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Pandora e Eva, a curiosidade feminina aliada à desgraça humana, sob visão da antiguidade Tamara Costa Mesquita Graduanda do curso de Letras Português/Licenciatura (UECE) Orientador: Prof. José Alves Resumo Através de analogia feita entre mitos relacionados à criação da mulher, principalmente com os de Pandora, Eva e Lilith, envolvendo por extensão a criação do mundo e da própria humanidade. Busca-se neste artigo: investigar o contexto em que surgiram tais mitos, suas contribuições para a cultura das civilizações da antiguidade. E, primordialmente, sua relação com a misoginia, procurando o porquê de, conforme encarado por muitos daqueles que se propuseram a uma pesquisa mais minuciosa à cerca do assunto, atribuir a desgraça humana às mulheres. Palavras-chave: Pandora; Eva; Lilith; criação da mulher; misoginia. Abstract Through analogy made between myths, which relate woman´s creation, and especially myths about Pandora, Eva and Lilith, involving by extension the creation of the world and of the mankind. The aim of this essay is: looking into the situations and reasons in which these myths appeared and their contributions to the culture of the ancient civilizations. Primarily, it is important to know the relation between misogyny and such myths, trying to know why some searchers that made a detailed search about this subject, made women guilty of all the disgraces of the humanity. Key-words: Pandora; Eva; Lilith; woman’s creation; misogyny. Introdução Tomando por base principal o mito de Pandora e Prometeu, conforme a versão de Hesíodo, considerando outras versões encontradas também, que estabelece a condição humana sob ponto de vista da mitologia grega, em contraste com o mito hebraico-cristão de Adão e Eva, de acordo com a Bíblia de edição pastoral (1999). Podemos estabelecer traços de consonância entre as duas histórias, de modo a possibilitar a compreensão de como pensavam os povos da antiguidade no que se refere à criação da humanidade e o porquê de como foram estabelecidas tais condições de vida. Assim como também, através do resgate de outros mitos complementares aos supracitados, que participam do processo de criação do mundo e da humanidade: a primeira companheira de Adão, Lilith, de acordo com outras culturas como a judaica, conforme artigo da autoria de Ester Zuzo de Jesus. E o mito que justifica a pequena participação da mulher grega da antiguidade na política da época: sobre a escolha da divindade protetora da cidade de Atenas. Estes reforçam a ideia que aqui será apresentada no que diz respeito à misoginia (ódio ou desprezo ao sexo feminino; grego “misos=ódio”, “gyné=mulher”). 1. Mito de Prometeu e Pandora versus Adão e Eva a. Mito de Pandora LEFEBVRE, J.J.. Pandore. 1882. Coleção privada. Baseado na poesia de Hesíodo, responsável por tomar em escrito os mitos transmitidos pelas gerações gregas através da oralidade, além das versões do Dicionário de Mitologia grega e romana de Georges Hacquard (1996), dentre outras variações encontradas em alguns artigos. O mito tem início quando o titã Prometeu provoca a ira de Zeus ao enganá-lo com a divisão de um sacrifício, conforme o trecho que segue extraído de “Teogonia: A origem dos deuses”(1995), de Hesíodo: Quando se discerniam Deuses e homens mortais em Mecona, com ânimo atento dividindo ofertou grande boi, a trapacear o espírito de Zeus: aqui pôs carnes e gordas vísceras com a banha sobre a pele e cobriu-as com o ventre do boi, ali os alvos ossos do boi com dolosa arte dispôs e cobriu-os com a brilhante banha. (...) Falou por astúcia. Zeus de imperecíveis desígnios soube, não ignorou a astúcia; nas entranhas previu males que aos homens mortais deviam cumprir-se. Com as duas mãos ergueu a alva gordura, raivou nas entranhas, o rancor veio ao seu ânimo, quando viu alvos ossos do boi sob dolosa