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Pandora e Eva, a curiosidade feminina aliada à desgraça humana

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Pandora e Eva, a curiosidade feminina aliada à desgraça humana, 
sob visão da antiguidade 
 
Tamara Costa Mesquita 
Graduanda do curso de Letras Português/Licenciatura (UECE) 
Orientador: Prof. José Alves 
 
 
Resumo 
Através de analogia feita entre mitos relacionados à criação da mulher, 
principalmente com os de Pandora, Eva e Lilith, envolvendo por extensão a criação do 
mundo e da própria humanidade. Busca-se neste artigo: investigar o contexto em que 
surgiram tais mitos, suas contribuições para a cultura das civilizações da antiguidade. E, 
primordialmente, sua relação com a misoginia, procurando o porquê de, conforme 
encarado por muitos daqueles que se propuseram a uma pesquisa mais minuciosa à 
cerca do assunto, atribuir a desgraça humana às mulheres. 
Palavras-chave: Pandora; Eva; Lilith; criação da mulher; misoginia. 
 
Abstract 
 
Through analogy made between myths, which relate woman´s creation, and 
especially myths about Pandora, Eva and Lilith, involving by extension the creation of 
the world and of the mankind. The aim of this essay is: looking into the situations and 
reasons in which these myths appeared and their contributions to the culture of the 
ancient civilizations. Primarily, it is important to know the relation between misogyny 
and such myths, trying to know why some searchers that made a detailed search about 
this subject, made women guilty of all the disgraces of the humanity. 
Key-words: Pandora; Eva; Lilith; woman’s creation; misogyny. 
 
Introdução 
 
 Tomando por base principal o mito de Pandora e Prometeu, conforme a versão 
de Hesíodo, considerando outras versões encontradas também, que estabelece a 
condição humana sob ponto de vista da mitologia grega, em contraste com o mito 
hebraico-cristão de Adão e Eva, de acordo com a Bíblia de edição pastoral (1999). 
Podemos estabelecer traços de consonância entre as duas histórias, de modo a 
possibilitar a compreensão de como pensavam os povos da antiguidade no que se refere 
à criação da humanidade e o porquê de como foram estabelecidas tais condições de 
vida. 
 Assim como também, através do resgate de outros mitos complementares aos 
supracitados, que participam do processo de criação do mundo e da humanidade: a 
primeira companheira de Adão, Lilith, de acordo com outras culturas como a judaica, 
conforme artigo da autoria de Ester Zuzo de Jesus. E o mito que justifica a pequena 
participação da mulher grega da antiguidade na política da época: sobre a escolha da 
divindade protetora da cidade de Atenas. Estes reforçam a ideia que aqui será 
apresentada no que diz respeito à misoginia (ódio ou desprezo ao sexo feminino; grego 
“misos=ódio”, “gyné=mulher”). 
1. Mito de Prometeu e Pandora versus Adão e Eva 
a. Mito de Pandora 
 
LEFEBVRE, J.J.. Pandore. 1882. Coleção privada. 
Baseado na poesia de Hesíodo, responsável por tomar em escrito os mitos 
transmitidos pelas gerações gregas através da oralidade, além das versões do Dicionário 
de Mitologia grega e romana de Georges Hacquard (1996), dentre outras variações 
encontradas em alguns artigos. O mito tem início quando o titã Prometeu provoca a ira 
de Zeus ao enganá-lo com a divisão de um sacrifício, conforme o trecho que segue 
extraído de “Teogonia: A origem dos deuses”(1995), de Hesíodo: 
Quando se discerniam Deuses e homens mortais 
em Mecona, com ânimo atento dividindo ofertou 
grande boi, a trapacear o espírito de Zeus: 
aqui pôs carnes e gordas vísceras com a banha 
sobre a pele e cobriu-as com o ventre do boi, 
ali os alvos ossos do boi com dolosa arte 
dispôs e cobriu-os com a brilhante banha. 
(...) 
Falou por astúcia. Zeus de imperecíveis desígnios 
soube, não ignorou a astúcia; nas entranhas previu 
males que aos homens mortais deviam cumprir-se. 
Com as duas mãos ergueu a alva gordura, 
raivou nas entranhas, o rancor veio ao seu ânimo, 
quando viu alvos ossos do boi sob dolosa arte. 
Por isso aos imortais sobre a terra a grei humana 
queima os alvos ossos em altares turiais. 
(...) 
negou nos freixos a força do fogo infatigável 
aos homens mortais que sobre a terra habitam. 
(HESÍODO, 1995. p.104) 
 
