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Dengue

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Dengue 
	Mais importante das arboviroses (viroses transmitidas por artrópodes) sendo transmitida pelo Aedes aegypti. A forma clássica é caracterizada por uma síndrome febril aguda, autolimitada e que leva a um quadro de mialgia. Existe a forma hemorrágica da dengue (FHD) que possui uma letalidade de 5-50% dependendo da precocidade e eficácia do atendimento médico. O vírus é um flavivírus de RNA filamento único. Existem quatro sorotipos: Den-1, Den-2, Den-3 e Den-4.
	Cerca de 100 países apresentam epidemias esporádicas ou surtos de dengue. Na América só não está presente no Canadá e no Chile por questões climáticas e de altitude. A transmissão se dá quase sempre por vetores hematófagos. O mosquito adquire o vírus se alimentando de sangue de algum individuo infectado, na fase de viremia, que começa um dia antes do aparecimento da febre e vai até o 6° dia de doença. Após 8-12 dias ele está apto para transmitir o vírus para outro ser humano. O mosquito possui uma capacidade de voo limitada, então ao retirar os focos de transmissão, de água parada, você retira o mosquito de perto. Os ovos são capazes de resistir ao dessecamento, como uma nova chuva, por exemplo, ficam aptos de novo. Seus ovos podem permanecer viáveis por até um ano. O vírus também pode ser transmitido via transovariana da fêmea para sua prole. As epidemias ocorrem com o aumento explosivo de casos, geralmente no verão. Existem relatos de transmissão vertical, mas ainda são necessários mais estudos a respeito. A forma hemorrágica é mais comum em pacientes com história prévia de dengue que se infectaram novamente com um vírus de sorotipo diferente.
	Após a inoculação, o vírus replica inicialmente nas células mononucleares dos linfonodos locais ou nas células musculares esqueléticas, produzindo uma viremia. No sangue, penetra nos monócitos, sofrendo sua segunda replicação. Com isso, se dissemina por todo o organismo. Seu tropismo é por macrófagos/monócitos e depois pelas células musculares, o que explica a mialgia. A replicação viral estimula produção de citocinas por macrófagos e linfócitos Th específicos que interagem com HLA II. A síndrome febril provavelmente se dá pela liberação dessas citocinas, principalmente TNF-alfa e IL-6. A resposta imunológica aparece já na primeira semana e tanto a resposta celular quanto a humoral atual nesse processo de controle da doença. Linfócitos TCD8 citotóxicos são capazes de destruir as células infectadas pelo vírus. A partir do 4° dia o IgM antidengue já pode ser identificado, atingindo o pico no final da primeira semana. Os IgG surgem na primeira semana e tem seu pico na segunda semana, e podem ficar positivos por anos. 
	A dengue hemorrágica ocorre, geralmente, em pessoas que já pegaram dengue e depois volta a se infectar com um sorotipo diferente. A chance é maior quando a segunda infecção é pelo sorotipo tipo 2. Em termos de virulência, na ordem decrescente, temos tipo 2, 3, 4 e 1. Na primeira infecção, o organismo produz anticorpos neutralizantes contra aquele tipo de sorotipo, denominados de anticorpos homólogos. Esses anticorpos também oferecem proteção para outros sorotipos, porem por alguns meses ou poucos anos. Se o mesmo sujeito for infectado anos mais tarde por um sorotipo diferente, os anticorpos não serão mais capazes de neutralizá-los. Para o novo sorotipo, são considerados anticorpos heterólogos, de caráter subneutralizante. Isso é a base para a teoria de Halstead. Nessa teoria, a ligação de anticorpos heterólogos ao vírus facilita sua penetração em macrófagos por opsonização. Ou seja, uma quantidade muito maior de vírus ganha o interior desses fagócitos, onde podem se proliferar em larga escala, aumentando a viremia e estimulando mais citocinas. Isso vai estimular mais linfócitos TCD4 causando uma retroalimentação. 
	Após a infecção, uma dessas evoluções pode ocorrer: infecção assintomática, dengue clássica, dengue hemorrágica e manifestações menos frequentes, como hepatites. Para os casos sintomáticos, o período de incubação varia de 5-6 dias.
	Caso suspeito de dengue é febre com até 7 dias de duração acompanhada de dois ou mais dos seguintes achados: cefaleia, dor retroorbitária, mialgia, artralgia, prostração e exantema (pruriginoso ou não). Paciente deve ter estado em área com transmissão nos últimos 15 dias. A notificação deve ser feito em suspeitos e confirmados. 
