS 
E PELES 
OUTROS 
1 8 2 1 - 1 8 3 0 18,4 30,1 20 ,6 0,1 13,6 17,2 
1 8 3 1 - 1 8 4 0 43 ,8 2 4 , 0 10,8 0,3 7,9 13,2 
1 8 4 1 - 1 8 5 0 41 ,4 26 ,7 7,5 0,4 8,5 15,5 
1 8 5 1 - 1 8 6 0 48 ,8 21 ,2 6 ,2 2,3 7 ,2 14,3 
1 8 6 1 - 1 8 7 0 45,5 12,3 18,3 3,1 6 ,0 14,8 
1871-1880 56 ,6 11,8 9,5 5 ,5 5 ,6 11,0 
1 8 8 1 - 1 8 9 0 61,5 9,9 4 ,2 8 ,0 3 ,2 13,2 
Fonte: Silva, 1953 & Vilela & Suzigan, 1973 apud Singer, 1989, p. 355. 
É possível verificar que, a partir da década de 1840, o café lidera incontes-
tável e crescentemente as exportações brasileiras. Destaca-se ainda a baixa 
tendencial nas exportações do açúcar, embora o percentual deste artigo seja ain-
da significativo no conjunto da economia nacional. Percebe-se, também, a mes-
ma curva descendente nas exportações de algodão, que, apesar de apresentar 
uma certa elevação na década de 1860 — decorrente da abertura de mercados 
ao produto brasileiro devido à Guerra de Secessão nos Estados Unidos —, vol-
tou a cair rapidamente nas duas décadas seguintes. A borracha é, ao lado do 
café, o único produto cujo índice de exportação cresceu no período, em decor-
rência da descoberta do processo de vulcanização (1842) e de seu emprego na 
indústria, na fabricação de instrumentos cirúrgicos e de laboratório. A partir de 
1850 ela passou também a ser utilizada no revestimento dos aros das rodas dos 
veículos e, 40 anos mais tarde, com a invenção do pneumático e a difusão do 
automóvel, tornou-se importante matéria-prima industrial (Prado Jr., 1990, 
p. 236). Cabe destacar que, se na década de 1860 registra-se um leve declínio 
das exportações de café, este pode ser atribuído a vários fatores, como a Guerra 
do Paraguai e a expansão das exportações de algodão e de borracha, que au-
mentaram sua participação no conjunto da economia. A produção e exportação 
de café em termos quantitativos apresentaram, apesar da crise internacional dos 
anos de 1870 e seguintes, uma curva ascensional ininterrupta: 
E X P O R T A Ç Õ E S D E C A F É 1 8 2 1 - 1 8 9 0 
Período Quantidade em milhares 
de sacas de 60kg 
1 8 2 1 - 1 8 3 0 3 .178 
1 8 3 1 - 1 8 4 0 10 .430 
1 8 4 1 - 1 8 5 0 18 .367 
1 8 5 1 - 1 8 6 0 2 7 . 3 3 9 
1 8 6 1 - 1 8 7 0 2 9 . 1 0 3 
1 8 7 1 - 1 8 8 0 3 2 . 5 0 9 
1 8 8 1 - 1 8 9 0 5 1 . 6 3 1 
Fonte: Prado Jr., 1990, p. 160. 
Uma outra questão diz respeito ao fato de que, apesar das experiências rea-
lizadas com a introdução do trabalho livre, a mão de obra empregada na econo-
mia cafeeira era majoritariamente escrava. É importante observar ainda o fato 
de que a grande produção, a partir da década de 1870, estava vinculada ao des-
locamento do centro dinâmico da cafeicultura para as férteis terras roxas do Oeste 
paulista, isto é, à abertura de novas áreas de plantio, em decorrência do esgota-
mento do solo, predatoriamente explorado, no vale do Paraíba. 
F, fundamental abordar aqui a questão da substituição do trabalho escra-
vo pelo trabalho livre, bem como das relações deste primeiro desenvolvimento 
cafeeiro com a economia internacional e com a indústria. Problema dos mais 
complexos diz respeito às relações entre trabalho escravo e trabalho livre no 
Brasil. Em termos globais, pode-se dizer que, desde o século XVI, trabalho 
escravo e trabalho livre faziam parte de um todo integrado. Vários autores, 
como Prado Jr. (1990), Mello e Souza (1982), Dias (1984), Franco (1983), 
investigaram o problema da inserção do homem livre pobre na sociedade 
colonial. O que importa neste texto, entretanto, é compreender a dinâmica 
das transformações no fim do século que levaram à implantação do colonato 
nas fazendas de café, baseado na imigração, e não no trabalhador livre na-
cional e no liberto. 
Conforme demonstraram vários estudiosos do sistema colonial, desde 
cedo no Brasil formou-se uma camada de homens livres pobres cuja existên-
cia estava atada descontinuamente à economia mercantil. Ocupavam lugares 
<ti'ulimado fisaavoT istp é^da produção agroexportadora. 
se n do ai guniiii_y^zjs5ubí^diária_dãqu e 1 ajÇomCLnajir o d u ç ã o ^ e a l iment os, 
in4úírÇ«Aíi-daai£süça^ seryiçamilitar etc. Pode-se falar, grosso modo, 
qiie„era ü agregado,.da-grandfí pmpnedade1_o_lavrador que_CGmercializava 
pequenos exçgdeiitgs..alimentaresjias cidades, 
dasj çomn art£SÍOS urbano^mnwfthwirrni etr De acordo com Maria Sylvia 
de Carvalho Franco (1978, p. 184), em fins do século X I X esse contingente 
abrangia três quartos da população do país. Nesse momento, em que a escra-
vidão já estava condenada, isto é, que a expansão dos mercados mundiais 
pressupunha a generalização do trabalho livre, 
estava consolidada, nas populações pobresbrasileiras, toda uma cultura que 
dificultaria a formação de uma camada de assalariados. Mesmo em nível ideo-
lógico estes obstáculos aparecem elaborados: nas representações desses gru-
pos há um vivo sentimento de desprezo pela condição de homem alugado. 
Em resumo, [...] quando abolida a escravidão, embora houvesse um potencial 
grande de mão de obra livre, este não fora totalmente expropriado e não sofria 
pressões econômicas suficientes para transformar-se em força de trabalho as-
salariado. O fazendeiro voltou-se, pois, para o exterior, em busca dos braços 
de que ele necessitava (Franco, 1 9 8 4 , p. 1 8 7 - 1 9 0 ) . 
É pertinente enfatizar esse aspecto, isto é, que após a abolição do tráfico ficou 
claro que a escravidão estava condenada. A partir desse momento houve cons-
tante preocupação, por parte dos fazendeiros e do governo, em encontrar uma 
"solução" para o "problema da mão de obra". Para as elites brasileiras isso im-
plicaria substituir o negro nas fazendas, pois consideravam-no racialmente infe-
rior e acreditavam que manchava o trabalho manual com o estigma da escravidão, 
ou seja, para a manutenção e o desenvolvimento da produção seria necessário 
um trabalhador imbuído da ideologia do trabalho livre que se formava na Euro-
pa. Em outras palavras, de_veriaj!fir 'IT^ ^ ^ ^ q i l f arrfílifíissr q11^ " rrahalW 
liberta epropicia o acesso à propriedads-e-à-acumulação de hens-
A introdução de trabalhadores livres em um país cujas terras eram doadas 
segundo o velho princípio colonial, ou simplesmente ocupadas, se afiguraria um 
problema na medida em que se desejava que aqueles trabalhadores se dirigissem 
às fazendas de café. Assim^jKMnesmo ano de 1850 foi votada a chamada Leide 
-Ierras. que estabeleceu o princípio da propriedade privada. A mesma lei fez CÇHD 
^qiie_asjerras devolutas, nu seja, sem proprietários, tornassem-se d Í T o r " ' v e i s 
^exploração capitalista. Consequentemente, os homens sem recursos para terras 
deveriam, necessariamente, dirigir-se às fazendasTSilva, 198S, p. 70 e segs.). 
Trazer imigrantes europeus acenando-lhes com a possibilidade de acu-
mularem certo capital e adquirirem terras constituiu o núcleo central da pro-
paganda imigrantista e é certo que muitos imigrantes adquiriam pequenas 
propriedades. Contudo, a historiografia brasileira já demonstrou e estudos 
mais recentes confirmaram (Petrone, 1984; Stolcke, 1986) que isso ocorreu 
em uma escala muito menor do que normalmente se imagina e crê. Segundo 
Maria Thereza Schorer Petrone, nesse período, "o acesso à terra depois de 
um estágio na fazenda fazia dos projetos de criação de pequena propriedade 
uma 'isca' para atrair imigrantes" (Petrone, 1984, p. 48). 
