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Aprendendo Logica Vicente Keller Cleverson L. Bastos EDITORA VOZES 11 EDIÇÃO A E O Urma das maiores dificuldades que o professor de filosofia encontra na sua atividade magistral é conse MUir ds aluiKDS COnCacnacO SC qüência, ordem no discurso falado e scrito. Qualquer sistema ou doutri- na lilosóficos, nan obstante a diver Siclade e o pluralismo de suas posi es, sempre procura uma coerência nterna para sC caracterizar como episteme, ou, em outras palavras, deve ter uma lógica interna. A história da lógica acompanha Oxo a arco do desenvolvimento do ensamento ocidental, Considerada come "orgão (na tradição aristote lica), ou identificada como a própria filosofia (Hegel), Ou ligando-se a matemática (lógica simbólica). A obra dos professores Clever SOne V icente, apaixenados estudio- SOsde Filosofia e mestres em Didá- iea, responde ao duplo desafio que CNO da logIca reqUcr cicmtitic dade c, ao mesmo tempo, boa expe encia didática, evitando as elucu braçoes e sofisticação denasiacda de tantos textos de lógica. Recomendamos a obra a todos S Cstudantes de Filosolia c a todos Os universitários. Ela é úil e im- portantc para alcancar, além da Iécnica tfpica das regras 16gicas, uma coerência e disciplina mental, indispensáveis para qualquer traba- lho sério de pesquisa c aperfeiço- ncndo interior. Muitas discussões inúteis seriam evitadas se houvesse um mínimo entendimento sobre tcrmos, palavras envolvidas nas Capitulo III MEIOS DE CONVENCIMENTOD iariamente, através dos meios de comunicação, principal- mente, são veiculadas as mais diversas informaçocs. Algu mas derntre elas podem ser resgatadas para servir de introdução ao que se passa a tratar agora. Em 1988, não foi uma nem duas vezes, noticiou-se a presença de Urutus nas ruas e portas de fabricas. Personagens da vida pú- blica brasileira fizeram alusão ao possivel uso de tal meio de con- venciento Durante a greve dos professores no Paraná (ago. 1988), o g0 verno estadual distribui nota à imprensa, a guisa de esclarecimen- to, divulgando os "ganhos e aumentos salariais" concedidos aos professores, ao mesmo tempe em que convocava a população para Cxigir o retorno às aulas. Indices de estatistica são freqüentemente utilizados com a fi- nalidade de se alterar a legislação. Como exemplo, o fato de que se Comete, no Brasil, anualmente, um certo número de abortos clan- destinos, legitimaria a moção para a sua legalização. Há alguns anos atrás, no polêmico julgamento de Raul "Doca" Street, o advogado de defesa, em nome da "legítima defesa da honra, ataca a Vida mOral da vitima, que por sinal não podia mais se defender; ou, em delito semelhante, a defesa apela para a psico- grafia de Chico Xavier para inocentar o réu. Quando dos debates sobre o mandato de governo e o regime, I1 onstituinte, muito se ouviu falar que aqueles que não concor- davam com seis ou cinco anos, que não concordavam porque, na 23 verdade, tratava-se de uma perseguição pessoal, sem outro lunda- mento que não o da subversão da ordem; ou ainda valia-se de tal impasse para justificar as açoes ineficientes do governo na solução do grande problema social. No dia 27 de março de 1989, ano da elcição presidencial, ao fazer um comentário ofical sobre as dificuldades do Plano Verão, perante um indice de intlação superior a 6% (seis por cento), o porta-voz da presidencia faz a seguinte advertência, mais ou me nos nesses termos: "uma hiperinflação amcaça as instituições c pOe em I1sco 0 processO de trasiçao democrática. a ponto de se ter que adiar as eleiçoes presidenciais Existem diversas maneiras de se convencer alguém. Tais mo0- dos de "convencimento" em uma linguagcm mais técnica, são chamados de argumentos, dentre os quais alguns são corretos ou legitimOs e outrOS sao incorretos Ou ilegitimos. Os meios de con- Vencimento citados nos paragralos antersores pertencenm à catego- Ta dos Incorretos e principalmente ilegitimos, porque fazcm a in- Icligencia "titubear Tais arguincntos tem como raiz ctimológica a palavra sfalo (do grego) c fallere (do latim), que dão origem ao lermo falacia Sofismas ou lalácias são raciocinios que pretendem de- monstr ar com0 verdadeiros os argumentos que logicamente são Alsos. Sua efici ncia consiste em transferir a argumentação