 
 Assim, irado, Zeus nega o fogo aos homens. Fogo esse que é uma metáfora à 
sabedoria, ou ao “conhecimento divino”, conforme cita um artigo (Os segredos de 
Pandora) postado em blog, cuja tradução e releitura estão sob autoria de Cléber Lupino 
(2011). Encarregados, respectivamente, pela modelagem e distribuição de atributos dos 
seres, Prometeu e Epimeteu, irmãos titãs: conforme própria etimologia da palavra o 
primeiro é “aquele que pensa antes”, enquanto o outro significa o inverso, “aquele que 
pensa depois”, segundo o artigo de Keila Maria de Faria. Quando perceberam que das 
características próprias para sobrevivência de cada espécie, como: asas, nadadeiras, 
entre outros, o homem não as havia recebido (versão: O livro de ouro da Mitologia – 
histórias de deuses e heróis – 2002), Prometeu resolve “roubar” um pouco do fogo 
outrora proibido, em prol dos homens. 
 Descoberta a segunda ofensa do titã, o maior dos deuses resolve aplicar castigos, 
tanto aos dois, pelo furto, como aos homens por tê-lo aceitado. Prometeu é acorrentado 
a uma rocha, onde tem diariamente seu fígado devorado por abutres, sendo liberto por 
Heracles durante os Doze trabalhos. 
Os homens são castigados com um presente que, conforme a própria etimologia 
da palavra, corresponde a algo como um “belo mal”, de acordo com os comentários de 
Mary Camargo (1996), em Os trabalhos e os dias, no nome Pandora. 
Pandora é criada por Hefesto a mando de Zeus, recebendo dos outros deuses os 
“dons”, que variam entre as diversas versões existentes do mito. Em todo caso, as 
características dadas a ela seriam uma descrição das que seriam, de modo geral, comuns 
a todas as mulheres. Há versões em que esta é enviada a Prometeu que, desconfiado de 
Zeus, não aceita e aconselha o irmão para que faça o mesmo. No entanto, como sugere o 
nome, Epimeteu é o que “pensa depois”, assim aceita o presente sem receio. Outras 
apontam que Epimeteu é presenteado diretamente, logo que Zeus sabe da astúcia do 
outro irmão. 
Junto de Pandora, há um segundo presente que a acompanha, divergindo 
também quanto à forma e o modo como chega a Epimeteu. Há citações que se referem a 
uma caixa, prevalecendo a ideia de um vaso ou ânfora, por inclusive favorecer a 
construção da metáfora do objeto do qual Pandora é portadora, com seu próprio corpo. 
Isso será abordado mais adiante neste artigo. 
Enquanto, há textos em que a ânfora é entregue como presente de casamento ao 
casal, Epimeteu e Pandora; ou a acompanha desde o primeiro momento em que é 
entregue, dentre outros modos. Importando realmente que, por curiosidade, 
característica dada como “dom” pelos deuses, ela viola o vaso libertando todos os males 
que vinham presos no objeto, restando ao fundo o que seria a esperança. Esperança essa 
que, segundo comentários de Mary Camargo (idem), não passa de uma especialização 
da palavra “expectação”, para tradução de “Elpis”, utilizada no original. Assim, não 
tendo como afirmar que seja benigna, maligna, ou nem um, nem outro. A mais 
acreditada é a ideia benigna, mas a mais coerente é a que aponta como a depender de 
“quem tem a esperança”, conforme extraído do artigo cuja tradução e releitura são 
atribuídas a Cléber Lupino: 
 
Uma vez que a Esperança estava na caixa juntamente com todos os males da 
Humanidade, ela é um mal que aflige a Humanidade também. Bom, talvez 
quando as pessoas têm a tendência de se agarrar à Esperança de que tudo 
melhorará e não vê que lhes cabe fazerem por mudar as coisas. A Esperança 
pode conduzir à inação ou servircomo desculpa para ela. Talvez a Esperança 
seja o Mal mais sorrateiro para alguns, pois aparenta ser boa, apesar de lerda e 
dependente. 
 