Após as primeiras experiências com imigrantes, já a partir da década de 1840 
— parceria e contrato de locação de serviços feitos através de iniciativa particu-
lar —, ficou claro para os fazendeiros que somente um processo migratório sub-
vencionado pelo Estado representaria uma alternativa viável para a substituição 
do escravo. A subvenção estatal permitiu o deslocamento de capitais (inicialmente 
invertidos na compra do escravo no tráfico interprovincial e na subvenção do 
imigrante com transporte, alimentação etc.) para o setor da produção, isto é, 
para a ampliação da cafeicultura. Por outro lado, xtsjovos imigrantesJWam 
inseridosnosistema que ficou conhecido como colonatosno qual parte do salá-
rio era paga por tarefa (carpa/colheita etc.) e parte através da possibilidade do 
trabalhadordesenvqlver uma agricultura de gêneros alimentíriosrísando à sua 
subsistência. Ksse sistema foi altamente lucrativo pois, de um lado, liberava capi-
tais anteriormente empregados na manutenção do escravo e, de outro, aumen-
tava a produtividade da fazenda na medida em que, sgndo o salário pago_por 
tarefa, implantava-se definitivamente uma moderna disciplina de trabalho nas 
fazendas, baseada na coação econômica da trabalhador. Posteriormente implan-
tou-se um sistema misto de remuneração por tarefa e por medida colhida, o que 
significava, na prática, uma pressão maior no sentido do aumento da produtivi-
dade. Há que destacar, ainda, que, embora os contratos fossem individuais, os 
fazendeiros contavam com a força do trabalho de toda a família do colono, daí 
a preferência dos fazendeiros pela imigração familiar. A partir de 1870 a provín-
cia de São Paulo passou a subvencionar a imigração, e o governo imperial a par-
tir do fim da década seguinte. O trabalhador foi submetido a esse sistema pela 
impossibilidade de adquirir terras ou pela concorrência por emprego com a cria-
ção de um grande mercado de mão de obra livre pela grande imigração: 
D A D O S D E I M I G R A Ç Ã O 
(Entradas por década) 
1850 177 .000 
1860 108 .187 
1870 4 5 3 . 7 8 1 
1880 5 2 7 . 0 0 0 
1890 1 .200 .000 
1900 6 4 9 . 0 0 0 
1910 7 6 6 . 0 0 0 
1920 8 4 6 . 0 0 0 
Fontes: Perrone, 1984, p. 11-12; Luz, 1961, p. 57. 
É preciso observar que o regime do colonato promoveu, em muitas áreas 
cafeeiras, a miserabilidade do trabalhador e grandes conflitos. Uma das for-
mas de manifestação destes eram as greves, através das quais os trabalhado-
res rurais reivindicavam melhoria de salários e de condições de vida nas fa-
zendas. Por outro lado, graças à eficiência do regime — obviamente da 
perspectiva do fazendeiro —, sua duração prolongou-se até a década de 1960, 
quando, através do Estatuto do Trabalhador Rural, os direitos trabalhistas 
(salários individuais, férias remuneradas, 13° salário etc), conquistados pe-
los movimentos sociais urbanos do início do século X X , foram estendidos 
ao trabalhador rural. A grande força política dos proprietários ruraisT entre-
tanto, permitiu que estes inserissem no próprio Estatuto cláusulas que possi-
bilitavam a contratação de trabalhadores por empreitadavdando assim origem 
ao trabalhador volante, denominado popularmente de "boia-fria". Em resu-_ 
mo, os direitos conquistados através de um século de lutas sociais rurais fo-
ram consagrados e burlados em uma única lei. 
A dinamização da economia cafeeira a partir do século X I X provocou 
um movimento mais ou menos geral de modernização do país. Parte desse 
progresso estava articulado à exportação de capitais dos países inrlnstrmliza-
dos envolvidos na forte concorrência imperialista em fins do século X I X e 
inícios do X X . para regiões menos desenvolvidas. A predominância dos ca-
pitais britânicos na América Latina, especialmente no Brasil, é um fato regis-
trado por todos os analistas do período. Alguns dados podem dar a dimensão 
desse processo. Os investimentos ingleses de 1880 a 1913 elevaram-se de 
pouco mais de 20 milhões para quase 360 milhões de libras na Argentina e 
de 40 milhões para quase 225 milhões de libras no Brasil (Singer, 1989, p. 
364). No período que vai de 1860 a 1902, 7 7 , 6 % do total de investimentos 
estrangeiros no Brasil eram oriundos da Inglaterra. Em seguida vinha a Fran-
ça com 5 ,9%, a Alemanha com 4 ,3%, a Bélgica com 4 ,0%, o Canadá com 
2,3%, os Estados Unidos com 2,2%, a Áustria com 1,5% e Portugal com 0 ,4% 
(Castro apud Foot & Leonardi, 1982, p. 71). 
_Esse&jTivestimentos entraram no Brasil sob variadas formas: emjjrésti-
vmo&-aos_governos imperial e republicano, implantação de ferrovias, moder-
nização de portos, melhoramentos urbanos, e naiorma de capital cpnstante, 
isto é, de equipameiiros para empreendimentos industriaisjjuejsurgiam no 
fim drLséculo XIX^agregados à economia agroexportadora- Essa questão é 
de suma importância na caracterização da problemática abordada neste tra-
balho, uma vez que a expansão da economia cafeeira foi, ao mesmo tempo, 
produtora e produto dessa modernização. 
Com a liberação de capitais resultantes da abolição do tráfico negreiro, 
os investimentos dirigiram-se a outros setores, especialmente à economia 
cafeeira. Na medida em que esta se expandia, promovia uma ocupação de 
terras cada vez mais interiores, em especial São Paulo e Minas Gerais. O trans-
porte docafé para os portos, feito inicialmente em lombo de burro, tornou-
se cada vez mais oneroso e insuficiente para atender às necessidades 
produtivas. Alguns autores relatam inclusive perdas de produção, isto é, a 
existência de café colhido sem possibilidade de escoamento por causa da 
precariedade dos transportes. Por outro lado, a expansão das exportações 
gerou uma elevação da renda que, por sua vez, aumentou a capacidade de 
importação e de endividamento do país. Assim, essa renda, adicionada aos 
crescentes empréstimos, foi empregada na melhoria do sistema de transpor-
te através da introdução e implantação de um sistema ferroviário e da melhoria 
dos portos, especialmente Rio de Janeiro e mais tarde Santos. Essa moderni-
zação se processou também em outras regiões. Os relatórios do Ministério 
da Marinha, desde meados do século X I X , demonstram a grande preocupa-
ção das elites dirigentes com o mapeamento e com a implantação de um sis-
tema de faróis na costa do Brasil, bem como com a sinalização e com a 
drenagem das entradas dos portos de todo o litoral brasileiro visando a per-
mitir a entrada de navios mercantes de grande calado. Havia também a preo-
cupação com a ampliação dos diques existentes e com a construção de novos, 
especialmente no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, que serviriam à 
manutenção e reparos dos navios. Do lado dos países cuja industrialização 
prosseguia acelerada, as ferrovias constituíam-se em grandes empreendimen-
tos econômicos pois absorviam maciçamente ferro e aço, carvão, maquina-
ria pesada, mão de obra e investimentos de capital. Não é por acaso, pois, 
que, a partir das décadas de 1820 e 1830, ocorreu uma febre ferroviária em 
dimensão internacional: em 1830 existiam algumas dezenas de quilômetros 
de ferrovias no mundo; dez anos mais tarde esse número havia subido para 
7 .000 e em 1850 o total era de 37 .000 quilômetros. Em 1880 havia em todo 
o mundo 365 ,44 milhares de quilômetros em ferrovias. Deste total 323,68 
localizavam-se na América do Norte e na Europa (Hobsbawm, 1979, p.73). 
O caso mais significativo foi, sem dúvida, o dos Estados Unidos, onde, em 
1862, iniciou-se a ligação ferroviária da costa atlântica com a do Pacífico. 
