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Payper Nova forma de ver a Amazônia a visão dos viajantes modernos acerca dos índios e do mito das amazonas

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Nova forma de ver a Amazônia: a visão dos viajantes modernos acerca dos índios e do mito das amazonas
Ana Claudia Lopes Martins[footnoteRef:1] [1: Acadêmica do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas-UFAM.] 
	O presente payper tem como objetivo falar da ótica dos viajantes, especificamente Charles- Marie de la Condomine no século XVIII, Wallace e Bates no século XIX, acerca dos índios e do mito das amazonas, para isso terá como base as análises de Neil Safier[footnoteRef:2] e Celdon Fritzen[footnoteRef:3]. Para falar da ótica desses viajantes, é necessário trazer o contexto histórico desses dois séculos, assim cabe levantar as apreciações de Hideraldo Costa[footnoteRef:4], além das pesquisas complementares acerca do tema. [2: SAFIER, Neil. Como era ardiloso meu francês: Charles-Marie de la Condomine e a Amazônia das Luzes. São Paulo: Revista Brasileira de História. 2009. v.29. no57. p.91-114] [3: FRITZEN, Celdon. A ilustração e as suas sombras. Universidade do Sul Catarinense: Revista Brasileira de Literatura Comparada. 2007. no11. ] [4: COSTA, Hideraldo. Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia: Discurso dos Viajantes- Século 19. Manaus: Editora Valer e Fapeam. 2013.] 
	De forma geral, o século XVIII foi marcado pelo início da modernidade, ou seja, a racionalidade torna-se um aspecto cada vez mais forte dentro da sociedade. Assim, os viajantes desse período possuem características completamente diferentes dos primeiros viajantes do século XVI, estes marcados pela visão do ‘maravilhoso’, do mundo surreal e imagens fantasmagóricas.
	Os naturalistas, como são chamados os naturalistas do século XVIII e XIX, tinham como objetivo conhecer o Novo Mundo de forma científica. De acordo com Hideraldo, 
Eram cavalheiros anunciadores de um novo tempo, um tempo em que a sociedade ocidental de onde procediam estava vivenciando o caráter ambíguo da existência moderna (ou) a sensação de viver simultaneamente em dois mundos: um mundo moderno e outro que não chega a sê-lo por inteiro16. Nesse tempo novo, onde a visão do paraíso cede lugar a barbárie17, o olhar do viajante transforma-se em racionalidade que leva ás ultimas consequências a dominação sobre natureza e sobre os outros homens. (p.19)
	Especificamente no século XVIII, esse caráter científico era marcado pelas relações coloniais, assim, para que as viagens pudessem acontecer e seus resultados divulgados eram necessárias autorizações de Portugal e da Espanha. O primeiro que teve essa autorização foi Charles-Marie de la Condomine, que teve o primeiro relato científico reconhecido, visto que à época a discussão girava em torno do formato do planeta Terra.
	O interessante da expedição de La Condomine foi como ele se apropriou de anotações, cartas, mapas, falas de indivíduos dentre outras fontes para compilar as informações acerca da Amazônia, além de não citar as fontes, criou a ilusão, principalmente na sua apresentação em forma de narrativa, de que todas as informações ali postas tivessem sido o próprio que coletou e observou.
	O importante e o que distinguiu a obra de La Condomine, segundo Safier, foi a discussão que ele fez acerca dos ‘ameríndios’. A imagem negativa que La Condomine esboçou sobre os índios da Amazônia se fixou no imaginário europeu, de acordo com La Condomine[footnoteRef:5] [5: LA CONDOMINE, Charles-Marie de. Relation abrégée d’un voyage fait dans l’intérieur de l’Amérique méridionale. Paris: Veuve Pissot. 1745. apud SAFIER, Neil. p.100] 
A insensibilidade forma a base [de seu caráter]. Deixo ao leitor a decisão sobre se se deveria honrá-la com o nome de apatia ou aviltá-la com o de estupidez. Ela nasce sem dúvida do pequeno número de suas ideias, que não se estendem além de suas necessidades. Glutões até a voracidade, quando têm com que se satisfazer; sóbrios, quando a necessidade os obriga a tanto, a ponto de a tudo renunciar, sem parecer nada desejar; pusulânimes e poltrões em excesso, a não ser quando embriagados; inimigos do trabalho, indiferentes a toda forma de glória, de honra ou de reconhecimento; unicamente ocupados do objeto que têm à sua frente e sempre determinados por ele; sem inquietação a respeito do futuro; incapazes de previsão e de reflexão; quando nada os incomoda, entregam-se a uma alegria pueril, que manifestam com saltos e gargalhadas imoderadas, sem razão e sem objetivo; passam suas vidas sem pensar e envelhecem sem sair da infância, se que conservam todos os defeitos.
