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Prévia do material em texto

Annabel Lee 
Edgar Allan Poe 
 
Foi há muitos e muitos anos já, 
Num reino de ao pé do mar. 
Como sabeis todos, vivia lá 
Aquela que eu soube amar; 
E vivia sem outro pensamento 
Que amar-me e eu a adorar. 
Eu era criança e ela era criança, 
Neste reino ao pé do mar; 
Mas o nosso amor era mais que amor — 
O meu e o dela a amar; 
Um amor que os anjos do céu vieram 
a ambos nós invejar. 
E foi esta a razão por que, há muitos anos, 
Neste reino ao pé do mar, 
Um vento saiu duma nuvem, gelando 
A linda que eu soube amar; 
E o seu parente fidalgo veio 
De longe a me a tirar, 
Para a fechar num sepulcro 
Neste reino ao pé do mar. 
E os anjos, menos felizes no céu, 
Ainda a nos invejar… 
Sim, foi essa a razão (como sabem todos, 
Neste reino ao pé do mar) 
Que o vento saiu da nuvem de noite 
Gelando e matando a que eu soube amar. 
Mas o nosso amor era mais que o amor 
De muitos mais velhos a amar, 
De muitos de mais meditar, 
E nem os anjos do céu lá em cima, 
Nem demônios debaixo do mar 
Poderão separar a minha alma da alma 
Da linda que eu soube amar. 
Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos 
Da linda que eu soube amar; 
E as estrelas nos ares só me lembram olhares 
Da linda que eu soube amar; 
E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado 
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado, 
No sepulcro ao pé do mar, 
Ao pé do murmúrio do mar. 
 
 
 
Uivo 
Allen Ginsberg 
 
Eu vi as melhores cabeças da minha 
geração destruídas pela loucura… 
… famélicos histéricos nus, arrastando-se 
pelas ruas do bairro negro ao amanhecer 
na fissura de um pico, 
hipsters de cabeça ardendo pela ancestral 
conexão com um dínamo estrelando na 
maquinaria da noite, 
que pobreza e farrapos e ocos olhos loucos se 
sentaram fumando na escuridão sobrenatural 
de apartamentos sem aquecimento flutuando 
pelos telhados das cidades contemplando o jazz, 
que desnudaram cérebros para o céu sob o 
viaduto e viram anjos muçulmanos cambaleando 
nos telhados dos cortiços iluminados, 
que passaram pelas universidades com serenos olhos 
radiantes alucinando Arkansas e tragédias 
Blake-iluminados entre os mestres da guerra, 
que foram expulsos das academias por pirarem & 
publicarem odes obscenas nas janelas do 
crânio, 
que se encolheram de cueca em quartos descasados, 
queimando seu dinheiro em cestos de lixo e 
ouvindo o Terror através das paredes, 
que foram revistados nos pentelhos voltando 
por Laredo com um cinturão de fumo 
para Nova York, 
que engoliram fogo em hotéis vagabundos ou beberam 
terebintina em Paradise Alley, morte, ou 
flagelaram seus torsos noite após noite 
com sonhos, com drogas, com pesadelos despertos, 
álcool e paus e fodas sem fim. 
 
 
 
 
Aviso aos náufragos 
Paulo Leminski 
 
Esta página, por exemplo, 
não nasceu para ser lida. 
Nasceu para ser pálida, 
um mero plágio da Ilíada, 
alguma coisa que cala, 
folha que volta pro galho, 
muito depois de caída. 
Nasceu para ser praia, 
quem sabe Andrômeda, Antártida 
Himalaia, sílaba sentida, 
nasceu para ser última 
a que não nasceu ainda. 
Palavras trazidas de longe 
pelas águas do Nilo, 
um dia, esta pagina, papiro, 
vai ter que ser traduzida, 
para o símbolo, para o sânscrito, 
para todos os dialetos da Índia, 
vai ter que dizer bom-dia 
ao que só se diz ao pé do ouvido, 
vai ter que ser a brusca pedra 
onde alguém deixou cair o vidro. 
Não e assim que é a vida? 
 