Guardadas as devidas proporções, a expansão ferroviária no Brasil também 
foi significativa: 
E X P A N S Ã O F E R R O V I Á R I A 1 8 5 4 - 1 9 2 9 
(em quilômetros) 
ANO REGIÃO 
CAFEEIRA 
BRASIL 
1854 14,5 14,5 
1859 77 ,9 109,4 
1864 163,2 411 ,3 
1869 4 5 0 , 4 713 ,1 
1874 1.053,1 1 .357,3 
1879 2 .395 ,9 2 . 8 9 5 , 7 
1884 3 .830 ,1 6 .324 ,6 
1889 5 .590 ,3 9 .076,1 
1894 7 .676 ,6 12 .474 ,3 
1899 8 . 7 1 3 , 9 13 .980 ,6 
1904 10 .212 ,0 16 .023 ,9 
1906 11 .281 ,3 17 .340 ,4 
1929 18 .326,1 32 .000 ,3 
Fonte: Adaptado de Silva, 198S, p. 58. 
Esses dados impõem algumas observações. Em primeiro lugar, verifica-
se que até 1884 a expansão ferroviária estava maciçamente concentrada na 
região cafeeira, isto é, Minas Gerais, o vale do Paraíba e São Paulo. A partir 
daquele ano, essa concentração, apesar de persistir até o fim do período 
abordado neste texto, cai para 6 1 , 5 % e 5 7 , 3 % em 1889 e 1929, respectiva-
mente. Dito de outro modo, as ferrovias foram sendo construídas em outras 
regiões do país, apesar do ritmo mais lento daquele do "centro dinâmico". 
Em segundo lugar, verifica-se que a expansão ferroviária coincide, do ponto 
de vista cronológico, com a ampliação das exportações de café, o que com-
prova que a economia cafeeira dinamizou e simultaneamente foi dinamiza-
da pela melhoria do sistema de transporte. 
Embora persista de certo modo, na memória nacional, a associação en-
tre a República e o desenvolvimento da indústria nacional, é necessário des-
tacar que a expansão cafeeira não propiciou apenas a melhoria dos portos e 
a implantação de ferrovias. De modo geral, ela estimulou e foi estimulada 
pelos melhoramentos urbanos e pelo desenvolvimento de determinados ti-
pos de indústria ainda no período imperial. De fato, do início do século X I X 
até 1889, ano da proclamação da República, foram criados vários estabeleci-
mentos fabris, principalmente têxteis, de dimensões e capital diversos, que 
empregavam força manual, hidráulica e a vapor. Não existem dados mais 
sistemáticos para o período todo, mas é possível constituir uma amostragem. 
De acordo com os dados do relatório da Comissão de Inquérito Industrial 
de 1882, havia no Brasil aproximadamente 45 fábricas de tecidos assim dis-
tribuídas: 12 na Bahia, 11 no Rio de Janeiro, 9 em São Paulo, 8 em Minas 
Gerais e 1 no Rio Grande do Sul, Alagoas, Pernambuco e Maranhão, respec-
tivamente (Foot &c Leonardi, 1982, p. 34 e segs.). Havia ainda no Brasil 
imperial fábricas de chapéus, velas, papel, calçados e fundições, como as do 
estaleiro Ponta da Areia, propriedade do barão de Mauá e do Arsenal de 
Marinha do Rio de Janeiro. É importante assinalar o incremento da indús-
tria da construção naval no Brasil: entre 1848 e 1870 foram construídos 32 
navios para a Marinha de Guerra, 24 em arsenais do Estado (7 na Corte, 4 
na Bahia, 5 em Pernambuco e 4 no Mato Grosso) e 8 em estaleiros privados 
(7 na Ponta da Areia e 1 na Saúde). Já entre 1871 e 1889 foram construídos 
27 navios de guerra, dos quais 14 no Arsenal da Corte, entre eles a canhoneira 
Iniciadora, o primeiro navio inteiramente construído de ferro no Brasil (Arias 
Neto, 2001 , p. 159). 
A economia cafeeira estimulou ainda os setores comercial e bancário, bem 
como promoveu gradativamente a integração do mercado interno nacional. 
Esse desenvolvimento foi particularmente acelerado após 1888 graças a três 
fatores principais: com a abolição da escravidão o governo imperial liberou 
créditos para a lavoura e adotou uma política emissionista mais flexível que, 
ao lado da enorme safra cafeeira e da entrada de capitais estrangeiros, pro-
vocou uma euforia nos negócios. Somente no Rio de Janeiro havia, em 1889, 
14 bancos, 26 empresas industriais, 4 de estradas de ferro, 3 de navegação, 
2 agrícolas e 10 diversas, que mobilizavam um capital de aproximadamente 
318 mil contos. No relatório do Ministério da Fazenda de 1891, Rui Barbo-
sa informava que o capital das companhias constituídas entre 13 de maio de 
1888 e 15 de novembro de 1889 perfazia um total de quase 402 mil contos 
contra, aproximadamente, 410 mil contos de todas as empresas organizadas 
nos 64 anos anteriores. Contudo, as reformas econômicas e políticas pro-
postas pela Monarquia, especialmente pelo Gabinete Ouro Preto, o último 
do regime imperial, descontentaram os monarquistas e não contemplaram 
as reivindicações dos cafeicultores paulistas, dos negociantes e dos militares 
e, consequentemente, não tiveram o poder de deter a instauração do regime 
republicano (Janotti, 1986 e 1998). 
ECONOMIA CAFEEIRA, URBANIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO NA \ j 
PRIMEIRA REPÚBLICA 
Para a realização do golpe de 15 de novembro de 1889 conspiraram di-
versas forças sociais: militares do Exército e da Armada, representantes 
da cafeicultura paulista, das elites gaúchas e positivistas. Essas forças for-
maram o ministério do governo provisório: Campos Sales (Justiça), De-
métrio Ribeiro (Agricultura, Comércio e Obras Públicas), Rui Barbosa 
(Fazenda), Aristides Lobo (Interior), Quintino Bocaiuva (Relações Exte-
riores), Benjamim Constant (Guerra) e Eduardo Wandenkolk (Marinha). 
Um período de instabilidade política e financeira abriu-se na história do 
Brasil. Não obstante, foi um período de progresso e de desenvolvimento. 
O governo provisório iniciou reformas nas Forças Armadas, criou um novo 
Código Penal, deu início à liquidação das pendências de fronteiras com 
os países vizinhos e promoveu uma grande reforma financeira e bancária. 
Esta última representou, como todos os analistas do período demonstra-
ram, a continuidade da política emissionista iniciada pelo visconde de 
Ouro Preto e tinha por objetivo atender às demandas de crédito dos 
empresários. Através dessa reforma o governo republicano criou trêsban-
cos regionais autorizados a emitir três vezes mais papel e dinheiro em 
relação ao existente na época. Determinava, também, que a moeda seria 
garantida por Obrigações do Tesouro, e não em ouro. Além disso, a re-
forma contemplava a plena liberdade às sociedades anônimas. Os inves-
timentos multiplicaram-se, dando lugar a uma especulação desenfreada 
que ficou conhecida como "Encilhamento": 
Sob a ação deste jorro emissor não tardará que da [. . .] ativação dos negó-
cios se passe rapidamente para a especulação pura. Começam a surgir em 
grande número novas empresas de toda a ordem e finalidade. Eram ban-
cos, firmas comerciais, companhias industriais, de estradas de ferro, toda 
sorte de negócios possíveis e impossíveis. Entre a [. . .] proclamação da 
República e o fim da aventura ( 1 8 9 1 ) incorporar-se-ão no Rio de Janeiro 
sociedades com o capital global de 3 . 0 0 0 . 0 0 0 de contos ; ao iniciar-se a 
especulação, isto é, novembro de 1 8 8 9 , o capital de todas as sociedades 
existentes no país apenas ultrapassava 8 0 0 . 0 0 0 contos. Quintuplicara-se 
quase este capital em pouco mais de dois anos! [...] a quase totalidade das 
novas empresas era fantástica e não tinha existência senão no papel. Or-
ganizavam-se apenas com o fito de emitir ações e despejá-las no mercado 
de títulos, onde passavam rapidamente de mão em mão em valorizações 
sucessivas [.. .] Em fins de 1 8 9 1 estoura a crise e rui o castelo de cartas 
levantado pela especulação. [.. .] A débâcle arrastará muitas instituições de 
bases mais sólidas, mas que não resistirão à crise; e as falências se multi-
plicam. O ano de 1 8 9 2 será de liquidação; conseguir-se-á amainar a tem-
pestade, mas ficará a herança desastrosa legada por dois anos de jogatina 
e loucura: a massa imensa de papel inconversível em circulação. Esta su-
bira, entre 1 8 8 9 e 1 8 9 2 , de 2 0 6 . 0 0 0 contos para 5 6 1 . 0 0 0 . E c o m o não 
será possível estancar de súbito este jorro emissor, a inflação ainda conti-
nuará nos anos seguintes (Prado Jr. , 1 9 9 0 , p. 2 2 0 ) . 