do plano lógico para o psicológico ou lingüistico, servindo-se da lImgungem, que pode ser usada tanto de um modo expressivo como dle modo informativo, visando assim despertar emoçoes e SCnlimentos que dão Anu nei a uma conclusao, mas não con- Vencem logica11ente. 3.1. Tipos de sofismas güistico c outro psicológico. Convém lembrar que muitas delas Tecebeam nomes latin0s, que são mantidos por fazerem parte, tra- dicionalmente, da linguagem lógica. As lalácias podem ser reunidas em dois grandes grupos, um 3.1.1 Grupo Psicológico: está relacionado com a uransferência para o plano psicologico. Conclusão irrelevante (Ignoratio elenchi) quando se con duz a argumentacao para uma coclusao, intenc1Onalmente ou 1não, que não é garantida pelas consideraçoes emquestão. Conclui algo que não tem nada a ver com o contexto em questão. sto se dá por inteligencia confusa, ou com prévia intenção de confundir o interloCutor Exemplos de lal argumentaçao podeim ser encontra dos nas justificativas politicas quce se dão em prol de um progresso uturo ncerto, para obras públicas, em detrimento de questoes emergenciais como: alimentaÇao escolar, ensino publico, ateridi inento à saude, habitaçao. H Outra situação que ilustra este tipo de falácia éa que pode ser utilizada para incriminar alguem, tratando-se demoradamentc do horror do deio semm considerT OS atenuantes c as eXCeçoes que 1OSsa haver e1 determinadoS Casos Petição de principio (Petilio Principii Quando se presSu- põe como certo o que se deveria ter demonstrado, ou sea, a con clusao a que leva um raciocInro c Cxtrada de um ponto de partida, Sendo que o quc se cquer prOvar c exatamente a veracidade deste Onto de partida. stc tpo de alacia e encomtrado treqüentemente a filosofia, mas 11ão deixa de fazer parte da vida cotidiana, como0 quando 0 adulto, talveZ cmbaraçado diante da pergunta de uma Criança, dá de antemao como certo aquilo mesmo sobre o que a Criança pede explieaçao Excmplo: A cegonha existe? Ora, se Hao existisse voce nao estaria aqu Na filosofia pode ser lembrada a explicação que Rousseau presenta para a origemn da socicdade. Segundo ele, a sociedade Cxiste cm virtudc de um contrato social, de onde surgem os deve res sociais. A petição está no fato de se pressupor a existêneia de al contrato que gera obrigaçaO, Sem demonstrar a coligação de homens que ainda nao VIViam cm socicdadee como o contrato po- deria gerar devercs, sc antes não havia a obrigação de respeita-los. Circulo viciosoNeste caso ambos, o ponto de partida e a conclusäo, carecem de demonstração. Um é demonstrado pclo ou- Iro, formando assim um circulo. Um cxemplo desta faláciä é cn- contrado na cxplicação: a inflação, aumento generalizado de pre ços, corrói o poder aquisitivo dos salários, que precisam ser au- Imentados. Este aumento de salários, por sua vez, gera a necessida- de de se elevar os preços dos produtos (caracteristica da inflação) para o pagamento doS Imesmos salários. Falsa causa (Non causa pro causa post hoc ergo propter hoc)-Consiste no sofisma de atribuir a um fenômeno uma falsa causa ou concluir como scndo causa dele aquilo que somente o an- tecedeu. Muitas yCzes a falsa causa está relacionada com fatores ideológicos ou miticos integrados à cultura, criando relações arti- ficiais e não naturais, 0 que se pode ch1amar de pensaIiento supcrs- ticioso, espelho quebrado causa sete anos de azar; 0 pipilar de uma Coruja Sobre a Soleira da casa c presSagio d morte, lazer uma "Simpatia" é garantir a rcalização de um desej0, Cruzar com umgato preto ou passar.debaixo de escadas da azar. Por outro lado, não é erro incomum atribuir causalidade aqul- lo que é mera sucessäo, tal como juistiticar o caoS politico e econ0- mico do pais com o argumento que afirma que isto passou a acon- tecer porque os Sindicatos se organizaram, promovendo greveS, passeatas, distürbios; ou, simplesmente, tomar um determinado cha, durante tantos dias, cura o resfriado; ou ainda que a AIDS é fruto da liberalização sexual e correspondente decadencia dos va- lores, Nos trés casos, ao verificar que um determinado fato se dáá após outro, conclui-se que o primeiro é causa do segundo, sem ou- tro apo10 que nao a mera sucessao. Causa coumQuando dois acontecinmentos relacionados entre si são tomados um como causa do outro, sem