 
Assim, é o modo como se acredita, pela mitologia grega, que o homem foi 
castigado por ter aceitado o fogo da sabedoria, sendo obrigado a trabalhar para manter a 
si e sua família, com o advento da criação da mulher. Anterior ao acontecimento, para 
reprodução dos homens, não se fazia necessário cópula com gênero feminino da 
espécie. Inclusive Pandora não é vista como integrante do mesmo grupo dos homens, 
conforme Keila Maria: 
 
Desta forma, a criação de Pandora transforma a mulher num elemento 
estranhamente complexo: Pandora é um ser tripartite. Ela não integra o Olimpo 
e nem o mundo humano: é ao mesmo tempo parte deusa (rosto semelhante às 
deusas imortais), parte mortal (voz e forma humana) e outra parte animal - 
espírito de cão e dissimulada conduta (HESÍODO, Os trabalhos e os dias, v.61-
67 apud FARIA, 2008), fome de zangão (Teogonia, v. 594-599 apud FARIA, 
2008). Diante de tal complexidade da mulher o processo de alteridade se 
tornou bastante difícil, as mulheres constituíam uma espécie a parte, um ser 
exógeno. Diante de tal concepção ocorreu um estranhamento à mulher, 
dificultando interação entre as duas esferas: masculina e feminina. Diante deste 
estranhamento os gregos antigos acabaram desenvolvendo uma subvalorização 
do elemento feminino, a mulher passou vista somente como um ser inferior, 
cuja função se restringia à procriação. 
b. Adão e Eva 
Apesar de também compreender uma história transmitida de forma oral, 
posteriormente, trazida para o meio escrito; por estar armazenada na Bíblia, livro que 
possui grande tom de veracidade em razão das religiões que a tem como livro sagrado, 
não tem tantas variações quanto ao seu enredo, como o mito de Pandora. 
A história fica compreendida entre os capítulos 2 e 3, do livro Gênesis, nos 
versículos que seguem até o número 24 do último capítulo citado. Na Bíblia de edição 
pastoral, o capítulo 3 é titulado “A origem do mal”, abrindo o tópico do livro: 
“Ambiguidade humana e graça de Deus”. A história tem início quando durante a criação 
do mundo, Deus põe o homem, modelado por ele com a argila do solo, trazido à vida 
através de seu sopro, no jardim do Éden. 
Conforme o livro Gênesis, componente da Bíblia, o jardim de Éden é entregue 
ao homem para que este o guardasse. Javé Deus autoriza que o homem coma do fruto de 
todas as árvores do jardim, exceto da árvore do conhecimento do bem e do mal, 
deixando-lhe a advertência de que morreria se a provasse. 
Então, notando que o primeiro homem estava só, resolveu criar uma 
companheira para ele moldada a partir da costela deste. Essa metáfora, conforme os 
comentários contidos na própria Bíblia, simboliza que a mulher fora criada para estar ao 
lado do homem, pois não foi moldada a partir de sua cabeça, para que não mandasse 
nele e nem de seus pés, para que não fosse sua escrava. 
Mesmo sabendo da restrição, Eva induzida pela serpente prova do fruto proibido 
e divide com seu marido. “Conhecedores” do bem e do mal, Deus percebe a mudança e 
os castiga, conforme segue no trecho: 
Então Javé Deus disse para a serpente: “Por ter feito isso, você é maldita entre 
todos os animais domésticos e entre todas as feras. Você se arrastará sobre o 
ventre e comerá pó todos os dias de sua vida. Eu porei inimizade entre você e a 
mulher, entre a descendência de você e os descendentes dela. Estes vão lhe 
esmagar a cabeça, e você ferirá o calcanhar deles”. 
Javé Deus disse então para a mulher: “Vou fazê-la sofrer muito em sua 
gravidez: entre dores você dará à luz seus filhos; a paixão vai arrastar você para 
o marido, e ele a dominará”. 
Javé Deus disse para o homem: “Já que você deu ouvidos à sua mulher e 
comeu da árvore cujo fruto eu lhe tinha proibido comer, maldito seja a terra por 
sua causa. Enquanto você viver, você dela se alimentará com fadiga. A terra 
produzirá para você com espinhos e ervas daninhas, e você comerá a erva dos 
campos. Você comerá o seu pão com o suor de seu rosto, até que volte para a 
terra, pois dela você foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará”. 
 