Estes foram, sem dúvida, os efeitos mais evidentes da política emissionista 
do novo regime registrados, pela literatura e pela historiografia, como a 
passagem para um padrão cultural mais arrivista (Sevcenko, 1985) . Con-
tudo, os historiadores e economistas do período verificaram também que, 
descontados os abusos da especulação, a política emissionista de inícios 
da República parece ter caracterizado um momento essencial no desen-
volvimento industrial do país.Jssoporque a reforma financeira criou con-
dições, ao lado da grande exportação cafeeira, para um aumento no 
JnyesêtirrerTmr^TTMjQd^ inclusive através da importação de capital 
constante (máquinas e equipamentos) que se acrescentou à acumulação 
prévia, realizada no período imperial. 
PRINCIPAIS P R O D U T O S D E E X P O R T A Ç Ã O 1 8 9 1 - 1 9 2 8 
( % na receita das exportações) 
PERÍODO CAFÉ AÇÚCAR ALGODÃO BORRACHA COUROS 
E PELES 
OUTROS 
1 8 9 1 - 1 9 0 0 64,5 6 ,0 2 ,7 15,0 2,4 9 ,4 
1 9 0 1 - 1 9 1 0 5 2 , 7 1,9 2,1 25 ,7 4 ,2 13,4 
1 9 1 1 - 1 9 1 3 61 ,7 0,3 2,1 20 ,0 4 ,2 11,7 
1914-1918 47 ,4 3 ,9 1,4 12,0 7,5 27,8 
1919-1923 58 ,8 4 ,7 3 ,4 3 ,0 5,3 24,8 
1924-1928 72,5 0 ,4 1,9 2,8 4,5 17,9 
Fonte: Silva, 1953 & Vilela & Suzigan, 1973 apud Singer, 1989, p. 355. 
Verifica-se, através do quadro, que houve um aprofundamento da de-
pendência financeira e econômica em relação às exportações de café ao lon-
go de todo o período. De fato, QsJucros_provenientes dessas exportações 
financiaram a industriahzacão^ os melhoramentos, urbanos e a saúde da ba-_ 
-Jança_de_pagamentos no exterior. O contínuo aumento da produção e da 
exportação pressionava as importações de capital (máquinas para as indús-
trias) e de alimentos, uma vez que a cultura cafeeira tornava-se cada vez mais 
especializada. Esta especialização gerava conflitos no campo, pois os fazen-
-deirovtendo em vista os altos lucros, começavam a proibir o cultivo de sub-
sistência dos colonQV_exceto quando.intercalaram cultivos alimentares nas 
ruas dos novos cafezais durante seu crescimento, A consequência disso foi a 
carestia e o aumento do custo de vida nas cidades^ 
A despeito de seu valor econômico, o café é um "produto de sobre-
mesa" e seu consumo tende a estabilizar-se. Por outro lado, os altos lu-
cros provocaram a expansão contínua do cultivo e terminaram por gerar 
o fenômeno da superprodução. Em 1893 , uma recessão que se iniciou na 
Europa e atingiu os Estados Unidos, o principal consumidor brasileiro, 
provocou uma queda nos preços do café. A capacidade de importação 
diminuiu e os pagamentos das importações já realizadas ficaram compro-
metidos. Um outro fator veio agravar essa crise. A principal fonte de ar-
recadação do Estado brasileiro provinha das rendas alfandegárias, isto é, 
dos impostos cobrados sobre as importações. Com a queda destas, fica-
vam impossibilitados os pagamentos da dívida externa, e os credores in-
ternacionais passaram a recusar novos empréstimos ao país. Bóris Fausto 
resumiu bem o quadro: "o desequilíbrio entre a expansão das exporta-
ções e as pressões por importar, o peso representado pela dívida externa 
e a retração do capital estrangeiro foram elementos essenciais da crise" 
(1989 , p. 205) . 
Além da crise internacional, o país passava por um período de grande 
instabilidade política. Em novembro de 1891 , o presidente Deodoro da 
Fonseca, eleito após a elaboração e aprovação da Constituição em feve-
reiro daquele ano, renunciou em meio às pressões políticas contra o seu 
governo: a burguesia estava descontente com a política financeira do 
ministério, que havia agravado a inflação gerada pelo encilhamento, e os 
monarquistas, apesar de não representarem uma ameaça real ao novo 
regime, eram críticos imbatíveis da República. Em outubro de 1891 ini-
ciou-se a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, que só terminou 
em 1895. Em novembro o presidente fechou o Congresso Nacional e as 
elites civis e militares passaram a conspirar para depô-lo. Vinte dias de-
pois a Marinha revoltou-se na baía de Guanabara, deixando o governo 
isolado. O presidente renunciou sem esboçar nenhuma resistência. Assu-
miu, em seu lugar, o vice-presidente,marechal Floriano Peixoto, que havia 
participado da conspiração. Instalou-se uma ditadura militar. Neste perío-
do de conflitos, o presidente violou a Constituição e os direitos civis e 
políticos de seus opositores, reprimiu duramente todas as contestações 
ao regime e ao governo, perseguiu monarquistas, que serviram como bodes 
expiatórios de todas as mazelas do país, enfrentou os federalistas do Sul 
ao longo dos quatro anos de seu mandato e derrotou várias revoltas de 
militares descontentes, especialmente a segunda Revolta da Armada, ocor-
rida entre setembro de 1893 e janeiro de 1894 , e teve como consequência 
internacional a ruptura de relações diplomáticas com Portugal, o 
jMxrX— «toftBI* 
esfriamento das relações com a Inglaterra e uma aproximação maior com 
os Estados Unidos. Pareceu, aos observadores do período, que a unidade 
nacional iria ser rompida. _ 
Ao assumir o governo em (novembro_de 1894) £> paulista Prudente de, 
l^lorais)encontrou o país envolto em uma crise, até então, sem precedentes. 
A inflação era galopante e os conflitos internos, envolvendo militares, 
jacobinos partidários do marechal Floriano Peixoto e monarquistas, acentua-
vam-se. Além disso, até o fim de seu governo, em 1897, o presidente Pru-
dente de Morais enfrentou conflitos internacionais bastante sérios com a 
França, que promoveu incursões militares no Amapá por questões fronteiriças, 
e com a Inglaterra, que ocupou a ilha da Trindade, ambos em 1895. Entre 
dezembro de 1895 e janeiro de 1896, enfrentou ainda o ruidoso caso dos 
protocolos italianos e, a partir de maio, até o fim de seu mandato, a revolta 
de Canudos. 
Em 1897 a insolvência do país era iminente e negociou-se uma mora-tória, ou funding loan, com credores europeus (assinada em 1898) nos 
seguintes termos: um empréstimo de 10 milhões de libras esterlinas, sob 
garantia das rendas da alfândega do Rio de Janeiro, e subsidiariamente 
das estaduais, das receitas da Estrada de Ferro Central do Brasil e do ser-
viço de abastecimento de água da Capital Federal, pagamentos dos juros 
do empréstimo em três anos, amortização da dívida em dez. O governo 
ainda se comprometia a retirar de circulação uma soma de papel corres-
pondente às emissões do funding, que seria queimada ou guardada em 
depósitos para posterior compra de cambiais, e a não contrair novos 
empréstimos durante a moratória (Bello, 1964 , p. 196-197) . Esse acordo 
foi negociado pelos dois presidentes paulistas, Prudente de Morais, que 
deixava o governo, e Campos Sales, que assumia. Durante todo o manda-
to d e 8 - 1 9 Q 2 j ) f o i lgyada a _cahauma poh'ticjL£Í£Íkafl-
nária, tendo havido uma elevação geral dos impostos federais, estaduais 
ejTUjjTÍcÍ£ais^am custo de vida^xarfisiia-e falênciasde_em-
preendimentosjndus£iiâis_e agrícolas. 