considerar quee ambos São causados por um terceiro. E comum a afirmação de quue OS programas de televIsão caIsam a clccadenCia moral da socieda- de, semm levar e11n conta quc tanto a programaçäo como 0s proprios valores Imorais São LrutOS de outros fatores, tais como ideias filosú- Ticas, disputa de poder, interesses econöimico-politicos, que não São consideralos, vendo-se a decadeI1cia co1110 a causa da progra maçaoOu que a programação é causa da degradação moral. -Generalização apressada (enumeração imperfeita ou indu- ção viciosa) acontece quando se atribui ao todo o que é própriode uma parte. Verifica-se quando, a partir de uma obsCrvaçãosobre umn caso tipico, esta passa a scr estendida a casos atipicos. E o caso em que a exceção considera-se como regra. Exemplo disto encontra-se COmumnente noS preconceitos, em que o comportamento exceptivo 26 deste ou daquele individuo torna-se a regra discriminatória de todo ogrupo ou classe a que ele pertence. Com base nesta falácia são ri dicularizados, através de piadas, grupos como: negros, portugue- ses, padres, sogras, médicOs... Porque um ou alguns fizeram ou cometeram este ou aquele ato, não se segue que os outros indiví- duos pertencentes a tal grupo ajam da mesma maneira. Acidente acontece quando se recorre a regras gerais, não levando em consideração as possíveis exceções às quais a regra não se aplicaria. Trata-se de atribuir a um caso particular regras gerais, não levando em conta circunstâncias acidentais, que tornam a regra inaplicável. Incorre-se neste erro quando se julga ou tenta-se prever O comportamcnto de um indivídu0 com base no comporta- 1mento que a maioria teve a dada situação. Assim basta lembrar as normas gerais: não matar; não furtar. Há casos, em circunstâncias especiais, em que tais regras não se aplicam ou até mesmo exigerm uma regra contrária. Contra o homem (Ad hominem). Utilizado para refutar uma posição ou afirmação de alguém. A estratégia, neste caso, consiste cm atacar diretamente a pessoa em questão ou atacá-la pela cir- cunstância especial em que cla se encontra. Constitui-se como fa- lácia porque a verdade ou a falsidade de uma posição ou afirma ção independe do caráter ou situação circunstancial de uma pes- soa. Este meio de convencimento é encontrado, de modo evidente, em campanhas eleitorais, onde, ao invés de demonstrar a inviabi- lidade das propostas ou projetos dos opositores, parte-se para ata- ques pessoais, visando destruir a imagem do outro candidato, fazen- do levantamento a cerca de seu comportamento "irregular Exem- plo: quando se inviabiliza a candidatura de alguém, apoiando-se no Tato de cstar com idade avançada ou ter saúde precária, está-se co- metendo o argumento contra o homem chamado circunstancial, porquc visa a situação e não diretamente a pessoa dele. Por outro lado, quando a pessoa em questão é chamada de "múmia" ou "ve lho gagá então tem-se o argumento contra o homem, ofensivo, Dorguc neste caso, o homem fo1 atingido diretamente Recurso à força (Ad baculum) - Incorre nesta falácia quem Usa de força ou, sutilmente, recorre.àameaça do uso da força na tenativa de convencer a alguém. Em uma negociação salarial, porI CxOmplo, o patrão pode lembrar sutilmente que existem muitas pessoas desempregadas, que trabalhariam de bom grado por tal sa lário; ou ainda o professor que diante de uma situação dificil lem- bra a data da prova. Em linguagem mais clara, trata-se da "lei do velho oeste ganha quem saca primeiro. -Apelo à ignorância (Ad ignorantiam). Baseia-se na suposi- ção de quue uma tese é verdadeira ou falsa, porque ainda não se de- monstrou claramente a sua contrária. Na jurisprudência, existe o beneficio da dúvida, que garante a inocência de um réu até prova em contrário. Tal princípio é legítimo porque fundamenta-se nos direitos humanos e não puramente em questões lógicas, constitu- indo assim uma exceção. Além do que, em certas circunstâncias, é razoável supor que a ignorância acerca de um fato, que por uma investigação rigorosa poderia se descobrir e se mantém ignorado, seria considerado como prova em seu favor. No entanto, é falacio- so ou sofistico usar da ignorância do outro para sustentar uma tese como, por exempo, atirmar que:"Como não há conhecimento e registro de transmissão de AlDS em consultório