arte. Por isso aos imortais sobre a terra a grei humana queima os alvos ossos em altares turiais. (...) negou nos freixos a força do fogo infatigável aos homens mortais que sobre a terra habitam. (HESÍODO, 1995. p.104) Assim, irado, Zeus nega o fogo aos homens. Fogo esse que é uma metáfora à sabedoria, ou ao “conhecimento divino”, conforme cita um artigo (Os segredos de Pandora) postado em blog, cuja tradução e releitura estão sob autoria de Cléber Lupino (2011). Encarregados, respectivamente, pela modelagem e distribuição de atributos dos seres, Prometeu e Epimeteu, irmãos titãs: conforme própria etimologia da palavra o primeiro é “aquele que pensa antes”, enquanto o outro significa o inverso, “aquele que pensa depois”, segundo o artigo de Keila Maria de Faria. Quando perceberam que das características próprias para sobrevivência de cada espécie, como: asas, nadadeiras, entre outros, o homem não as havia recebido (versão: O livro de ouro da Mitologia – histórias de deuses e heróis – 2002), Prometeu resolve “roubar” um pouco do fogo outrora proibido, em prol dos homens. Descoberta a segunda ofensa do titã, o maior dos deuses resolve aplicar castigos, tanto aos dois, pelo furto, como aos homens por tê-lo aceitado. Prometeu é acorrentado a uma rocha, onde tem diariamente seu fígado devorado por abutres, sendo liberto por Heracles durante os Doze trabalhos. Os homens são castigados com um presente que, conforme a própria etimologia da palavra, corresponde a algo como um “belo mal”, de acordo com os comentários de Mary Camargo (1996), em Os trabalhos e os dias, no nome Pandora. Pandora é criada por Hefesto a mando de Zeus, recebendo dos outros deuses os “dons”, que variam entre as diversas versões existentes do mito. Em todo caso, as características dadas a ela seriam uma descrição das que seriam, de modo geral, comuns a todas as mulheres. Há versões em que esta é enviada a Prometeu que, desconfiado de Zeus, não aceita e aconselha o irmão para que faça o mesmo. No entanto, como sugere o nome, Epimeteu é o que “pensa depois”, assim aceita o presente sem receio. Outras apontam que Epimeteu é presenteado diretamente, logo que Zeus sabe da astúcia do outro irmão. Junto de Pandora, há um segundo presente que a acompanha, divergindo também quanto à forma e o modo como chega a Epimeteu. Há citações que se referem a uma caixa, prevalecendo a ideia de um vaso ou ânfora, por inclusive favorecer a construção da metáfora do objeto do qual Pandora é portadora, com seu próprio corpo. Isso será abordado mais adiante neste artigo. Enquanto, há textos em que a ânfora é entregue como presente de casamento ao casal, Epimeteu e Pandora; ou a acompanha desde o primeiro momento em que é entregue, dentre outros modos. Importando realmente que, por curiosidade, característica dada como “dom” pelos deuses, ela viola o vaso libertando todos os males que vinham presos no objeto, restando ao fundo o que seria a esperança. Esperança essa que, segundo comentários de Mary Camargo (idem), não passa de uma especialização da palavra “expectação”, para tradução de “Elpis”, utilizada no original. Assim, não tendo como afirmar que seja benigna, maligna, ou nem um, nem outro. A mais acreditada é a ideia benigna, mas a mais coerente é a que aponta como a depender de “quem tem a esperança”, conforme extraído do artigo cuja tradução e releitura são atribuídas a Cléber Lupino: Uma vez que a Esperança estava na caixa juntamente com todos os males da Humanidade, ela é um mal que aflige a Humanidade também. Bom, talvez quando as pessoas têm a tendência de se agarrar à Esperança de que tudo melhorará e não vê que lhes cabe fazerem por mudar as coisas. A Esperança pode conduzir à inação ou servircomo desculpa para ela. Talvez a Esperança seja o Mal mais sorrateiro para alguns, pois aparenta ser boa, apesar de lerda e dependente. Assim, é o modo