Essa política impediu, ao contrário do que se possa pensar, maiores 
prejuízos à agricultura e à indústria. De fato, ao longo do período houve 
um desafogo no balanço de pagamentos e uma redução nas importações. 
As exportações de café, contudo, elevaram-se e, em 1900, a taxa de câm-
bio voltou aos níveis de 1895. Isso demanda uma certa explicação. Na 
medida em que o governo desvaloriza o câmbio, ergue-se como uma bar-
reira às importações, pois tornam-se necessários mais recursos internos 
para aquisição de bens e de capital. A elevação dos impostos internos, 
por outro lado, impede a pressão sobre as taxas alfandegárias externas — 
isto é, esse mecanismo visa a impedir uma queda acentuada das importa-
ções — uma vez que são a fonte principal da receita do Estado. A médio 
e longo prazos, a política deflacionária visa a uma diminuição dos preços 
internos, e a ampliação das exportações e o saneamento do tesouro 
objetivam a elevação do câmbio, permitindo a recuperação da capacida-
de de importação de bens e de capital. E claro que há uma carestia geral 
para a massa da população, pois a tendência é de congelamento e queda 
no valor monetário dos salários urbanos e rurais. Dados sobre os salários 
rurais indicam que, entre 1898 e 1904, o pagamento pela carpa do café 
caiu de 90 mil-réis para 60 mil-réis e pela colheita, de 680 mil-réis para 
4 5 0 mil-réis (Mello, 1982, p. 136). Os salários urbanos eram mais bai-
xos: em 1900 uma lavadeira recebia por volta de mil-réis diários e os 
subalternos da Diretoria Geral de Saúde Pública, aproximadamente 75 
mil-réis mensais (Silva, 1988, p. 132-3) . A situação dos marinheiros era 
extremamente crítica: em 1910 uma primeira classe (a mais alta hierar-
quia da categoria), com todas as gratificações, recebia aproximadamente 
15 mil-réis mensais (Relatório do Ministério da Marinha, 1909, p. 177). 
Por outro lado, tomando-se, para o custo de determinados gêneros ali-
mentícios, o ano de 1889 como índice 100, verifica-se que em 1912 o 
preço do arroz nacional era 200 , do importado 400 , do bacalhau 200 , 
do feijão nacional 163, do importado 161, da carne-seca 300 , do açúcar 
200 , da banha importada 200 e da farinha de trigo 170 (apud Luz, 1961, 
p. 137), ou seja, pode-se supor que no período houve uma elevação mé-
dia de 2 2 1 % de aumento no custo de vida, isto sem contar, por exemplo, 
que nas maiores cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, a crise 
habitacional era crônica e os aluguéis exorbitantes. 
Analisando-se alguns dados industriais de 1907, pode-se constatar que 
houve, entretanto, um grande crescimento em relação ao fim do período 
imperial: 
D A D O S I N D U S T R I A I S 1 9 0 7 
Número de 
Empresas 
Capital 
(contos) 
Força 
Motriz 
(C.V.) 
Número de 
operários 
Brasil 3 .258 6 5 3 . 5 5 5 109 .284 149 .018 
Distrito Federal 662 167 .120 2 2 . 2 7 9 3 4 . 8 5 0 
São Paulo 326 127 .702 18.301 24 .186 
Fonte: Adaptado de Silva, 1985, p. 78-79. 
Um outro aspecto que chama a atenção é a concentração da indústria no 
Rio de Janeiro (Distrito Federal). Verifica-se também que, juntos, São Paulo 
(20%) e Rio de Janeiro (26%) concentravam 4 6 % dos capitais industriais e 
3 9 % do operariado brasileiro. Nesse sentido importa destacar que o núme-
ro de estabelecimentos industriais em São Paulo correspondia a 10% do to-
tal do país e o do Rio de Janeiro a 20%. Os demais 7 0 % estavam distribuídos 
por outros estados. Segundo Wilson Suzigan, durante o encilhamento foram 
estabelecidas grandes fábricas de tecidos de algodão no Nordeste (particular-
mente na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão), em São Paulo e na própria 
área do Rio de Janeiro. Foram também realizados substanciais investimentos 
em outras indústrias tais como sacaria de juta, tecidos de lã, moinhos de tri-
go, cervejarias, fábricas de fósforo e indústria metal-mecânica. Também data 
desse período a construção do alto-forno de Miguel Burnier (Minas Gerais) 
operado pela Usina Esperança, única companhia a produzir ferro-gusa em 
escala industrial antes da década de 1 9 2 0 (Suzigan, 1 9 8 6 , p. 48) . 
É possível constatar que já na primeira década republicana a indústria im-
plantada na região cafeeira (excluindo-se Minas Gerais) compunha-se de 
grandes unidades fabris que concentravam a maior parte do capital e do 
operariado nacional. Além disso, os dados da industrialização paulista levan-
tados por Wilson Cano (1983, p.142) comprovam que o parque emergente 
era diversificado: do total de 326 unidades existentes naquele estado em 1907 
havia apenas 31 estabelecimentos têxteis, os outros 295 estabelecimentos eram 
compostos de indústrias de chapéus, calçados, bebidas, alimentos, sacaria etc. 
O capital investido nas poucas unidades têxteis (55.084 contos), contudo, 
representava 4 5 % do total dos investimentos industriais realizados no perí-
odo (121.702 contos). Verifica-se, portanto, que as unidades industriais têx-
teis eram de grande porte e concentravam a maior parte dos capitais investidos 
durante a primeira década republicana. Durante esse período ocorreu uma 
grande entrada de capital constante, isto é, de máquinas e equipamentos, o 
que significa, em última instância, uma grande acumulação em capacidade 
instalada no parque industrial brasileiro. De acordo com os dados levanta-
dos por Suzigan (1986, p. 354-360) , a importação de maquinaria industrial 
para o Brasil na segunda metade do século XIX (1855-1889) foi de quase 8 
milhões de libras esterlinas, enquanto nos primeiros 14 anos da República 
(1890-1907) este valor quase dobrou, aproximando-se de 15 milhões de li-
bras. As séries documentais levantadas por aquele autor demonstram que a 
maior parte das importações era composta por máquinas para geração de 
energia, para a indústria têxtil e para indústrias de cimento, cal e cerâmica, 
alimentos, bebidas, cigarros e charutos etc. Naturalmente, o valor anual das 
importações variou nesse período, e se manteve alto entre os anos de 1890 
e 1895 (média de 900 mil libras) e, a partir de 1896 até 1903, houve uma 
queda (média de 500 mil libras), voltando a elevar-se a partir de 1904, al-
cançando em 1906 o patamar de mais de um milhão de libras de importação 
de máquinas anualmente, padrão que foi mantido até o início da Primeira 
Guerra Mundial, em 1914. 
Houve, portanto, entre 1889 e 1896, um boom no desenvolvimento e 
na acumulação industrial, tendo o ritmo de crescimento diminuído entre 1897 
e 1904, para voltar a crescer a partir de 1905 até 1914. A crise pós-enci-
lhamento, que coincidiu com a crise internacional e a política de caráter 
emergencial adotada para enfrentá-la, demonstrou duas faces do problema 
da relação entre café e industrialização. Em primeiro lugar, a manutenção 
do modelo agroexportador dependeria de uma intervenção nos mercados 
visando a forçar a alta dos preços e uma redução na expansão do café para 
evitar a superprodução.Em segundo, evidenciou que o crescimento indus-
trial se processava em situação de dependência em relação à dinâmica da 
dinâmica cafeeira — fator de fragilidade e instabilidade — que seria supera-
da somente com o investimento nas indústrias de base, isto é, na produção 
de bens de capital. 
Em uma visão ampliada, pode-se dizer que uma política estatal definida 
para este setor foi, contudo, estabelecida apenas a partir de fins da década 
de 1940 e que, durante a Primeira República, nem sequer o problema da su-
perprodução foi resolvido. As políticas de valorização do café somente asse-
guraram, em conjuntura internacional favorável, a alta artificial dos preços 
do produto mas foram insuficientes para evitar a superprodução. E certo que 
entre 1904 e 1930 se estabeleceram certas indústrias de base, contudo a di-
nâmica industrial permaneceu articulada à economia cafeeira, pelo menos 
até o fim da década de 1930. É necessário, ainda que brevemente, analisar 
essas questões. 