 
 
Repenso o mundo 
Wilawa Szymborska 
 
Repenso o mundo, segunda edição, 
segunda edição corrigida, 
aos idiotas o riso, 
aos tristes o pranto, 
aos carecas o pente, 
aos cães botas. 
 
Eis um capítulo: 
A Fala dos Bichos e das Plantas, 
com um glossário próprio 
para cada espécie. 
Mesmo um simples bom-dia 
trocado com um peixe, 
a ti, ao peixe, a todos 
na vida fortalece. 
 
Essa há muito pressentida, 
de súbito revelada, 
improvisação da mata. 
Essa épica das corujas! 
Esses aforismos do ouriço 
compostos quando imaginamos 
que, ora, está só adormecido! 
 
O tempo (capítulo dois) 
tem direito de se meter 
em tudo, coisa boa ou má. 
Porém — ele que pulveriza montanhas 
remove oceanos e está 
presente na órbita das estrelas, 
não terá o menor poder 
sobre os amantes, tão nus 
tão abraçados, com o coração alvoroçado 
como um pardal na mão pousado. 
 
A velhice é uma moral 
só na vida de um marginal. 
Ah, então todos são jovens! 
O sofrimento (capítulo três) 
não insulta o corpo. 
A morte 
chega com o sono. 
 
E vais sonhar 
que nem é preciso respirar, 
que o silêncio sem ar 
não é uma música má, 
pequeno como uma fagulha, 
a um toque te apagarás. 
 
Morrer, só assim. Dor mais dolorosa 
tiveste segurando nas mãos uma rosa 
e terror maior sentiste ao som 
de uma pétala caindo no chão. 
 
O mundo, só assim. Só assim 
viver. E morrer só esse tanto. 
E todo o resto — é como Bach 
tocado por um instante 
num serrote. 
 
 
Folhas da Relva (trecho) 
Walt Whitman 
 
 
EU CELEBRO a mim mesmo, 
E o que eu assumo você vai assumir, 
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você. 
Vadio e convido minha alma, 
Me deito e vadio à vontade . . . . observando uma lâmina de grama do verão. 
Casas e quartos se enchem de perfumes . . . . as estantes estão entulhadas de perfumes, 
Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o reconheço, 
Sua destilação poderia me intoxicar também, mas não deixo. 
A atmosfera não é nenhum perfume . . . . não tem gosto de destilação . . . . é inodoro, 
É pra minha boca apenas e pra sempre . . . . estou apaixonado por ela, 
Vou até a margem junto à mata sem disfarces e pelado, 
Louco pra que ela faça contato comigo. 
A fumaça de minha própria respiração, 
Ecos, ondulações, zunzuns e sussurros . . . . raiz de amaranto, fio de seda, forquilha e 
Minha respiração minha inspiração . . . . a batida do meu coração . . . . passagem de 
O aroma das folhas verdes e das folhas secas, da praia e das rochas marinhas de cores 
videira, 
sangue e ar por meus pulmões, 
escuras, e do feno na tulha, 
O som das palavras bafejadas por minha voz . . . . palavras disparadas nos 
redemoinhos do vento, 
Uns beijos de leve . . . . alguns agarros . . . . o afago dos braços, 
Jogo de luz e sombra nas árvores enquanto oscilam seus galhos sutis, 
Delícia de estar só ou no agito das ruas, ou pelos campos e encostas de colina, 
Sensação de bem-estar . . . . apito do meio-dia . . . . a canção de mim mesmo se 
erguendo da cama e cruzando com o sol. 
 
 
 
Dois macacos de Bruegel 
Wislawa Szymborska 
 
É assim meu grande sonho sobre os exames finais: 
sentados no parapeito dois macacos acorrentados, 
atrás da janela flutua o céu 
e se banha o mar. 
 
A prova é de história da humanidade. 
Gaguejo e tropeço. 
 
Um macaco, olhos fixos em mim, ouve com ironia, 
o outro parece cochilar — 
mas quando à pergunta se segue o silêncio, 
me sopra 
com um suave tilintar de correntes.cruzando com o sol. 
 
 
 
Bela Adormecida 
Adélia Prado 
 
 
Estou alegre e o motivo 
beira secretamente à humilhação, 
porque aos 50 anos 
não posso mais fazer curso de dança, 
escolher profissão, 
aprender a nadar como se deve. 
 