	A dengue clássica é a forma mais comum da doença. A primeira manifestação é a febre alta de início abrupto, acompanhada ou seguida de cefaleia, dor retroorbitária, mialgia intensa, artralgias, náuseas, vômito, anorexia e prostração. Exantema morbiliforme ou escarlatiniforme centrífugo, podendo ser pruriginoso ou não. Dor abdominal é mais comum em crianças. Pode ter hepatomegalia dolorosa e fenômenos hemorrágicos, geralmente leves, como petéquias, equimoses, epistaxe e gengivorragia. Esses fenômenos não são exclusivos da forma hemorrágica. O achado laboratorial mais comum é leucopenia com linfocitose relativa. Pode haver trombocitopenia leve e hematócrito costuma estar normal. Aminotransferases podem subir especialmente a AST (TGO) atingindo valores 2-3x da referência. 
	Na dengue hemorrágica, os principais fatores de risco são: história de dengue prévia, infecção atual pelo sorotipo 2, lactentes de mães com passado de história de dengue, crianças menores que 12 anos, sexo feminino, raça branca e marcadores genéticos. O que define essa forma não são as hemorragias e sim o fenômeno de extravasamento plasmático, que leva a hipovolemia relativa, edema do interstício, derrames cavitários e choque. Quando ocorre hemorragia, geralmente são mais graves, como hemorragia no SNC. A maioria dos pacientes se recupera e melhora em 7-10 dias. Sintomas iniciais são iguais da dengue clássica. A partir do terceiro dia podem começar fenômenos hemorrágicos e derrames cavitários. Prova do laço costuma ser positiva e precede fenômenos hemorrágicos mais graves. A prova do laço é feita em todos os pacientes que não tem hemorragia espontânea. Insufla o manguito até a média da pressão arterial aferida (PAS + PAD)/2 e faz um quadrado no antebraço de 2,5 cm de lado. Em adultos demora 5 minutos e criança 3. Se aparecer 20 ou mais petéquias no adulto e 10 ou mais na criança, o teste é positivo e representa fragilidade capilar ou dengue hemorrágica grau 1. Entre o terceiro e sétimo dia, a febre começa a cair e os sinais hemodinâmicos aparecem. Sinais de alarme devem ser pesquisados e sua evolução para estado de choque é muito rápida. Derrame pleural é visto em 80% dos casos e a ascite é o segundo acometimento mais comum. Pode ter as seguintes complicações: encefalopatia, SDRA, insuficiência hepática fulminante, disfunção miocárdica e/ou insuficiência renal.
A febre hemorrágica da dengue é caracterizada por febre ou história de febre recente com duração de sete dias ou menos; confirmação laboratorial específica, manifestações hemorrágicas evidenciadas por um ou mais (prova do laço positiva, petéquias, equimoses, púrpuras, sangramento de mucosa, sangramento TGI, etc.), extravasamento de plasma (hematócrito maior ou igual a 20% do normal, queda do hematócrito após tratamento, presença de derrame pleural, ascite e hipoproteinemia) e trombocitopenia. Pode ter leucopenia, aumento das Aminotransferases e alteração nas provas de coagulação (alargamento do TP, PTTA e redução do fibrinogênio sérico). 
A dengue hemorrágica tem 4 graus:
Grau 1: prova do laço positiva sem manifestações hemorrágicas ou instabilidade hemodinâmica. 
Grau 2: fenômenos hemorrágicos espontâneos.
Grau 3: PA convergente, hipotensão arterial, pulso fraco, taquicardia, pele pegajosa e fria e inquietação.
Grau 4: choque profundo, com pulso imperceptível e PA inaudível. 
No diagnóstico diferencial, a dengue clássica se parece com várias outras doenças, por isso o exame físico deve ser completo. Leucocitose significativa com desvio para esquerda praticamente afasta o diagnóstico de dengue e sugere infecção bacteriana ou leptospirose. Vale lembrar que anemia aplásica e leucemiaaguda cursam com citopenias graves e febre. O diferencial é que na dengue não se espera anemia moderada a grave. A dengue hemorrágica pode ser confundida com malária, febre amarela, leptospirose, hepatite viral e sepse. A icterícia normalmente exclui dengue. 