Mesmo nos anos de crise a produção de café cresceu. Entre 1897 e 1900 
foram produzidos 16,7 milhões de sacas e no^uingu£nío)seguinte, isto é, 1901-
1905, o total chegou a 64,9 milhões de sacas (Silva, 1985, p. 66; Cano, 1983, 
p. 46). Esse incremento, mesmo passada a crise, forçava a baixa nos preços 
internacionais. Embora a política deflacionária e saneadora dos anos anterio-
res tenha promovido a recuperação da taxa de câmbio, os preços do café conti-
nuavam em acentuada queda. Em 1895, dez quilos de café eram comercializados 
a 13.475 réis. Cinco anos mais tarde, em 1900, quando o câmbio se havia re-
cuperado ao nível de 1895, o preço era de 8.817 réis e, em 1905, quando o 
câmbio se havia elevado quase sete pontos acima do de 1895, o preço havia 
caído a 4.865 réis (Fausto, 1989, p. 207). Celso Furtado observa que, na im-
possibilidade de depreciar o câmbio, os dirigentes dos estados cafeeiros ama-
durecem a ideia de retirar do mercado parte dos estoques do produto: 
No convênio, celebrado em Taubaté em fevereiro de 1906 , definem-se as bases 
do que se chamaria política de "valorização" do produto. Em essência, essa 
política consistia no seguinte: a) com o fim de restabelecer o equilíbrio entre 
a oferta e a procura de café, o governo interviria no mercado para comprar 
os excedentes; b) o financiamento dessas compras se faria com empréstimos 
estrangeiros; c) o serviço desses empréstimos seria coberto com um novo 
imposto cobrado em ouro sobre cada saca de café exportada; d) a fim de so-
lucionar o problema mais a longo prazo, os governos dos Estados produtores 
deveriam desencorajar a expansão das plantações (1980 , p. 179) . 
Em um primeiro momento, essa política provocou reações adversas de vários 
grupos sociais e políticos, contudo os governos dos estados produtores termi-
naram por forçar o governo central a tomar para si a direção da política de 
valorização. Também os tradicionais credores do Brasil, como a casa inglesa 
Rothschild, que, graças aos empréstimos concedidos em função da moratória 
de 1898, se havia oposto à valorização do café, passaram, em razão da concor-
rência com outros banqueiros europeus, a realizar empréstimos para os cafei-
cultores. De fato, abriu-se então o período de "apogeu" da cafeicultura e do 
poder dos fazendeiros na República Velha. Os primeiros resultados da política 
fizeram-se a partir de 1910 e, descontado o interregno da Primeira Guerra 
Mundial (1914-1918), ocasião em que o Brasil teve de negociar um novo 
funding loan em consequência da crise internacional, a expansão da cafeicul-
tura foi contínua até 1930 e mesmo depois. Entre 1921 e 1930, o número de 
pés de café aumentou extraordinariamente nos estados produtores: 
C A F E E I R O S E M D I V E R S O S E S T A D O S 
ESTADO 1921 1930 
São Paulo 8 4 3 . 5 9 2 . 0 0 0 1 . 1 8 8 . 0 5 8 . 0 0 0 
Minas Gerais 5 1 1 . 2 5 2 . 1 0 0 6 5 0 . 6 9 1 . 7 0 0 
Espírito Santo 1 2 2 . 5 0 0 . 0 0 0 2 7 1 . 4 0 0 . 0 0 0 
Rio de Janeiro 160 .239 .000 2 1 3 . 8 1 8 . 0 0 0 
Bahia 4 9 . 7 9 9 . 0 0 0 9 4 . 4 4 0 . 2 0 0 
Pernambuco 2 7 . 8 8 6 . 0 0 0 8 2 . 0 7 3 . 0 0 0 
Paraná 15 .138 .000 3 0 . 2 2 9 . 0 0 0 
Fonte: Fausto, 1989, p. 242. 
Ao lado dessa expansão na área do plantio, a produção atingiu níveis 
elevadíssimos. No quinquénio 1911-1915 foram produzidos 68 milhões de sa-
cas de café. Entre 1916 e 1920 houve uma redução para 66 milhões de sacas e, 
nos cinco anos seguintes, a produção voltou a aumentar elevando-se a 72 mi-
lhões de sacas, tendo, no período de 1926 a 1930, atingido o total de 99 milhões 
de sacas. A produção paulista representava uma média de 66% desse total (Cano, 
1983, p. 46). As exportações, contudo, permaneceram estabilizadas e esse cres-
cimento acelerado provocou o que Celso Furtado chamou de "desequilíbrio 
estrutural entre a oferta e a procura". Por ocasião do crash de 1929, a produção 
atingiu quase 29 milhões de sacas e a exportação 14,5 milhões. Com os enormes 
estoques acumulados nos armazéns criados para isso, os cafeeiros carregados com 
novas floradas e grãos tornaram-se invendáveis. Os clássicos mecanismos de defesa 
foram impotentes diante da crise que assumiu proporções catastróficas: a taxa 
de câmbio literalmente despencou, as reservas metálicas acumuladas pelos em-
préstimos internacionais esvaíram-se no ar com o pagamento da dívida externa 
e com a fuga de capitais do país.j^m 1930 a revoliiçãopôs fim à-República Velha. 
Hniivf urP 3 ruptura dn m<xlHo d? df^rivnlvirn^nrn indiismal basearlo p r w ^ ' -
tal cafeeiro- A partir^ de fins da década de 1930 e nos anos seguintes a acumula-
d o industrial p a s ^ i y fcrarlnrivampnr^ a ^rjVniH:impiitiirl:i rpjTmHiirãrw^ 
j j r p p l i n ç ? ' ^ ' » prnpri» rapjffll. 
Resta saber como se processou o desenvolvimento industrial a partir do 
início do século X X . Em primeiro lugar, foi beneficiado com a expansão da 
economia cafeeira: o crescimento da área de plantio geralmente era precedido 
ou, em algumas regiões — como por exemplo o norte do Paraná —, seguido 
pela construção da ferrovia, que propiciava o escoamento da produção para 
os portos, principalmente Santos e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo funda-
vam-se novos núcleos urbanos, ampliavam-se as necessidades de consumo e 
crescia a demanda do abastecimento. Parte dessas necessidades era satisfeita 
com importações. O caso dos gêneros alimentícios é bastante exemplificador: 
entre 1905 e 1930 eles representaram uma média aproximada de 2 4 % das 
importações brasileiras (Cano, 1983, p. 274). Cada vez mais, contudo, a in-
dústria nacional passou a abastecer esse mercado em expansão. 
É consagrada na historiografia brasileira a visão de que nos anos da guer-
ra, 1914 a 1918, graças ao fechamento do mercado internacional, ter-se-ia 
consolidado uma indústria voltada para a substituição das importações. Esta 
afirmação é, contudo, duvidosa, pois, se o mercado estava fechado às impor-
tações de produtos manufaturados, as importações de bens de capital, que 
poderiam permitir a instalação de novas unidades, também sofriam a mesma 
restrição. Os dados de importação de maquinaria da Grã-Bretanha, dos Es-
tados Unidos, da Alemanha e da França demonstram que no período de 1908 
a 1913 o total das compras junto àqueles países foi de 9,5 milhões de libras 
aproximadamente, perfazendo uma média de 1,9 milhão de libras ao ano. 
Nos anos da guerra, isto é, d e l 9 1 4 a l 9 1 8 , o total das importações foi de 
apenas 2,7 milhões de libras, o que representa uma média de 550 mil libras 
ao ano. Em outras palavras, os índices de importação de maquinaria caiu três 
vezes e meia em relação ao período anterior. Finalmente, no período que vai 
de 1919 a 1930, o total de importações de máquinas foi de 22,6 milhões de 
libras, o que representa uma média anual de 1,8 milhão de libras, ou seja, 
após a guerra a média de importação retomou os níveis de 1908-1913 
(Suzigan, 1986, p. 361-363) . A i séries documentai levantadas por Suzigan 
confirmam que as importações de máquinaspara geração de energia para a 
indústria têxtil e para indústrias de cimento, cal e cerâmica, alimentos, bebi-
das, cigarros e charutos predominaram em todo o período abordado neste 
texto. 
Com essas variantes em mente, pode-se supor, portanto, que durante a 
guerra houve uma redução na atividade industrial, o que permite, ao menos, 
relativizar a ideia de que teria ocorrido uma substituição de importações. 