como se acredita, pela mitologia grega, que o homem foi castigado por ter aceitado o fogo da sabedoria, sendo obrigado a trabalhar para manter a si e sua família, com o advento da criação da mulher. Anterior ao acontecimento, para reprodução dos homens, não se fazia necessário cópula com gênero feminino da espécie. Inclusive Pandora não é vista como integrante do mesmo grupo dos homens, conforme Keila Maria: Desta forma, a criação de Pandora transforma a mulher num elemento estranhamente complexo: Pandora é um ser tripartite. Ela não integra o Olimpo e nem o mundo humano: é ao mesmo tempo parte deusa (rosto semelhante às deusas imortais), parte mortal (voz e forma humana) e outra parte animal - espírito de cão e dissimulada conduta (HESÍODO, Os trabalhos e os dias, v.61- 67 apud FARIA, 2008), fome de zangão (Teogonia, v. 594-599 apud FARIA, 2008). Diante de tal complexidade da mulher o processo de alteridade se tornou bastante difícil, as mulheres constituíam uma espécie a parte, um ser exógeno. Diante de tal concepção ocorreu um estranhamento à mulher, dificultando interação entre as duas esferas: masculina e feminina. Diante deste estranhamento os gregos antigos acabaram desenvolvendo uma subvalorização do elemento feminino, a mulher passou vista somente como um ser inferior, cuja função se restringia à procriação. b. Adão e Eva Apesar de também compreender uma história transmitida de forma oral, posteriormente, trazida para o meio escrito; por estar armazenada na Bíblia, livro que possui grande tom de veracidade em razão das religiões que a tem como livro sagrado, não tem tantas variações quanto ao seu enredo, como o mito de Pandora. A história fica compreendida entre os capítulos 2 e 3, do livro Gênesis, nos versículos que seguem até o número 24 do último capítulo citado. Na Bíblia de edição pastoral, o capítulo 3 é titulado “A origem do mal”, abrindo o tópico do livro: “Ambiguidade humana e graça de Deus”. A história tem início quando durante a criação do mundo, Deus põe o homem, modelado por ele com a argila do solo, trazido à vida através de seu sopro, no jardim do Éden. Conforme o livro Gênesis, componente da Bíblia, o jardim de Éden é entregue ao homem para que este o guardasse. Javé Deus autoriza que o homem coma do fruto de todas as árvores do jardim, exceto da árvore do conhecimento do bem e do mal, deixando-lhe a advertência de que morreria se a provasse. Então, notando que o primeiro homem estava só, resolveu criar uma companheira para ele moldada a partir da costela deste. Essa metáfora, conforme os comentários contidos na própria Bíblia, simboliza que a mulher fora criada para estar ao lado do homem, pois não foi moldada a partir de sua cabeça, para que não mandasse nele e nem de seus pés, para que não fosse sua escrava. Mesmo sabendo da restrição, Eva induzida pela serpente prova do fruto proibido e divide com seu marido. “Conhecedores” do bem e do mal, Deus percebe a mudança e os castiga, conforme segue no trecho: Então Javé Deus disse para a serpente: “Por ter feito isso, você é maldita entre todos os animais domésticos e entre todas as feras. Você se arrastará sobre o ventre e comerá pó todos os dias de sua vida. Eu porei inimizade entre você e a mulher, entre a descendência de você e os descendentes dela. Estes vão lhe esmagar a cabeça, e você ferirá o calcanhar deles”. Javé Deus disse então para a mulher: “Vou fazê-la sofrer muito em sua gravidez: entre dores você dará à luz seus filhos; a paixão vai arrastar você para o marido, e ele a dominará”. Javé Deus disse para o homem: “Já que você deu ouvidos à sua mulher e comeu da árvore cujo fruto eu lhe tinha proibido comer, maldito seja a terra por sua causa. Enquanto você viver, você dela se alimentará com fadiga. A terra produzirá para você com espinhos e ervas daninhas, e você comerá a erva dos campos. Você comerá o seu pão