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Crença verdadeira justificada é conhecimento? Edmund L. Gettier Nos últimos anos, várias tentativas foram feitas para enunciar condições necessárias e suficientes para que alguém conheça uma dada proposição. As tentativas freqüentemente foram tais que podem ser enunciadas numa forma semelhante à seguinte:1 (a) S sabe que [ou conhece] P sss (i) P é verdadeira, (ii) S acredita que P, e (iii) S está justificado em acreditar que P. Por exemplo, Chisholm sustentou que as condições necessárias e suficientes para o conhecimento são dadas por:2 (b) S sabe que P sss (i) S aceita P, (ii) S possui evidência adequada para P, e (iii) P é verdadeira. Ayer enunciou as condições necessárias e suficientes para o conhecimento da seguinte maneira:3 (c) S sabe que P sss (i) P é verdadeira, (ii) S está seguro de que P é verdadeira, e (iii) S tem o direito de estar seguro de que P é verdadeira. Irei argumentar que (a) é falsa no sentido de que as condições ali enunciadas não constituem uma condição suficiente para a verdade da proposição de que S sabe que P. O mesmo argumento mostrará que (b) e (c) falham se ‘está justificado em acreditar que’ for substituído em todos os lugares por ‘possui evidência adequada para’ ou por ‘possui o direito de estar seguro que’. Começarei observando dois pontos. Primeiro, no sentido de ‘justificar’ no qual o fato de S estar justificado em acreditar em P é uma condição necessária para S saber que P, é possível que uma pessoa esteja justificada em acreditar numa proposição que é, na realidade, falsa. Em segundo lugar, para qualquer proposição P, se S está justificado em acreditar que P, e P implica Q, e S deduz Q de P, e aceita Q como resultado dessa dedução, então S está justificado em acreditar em Q. Tendo em mente esses dois pontos, irei agora apresentar dois casos em que as condições enunciadas em (a) são verdadeiras para alguma proposição, embora, ao mesmo tempo, seja falso que a pessoa em questão conhece aquela proposição. Edmund L. Gettier, ‘Is justified true belief knowledge?’, publicado originalmente em Analysis 23(1963), pp. 121-123 (Oxford: Blackwell Publishers, 1963). Reimpresso em Sven Bernecker e Fred Dretske (eds) - Knowledge: Readings in Contemporary Epistemology (Oxford: Oxford University Press, 2000), pp. 13-15, com permissão do Comitê Analysis, Queen’s College, Cambridge. 1 Platão parece considerar uma definição desse tipo em Teeteto 201, e parece talvez aceitar uma em Mênon 98. 2 Roderick M. Chisholm, Perceiving: a Philosophical Study (Ithaca, New York: Cornell University Press, 1957), p. 16. 3 A. J. Ayer, The Problem of Knowledge (London: Macmillan, 1956), p. 34. E. Gettier - Crença verdadeira justificada é conhecimento? 2 Caso I: Suponha que Smith e Jones se candidataram para um certo emprego. E suponha que Smith possui forte evidência para a seguinte proposição conjuntiva: (d) Jones é aquele que irá conseguir o emprego, e Jones tem dez moedas no seu bolso. A evidência de Smith para (d) pode ser que o presidente da companhia lhe assegurou que Jones acabaria sendo selecionado, e que ele, Smith, contou as moedas do bolso de Jones dez minutos atrás. A proposição (d) implica que: (e) Aquele que irá conseguir o emprego tem dez moedas em seu bolso. Suponhamos que Smith vê a implicação de (d) para (e), e aceita (e) com base em (d), para a qual ele possui forte evidência. Nesse caso, Smith claramente está justificado em acreditar que (e) é verdadeira. Porém imagine, ademais que, sem que Smith saiba, seja ele mesmo, e não Jones, que vá conseguir o emprego. E também que, sem que Smith saiba, ele mesmo tenha dez moedas no seu bolso. Então a proposição (e) é verdadeira, embora a proposição (d), a partir da qual Smith inferiu (e), seja falsa. Em nosso exemplo, portanto, todas as seguintes [condições] são verdadeiras: (i) (e) é verdadeira, (ii) Smith acredita que (e) é verdadeira, e (iii) Smith está justificado em acreditar que (e) é verdadeira. Porém é igualmente claro que Smith não sabe que (e) é verdadeira; pois (e) é verdadeira em virtude do número de moedas no bolso de Smith, ao passo que Smith não sabe quantas moedas estão no bolso de Smith, e baseia sua crença em (e) numa contagem das moedas no bolso de Jones — que ele acredita, erradamente, ser aquele que irá obter o emprego. Caso 2: Suponhamos que Smith possui forte evidência para a seguinte proposição: (f) Jones tem um Ford. A evidência de Smith pode ser que Jones, ao Smith se lembra, sempre teve um carro no passado, e sempre um Ford, e que Jones acabou de oferecer uma carona a Smith enquanto dirigia um Ford. Imaginemos agora que Smith tem um outro amigo, Brown, cujo paradeiro ele ignora completamente. Smith escolhe três nomes de lugares, totalmente ao acaso, e constrói as seguintes três proposições: (g) Ou Jones tem um Ford ou Brown está em Boston; (h) Ou Jones tem um Ford ou Brown está em Barcelona; (i) Ou Jones tem um Ford ou Brown está em Brest-Litovsk. Cada uma dessas proposições é implicada por (f). Suponhamos que Smith percebe a implicação, a partir de (f), de cada uma dessas proposições que ele construiu, e passa a aceitar (g), (h) e (i) com base em (f). Smith inferiu corretamente (g), (h) e (i) a partir de uma proposição para a qual ele possui forte evidência. Smith está, portanto, plenamente justificado em acreditar em cada uma dessas três proposições. Smith não tem, é claro, a menor idéia de onde está Brown. E. Gettier - Crença verdadeira justificada é conhecimento? 3 Porém imagine agora que valem duas outras condições. Primeiro, Jones não tem um Ford, mas está no momento dirigindo um carro alugado. E, em segundo lugar, por uma incrível coincidência, e inteiramente sem o conhecimento de Smith, ocorre que o lugar mencionado na proposição (h) é realmente o lugar onde se encontra Brown. Se essas duas condições valem, então Smith não sabe que (h) é verdadeira, ainda que (i) (h) seja verdadeira, (ii) Smith acredite que (h) é verdadeira, e (iii) Smith esteja justificado em acreditar que (h) é verdadeira. Esses dois exemplos mostram que a definição (a) não especifica uma condição suficiente para que alguém conheça uma dada proposição. Os mesmos casos, com as modificações apropriadas, bastam para mostrar também que nem a definição (b) nem a definição (c) logram fazê-lo. [Tradução para o português por Valter A. Bezerra.]
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