No entanto, não sei se é por causa das águas, 
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas, 
Atitude ou se é por causa dele que volta 
e põe tudo arcaico, como a matéria da alma, 
se você vai ao pasto, 
se você olha o céu, 
aquelas frutinhas travosas, 
aquela estrelinha nova, 
sabe que nada mudou. 
 
O pai está vivo e tosse, 
a mãe pragueja sem raiva na cozinha. 
Assim que escurecer vou namorar. 
Que mundo ordenado e bom! 
Namorar quem? 
 
Minha alma nasceu desposada 
com um marido invisível. 
Quando ele fala roreja 
quando ele vem eu sei, 
porque as hastes se inclinam. 
 
Eu fico tão atenta que adormeço 
a cada ano mais. 
Sob juramento lhes digo: 
tenho 18 anos. Incompletos. 
 
 
 
AtitudeCecília Meireles 
 
 
 
Minha esperança perdeu seu nome... 
Fechei meu sonho, para chamá-la. 
A tristeza transfigurou-me 
como o luar que entra numa sala. 
 
O último passo do destino 
parará sem forma funesta, 
e a noite oscilará como um dourado sino 
derramando flores de festa. 
 
Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando 
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes. 
 
E um campo de estrelas irá brotando 
atrás das lembranças ardentes 
 
 
A Máquina do Mundo 
Carlos Drummond de Andrade 
 
E como eu palmilhasse vagamente 
uma estrada de Minas, pedregosa, 
e no fecho da tarde um sino rouco 
se misturasse ao som de meus sapatos 
que era pausado e seco; e aves pairassem 
no céu de chumbo, e suas formas pretas 
lentamente se fossem diluindo 
na escuridão maior, vinda dos montes 
e de meu próprio ser desenganado, 
a máquina do mundo se entreabriu 
para quem de a romper já se esquivava 
e só de o ter pensado se carpia. 
Abriu-se majestosa e circunspecta, 
sem emitir um som que fosse impuro 
nem um clarão maior que o tolerável 
pelas pupilas gastas na inspeção 
contínua e dolorosa do deserto, 
e pela mente exausta de mentar 
toda uma realidade que transcende 
a própria imagem sua debuxada 
no rosto do mistério, nos abismos. 
Abriu-se em calma pura, e convidando 
quantos sentidos e intuições restavam 
a quem de os ter usado os já perdera 
e nem desejaria recobrá-los, 
se em vão e para sempre repetimos 
os mesmos sem roteiro tristes périplos, 
convidando-os a todos, em coorte, 
a se aplicarem sobre o pasto inédito 
da natureza mítica das coisas. 
 
 
 
Soneto da Fidelidade 
Vinícius de Moraes 
 
De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento. 
Quero vivê-lo em cada vão momento 
E em louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento. 
E assim, quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama 
Eu possa me dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure. 
 
 
 
A Terra Desolada 
T. S. Eliot 
 
Abril é o mais cruel dos meses, germina 
Lilases da terra morta, mistura 
Memória e desejo, aviva 
Agônicas raízes com a chuva da primavera. 
O inverno nos agasalhava, envolvendo 
A terra em neve deslembrada, nutrindo 
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida. 
O verão; nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee 
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos 
E ao sol caminhamos pelas aleias de Hofgarten, 
Tomamos café, e por uma hora conversamos. 
Big gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch. 
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque, 
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó. 
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria, 
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos. 
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes. 
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno. 
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham 
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem, 
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces 
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol, 
E as árvores mortas já não mais te abrigam, 
nem te consola o canto dos grilos, 
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas 
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate. 
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate), 
E vou mostrar-te algo distinto 
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece 
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando; 
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó. 
 