com o suor de seu rosto, até que volte para a terra, pois dela você foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará”. Assim, Deus expulsou-os do jardim de Éden, colocando sob proteção o jardim e o caminho da árvore da vida. c. Comparações entre os mitos O confronto dos dois textos mostra claramente pontos comuns entre ambos: por se tratarem de mitos que contam, sob ponto de vista, personagens e estruturas diferentes, a origem da condição humana; em especial, mostrando que, de algum modo, uma figura feminina foi responsável pelo afastamento físico das divindades do convívio dos homens. Como outros pontos em comuns relevantes, temos: a grande causa do enfurecimento dos deuses, tanto da cultura monoteísta como da Politeísta, o fato de o homem ter obtido um conhecimento, tido como divino e proibido, desobedecendo à ordem das principais divindades, Javé Deus e Zeus. A divergência reside no fato de que na mitologia grega não são os homens de forma direta que tomam tal conhecimento para si, mas sim um titã responsável pela criação destes. Enquanto, para a cultura judaico- cristã, é a mulher induzida por uma serpente que o leva ao homem. Metaforizados, respectivamente, pelo fogo e por um fruto de árvore denominada de “árvore do conhecimento do bem e do mal”. A criação da mulher como uma dádiva, presente ou companhia para o homem. Há nessa situação divergência, uma vez que Pandora é vista como um “belo mal”, conforme alguns autores dos artigos utilizados para esta pesquisa, e em especial pelo próprio Hesíodo, transparecendo em seu texto “Teogonia” muito mais características malignas de Pandora, conforme segue abaixo: Após ter criado belo o mal em vez de um bem levou-a lá onde eram outros Deuses e homens adornada pela dos olhos glaucos e do pai forte. O espanto reteve Deuses imortais e homens mortais ao virem íngreme incombatível ardil aos homens. Dela descende a geração das femininas mulheres. Dela é a funesta geração e grei das mulheres, grande pena que habita entre homens mortais, parceiras não da penúria cruel, porém do luxo. Tal quando na colméia recoberta abelhas nutrem zangões, emparelhados de malefício, elas todo o dia até o mergulho do sol diurnas fadigam-se e fazem os brancos favos, eles ficam no abrigo do enxame à espera e amontoam no seu ventre o esforço alheio, assim um mal igual fez aos homens mortais Zeus tonítruo: as mulheres, parelhas de obras ásperas, e em vez de um bem deu oposto mal. Em Gênesis, observa-se que Eva não foi criada como castigo, havendo apenas o intuito de ser dada uma companheira a Adão. O pecado se deu apenas por intermédio de outro ser, embora isso não omita a culpa dos outros dois personagens, pois ambos sabiam da restrição. E foi em decorrência de tal erro cometido por ambos que houve o ato punitivo de Deus. Atenta-se assim para o fato de que Pandora não cometeu o mesmo erro de Eva, propriamente dito. Quem entregou a sabedoria não permitida ao homem foi um titã. Assim como também o homem em si não a buscou para si, segundo algumas versões do mito, apenas o aceitou ou simplesmente o recebeu quando ainda era matéria inanimada. A análise levantada sob esse ponto de vista demonstra outro ponto convergente: os humanos foram punidos por terem aceitado de outrem algo que lhes foi proibido. De modo que, aqueles que entregaram o referido conhecimento representavam, de certo modo, seres não exatamente considerados divindades, mas que também não compartilhavam da mesma condição humana. Sendo inclusive pertencentes a uma categoria superior a dos humanos, logo que um foi responsávelpor modelar o homem (Prometeu). Enquanto a outra, se considerarmos a suposição levantada pelo artigo de Ester Zuzo, de que talvez a serpente pudesse ser Lilith, a primeira companheira de Adão, de acordo com outras culturas como: suméria, árabe e a própria tradição judaica, banida por não se