dentário,se con- clui que não há perigo de contaminação, pois embora a saliva con tenha vírus, sua concentração é baixa, o que não representa peri- go" (declaração efetuada por ocasião de um Congresso de Odon- tologia, em 1989). Apelo à piedade (Ad misericordiam)-6 a utilização de chantagem emocional, nem sempre claramente perceptível, para forçar a adesão de alguém a certo ponto. E induzir à compaixão para conseguir o intento que se pretende, dirigindo-se a um inter- locutor bem cspecifico. E a forma de convencimento favorito de alguns pais que para demover opiniðes ou atitudes dos filhos pro- curam, consciente ou inconscientemente, produzir neles um senti- mento de culpa em relação a tal opinião ou atitude, ao dizer: "pode viajar, não tem problema, talvez você não me encontre vivo quan- do voltar" Em um tribunal, o advogado de defesa pode apelar, por exem- plo, para o fato de que os filhos do réu ficarão desprotegidos e abandonados caso ele seja condenado. Neste caso, além do apeclo à misericórdia, incorre-se na falácia de elenco irrelevante, pois o as- sunto em foco é deixado de lado, uma vez que se passa a tratar dos sentimentos que se seguiräo á sentença. 28 - Populismo (Ad populum)- enquanto o apelo à piedade visa um interlocutor em específico, a falácia do populismo tenta atingir a massa. Busca conseguir a concordância da multidão para o que intenta, valendo-se de outras falácias como o elenco irrelevante, falsa causa, apelo à piedade, causa comum... principalmente jo- gando com a vaidade, sentimentos de patriotismo (ou bairrismo), auto-estima, status. Basta lembrar o resultados de pesquisas divulgadas por parti dos em vésperas de elciçõcs, que têm a firme intenção de angariar a simpatia da multidão para um candidato determinado, ou então as campanhas publicitárias que tentam convencer o consumidor sobre as qualidades deste ou daquele produto através de associa- ção psicológica com as cores nacionais, liberdade, status, esnobis- mo e outros subterfügios. Apelo à autoridade (Ad verecundiam)- E critério válido para sustentar uma posição apelar para o testemunho de alguém, que se constitui como autoridade reconhecida no específico cam- po do conhecimento a que tal posição se refere. No entanto, va- lcr-se do testemunho de outrem, reconhecida autoridade em um determinado campo do saber, pelo simples fato de ser uma autori- dade, para apoiar posições que estão fora de sua especialização, é cometer a falácia do recurso à autoridade. E"nomal encontrar comerciais cmque artistas ou desportis- tas garantem as propricdades fabulosas do produto em questão, Valendo-se de sua imagem. O mesmo ocorre em muitas outraS ocasioes, debates em programas de televisã0, onde os participan- les são jornalistas, artistas, donas-de-casa,políticos, que apresen- lam soluções nos mais diversos campos da ciência como: medici- a, psicologia, sociologia.. Pergunta complexa-Pela combinação de duas ou mais per- guntas em uma só, procura-se confundir o interlocutor, que, des- prevenido, se apressa em responder rapidamente, sem se aperce- ber que, em verdade, tal pergunta admite duas respostas distintas, quc não podem ser resolvidas com um simples "sim" ou "não". Um homem, por exemplo, acusado de roubo, é inquirido insisten- temente por um repórter: ""Você está arrependido do que fez?" Di- ntc da insistência do repórter, 0 acusado acaba por responder sim, dando ocasião para que o repórter complemente: "então bei você confessa que cometeu o roubo!" Em uma situação como a se- melhante, nem sempre é perceptível a intenção maliciosa de quem faz a pergunta. A formulação da pergunta já pressupunha a confis- são do acusado, e, portanto, qualquer resposta direta através de um "sim" ou um "'não" só faria confirmar o que aprópria pergunta induzia como resposta. No caso, se o acusado respondesse com um "não", a conclusão seria: "Então quer dizer que você não ad mite o delito e nem ao menos se arrepende?" A formulação de questões em forma de pergunta complexa não é utilizada somente por repórteres, mas tambémé uma estrat�- gia comum de promotores e advogados de defesa, que não medem esforços para induzir seus interlocutores a dizer aquilo que cles querem que seja dito. 3.1.2. Grupo lingiüistico: trata-se da transferência do plano lógico para o