 
 
 
Tabacaria 
Fernando Pessoa 
 
Não sou nada. 
Nunca serei nada. 
Não posso querer ser nada. 
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. 
Janelas do meu quarto, 
Do meu quarto de um dos milhões do mundo. 
que ninguém sabe quem é 
( E se soubessem quem é, o que saberiam?), 
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, 
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, 
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, 
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, 
Com a morte a por umidade nas paredes 
e cabelos brancos nos homens, 
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. 
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. 
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, 
E não tivesse mais irmandade com as coisas 
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua 
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada 
De dentro da minha cabeça, 
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. 
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. 
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo 
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, 
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. 
Falhei em tudo. 
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. 
A aprendizagem que me deram, 
Desci dela pela janela das traseiras da casa. 
 
 
 
Hugh Selwyn Mauberly 
Ezra Pound 
 
Vai, livro natimudo, 
E diz a ela 
Que um dia me cantou essa canção de Lawes: 
Houvesse em nós 
Mais canção, menos temas, 
Então se acabariam minhas penas, 
Meus defeitos sanados em poemas 
Para fazê-la eterna em minha voz 
Diz a ela que espalha 
Tais tesouros no ar, 
Sem querer nada mais além de dar 
Vida ao momento, 
Que eu lhes ordenaria: vivam, 
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor, 
Rubribordadas de ouro, só 
Uma substância e cor 
Desafiando o tempo. 
Diz a ela que vai 
Com a canção nos lábios 
Mas não canta a canção e ignora 
Quem a fez, que talvez uma outra boca 
Tão bela quanto a dela 
Em novas eras há de ter aos pés 
Os que a adoram agora, 
Quando os nossos dois pós 
Com o de Waller se deponham, mudos, 
No olvido que refina a todos nós, 
Até que a mutação apague tudo 
Salvo a Beleza, a sós. 
 
 
 
Poema XLIV 
Pablo Neruda 
 
Saberás que não te amo e que te amo 
pois que de dois modos é a vida, 
a palavra é uma asa do silêncio, 
o fogo tem a sua metade de frio. 
 
Amo-te para começar a amar-te, 
para recomeçar o infinito 
e para não deixar de amar-te nunca: 
por isso não te amo ainda. 
 
Amo-te e não te amo como se tivesse 
nas minhas mãos a chave da felicidade 
e um incerto destino infeliz. 
 
O meu amor tem duas vidas para amar-te. 
Por isso te amo quando não te amo 
e por isso te amo quando te amo. 
 
 
 
Blues Fúnebres 
W.H. Auden 
Tradução: Rodrigo Suzuki Cintra 
 
Parem todos os relógios, calem o telefone, 
Impeçam o latido do cão com um osso para a fome, 
Silenciem os pianos e com tambores chamem 
A vinda do caixão, deixem que os desconsolados clamem. 
 
Que aviões circulem no alto, um voo torto, 
Rabiscando no céu a mensagem: ele está morto. 
Que se coloque nos brancos pescoços de pombas coleiras pretas, 
E os guardas de trânsito usem luvas de algodão negras. 
 
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste, 
Minha semana de trabalho, um domingo campestre, 
Meu meio-dia, meia-noite, minha fala, minha canção; 
Eu pensava que o amor duraria para sempre: eu não tinha razão. 
 
Não me importam mais as estrelas; tirem-as da minha frente, 
Empacotem a lua, desmantelem o sol quente, 
Despejem o oceano, tirem as florestas de perto: 
Pois agora nada mais pode vir a dar certo. 
 
Funeral Blues 
W.H. Auden 
 
Stop all the clocks, cut off the telephone, 
Prevent the dog from barking with a juicy bone, 
Silence the pianos and with muffled drum 
Bring out the coffin, let the mourners come. 
 
Let aeroplanes circle moaning overhead 
Scribbling on the sky the message “He is Dead”. 
Put crepe bows round the white necks of the public doves, 
Let the trafficpolicemen wear black cotton gloves. 
 
He was my North, my South, my East and West, 
My working week and my Sunday rest, 
My noon, my midnight, my talk, my song; 
I thought that love would last forever: I was wrong. 
 
The stars are not wanted now; put out every one, 
Pack up the moon and dismantle the sun, 
Pour away the ocean and sweep up the wood; 
For nothing now can ever come to any good. 
 