permitir ser subjugada por ele. Esta (Lilith) será melhor analisada no próximo tópico. Ainda assim, há em explícito a visão da mulher, em ambas as histórias como responsável pela desgraça da humanidade, seja como uma portadora dos males, em Pandora; ou como aquela que primeiro desobedeceu a Deus, no caso de Eva. Tal posicionamento favoreceu, segundo a abordagem do artigo de Keila Maria, a misoginia existente na Grécia antiga, principalmente em Atenas. Mais adiante este assunto será mais aprofundado. Observa-se então, quanto a essa questão de culpa e castigos atribuídos que, no mito bíblico, visivelmente homem e mulher são castigados, de modo quase a equalizar o “grau de culpa” entre estes. Na mitologia grega, percebe-se, na versão de Hesíodo, que o homem é o único a ser castigado, de forma que o modo de sentir feminino em relação às novas condições de vida humana não foi de modo algum levado em consideração. Até mesmo porque, segundo argumentou Keila Maria em seu artigo, Pandora representa a mulher como “um ser tripartite”: parte deusa, parte mortal e parte animal. De modo que, a autora referencia a cada uma dessas “partes” um trecho de Hesíodo que exemplifica essa colocação (p.05). Assim, a primeira mulher, sob ponto de vista do mito de Pandora, não é propriamente humana, por isso suas percepções não foram levadas em conta. Principalmente, se considerarmos que conforme a mesma autora já citada: Como corolário do confronto entre deuses e os mortais, Pandora constituiu-se como um ser indefinido. Sua identidade era ambígua, não era parte integrante do Olimpo, mas também não conseguiu se integrar a tribo dos homens, a mulher era portanto um elemento exógeno aos deuses e aos homens. O genos gynaikôn não se integrou a phûl anthrópon, formando uma raça à parte, a raça das mulheres. A partir desta concepção mítica os atenienses justificavam no plano ideológico a separação entre as esferas masculinas e femininas explicando a bipolaridade mulher/interior e homem/exterior presente na cultura helênica. Assim, conforme trecho já utilizado aqui, Hesíodo deixa bem clara a situação das mulheres como sendo o mal enviado aos homens pelos deuses. O que nos prova que, pode ter origem em alguns mitos gregos a misoginia que perseverou em Atenas. Outro ponto importante a ressaltar, é o fato de Eva ter cometido o “erro” de modo quase acidental, induzida por uma serpente, ou seja, não era da vontade da divindade em questão que esta o realizasse. Pandora, por sua vez, teve seu “equívoco” planejado pela divindade grega, afinal, foram os deuses que lhe deram as características que a tornaram curiosa o suficiente para tomar a atitude de mexer em algo que não conhecia o conteúdo. Revelam-se como similaridades, além das já citadas: a criação da mulher posterior à do homem. Isso pode gerar como questionamento: por que não o oposto? A grande distinção entre os gêneros durante a Antiguidade seria uma resposta, além do Patriarcalismo. Os castigos destinados ao homem remetendo ao trabalho, inexistente até então, pois se vivia em constante convivência com as divindades. Portanto, outro fator comum nas punições: o distanciamento destas divindades do contato com os humanos. Além de que, todas as punições, de modo geral, se deram em razão de que o homem tentou se equipar aos deuses, tanto no caso monoteísta como no politeísta. O uso de um conhecimento proibido, mantido pelas divindades como se fosse apenas de interesse dos deuses, pelos mortais atesta isso. Ainda referente às metáforas e suas possíveis interpretações, comparando-se a ânfora de Pandora ao fruto proibido tomado por Eva, se levado em consideração o formato do vaso, que lembra o formato de um útero, segundo referido no artigo “Os segredos de Pandora”. Em que também se afirma que, Pandora confunde-se com o próprio jarro. E os fatores biológicos no mito bíblico de Eva: o fruto