D A D O S I N D U S T R I A I S 1 9 2 0 
NÚMERO DE 
EMPRESAS 
CAPITAL 
(CONTOS) 
FORÇA 
MOTRIZ 
(C.V.) 
NÚMERO DE 
OPERÁRIOS 
Brasil 13 .336 1 .815 .156 3 1 0 . 4 2 4 2 7 5 . 5 1 2 
Distrito Federal 1 .542 4 4 1 . 6 6 9 69 .703 5 6 . 5 1 7 
São Paulo 4 .145 5 3 7 . 8 1 7 9 4 . 0 9 9 83 .998 
Fonte: Adaptado de Silva, 1985, p. 78-79. 
Os dados da década de 1920 indicam a tendência crescente da concen-
tração industrial nas regiões onde a dinâmica da economia cafeeira era mais 
acentuada. De fato, São Paulo e o Distrito Federal, juntos, detinham 4 2 % 
dos estabelecimentos industriais, 5 3 % dos capitais e 5 0 % do operariado 
brasileiro. Contudo, desmembrando-se os dados, verifica-se que São Paulo 
concentrava 3 1 % das unidades industriais, 2 9 % dos capitais e 3 0 % do ope-
rariado, enquanto o Distrito Federal possuía 12% dos estabelecimentos, 
2 4 % dos capitais e 2 0 % do operariado. Verifica-se, portanto, que a dinâ-
mica industrial foi mais acelerada em São Paulo e manteve-se assim até o 
fim do período. 
Por outro lado, se os valores de importação de maquinaria indicam uma 
redução no ritmo de crescimento durante a guerra, os dados de produção 
corroboram essa suposição. Verificando-se os índices da maior atividade in-
dustrial do período, a têxtil de algodão, levantados por Stanley Stein, cons-
tata-se que o número de unidades no país cresceu de 48 em 1885 para 359 
em 1929. Contudo, tomando-se os dados por período, verifica-se um boom 
entre os anos de 1905 e 1915, quando o número de estabelecimentos, de 
operários e de produção em metros de tecidos cresceu mais do que 100%, o 
valor da produção 5 5 0 % e o capital empregado 153%. Entre 1915 e 1921, 
o número de estabelecimentos cresceu 0 ,8%, o de operários 32%, o valor da 
produção 17% e o capital investido foi negativo em 49%. Esse ritmo mais 
lento de crescimento permaneceu até 1929 (Stein apud Dean, 1989, p. 265). 
Os dados de 1920 demonstram também que indústrias de minerais não 
metálicos, metalurgia, mecânica, material de transporte, química e farmácia, 
borracha e papel e papelão representavam 14,6% da renda industrial do Brasil. 
Isso significa que, embora mais de 8 5 % da renda industrial se concentrasse 
no setor de bens de consumo (têxtil, roupas, calçados, bebidas etc), pode-se 
supor que após a guerra acelerou-se um processo de investimento no setor 
de bens de produção, o que é bastante significativo e não pode ser despreza-
do quando se aborda a temática da industrialização brasileira;. 
De fato, como observaram os teóricos da Comissão Econômica para a 
América Latina (Cepal), os dependentistas e os teóricos do desenvolvimento 
desigual e combinado do capitalismo, a industrialização brasileira se proces-
^sou em conjunto com a ex^gnsia da ç â í e i c d t i i j ^ J ^ ^ é , nos momentos em 
quj^O£üixu-umJ'vazanientoje capital" parado setor. Por isso mesmo e]a se 
concentrou nas regiões onde se processava a referida expansão,. Isso não sig-
nifica que não tenha ocorrido um pm_ces&i__d^n)dust outras 
regiões, em umjTí^OjW^siiazía. 
Por outro lado, a inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho 
como país agroexportador condicionou a expansão da cafeicultura ao capi-
tal estrangeiro e, consequentemente, a industrialização se processou sob uma 
dupla subordinação: do capital internacional e do cafeeiro. Dessa situação 
decorrem duas características da indústria brasileira: ter surgido, como bem 
mostrou Sérgio Silva, como "grande indústria de bens de consumo" voltada 
para um mercado interno em acelerado crescimento. Este mesmo autor de-
monstrou que a base para a primeira acumulação industrial foi o grande co-
mércio importador e exportador, no qual se destacavam as grandes casas 
comissárias de café, já na década ele 1880. Essa burguesia comercial, à qual 
sc somaram imigrantes como os Matarazzo, Crespi e outros, estabeleceu la-
ços familiares com a grande burguesia cafeeira, o que facilitou uma fusão de 
capitais. É dessa fusão que surgiu uma burguesia industrial no Brasil. 
Essa fusão de capitais não determinou uma linearidade de interesses e 
um alinhamento político automático. Um exemplo disso foram os constan-
tes embates entre cafeicultores, comerciantes e industriais em torno das tari-
fas alfandegárias. A elevação das tarifas seria, teoricamente, do interesse dos 
industriais, que veriam suas atividades protegidas por barreiras alfandegá-
rias. Isso, contudo, não corresponde à realidade, uma vez que, como foi de-
monstrado ao longo deste texto, os industriais dependiam das importações 
de maquinário e de manufaturados, como o aço, para a expansão de suas 
atividades. Muitas vezes, como bem demonstrou Nícia Vilela Luz (1961), 
lutaram por tarifas alfandegárias diferenciadas, isto é, mais baixas apenas nos 
itens que necessitavam importar. Nesse aspecto, enfrentavam constantemente 
a oposição dos comerciantes, e às veze_sjlgs cafeicu11ores, que_temiam,reta-
liacões dos compradores internacionais do café caso fosse estabelecida uma 
política alfandegária protecionista. Por outro lado, como as rendas do Esta-
do eram majoritariamente oriundas das rendas das alfândegas, isto é, dos 
impostos sobre as importações, tarifas por demais elevadas poderiam fazer 
com que a arrecadação diminuísse, comprometendo os pagamentos da dívi-
da externa, os investimentos públicos etc. Parece correto, contudo, como 
demonstrou a mesma autora, que o Estado procurou estabelecer certo pro-
tecionismo e conceder alguns incentivos às atividades industriais. No con-
junto do período, entretanto, não houve uma política industrialista contínua 
e sistemática. Finalmente, é preciso destacar que, deseter^fisdo-Império, havia 
um "pensamento indusmalizante no Brasil". Ao longo de toda a Primeira 
República ocorreram inúmeros debates e polêmicas em nível nacional sobre 
a questão do protecionismo industrial, identificado às vezes, em nível ideo-
lógico, à segurança e à soberania nacionais. Felisbelo Freire, Amaro Cavalcanti, 
Serzedelo Correa, Nilo Peçanha e muitos outros, como Jorge Street e Roberto 
Simonsen, foram homens de Estado e líderes industriais profundamente 
preocupados com a industrialização do Brasil. Suas reflexões demonstram 
como possuíam uma visão de conjunto do país e, mais do que isto, como 
muitas vezes enunciaram ideias que se concretizaram anos mais tarde,_qnan-
do_o Estadabrasileiro desenvolvia uma política sistemática de industrialização. 
ALGUMAS OBSERVAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO 
Estas observações finais se iniciarão retomando algumas questões postas ao 
longo do texto. É fundamental destacar que a história não é um movimento 
linear e progressivo de transformações. Na vida humana há sempre o elemen-
j o da imprevisi_bjiidadc e d surpresa^que t o rna difícil^ se não impossível, 
afirmar que tal evento determinou outro acontecimento. Essa jjnprevisibi-
lidade faz com qye a história seja sempre indeterminável, múltipla, plural e 
dialética, com suas mudanças e transformações, mas também com suas per-
manências. Evidentemente, ao se narrar determinado acontecimento, CpHà 
ciso levar em conta que há uma memória do vencedor (um indivíduo, uma 
família, um partido, uma classe social), que se reproduz a partir de uma nar-
rativa triunfante, normalmente construída por ele próprio, acerca de seus 
atos. Essa versão muitas vezes é aceita como verdade até que uma revisão 
historiográfica da questão demonstre que as coisas não se passaram exata-
mente como contadas. 