 Assim, Deus expulsou-os do jardim de Éden, colocando sob proteção o jardim e 
o caminho da árvore da vida. 
 
c. Comparações entre os mitos 
 
O confronto dos dois textos mostra claramente pontos comuns entre ambos: por 
se tratarem de mitos que contam, sob ponto de vista, personagens e estruturas 
diferentes, a origem da condição humana; em especial, mostrando que, de algum modo, 
uma figura feminina foi responsável pelo afastamento físico das divindades do convívio 
dos homens. 
Como outros pontos em comuns relevantes, temos: a grande causa do 
enfurecimento dos deuses, tanto da cultura monoteísta como da Politeísta, o fato de o 
homem ter obtido um conhecimento, tido como divino e proibido, desobedecendo à 
ordem das principais divindades, Javé Deus e Zeus. A divergência reside no fato de que 
na mitologia grega não são os homens de forma direta que tomam tal conhecimento para 
si, mas sim um titã responsável pela criação destes. Enquanto, para a cultura judaico-
cristã, é a mulher induzida por uma serpente que o leva ao homem. Metaforizados, 
respectivamente, pelo fogo e por um fruto de árvore denominada de “árvore do 
conhecimento do bem e do mal”. 
A criação da mulher como uma dádiva, presente ou companhia para o homem. 
Há nessa situação divergência, uma vez que Pandora é vista como um “belo mal”, 
conforme alguns autores dos artigos utilizados para esta pesquisa, e em especial pelo 
próprio Hesíodo, transparecendo em seu texto “Teogonia” muito mais características 
malignas de Pandora, conforme segue abaixo: 
Após ter criado belo o mal em vez de um bem 
levou-a lá onde eram outros Deuses e homens 
adornada pela dos olhos glaucos e do pai forte. 
O espanto reteve Deuses imortais e homens mortais 
ao virem íngreme incombatível ardil aos homens. 
Dela descende a geração das femininas mulheres. 
Dela é a funesta geração e grei das mulheres, 
grande pena que habita entre homens mortais, 
parceiras não da penúria cruel, porém do luxo. 
Tal quando na colméia recoberta abelhas 
nutrem zangões, emparelhados de malefício, 
elas todo o dia até o mergulho do sol 
diurnas fadigam-se e fazem os brancos favos, 
eles ficam no abrigo do enxame à espera 
e amontoam no seu ventre o esforço alheio, 
assim um mal igual fez aos homens mortais 
Zeus tonítruo: as mulheres, parelhas de obras 
ásperas, e em vez de um bem deu oposto mal. 
 