nada mais é para a planta do que um ovário intumescido. As características destas metáforas podem convergir em afirmação da ideia de que o “conhecimento proibido” tem haver com a geração de vida. d. Lições de moral abordadas As histórias tomadas, não só servem para apontar características do período em que foram escritas, como também serviram (e servem) para informar lições de moral. No mito de Adão e Eva, temos como uma espécie de advertência aos cristãos, deixando-os cientes de que a desobediência a Deus é algo tão negativo ao ponto de ser razão para que o infrator seja castigado. No artigo de Ester Zuzo, temos uma citação que também explica as mudanças ocorridas com as personagens após terem desobedecido a sua divindade correspondente: Simbolicamente, Eva representa, antes do pecado e junto com Adão, a incorruptibilidade; após o pecado, ela é a tentação dele. Segundo o mesmo artigo, “ter conhecimento do bem e do mal pode gerar degradação do homem”. Tal comentário, apesar de exemplificar mais o mito de Eva, aplica-se também a Pandora. O mito de Pandora, até mesmo por divergências com o outro mito, possui mais formas de interpretação que podem ser alteradas ou ampliadas se observadas outras versões da mesma história. Conforme defendido no artigo “Segredos de Pandora”: Epimeteu aceitou a prenda destinada ao irmão. A lição é que não se deve aceitar prendas ou pessoas recusadas por outros e, além disso, não nos devemos fiar em belezas aparentes e externas. É verdade que Pandora estava curiosa para ver o interior da caixa, mas só decidiu abrir a caixa quando ouviu Epimeteu chegar, talvez para impedir que ele o fizesse ou para ver primeiro que ele. Mais uma vez constatamos que, por vezes, a tentativa de impedir algo, é o que conduz à sua realização. Ainda sob o mesmo artigo, há a defesa de uma moral principal desta história, que segue abaixo: A história de Pandora pode ser interpretada por mais de um caminho, mas uma moral óbvia é a de que "a curiosidade matou o gato", ou melhor, a curiosidade abriu o vaso. Enquanto sob o ponto de vista da autora Keila Maria, uma das principais contribuições seria a ideia de que a mulher veio ao mundo como portadora dos males, sendo como “um mal necessário”, pois era a condição que se tinha para geração de descendentes: A mulher, na visão dos gregos antigos, era apenas um mal necessário, pois precisavam da fêmea para perpetuar a espécie, como podemos confirmar na fala de Jasão. “Se se pudesse ter de outra maneira os filhos não mais seria necessário as mulheres e os homens estariam livres dessa praga!” (EURÍPEDES, Medéia, v. 658-660 apud FARIA, 2008). Há ainda no mesmo trabalho, a defesa de que tais manifestações contribuíram para que fosse criada uma idealização da mulher, como segue: Embora imbuída desta intensa misoginia, considerando a mulher um ser inferior, a civilização grega também desenvolveu em seu imaginário um perfil feminino que era digno de louvor, ou seja, um modelo ideal de esposa. Esse padrão de mulher ideal personificou-se através da imagem da mélissa, esposa legítima do cidadão ateniense, também chamada de bem-nascida. A mélissa era caracterizada pela castidade, fidelidade, silêncio, comedimento, aversão aos odores e à sedução, sexualidade direcionada meramente à reprodução11 (ANDRADE, 2001 apud FARIA, 2008). Esse perfil de mulher idealizado, a mélissa, originou-se da decomposição da figura de Pandora.Continuando o mesmo raciocínio, no artigo “O possível entrelaçar do eterno mito feminino: Eva e Lilith em Pandora”, há ainda a seguinte citação a respeito da misoginia presente no mito: Pandora em si simboliza a origem dos males da humanidade e, segundo sua lenda, o homem tem o fogo contra a vontade divina e, por isso, recebe contra sua vontade os malefícios da mulher. Portanto, a mulher é o preço do fogo, que trouxe o poder para a humanidade, mas também a desgraça. De modo geral, para ambos os mitos, a principal lição que prevalece é a de que não se deve tentar ou aceitar possuir algum item de caráter exclusivamente divino, a fim de não se equiparar aos deuses, pois, caso contrário, eles o castigarão. 