Este é o caso do desenvolvimento da economia cafeeira e da industriali-
zação no Brasil. Na medida em que São Paulo concentrougrande parte das 
indústrias do país, durante algum tempo minimizou-se a importância da eco-
nomia cafeeira e da industrialização em outras regiões ou supôs-se também 
que, onde se desenvolvesse a cafeicultura, haveria automaticamente um pro-
Flores da Cunha discursando durante o encontro de destacamentos republicanos 
em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, por ocasião da Revolta de 1923. 
Farmácia São João, na rua 
Marechal Floriano, Rio de 
Janeiro, atingida por um petardo 
durante a Revolta da Chibata, 
em dezembro de 1910. 
Cavalaria gaúcha no Obelisco na avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, 
em 1o de novembro de 1930. 
0 
^ . > . • ; " . ... 
Cartão-postal com desenho alegórico 
homenagem à Revolução de 1930. 
UtHlK, 
cesso de industrialização. Decorreu disto a visão de que o café e a indústria, 
e seus agentes, o cafeicultor e o industrial, foram os sujeitos demiurgos do 
progresso e da modernização. 
É verdade que nrnrrpu " w tipo d£..mndernjzíLíâQ.aue pode ser caracterk 
zado como centralizador, aincentracionista e autoritário. Em outras palavras, 
embora tenha ocorrido um grande desenvolvimento econômico, a este não ' 
sc seguiu nem correspondeu o surgimento de um regime democrático c, me-
nos ainda, de um processo de desetuiühjimento humano e social, 
Este tipo de modernização não pode, por um lado, ser confundido com 
a República, mas, como foi demonstrado aqui, iniciou-se pelo menos nas três 
últimas déçadas do períodcLimpjerial. A abolição não era de interesse da 
maioria dos fazendeiros, nem todos eram republicanos. De fato, muitos au-
tores, investigando detalhadamente os acontecimentos do 15 de novembro, 
observaram que o marechal Deodoro da Fonseca não desejava derrubar a 
Monarquia, mas apenas forçar a mudança do Ministério Ouro Preto. Mui-
tos republicanos, inclusive, nem sequer acreditavam ser possível a implanta-
ção de um novo regime enquanto D. Pedro II vivesse. 
Por outro lado, essa modernização não pode ser, também^confundida. 
com a industrialização de São Paulo. Apesar de estar centralizada na região 
cafeeira, a despeito da concentração de capitais ter sido mais elevada e ace-
lerada naquele estado, ÇLpracesso de modernização autQritána-GZQrreu em 
todo o território nacional. Em outras palavras, houve, no período abordado 
ao longo deste texto, um desenvolvimento complexQ.f contraditório, nãoji-. 
neat-progressfve. 
Finalmente, é importante destacar que houve também, no período, sig-
nificativos avanços na democracia brasileira. Retomo o sentido das palavras 
de Serzedelo Correa, escritas em 1903, para introduzir a questão: "A indús-
tria é sempre o resultado do trabalho humano e é pelo trabalho que o ho-
mem consegue dar a todos os objetos a utilidade, isto é — a qualidade abstrata 
que os torna aptos à satisfação de nossas necessidades, e que os transforma 
em riqueza." Trata-se, portanto, de refletir sobre a situação e a condição dos 
homens, mulheres e crianças que construíram a riqueza do Brasil. 
Em instigante estudo sobre os inícios da República, José Murilo de Car-
valho discorda da afirmação de Aristides Lobo (ministro do Interior do go-
verno provisório de 1889) de que o povo assistira ao 15 de novembro 
bestializado. No lugar do bestializado emerge — na linguagem simpática e 
quase sedutora do cientista político — a imagem charmosa do bilontra, o 
espertalhão, o velhaco, o gozador, o tribofeiro, imagem que se refez poste-
riormente sob o conceito de "malandragem". A leitura do texto de Carva-
lho, no entanto, logo perde o encanto, pois é carregada de negatividade: a 
República, na versão de José Murilo, não foi e o cidadão brasileiro é um 
tribofeiro a quem falta fundamentalmente um "espírito burguês cosmopoli-
ta". Carvalho destaca o fato de que a última reforma eleitoral feita no Império 
reduziu o eleitorado de 10% para 1% da população do Brasil e na República 
permaneceu esse quadro de exclusão, variando o eleitorado de 2 % a 3%. 
Acrescenta Carvalho que a essa exclusão acrescia-se o peso de uma certa tra-
dição senhorial e escravista, da qual, à moda de Gilberto Freyre, destaca o 
paternalismo e a benevolência das relações. Dessa herança surge o bilontra, 
cuja relação com o Estado é de apatia, oposição e de composição — o favor, 
a corrupção, o fisiologismo — que Murilo denomina estadania. Contrapos-
to ao tipo ideal de "burguês" individualista e associativo, o bilontra é o cida-
dão que não foi. Está fora da política, assim como suas associações religiosas 
e de auxílio mútuo, as festas, o samba, o carnaval e o futebol. O bilontra 
"perde o humor" quando os poderes instituídos resolvem implantar na rea-
lidade o mundo formal das leis republicanas. A Revolta da Vacina, em 1904, 
teria sido, nesse sentido, uma crise de mau humor. O Império havia sido mais 
"tolerante" com as manifestações populares, tendo o cuidado de mantê-las, 
contudo, fora da política. O exemplo típico seria a Festa da Glória, que se 
caracterizava por ser a "ocasião de rendez-vous dos príncipes com a arraia-
miúda". Assim, a partir da leitura de José Murilo, fica-se sabendo o que o 
cidadão brasileiro não foi. Há pouca positividade na figura do simpático 
bilontra tal como delineado por Carvalho. Apesar de não generalizar esse 
modelo para o Brasil, não deixa de reforçar a ideia do jeitinho brasileiro como 
característica central da ausência de uma cultura política burguesa entre nós. 
É preciso relembrar alguns índices para dimensionar essas questões. En-
tre 1872 e 1920 , a população brasileira aumenta de 9 . 9 3 0 . 5 0 0 para 
30 .635 .600 , isto é, 203%. O número de cidades com mais de 30 mil habi-
tantes passa de 67 para 265, e a população destas, de 3,1 milhões para 15,7 
milhões, ou seja, houve um crescimento de 4 1 2 % . A população da cidade 
do Rio de Janeiro passa de 274 mil para 1,2 milhão e a da capital de São 
Paulo, de 31 mil para 5 8 0 mil (Silva, 1985, p. 99; Cano, 1983, p. 310) . A 
literatura e a historiografia do e sobre o período está repleta de testemunhos 
sobre as repugnantes condições de vida das populações urbanas. 
JMc)_projeto das eli je^a.modernização significou também um reordena-
mento geral dos espaços da política, com a manutenção da exclusão popular 
desta, como no Império, e a reorganização dos espaços urbanos e rurais: às 
casas enfileiradas das colônias rurais corresponderam as vilas construídas nas 
cidades para confinamento e disciplinarização dos operários urbanos. A nova 
disciplina de trabalho imposta pela implantação do colonato no campo 
cgiiesponderam as novas disçiplinagjterrahalho eik^ociabilidadjsinstauLra-
das nas fábricas, nas escolas, nos teatros, nas ruas da cidade, na intimidade 
da casa. 
Tudo isso foi justificado através da racionalidade (ççnica e higienista, da 
qual Pereira Passos foi o pioneiro com o avassalador "bota-abaixo". movi-
mento regenerador da capital^jedei^l. Estudos recentes demonstram que o 
movimento espraiou-se pelo país: São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Re-
cife, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, entre outras cidades, foram alvos 
de autoritárias intervenções reguladoras e disciplinadoras. 
Para as elites brasileiras, os excluídos, os rebeldes, os imigrantes, os tra-
balhadores que resistiam ou se opunham eram classificados como incapazes 
e ignorantes, pois não sabiam reconhecerjos-^benefícios-da civilização'\_Eram, 
-Consequentemente, bárbaros e, quando se manifestavam, perigosos. "A ques-
tão social é uma questão de polícia." Esta frase ficou famosa e expressa bem 
os mecanismos empregados para conter a "plebe" — prisões, tortura e des-
terro, dentro e fora do território narinnal._Em_outras palavras, na medida 
em que havia resistência ao p r o j e t o _ e j ^ a s J l d a $ s e s „ ^ 
vam muito bem saber que determinados "benefícios da civilização" não eram 
para todos, a política foi a violência. \j 
Por outro lado, vistos de uma perspectiva histórica, os movimentos sociais 
do período, as revoltas — como a da Vacina de 1904, a dos Marinheiros de 
1910, a de Canudos e do

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