 Em Gênesis, observa-se que Eva não foi criada como castigo, havendo apenas o 
intuito de ser dada uma companheira a Adão. O pecado se deu apenas por intermédio de 
outro ser, embora isso não omita a culpa dos outros dois personagens, pois ambos 
sabiam da restrição. E foi em decorrência de tal erro cometido por ambos que houve o 
ato punitivo de Deus. Atenta-se assim para o fato de que Pandora não cometeu o mesmo 
erro de Eva, propriamente dito. Quem entregou a sabedoria não permitida ao homem foi 
um titã. Assim como também o homem em si não a buscou para si, segundo algumas 
versões do mito, apenas o aceitou ou simplesmente o recebeu quando ainda era matéria 
inanimada. 
 A análise levantada sob esse ponto de vista demonstra outro ponto convergente: 
os humanos foram punidos por terem aceitado de outrem algo que lhes foi proibido. De 
modo que, aqueles que entregaram o referido conhecimento representavam, de certo 
modo, seres não exatamente considerados divindades, mas que também não 
compartilhavam da mesma condição humana. Sendo inclusive pertencentes a uma 
categoria superior a dos humanos, logo que um foi responsávelpor modelar o homem 
(Prometeu). Enquanto a outra, se considerarmos a suposição levantada pelo artigo de 
Ester Zuzo, de que talvez a serpente pudesse ser Lilith, a primeira companheira de 
Adão, de acordo com outras culturas como: suméria, árabe e a própria tradição judaica, 
banida por não se permitir ser subjugada por ele. Esta (Lilith) será melhor analisada no 
próximo tópico. 
 Ainda assim, há em explícito a visão da mulher, em ambas as histórias como 
responsável pela desgraça da humanidade, seja como uma portadora dos males, em 
Pandora; ou como aquela que primeiro desobedeceu a Deus, no caso de Eva. Tal 
posicionamento favoreceu, segundo a abordagem do artigo de Keila Maria, a misoginia 
existente na Grécia antiga, principalmente em Atenas. Mais adiante este assunto será 
mais aprofundado. 
 Observa-se então, quanto a essa questão de culpa e castigos atribuídos que, no 
mito bíblico, visivelmente homem e mulher são castigados, de modo quase a equalizar o 
“grau de culpa” entre estes. Na mitologia grega, percebe-se, na versão de Hesíodo, que 
o homem é o único a ser castigado, de forma que o modo de sentir feminino em relação 
às novas condições de vida humana não foi de modo algum levado em consideração. 
Até mesmo porque, segundo argumentou Keila Maria em seu artigo, Pandora representa 
a mulher como “um ser tripartite”: parte deusa, parte mortal e parte animal. De modo 
que, a autora referencia a cada uma dessas “partes” um trecho de Hesíodo que 
exemplifica essa colocação (p.05). 
 Assim, a primeira mulher, sob ponto de vista do mito de Pandora, não é 
propriamente humana, por isso suas percepções não foram levadas em conta. 
Principalmente, se considerarmos que conforme a mesma autora já citada: 
Como corolário do confronto entre deuses e os mortais, Pandora constituiu-se 
como um ser indefinido. Sua identidade era ambígua, não era parte integrante 
do Olimpo, mas também não conseguiu se integrar a tribo dos homens, a 
mulher era portanto um elemento exógeno aos deuses e aos homens. O genos 
gynaikôn não se integrou a phûl anthrópon, formando uma raça à parte, a raça 
das mulheres. A partir desta concepção mítica os atenienses justificavam no 
plano ideológico a separação entre as esferas masculinas e femininas 
explicando a bipolaridade mulher/interior e homem/exterior presente na cultura 
helênica. 
 
Assim, conforme trecho já utilizado aqui, Hesíodo deixa bem clara a situação 
das mulheres como sendo o mal enviado aos homens pelos deuses. O que nos prova 
que, pode ter origem em alguns mitos gregos a misoginia que perseverou em Atenas. 
Outro ponto importante a ressaltar, é o fato de Eva ter cometido o “erro” de 
modo quase acidental, induzida por uma serpente, ou seja, não era da vontade da 
divindade em questão que esta o realizasse. Pandora, por sua vez, teve seu “equívoco” 
planejado pela divindade grega, afinal, foram os deuses que lhe deram as características 
que a tornaram curiosa o suficiente para tomar a atitude de mexer em algo que não 
conhecia o conteúdo. 
Revelam-se como similaridades, além das já citadas: a criação da mulher 
posterior à do homem. Isso pode gerar como questionamento: por que não o oposto? A 
grande distinção entre os gêneros durante a Antiguidade seria uma resposta, além do 
Patriarcalismo. 
Os castigos destinados ao homem remetendo ao trabalho, inexistente até então, 
pois se vivia em constante convivência com as divindades. Portanto, outro fator comum 
nas punições: o distanciamento destas divindades do contato com os humanos. Além de 
que, todas as punições, de modo geral, se deram em razão de que o homem tentou se 
equipar aos deuses, tanto no caso monoteísta como no politeísta. O uso de um 
conhecimento proibido, mantido pelas divindades como se fosse apenas de interesse dos 
deuses, pelos mortais atesta isso. 
Ainda referente às metáforas e suas possíveis interpretações, comparando-se a 
ânfora de Pandora ao fruto proibido tomado por Eva, se levado em consideração o 
formato do vaso, que lembra o formato de um útero, segundo referido no artigo “Os 
segredos de Pandora”. Em que também se afirma que, Pandora confunde-se com o 
próprio jarro. E os fatores biológicos no mito bíblico de Eva: o fruto nada mais é para a 
planta do que um ovário intumescido. As características destas metáforas podem 
convergir em afirmação da ideia de que o “conhecimento proibido” tem haver com a 
geração de vida. 
 
d. Lições de moral abordadas 
 
As histórias tomadas, não só servem para apontar características do período em 
que foram escritas, como também serviram (e servem) para informar lições de moral. 
No mito de Adão e Eva, temos como uma espécie de advertência aos cristãos, 
deixando-os cientes de que a desobediência a Deus é algo tão negativo ao ponto de ser 
razão para que o infrator seja castigado. 
No artigo de Ester Zuzo, temos uma citação que também explica as mudanças 
ocorridas com as personagens após terem desobedecido a sua divindade correspondente: 
 
Simbolicamente, Eva representa, antes do pecado e junto com Adão, a 
incorruptibilidade; após o pecado, ela é a tentação dele. 
 