 
Ulisses 
Alfred, Lord Tennyson 
 
De nada serve a um rei ficar inerte, 
No lar quieto, em meio à rocha infértil, 
Unido a esposa idosa, eu doo e imponho 
Iníquas leis a um bando de selvagens 
Que soma, e dorme, e engorda, e não me vê. 
Estou inquieto: Sorverei da vida 
A última gota: Sempre gozei muito, 
Sofri muito, com todos que me amaram, 
E só; em terra firme, ou arrastado 
Por negras correntezas irritadas 
Pelas Híades: Transformei-me em nome; 
Errante sempre, com ardente impulso 
Muito vi e conheci; cidades de homens 
E costumes, conselhos, climas, regras, 
E a mim mesmo, por todos sempre honrado. 
Traguei da pugna o gozo junto aos meus, 
Longe na Troia dos ventantes plainos. 
Sou parte, enfim, de tudo que encontrei; 
A experiência é um arco pelo qual 
Vislumbro um mundo inexplorado, cuja 
Margem se afasta sempre ao meu mover. 
Que tolice o parar, o dar um fim, 
Enferrujar assim, sem uso e brilho! 
Como se respirar fosse viver. 
Quão pouco, vidas sobre vidas! Desta, 
Pouco resta: mas cada hora é salva 
Do que é silêncio eterno, um algo além, 
Arauto do que é novo; vil seria 
Guardar-me, agrisalhando por três sóis, 
A alma cinzenta ardendo por seguir 
O saber como um astro que se afoga, 
Além do limiar do pensamento. 
Este é o meu filho, meu fiel Telêmaco, 
Para quem eu relego o cetro e a ilha – 
Meu bem-amado, hábil a cumprir 
Esse labor, prudente domador 
De um povo rude, e mansamente, aos poucos, 
Vai sujeitá-los ao que é bom e útil. 
Irreprochável, centra-se na esfera 
Dos deveres comuns, decente para 
Sutis ofícios, prestará tributos 
De justa adoração aos nossos deuses 
Quando eu me for. Ele obra o dele, eu o meu. 
Lá jaz o porto; O barco estufa as velas: 
Ensombram grandes mares. Meus marujos, 
Almas que lutam, sofrem junto a mim – 
Que, jubilosas, acolheram sempre 
Trovão e sol ardente, opondo frente 
E fronte livres – nós estamos velhos; 
Na velhice, persiste a honra e a luta; 
A morte é o fim: mas antes, algum feito 
Notório e nobre está por se fazer, 
Sem impróprios conflitos com os Deuses. 
Luzes estão a cintilar nas rochas: 
O dia míngua: a lua ascende: o abismo 
Gemendo em muitas vozes. Venham, homens, 
Não tarda a busca por um novo mundo. 
Partam, em ordem todos, e fulminem 
As sonoras esteiras; Meu intento 
É navegar além-poente, e sob 
Estrelas do ocidente, até morrer. 
Talvez vorazes golfos nos devorem, 
Ou então, nas Afortunadas Ilhas, 
Vejamos grande Aquiles, caro a nós; 
Mesmo perdendo muito, há muito à frente, 
Ainda que como antes não movamos 
A Terra e o Céu; O que nós somos, somos; 
O mesmo heroico peito temperado, 
Fraco por tempo e fado, mas forte a 
Lutar, buscar, achar, e não ceder. 
 
 
 
comer com dois garfos 
Carla Diacov 
 
eu gosto muito de você 
você tem um rosto bom 
dois olhos no lugar correto 
a boca que se movimenta quando 
é perguntada 
seu nariz tem a pontinha toda luminosa 
suas maçãs são rosadas e no tamanho perfeito 
para o seu tipo de rosto perfeito 
seus ombros me dizem coisas bonitas 
o espaço entre eles é bonito e cabível 
gosto quando você separa os joelhos só para juntar os joelhos de volta 
seu pé esquerdo é inquieto e o direito 
foi contaminado pelo esquerdo 
parece 
em sapatos corretos isso é perfeitamente 
contornável 
seus mindinhos são tortos 
mas isso é tão bonito quanto as luvas que te dei 
sua memória é seletiva 
mas conto com sua boca dócil 
gosto de você assim 
e assim porque assim você é linda 
porque você é linda porque você é meiga 
porque cabe atrás da minha orelha 
da minha história do meu casaco da minha mãe 
do meu currículo do meu retrato na escolinha tia Shush 
porque cabe atrás da minha orelha 
como um cigarro como uma menina com uma flor 
 
 
 
Nesta noite 
ninguém pode deitar-se: 
lua cheia. 
 