	Vale lembrar que todas essas características que La Condomine pinta como defeituosas fazem parte dos manuscritos de Magnin, então muito do que La Condomine escreveu não foi o que ele próprio observou, e sim o que absorveu das leituras de Magnin. Ainda que La Condomine tenha escrito algo de sua própria observação, esta foi influenciada pelo seu imaginário que continha as representações que Magnin fez acerca dos indío, além das representações já formadas no século XVIII que permeavam o imaginário coletivo.
	Além da imagem negativa que La Condomice fortaleceu ao imaginário europeu, ele contraditoriamente, elogia as habilidades para construir abrigos e as habilidades artísticas, além do vasto conhecimento sobre da flora e a fauna amazônica.
	La Condomine se desfez de muitos mitos que nasceram dos relatos dos conquistadores e missionários, entretanto manteve o relato, assim como os viajantes do século XVI, da existência das mulheres guerreiras, as amazonas, o que de certa forma causou certa preocupação entre seus leitores europeus.[footnoteRef:6] [6: SAFIER, Neil. Como era ardiloso meu francês: Charles-Marie de la Condomine e a Amazônia das Luzes. São Paulo: Revista Brasileira de História. 2009. v.29. no57. p.91-114] 
	O argumento de La Condomine para afirmar a existência das amazonas é baseado no que ocorre com escravos fugidos nas colônias da América, ou seja, mulheres que estavam descontentes ou estavam sendo maltratadas e então fugiram, passando a viver isoladas e guerrilhando quando necessário, para sua proteção. 
	Esse argumento baseia-se na experiência que La Condomine teve, de acordo com Safier, La Condomine fundiu uma narrativa mitológica da antiguidade clássica com sua experiência in situ de dividir um pequeno barco com um escravo fugido. Logo, o viajante associou as condições de vida das ameríndias, segundo ele
Se é que já pôde haver amazonas no mundo, foi na América, onde a vida errante das mulheres que seguem seus maridos para a guerra, e que não são mais felizes em sua vida doméstica, deve ter feito nascer nelas a ideia e lhes fornecido ocasiões frequentes de se livrar do jugo de seus tiranos, procurando estabelecer um ambiente onde pudessem viver com independência e, ao menos, não serem reduzidas à condição de escravas ou burros de carga.
	
Assim, Charles-Marie de la Condomine explica o porquê da existência, entretanto ele não chega a encontrar vestígios dessa tribo de mulheres guerreiras. De acordo com ele
O que parece mais verossímel do que todo resto é que, com o tempo, elas tenham perdido seus antigos costumes, quer por terem sido subjulgadas por outra nação, quer porque enfadadas com sua solidão as filhas tenham finalmente esquecido a aversão das mães aos homens. Assim, mesmo que hoje não encontrassem vestígios dessa república de mulheres, isso não seria suficiente para afirmar que ela nunca existiu. 
	
Muitos criticaram La Condomine por seus posicionamentos e a apropriação que este fez, entretanto o que se ressalta é a importância da expedição para a construção da imagem da Amazônia que guiou o imaginário europeu a partir do século XVIII e que segue no século XIX, tornando a Amazônia um grande laboratório, palco de diversas expedições de cunho científico.
	A racionalidade advinda com a modernidade ganha mais força no século XIX, os viajantes passam a ser movidos por uma lógica que teve como vetor e mola propulsora a ciência[footnoteRef:7]. De acordo com Hobsbawn, a sociedade burguesa de nosso período estava confiante e orgulhosa de seus sucessos. Em nenhum outro campo da vida humana issoera mais evidente que no avanço do conhecimento da ciência[footnoteRef:8]. [7: COSTA, Hideraldo. Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia: Discurso dos Viajantes- Século 19. Manaus: Editora Valer e Fapeam. 2013.] [8: HOBSBAW, 1982, p.261. apud COSTA, HIDERALDO. 2013, p. 37] 
	Com isso, os naturalistas que visitaram a Amazônia no século XIX estavam preocupados com a classificação e catalogação da natureza, o que desviou olhar da compreensão da cultura local. Hideraldo aponta que o ‘olhar’ que os viajantes do século XIX tinham era diferente do puro olhar como sentido humano, aquele era um olhar atento e investigador. A Amazônia torna-se o paraíso científico dos naturalistas.