Segundo o mesmo artigo, “ter conhecimento do bem e do mal pode gerar 
degradação do homem”. Tal comentário, apesar de exemplificar mais o mito de Eva, 
aplica-se também a Pandora. 
O mito de Pandora, até mesmo por divergências com o outro mito, possui mais 
formas de interpretação que podem ser alteradas ou ampliadas se observadas outras 
versões da mesma história. Conforme defendido no artigo “Segredos de Pandora”: 
Epimeteu aceitou a prenda destinada ao irmão. A lição é que não se deve 
aceitar prendas ou pessoas recusadas por outros e, além disso, não nos devemos 
fiar em belezas aparentes e externas. 
É verdade que Pandora estava curiosa para ver o interior da caixa, mas só 
decidiu abrir a caixa quando ouviu Epimeteu chegar, talvez para impedir que 
ele o fizesse ou para ver primeiro que ele. Mais uma vez constatamos que, por 
vezes, a tentativa de impedir algo, é o que conduz à sua realização. 
 
Ainda sob o mesmo artigo, há a defesa de uma moral principal desta história, 
que segue abaixo: 
A história de Pandora pode ser interpretada por mais de um caminho, mas uma 
moral óbvia é a de que "a curiosidade matou o gato", ou melhor, a curiosidade 
abriu o vaso. 
 
Enquanto sob o ponto de vista da autora Keila Maria, uma das principais 
contribuições seria a ideia de que a mulher veio ao mundo como portadora dos males, 
sendo como “um mal necessário”, pois era a condição que se tinha para geração de 
descendentes: 
A mulher, na visão dos gregos antigos, era apenas um mal necessário, pois 
precisavam da fêmea para perpetuar a espécie, como podemos confirmar na 
fala de Jasão. “Se se pudesse ter de outra maneira os filhos não mais seria 
necessário as mulheres e os homens estariam livres dessa praga!” 
(EURÍPEDES, Medéia, v. 658-660 apud FARIA, 2008). 
 
Há ainda no mesmo trabalho, a defesa de que tais manifestações contribuíram 
para que fosse criada uma idealização da mulher, como segue: 
Embora imbuída desta intensa misoginia, considerando a mulher um ser 
inferior, a civilização grega também desenvolveu em seu imaginário um perfil 
feminino que era digno de louvor, ou seja, um modelo ideal de esposa. Esse 
padrão de mulher ideal personificou-se através da imagem da mélissa, esposa 
legítima do cidadão ateniense, também chamada de bem-nascida. A mélissa era 
caracterizada pela castidade, fidelidade, silêncio, comedimento, aversão aos 
odores e à sedução, sexualidade direcionada meramente à reprodução11 
(ANDRADE, 2001 apud FARIA, 2008). 
Esse perfil de mulher idealizado, a mélissa, originou-se da decomposição da 
figura de Pandora.Continuando o mesmo raciocínio, no artigo “O possível entrelaçar do eterno 
mito feminino: Eva e Lilith em Pandora”, há ainda a seguinte citação a respeito da 
misoginia presente no mito: 
Pandora em si simboliza a origem dos males da humanidade e, segundo sua 
lenda, o homem tem o fogo contra a vontade divina e, por isso, recebe contra 
sua vontade os malefícios da mulher. Portanto, a mulher é o preço do fogo, que 
trouxe o poder para a humanidade, mas também a desgraça. 
 
 De modo geral, para ambos os mitos, a principal lição que prevalece é a de que 
não se deve tentar ou aceitar possuir algum item de caráter exclusivamente divino, a fim 
de não se equiparar aos deuses, pois, caso contrário, eles o castigarão. 
 