plano das funçoes dialógicas da linguagem. Lembra Edward Lo- pes, em sua obra Fundamentos da lingüística contemporânea, que na comunicação entram fatores segundo Jacobson, seis -que po- dem servir para transmitir um conteúdo intelectual, exprimir ou ocultar emoçõcs e desejos, para hostilizar ou atrair pessoas, incenti- var ou inibir contatos e ainda para, simplesmente, evitar o silêncio. Resulta daí quc a atribuição de sentido a uma mensagem depende de saber previamente para qual dos fatores ou fiunções ela se desti- na. O que constitui sofisma ou falácia é o servir-se erroneamente destas funções para o convencimento de alguem. -Equivoco-Trata-se da utilização de uma mesma palavra, que tem sentidos totalmente diferentes para coisas diferentes. Em lingua- gem lógica, a palavra chama-se "termo oral", o que quer dizer: a) Termo Indica o fim de um processo. O processo de apreender mentalmente alguma coisa. Não basta ter imagens mentais acer ca das coisas, é necessário poder expressar esta representação aos outrOS. b) Oral -A expressão se dá, por convenção, através de signos lin- güisticos, que se manifestam oralmente, falando. Por isto, em lógica, chama-se termo oral ou escrito a expressão dos concei- tos que rcpresentam intelectualmente as coisas. O equívoco consiste em utilizar-se de um termmo que, por ser polivalente, pode provocar no ouvinte, intencionalmente, uma re- 30 presentação mental diversa, levando-o a concluir falsamente. Alguém poderá tentar convencer a outrem da seguinte verdade: Um prisio neiro não pode agir contra a lei, porque, pelo fato de já ser prisio- neiro, cle não tem liberdade; e quem é privado de liberdade é justa- mente aquele que não pode agir. Na expressão desta verdade, existem os seguintes termos equivocos: liberdade, tomada na acepção fisica e jurídica; ação, tomada nas acepções fisica e juridica. Anfibologia- Trata-se não mais de termos aplicáveis a con- textos diferentes, mas de frases ou proposições, que, por terem construção gramatical ambigua, induzem a uma interpretação er rônea. Em.outros termos, trata-se de um jogo de palavras que dá a falsa impressão de cstar no contexto correto. O oráculo de Delfos é famoso pelas respostas apresentadasa quem o consultava: Sjyphnos era uma ilha grega bastante próspera, graças às suas minas de ouro e prata. Quando uma delegação desta ilha consulta o oráculo a respeito da duração de sua prosperidade, é advertida: "Desconfiai da coorte de madeira e do arauto verme- lho..." Alguns mescs depois, a ilha é visitada por uma frota sauria na (coorte de madeira). Os navios estão pintados de vermelho. O comandante vai atéa terra (arauto vermelho), cm busca de um em préstimo, que, por desconfiança, Ihe é negado. Diante da negativa, a ilha é saqueada. A interpretação dos ilhéus foi errônea porque, temendo o "calote", acabaram por ser saqueados. O rei Creso, antes de atacar Ciro (Tei da Pérsia), por sua vez, recebe a seguinte resposta: "Se Creso declarar guerra à Pérsia, verá a destruição de um grande cxército... Creso declara a guerra cé vencido. Ao queixar-se ao oráculo, Creso obtém a seguinte ex- plicação: o grande exército que seria destruído era o seu. Enfase Dentre as funções dialógicas da linguagem, as que interessam à lógica são: função referencial, cmotiva e conativa. A função referencial diz respeito à mensagem que se rcfere a um contexto, transmitindo um significado e fazendo surgir idéias e conceitos no interlocutor. Por outro lado, a mesma mensagem pode ser usada para acentuar o estado emocional de quem fala ou intimidar ou inibir o outro. 31 Ao se usar a linguagem com intenções emocionais, ela passa a ter função conotativa ou emotiva e, ao ser usada coma intenção de coibir, ela tem função conativa ou encantatória. Ao utilizar-se da linguagem, algu�m poderá fazê-lo de três maneiras diferentes: uma mensagem pode ser usada para simples- mente veicular um contexto, que para ser entendido pressupõe so- mente a competência lingüística dos membros falantes. No entan- to, a mesma mensagem pode ser acentuada em alguma ou algumas de suas palavras para produzir no receptor uma compreensão so- bre o estado psicológico de quem fala (cmissor), que deste modo tenta angariar a anuência dos outros para o seu objetivo. A palavra ou palavras acentuadas visam