Para diagnóstico utiliza-se a sorologia, lembrando que a mesma não diferencia os diferentes sorotipos e pode dar reação cruzada com outros flavivírus, como o da febre amarela. Os métodos que eram disponíveis era HAI (inibição da hemoaglutinação) e ensaio imunoenzimático para IgG (ELISA). O titulo da HAI se eleva a partir do 5° dia. Atualmente o teste mais utilizado é o MAC-ELISA, que detecta IgM antiviral a partir do 6° dia e permanece positivo por cerca de um a três meses. O padrão ouro é isolamento viral com técnicas de imunofluorescência. A detecção de antígenos NS1 é até o quinto dia de doença (teste rápido). Outras técnicas é o RT-PCR.
O tratamento se baseia no alivio dos sintomas com analgésicos, antitérmicos, antieméticos e antipruriginosos, com ênfase na hidratação (oral nos casos leves e intravenosa nos casos graves). Salicilatos (AAS) e outros AINES são contraindicados. Quando a febre costuma diminuir é que aparecem os sinais de alarme, que indicam o extravasamento plasmático, portanto todo paciente deve ser reavaliado no período de defervescência. 
Existe a chamada abordagem clínico-evolutiva, onde os pacientes com dengue são divididos em quatro grupos. Se os médicos seguissem à risca o protocolo, a mortalidade da dengue seria menos de 1%.
Grupo A. Caso suspeito de dengue, sem sinais de alarme, sem sinais de hemorragia espontânea e induzida (prova do laço negativa). Paciente sem comorbidades e sem condições clínicas especiais (menor de dois anos, maior de 65 e gestantes). Exames para confirmar diagnóstico só são necessários em situações não-epidêmicas. Hemograma e outros exames não-específicos são critérios do médico. O tratamento é ambulatorial com hidratação oral (80ml/kg/dia). 
Grupo B. Caso suspeito de dengue, sem sinais de alarme, porém com sangramentos espontâneos (petéquias, equimoses) ou induzidos (prova do laço positiva). Também entram nesse grupo os portadores de comorbidades crônicas ou condições clínicas especiais. Exames específicos e hemograma (deve ser liberado resultado em no máximo 2/4 horas) são obrigatórios. Outros exames são critérios do médico. O tratamento é feito com hidratação oral até chegar o resultado do hemograma. Se hematócrito normal: manter prescrição e avaliar paciente no ambulatório diariamente. Se hematócrito aumentado manter paciente internado para hidratação oral supervisionada. Se precisar de hidratação venosa, utilizar soro fisiológico. 
Grupo C. Caso suspeito de dengue com a presença de sinal de alarme. Manifestações hemorrágicas presentes ou ausentes. Sinais de alarme são: dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, hipotensão ortostática, hepatomegalia dolorosa, hemorragias importantes, sonolências e/ou irritabilidade, diminuição da diurese, hipotermia ou queda abrupta da temperatura, desconforto respiratório, aumento repentino do hematócrito e queda abrupta de plaquetas. Exames específicos, inespecíficos (Aminotransferases, albumina sérica, RX de tórax, USG de abdome) e hemograma são sempre obrigatórios. No tratamento paciente deve ser internado por pelo menos 48 horas e todos devem receber hidratação venosa como soro fisiológico 20ml/kg/h em 2 horas. Fazer reavaliação clínica e se hematócrito ainda não tiver normalizado, repetir. Se resposta inadequada após três fases de expansão, seguir conduta do grupo D. Se resposta adequada, fase de manutenção. 
Grupo D. Caso suspeito de dengue com sinais de choque (pressão convergente, hipotensão arterial, pulso fino e rápido, extremidades frias e cianóticas e enchimento capilar lento), desconforto respiratório ou disfunção grave de órgãos. Manifestações hemorrágicas presentes ou ausentes. Exames específicos são sempre obrigatórios, bem como alguns inespecíficos (hemograma, Aminotransferases, albumina sérica, RX de tórax, USG de abdome). Outros exames como glicose, gasometria arterial, eletrólitos, ecocardiograma podem ser solicitados conforme indicação médica. No tratamento, o paciente deve ser internado em terapia intensiva (UTI).
Critérios para a alta hospitalar (são necessários todos). Ausência de febre por mais de 48 horas, sem uso de antitérmicos. Melhora visível do quadro clínico. Hematócrito normal e estável por 24 horas. Plaquetas em ascensão e acima de 50000. Estabilização hemodinâmica durante 48 horas. Derrames cavitários, quando presentes, em regressão e sem repercussão clínica. 
A profilaxia da dengue consiste no controle do vetor, seja por medidas individuais ou coletivas. Dentre as individuais temos a erradicação de criadouros peridomiciliares. Também tem medidas de erradicação do vetor com inseticidas UBV.

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