Matsuo Basho 
 
 
 
 
Relvas de verão 
sob as quais os guerreiros 
sonham. 
 
Matsuo Basho 
 
 
craquelada 
Natasha Felix 
 
tenho habitado muitos riscos. 
o baiacu inchado na garganta insiste em 
me competir o ar. como trepar em montevidéu 
e acordar no jaguaré: genealogia do deslocamento – 
me abstenho de maiores explicações. 
li piva como quem toma chá de camomila com canela 
assim descobri que o erro é um bacanal lotado de ex 
marido. não dá pra ler piva antes do dejejum de uma 
segunda-feira do mesmo jeito que não dá pra esperar 
o baiacu sair da garganta por vontade divina. tenho 
ficado muito quieta & 
no silêncio a evidência me expõe: 
a memória das sereias do tejo, essa eu invejo; das 
prostitutas da Mongólia tenho os mesmos dentes 
vermelhos. não sei onde guardei as fotos da 
ultima ida ao mercadão de são paulo. onde deixei 
o molho de chave, onde foi parar aquele gozo na páscoa de 98, 
o jornal pra embalar os cacos de vidro, não sei onde. o 
baiacu espinha minha glote, me impede a distância. 
mesmo assim eu e o que restou das minhas 
lembranças tombadas – nebulosas e uruguaias 
como você – 
no ringue, 
lutando contra o peixe, eu. 
 
 
 
A mulher é uma construção 
Angélica Freitas 
 
a mulher é uma construção 
deve ser 
a mulher basicamente é pra ser 
um conjunto habitacional 
tudo igual 
tudo rebocado 
só muda a cor 
particularmente sou uma mulher 
de tijolos à vista 
nas reuniões sociais tendo a ser 
a mais mal vestida 
digo que sou jornalista 
 
(a mulher é uma construção 
com buracos demais 
 
vaza 
a revista nova é o ministério 
dos assuntos cloacais 
perdão 
não se fala em merda na revista nova) 
você é mulher 
e se de repente acorda binária e azul 
e passa o dia ligando e desligando a luz? 
(você gosta de ser brasileira? 
de se chamar virginia woolf?) 
 
a mulher é uma construção 
maquiagem é camuflagem 
 
toda mulher tem um amigo gay 
como é bom ter amigos 
 
todos os amigos tem um amigo gay 
que tem uma mulher 
que o chama de fred astaire 
 
neste ponto, já é tarde 
as psicólogas do café freud 
se olham e sorriem 
 
nada vai mudar - 
nada nunca vai mudar - 
 
a mulher é uma construção 
 
 
 
POESIA: "words set to music" (Dante via Pound), "uma viagem ao desconhecido" (Maiakóvski), "cernes e medulas" (Ezra 
Pound), "a fala do infalável" (Goethe), "linguagem voltada para a sua própria materialidade" (Jákobson), "permanente 
hesitação entre som e sentido" (Paul Valéry), "fundação do ser mediante a palavra" (Heidegger), "a religião original da 
humanidade" Novalis), "as melhores palavras na melhor ordem" (Coleridge), "emoção relembrada na tranqüilidade" 
(Wordsworth), "ciência e paixão" (Alfred de Vigny), "se faz com palavras, não com idéias" (Mallarmé), "música que se faz 
com idéias" (Ricardo Reis/Fernando Pessoa), "um fingimento deveras" (Fernando Pessoa), "criticism of life" (Mathew 
Arnold), "palavra-coisa" (Sartre), "linguagem em estado de pureza selvagem" (Octavio Paz), "poetry is to inspire" (Bob 
Dylan), "design de linguagem" (Décio Pignatari), "lo impossible hecho possible" (García Lorca), "aquilo que se perde na 
tradução" (Robert Frost), "a liberdade da minha linguagem" (Paulo Leminski)..." 
 
 
Receita para um dálmata 
Gregório Duvivier 
 
 
Pegue um papel, ou uma parede, ou algo 
que seja quase branco e bem vazio. 
Amasse-o até que tome forma 
de um animal: focinho, corpo, patas. 
 