intimidar sutilmcnte o receptor, à semelhança do argumento ad baculum. Composição- Trata-se de um conflito verbal entre as pro- priedades de classes diferentes, que podem ser atribuídas sucessi- vamente e não simultancamente. gnorar tal distinção é cometer a falácia de composição. A falácia é cometida, por exemplo, ao se atribuir ao todo e às partes propriedades simultâneas. O fato de a fotografia das cenas de um filme ser perfcita não autoriza classifi- car todo o filme como perfeito. No entanto, embora exista o todoe lhe falte uma seqiüência inteligivel, a atribuição de perfeito valeria as partes e ao todo sucessivamente, mas não simultancamente. Divisão-Eoprocesso inverso da composição. Trata-se de atribuir a uma classe dois predicados que Ihe cabem simultanea mente, mas não sucessivamente. Por exemplo, ao afirmar que os homens estão desaparecendo porque os índios estão desaparecen- do e são homens, comete-se a falácia de divisão, pois os predica dos índios e homens são simultâneos e não sucessivos. EXERCÍCIOS IDENTIFICAR E EXPLICAR OS SOFISMAS: 1. Qucem é livre não pode se sujeitar a nenhuma autoridade. Como o homem pode ser definido por sua liberdade... 2. Górgias (483-375 aC), na sua obra Sobre o não ser, nega a realidade das coisas. Resumidamente: a. Nada existe, 32 b. se existisse algo, não poderíamos conhecer; C. Se pudéssemos conhecer, não poderíamos comunicá-lo a outrem. Demonstra da seguinte maneira: a. Nada existe se algo existe, ou é ser ou não ser ou os dois juntos. Que o não ser não existe é evidente. Que o ser existe: se existe é eterno, criado ou ambas as coisas. Se é eterno, � infinito e, se infinito, não está em nenhum lugar; se em nenhum lugar, não existe. Criado também não pode ser, pois para isto seria necessário que o fosse do ser ou do não ser. Do não ser não pode vir, poiso não ser não pode gerar. Do ser também não, pois o que já existe não precisa ser gerado. Portanto, nada existe. b. Se existisse alguma coisa, não poderia ser conhecida -o mundo real não é o que a razão pensa dele. Coma razão, pode-se pensar o que existe ou o que não existe (o real ou a fantasia). Pode ser que tudo o que se pensa não passe de fantasia, imaginação. Conclui-se que o ser não é pensável... c. Se fosse possivel conhecer, não seria possivel comunicá-lo a outros-como se comunica a outros o que se conhece? Pela lin- guagem. Eo que é a linguagem? Um simnples ruído. Então, como se pode fazer do ruido um meio para conhecer o que não éruído? Assim como o visivel não pode tornar-se audivel e vice-versa, as- sim o ser, pois que subsiste fora (da razão), não pode transfor- mar-se em palavras. 3. Zenão de Eléia (504-460 aC). Argumentação contra a per- cepção dos sentidos: Se se derrama um saco de trigo no chão, ouve-se um ruído; mas se se joga um só grão, não se percebe ruído algum. Ora, se um grão não produz ruído, dois também não produ- zirão, nem 10, nem 1000 grãos. Se se percebe o ruído, isto é ape- nas um engano dos sentidosS. 4. Identificar todas as falácias do texto extraído de Sidney Sheldon. A ira dos anjos. São Paulo, Nova Cultural, 1988, p. 187-191. Numa manhã de quarta-feira, no inicio de agosto, come- çou o julgamento de "Connie Garret x Nationwide Mo- tors Corporation. Normalmente, o julgamento merece ria apenas um ou dois parágrafos nos jornais. Mas, como 33 Jennifer Parker estava representando a querelante, os meios de comunicação compareceram em peso. Patrick Maguire sentou à mesa da defesa, cercado por um batalhão de assistentes vestidos em ternos cinza conservadores. Oprocesso da escolha do júri começou. Maguire estava quase indiferente, pois sabia que Connie Garrett não ia comparecer ao tribunal. A presença de uma linda jo- vem, sem pernas nem braços, seria uma alavanca pode- rosa com que arrancar uma vultosa quantia de um júri... mas não haveria a jovem e não haveria a alavanca. Desta vez", pensou Maguire, "Jennifer Parker foi mais esperta do que ela própria'". Ojúri foi finalmente selecionadoeojulgamento come- çou. Patrick Maguire fez a sua declaração de abertura, e Jennifer não pôde deixar de reconhecer que ele real mente era muito bom. Discorreu longamente sobre a di- ficil situação da pobre Connie Garrett, falando todas as coisas que Jennifer planejara dizer e privando-a assim de toda