2. Quem foi Lilith? 
Segundo a tradição judaica, além de outras culturas, há uma versão 
complementar a origem do mundo por Deus, em que acredita-se que a primeira 
companheira de Adão não tenha sido Eva, mas sim Lilith que veio antes da outra. De 
acordo com o artigo “O possível entrelaçar do eterno mito feminino: Eva e Lilith em 
Pandora”: 
O demônio feminino, geralmente, é manifestado por meio do espírito de Lilith 
de acordo com algumas culturas, como a suméria, árabe e outras. Conforme a 
tradição judaica, Lilith não se entendia com Adão, sobretudo porque não queria 
estar por baixo dele durante o enlace conjugal. Ela estava insatisfeita, desejava 
liberdade, mudança e fuga, pois foge para o Mar Vermelho. Nas mitologias a 
seu respeito, ela é repleta de imagens de desolação, diminuição, vingança e 
raiva. 
Lilith é conhecida como um demônio noturno de cabelos longos, uma força, 
um poder, uma renegada e um espírito. Tem aspecto humano, mas possui asas 
e “sobrevoa as mitologias suméria, babilônia, assíria, canoneia (ou cananeia ), 
persa, hebraica, árabe e teutônica” (KOLTUV, 1997, pp. 9-13 apud JESUS, 
2009). 
 
 De acordo com o mesmo artigo, há a suposição de que a serpente que interpela 
Eva para que prove do fruto proibido por Deus, seja a própria Lilith. 
 Ainda sob análise desse trabalho, a comparação feita entre Eva, Lilith e Pandora, 
aponta que a última seja como a resultante da soma das características das outras 
primeiras. Levando em consideração os aspectos negativos da primeira companheira do 
homem, através do olhar da cultura judaica, associada aos males trazidos por Pandora. 
E, por outro lado, a visão da mulher enquanto companhia dotada também de boas 
características, se relacione com Eva. 
 
 
Conclusão 
 
 Conclui-se que, tendo tais mitos (Pandora, Eva e Lilith) registrados em meio à 
oralidade, ainda que em algum momento tenham sido organizados sob forma escrita, 
muito das histórias originais deve ter se perdido ou sofrido alterações à medida que se 
sucederam as gerações. 
 Assim, sabendo que o contexto da época em que tais mitos foram contados 
inicialmente, durante a Antiguidade, o patriarcalismo fazia-se predominante em meio 
aos povos. E a mulher, de fato, tinha pouca participação na vida política das cidades 
gregas. Há coerência em afirmar que o teor do que foi sendo contado, tenha sofrido 
modificação de forma a defender uma visão, conforme defendido por Keila Maria em 
seu artigo, centrada em uma misoginia já existente naquele meio. Principalmente, 
contribuindo para sua propagação e manutenção. 
 Vale salientar o quanto o mito de Pandora mantido por Hesíodo contribui bem 
mais para com esse posicionamento, do que o exemplo bíblico utilizado. Muito embora, 
a Bíblia no que se refere às suas outras histórias não esteja isenta de tais colocações. 
Afinal, todos os escritos da época foram feitos por homens, uma vez que as mulheres 
não tinham acesso à educação. 
 Desse modo, a visão de mulher como aquela que é portadora de males, tendo 
como função trazer a desgraça da humanidade, é oriunda de um contexto que favoreceu 
essa construção de sentido. Essa versão foi mantida a fim de que esse gênero 
permanecesse subjugado. 
 Os mitos, de um modo geral, têm grande importância histórica e sociológica, 
servindo para investigação sobre o modo de pensar dos povos que os mantiveram. 
Então, a contribuição para descobertas à cerca das culturas do passado é muito grande, 
principalmente se for lembrado que a própria forma como foi tomado o gênero feminino 
prova o que costuma ser abordado nas aulas de história: a distinção entre indivíduos em 
razão do gênero em tais culturas. 
 Portanto, através da análise comparativa feita entre as histórias abordadas, 
percebe-se que há muitas características compartilhadas entre elas, ainda que pertençam 
a culturas completamente distintas, a começar pelo tipo de crença: uma monoteísta e a 
outra politeísta. Com isso, pode-se notar que há um ponto comum nas crenças 
abordadas neste trabalho, do modo como se originou o mundo, os seres e a humanidade. 
 
 
Referências 
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