Em cada pata ponha muitas unhas 
e em sua boca muitos dentes. (Caso 
queira, pinte o focinho de qualquer 
cor que pareça rosa). Atrás, na bunda, 
 
ponha um fiapo nervoso: será seu 
rabo. Pronto.Ou quase: deixe-o lá 
fora e espere chover nanquim. Agora 
 
dê grama ao bicho. Se ele rejeitar, 
é dálmata. Se comer (e mugir), 
é uma vaca que tens. Tente outra vez. 
 
 
 
Um vestido longo 
Gertrude Stein 
 
O que é a corrente que faz maquinaria, que a faz crepitar, que é a corrente que apresenta 
uma longa linha e uma cintura necessária. Que é esta corrente. 
O que é o vento, o que é ele. 
Onde está a serena extensão, está lá e um lugar escuro não é um lugar escuro, só um branco 
e vermelho são preto, só um amarelo e verde são azul, um rosa é escarlate, um laço é toda cor. 
Uma linha a distingue. Apenas uma linha a distingue. 
 
Belo Horizonte 
Ana Martins Marques 
 
[1] 
Um dia vou aprender a partir 
vou partir 
como quem fica 
 
[2] 
Um dia vou aprender a ficar 
vou ficar 
como quem parte 
 
O paradoxo 
Sarah Kay 
 
Quando eu estou aqui dentro, escrevendo 
Só consigo pensar que devia estar lá fora, vivendo. 
 
Quando estou lá fora vivendo 
Só consigo pensar em tudo que dá para escrever. 
 
Quando eu leio sobre amor, acho que devia estar por aí, amando. 
Quando eu amo, eu acho que devia ler mais. 
 
Estou tropeçando, procurando graça 
Eu caço a paciência com fervor. 
 
Nas manhãs quando os músculos cansados do meu irmão 
agarravam-se ao travesseiro, meu pai costumava dizer para ele, 
 
Para cada momento que você não está jogando basquete 
Alguém está na quadra praticando. 
 
Eu gasto a maior parte do tempo imaginando 
Se eu devia estar em outro lugar. 
 
Então aprendi a formar as palavras “muito obrigado” 
Com a primeira respiração da manhã, e na última a cada noite. 
 
Quando minha hora chegar, pelo menos eu vou saber que eu fui grata 
por todos os lugares onde eu tinha certeza que não deveria estar. 
 
Todos aqueles lugares aonde cheguei, 
todos amores que tive, todas palavras que escrevi. 
 
E mesmo que seja por apenas um momento, 
Estarei exatamente onde eu deveria estar. 
 
 
Conceição Evaristo 
 
Uma gota de leite 
me escorre entre os seios. 
Uma mancha de sangue 
me enfeita entre as pernas 
Meia palavra mordida 
me foge da boca. 
Vagos desejos insinuam esperanças. 
Eu-mulher em rios vermelhos 
inauguro a vida. 
Em baixa voz 
violento os tímpanos do mundo. 
Antevejo. 
Antecipo. 
Antes-vivo 
Antes – agora – o que há de vir. 
Eu fêmea-matriz. 
Eu força-motriz. 
Eu-mulher 
abrigo da semente 
moto-contínuo 
do mundo. 
 
 
Gertrude Stein 
 
Bandeiras vermelhas a razão para bandeiras bonitas. 
E laços, 
Laços de bandeiras 
E material de vestir, 
Dar prazer. 
Me dê as regiões. 
As regiões e a terra. 
As regiões e as rodas. 
Todas rodas são perfeitas. 
Entusiasmo. 
 
Um cervo ferido pula mais alto 
Ray Kurtweil´s Cybernetic Poet 
 
Um veado ferido pula mais alto, 
Eu ouvi o narciso 
Eu ouvi a bandeira hoje 
Eu ouvi o chamado do caçador; 
Nada mais é que o êxtase da morte, 
E quando o intervalo está quase no fim, 
E o amanhecer tão próximo, 
O amanhecer tão próximo, 
Que podemos tocar o desespero 
E a esperança frenética de todas as eras.

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