a sua carga emocional. Comentou o acidente, ressaltando que Connie Garrett escorregara no0 gelo e que o motorista do caminhão não tivera qualquer culpa. A querelante está pedindo, senhoras e senhores do júri, uma indenização de cinco milhöes dólares.Maguire sacudiu a cabeça, com uma expressão de incredulidade. -Cinco milhões de dólares! Já viram tanto dinheiro as sim? Eu nunca vi. Minha firma representa alguns clien- tes abastados, mas quero Ihes dizer que em todos os meus anos de exercicio da advocacia nunca vi um mi- lhão de dólares... ou sequer meio milhão de dólares Pelas expressões dos jurados, Maguire podia perceber que eles também nunca tinham visto. - A defesa vai apresentar testemunhas para Ihes contar como o acidente aconteceu. E foi de fato um acidente. Antes de terminar o julgamento, vamos provar que a Nationwide Motors não teve absolutamente qualquer responsabilidade. Já devem ter notado que a pessoa que está movendo a ação, Connie Garrett, não está no tribu- nal hoje. A sua advogada informou ao Juiz Silverman 34 que a querelante não irá comparecer. Connie Garrett não está neste tribunal hoje, como deveria estar, mas posso lhes dizer onde se encontra. Neste momento, en- quanto estou de péaqui a lhes falar, Connie Garrett está sentada em sua casa a contar o dinheiro que acha que vão lhe proporcionar. Está esperando que o telefone to- que e sua advogada lhe diga quantos milhões de dólares conseguiu arrancar de vocês. "Vocês e eu sabemos per feitamente que, sempre que ocorre um acidente, e há uma grande corporação envol- vida, mesmo que indiretamente... há pessoas que logo vão dizer: Ora, a companhia é rica. Pode se dar ao luxo de pagar. Vamos arrancar tudo o que pudermos" Patrick Maguire fez uma pausa. Connie Garrett não está neste tribunal hoje porque não pode encará-los. Ela sabe que o que está tentando tazer e imoral. Pois vamos fazer com que sua advogada saia daqui com as mãos vazias, como uma lição para outras pessoas que possam sentir-se tentadas a fazer a mesma coisa no futuro, Uma pessoa tem de assumir a responsabilidade por suas próprias ações. Se escorregar em um pouco de gelo na rua, não se pode culpar o ir mão rico por isso. E não se deve tentar lesá-lo em cinco milhões de dólares. Obrigado. Ele virou-se e fez uma ligeira mesura para Jennifer, en- caminhando-se depois para a mesa da defesa e sentan- do-se. Jennifer se levantou e aproximou-se do júri. Exami- nou o rosto de cada um, tentando avaliar a impressão causada por Patrick Maguire. -Meu estimado colega Ihes disse que Connie Gar rett não comparecerá ao tribunal durante este julgamen- to. Isso é correto. -Jennifer apontou para um lugar va- zio na mesa da querelante, - E ali que Connie Garrett deveria estar sentada, se estivesse aqui. Mas não naque la cadeira. Numa cadeira de rodas especial. A cadeira em que ela vive. Connie Garrett não está neste tribunal, mas todos terão uma oportunidade de conhecê-la, como eu própria passei a conhecê-la. 35 Patrick Maguire franziu o rosto, perplexo. Inclinou-see sussurrou para um de seus assistentes. Jennifer continu- ou a falar: Fiquei escutando Mr. Maguire falar tão eloqüente- mente e quero lhes dizer quue fiquei comovida. Fiquei constrangida porque essa corporação de bilhões de dó- lares está sendo implacavelmente atacada por uma jo vem de vinte e quatro anos que não tem braços nem per nas... uma jovem que, neste momento, está sentada emn sua casa aguardando gananciosamente o telefonema que lhe dirá que está rica. Jennifer baixou a voz: Rica para fazer o que? Sair e comprar diamantes para as mãos que não possui? Comprar sapatos de baile para os pés que não possui? Comprar lindos vestidos que nun- ca poderá usar? Um Rolls Royce para levá-la às festas para as quais jamais será convidada? Pensem um pouco em toda a diversão que ela poderá ter com esse dinheiro. Jennifer falava calmamente, com uma sinceridade pro funda, os olhos deslocando-se lentamente pelos rostos dos jurados. Mr. Maguire nunca viu cinco milhões de dólares de uma só vez. Eu também não. Mas uma coisa posso di- zer: se oferecessem a qualquer um de vocês neste mo- mento cinco milhões de dólares, pedindo-lhes em troca apenas que deixassem cortar seus braços e pernas, não creio que cinco milhões de dólares fossem lhes parecer tanto dinheiro assim.. Jennifer fez uma pausa e depois explicou: A lei, nestes casos, é muito clara. Num julgamento an terior, que a querelante perdeu, os réus estavam consci- entes de que havia um defeito no sistema de freio de seus caminhões. Ocultaram esta informação da quere lante e do tribunal. Esta é a base para o novo julgamento que estamos agora realizando. De acordo com recente pesquisa do governo, os fatores que mais contribuem para acidentes de caminlhões envolvem as rodas e os pneus, os freios eo sistema de direção. Se examinarem estes dados por um momento... 