	Dois naturalistas amadores, porém, importantes, foram: Henry Walter Bates (1848-1859) e Alfred Russel Wallace (1848-1852), os dois tinham o mesmo interesse pela história natural e financiaram suas viagens além de formarem coleções de objetos de história natural para vender.
	Bates descreve os sentimentos que teve no encontro com as florestas amazônicas. No imaginário europeu foi criada, a partir dos viajantes do século XVI, a representação de que nas florestas amazônicas havia um opressivo silêncio e de fato, Bates afirma que há realmente este silêncio, entretanto ele não o vê como algo horrendo, e sim o instiga a aprofundar seu conhecimento sobre a floresta amazônica.
	A representação que Bates cria em relação aos nativos é de fato, interessante, ele pontua o desenvolvimento intelectual dos índios. Na floresta amazônica, além do silêncio, há ruídos que não há explicação exata, assim, os índios o colocam como algo mítico, como segue
para os nativos, é sempre o curupira, o homem selvagem ou espirito da floresta, o causador de todos os barulhos que eles não conseguem explicar. Pois os mitos são teorias primitivas que a humanidade, na infância do conhecimento, inventa para explicar os fenômenos naturais[footnoteRef:9]. [9: BATES, 1979, p.37 apud FRITZEN, Celdon. A ilustração e as suas sombras. Universidade do Sul Catarinense: Revista Brasileira de Literatura Comparada. 2007. no11. p.200] 
	Essas explicações que os índios davam para os ruídos que não eram identificados podem ser relacionadas com a vontade de explicar o desconhecido, assim como Bates fazia, assim como a racionalidade impunha aos naturalistas na modernidade. 
	Bates também fala sobre o mito das amazonas, entretanto de forma breve e incisiva. Segundo ele, Hoje é fato comprovado que essa história não passava de uma lenda, originada na tendência para a fantasia que caracterizava os primeiros exploradores espanhóis, e que prejudicou a credibilidade de suas narrativas[footnoteRef:10]. [10: BATES, 1979, p.92 apud FRITZEN, Celdon. A ilustração e as suas sombras. Universidade do Sul Catarinense: Revista Brasileira de Literatura Comparada. 2007. no11. p.207] 
	Wallace também fala sobre as amazonas, entretanto sua visão é de que esta lenda das amazonas na América não é baseada na fantasia e sim, em fatos específicos. Assim, Wallace associa a lenda das amazonas aos índios de longos cabelos, que usavam braceletes e afins, que tinham aparência feminina. Como segue
O que me levou a essa opinião foi exatamente a primeira impressão que tive ao avistá-los, quando me foi preciso chegar mais perto deles para constatar que se tratava de homens. Se eles estivessem usando estudos, ninguém seria capaz de imaginar que não estaria na presença de mulheres, já que esses protetores são empunhados de modo a cobrir todo o corpo. Por conseguinte, temos apenas de supor que, no passado, tribos com costumes semelhantes aos dessas que hoje vivem no Rio Uapés habitassem as margens do Amazonas, nos pontos onde teriam sido avistadas as tais mulheres guerreiras. Essa seria uma explicação racional para uma questão que tanto embaraço e dúvida tem trazido aos geógrafos[footnoteRef:11]. [11: WALLACE, 1979, p.300 apud FRITZEN, Celdon. A ilustração e as suas sombras. Universidade do Sul Catarinense: Revista Brasileira de Literatura Comparada. 2007. no11. p.209] 
	O que nota-se, de forma geral, pontuando assim as considerações finais desta produção, é como o pensamento de uma era, sendo esta a modernidade, influencia e até mesmo determina todas as produções realizadas. Vê-se como a racionalidade, entendida como mola propulsora para o progresso, altera o imaginário europeu acerca da América do Sul, e como os viajantes contribuíram para isso, desconstruindo representações ou até mesmo contribuindo para sua fixação. Vale lembrar como essas representações criadas ou consolidadas a partir do século XVIII e XIX permanecem até os dias atuais, como exemplo a imagem do índio como preguiçoso, que se fixa com os relatos de Charles-Marie de la Condomine.

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