36 Patrick Maguire estava avaliando o júri, algo em que era um perito. Enquanto Jennifer discorria sobre estatís- ticas, Maguire podia perccber que os jurados começa- vam a ficar entediados com o julgamento. Estava se tor- nando técnico demais. O julgamento não mais envolvia uma jovem aleijada, sem braços nem pernas. Era sobre caminhoes, distâncias seguras para se frear, tambores de freios defeituosos. Os jurados estavam perdendoo interesse Maguire olhou para Jennifer e pensou: "Ela não é tão esperta quanto diziam" Maguire sabia que, se estivesse do outro lado, defendendo Connie Garrett, ignoraria in- teiramente as estatísticas e problemas mecáânicos, con- centrando-se nas emoçõesdo júri. Jennifer Parker fize- ra exatamente o oposto. Patrick Maguire recostou-se na cadeira e relaxou. Jennifer estava se aproximando do juiz. Meritíssimo, coma permissão deste tribunal, eu gos- taria de introduzir uma prova. -Que espécie de prova?- perguntou o Juiz Silverman. Quandoo julgamento começou, prometi ao júri que iria conhecer Connie Garrett. Como não pôde comparecer pessoalmente a este tribunal, eu gostaria de ter permis- são para apresentar algumas imagens dela. O Juiz Silverman disse: Não vejo qualquer objeção. -E virou-se para Patrick Maguire. O advogado de defesa tem alguma objeção? Patrick Maguire levantou-se, avançando devagar, pen sando depressa. Que espécie de imagens? - Algumas imagens de Connie Garrett em casa. Patrick Maguire teria preferido que não fossem apre- sentadas fotografias. Mas, por outro lado, simples fotogra- fias de uma jovem aleijada, sentada numa cadeira de ro- das; eram certamente muito menos dramáticas que o seu comparecimento ein pessoa. E havia outro fator a consi- derar: se ele objetasse, a reação do júri seria desfavorável. 37 E ele disse, generosamente: -Não tenho qualquer objeção. Pode mostrar. - Obrigada. Jennifer virou-se para Dan Martin e acenou com a cabe- ça. Dois homens no último banco dos espectadores avançaram com uma tela portátil e um projetor de cine-ma, começando a montá-los. Patrick Maguire tornou a se levantar, surpreso. Ei, espere um pouco! O que é isso? Jennifer respondeu, com um ar de inocência As imagens que concordou em que eu mostrasse. Patrick Maguire ficou imóvel, em silêncio, furioso. Jen- nifer nada falara sobre um filme. Mas era tarde demais para levantar uma objeção. Ele acenou com a cabeça bruscamente e tornou a sentar-se. Jennifer mandou instalar a tela de forma a que o júri e o Juiz Silverman pudessem assistir com toda a clareza. PodemOs apagar as luzes, Meritíssimo? Ojuiz fez sinal para um funcionário. As cortinas foram fechadas, quase todas as lâmpadas apagadas. Jennifer encaminhou-se para o projetor de dezesseis milímetros e ligou-o. As imagens surgiram na tela. Pelos trinta minutos seguintes, nâo se ouviu qualquer ruido no tribunal, a não ser o zumbido do projetor. Jen- nifer contratara um cinegrafista profissional e um jo- vem diretor de comerciais para fazerem o filme. Eles filmaram um dia na vida de Connie Garrett. E eram uma história de horror, verdadeira, realista. Nada fora deixado à imaginação. O filme mostrava a linda jovem sem braços nem pernas sendo tirada da cama pela ma- nha, carregada para o banheiro, lavada como um bebê desamparado, tomando banho.. sendo alimentada e vestida... Jennifer já assistira ao filme por diversas ve- zes. Agora, ao vê-lo novamente, sentiu o mesmo aperto na garganta, seus olhos ficaram marejados de lágrimas. Ela sabia que estava causando o mesmo efeito no juiz, jurados e espectadores. 38 Quando o filme terminou, Jennifer virou-se para o Juiz Silverman e disse: A querelante nada mais tem a acrescentar.
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