2. Quem foi Lilith? Segundo a tradição judaica, além de outras culturas, há uma versão complementar a origem do mundo por Deus, em que acredita-se que a primeira companheira de Adão não tenha sido Eva, mas sim Lilith que veio antes da outra. De acordo com o artigo “O possível entrelaçar do eterno mito feminino: Eva e Lilith em Pandora”: O demônio feminino, geralmente, é manifestado por meio do espírito de Lilith de acordo com algumas culturas, como a suméria, árabe e outras. Conforme a tradição judaica, Lilith não se entendia com Adão, sobretudo porque não queria estar por baixo dele durante o enlace conjugal. Ela estava insatisfeita, desejava liberdade, mudança e fuga, pois foge para o Mar Vermelho. Nas mitologias a seu respeito, ela é repleta de imagens de desolação, diminuição, vingança e raiva. Lilith é conhecida como um demônio noturno de cabelos longos, uma força, um poder, uma renegada e um espírito. Tem aspecto humano, mas possui asas e “sobrevoa as mitologias suméria, babilônia, assíria, canoneia (ou cananeia ), persa, hebraica, árabe e teutônica” (KOLTUV, 1997, pp. 9-13 apud JESUS, 2009). De acordo com o mesmo artigo, há a suposição de que a serpente que interpela Eva para que prove do fruto proibido por Deus, seja a própria Lilith. Ainda sob análise desse trabalho, a comparação feita entre Eva, Lilith e Pandora, aponta que a última seja como a resultante da soma das características das outras primeiras. Levando em consideração os aspectos negativos da primeira companheira do homem, através do olhar da cultura judaica, associada aos males trazidos por Pandora. E, por outro lado, a visão da mulher enquanto companhia dotada também de boas características, se relacione com Eva. Conclusão Conclui-se que, tendo tais mitos (Pandora, Eva e Lilith) registrados em meio à oralidade, ainda que em algum momento tenham sido organizados sob forma escrita, muito das histórias originais deve ter se perdido ou sofrido alterações à medida que se sucederam as gerações. Assim, sabendo que o contexto da época em que tais mitos foram contados inicialmente, durante a Antiguidade, o patriarcalismo fazia-se predominante em meio aos povos. E a mulher, de fato, tinha pouca participação na vida política das cidades gregas. Há coerência em afirmar que o teor do que foi sendo contado, tenha sofrido modificação de forma a defender uma visão, conforme defendido por Keila Maria em seu artigo, centrada em uma misoginia já existente naquele meio. Principalmente, contribuindo para sua propagação e manutenção. Vale salientar o quanto o mito de Pandora mantido por Hesíodo contribui bem mais para com esse posicionamento, do que o exemplo bíblico utilizado. Muito embora, a Bíblia no que se refere às suas outras histórias não esteja isenta de tais colocações. Afinal, todos os escritos da época foram feitos por homens, uma vez que as mulheres não tinham acesso à educação. Desse modo, a visão de mulher como aquela que é portadora de males, tendo como função trazer a desgraça da humanidade, é oriunda de um contexto que favoreceu essa construção de sentido. Essa versão foi mantida a fim de que esse gênero permanecesse subjugado. Os mitos, de um modo geral, têm grande importância histórica e sociológica, servindo para investigação sobre o modo de pensar dos povos que os mantiveram. Então, a contribuição para descobertas à cerca das culturas do passado é muito grande, principalmente se for lembrado que a própria forma como foi tomado o gênero feminino prova o que costuma ser abordado nas aulas de história: a distinção entre indivíduos em razão do gênero em tais culturas. Portanto, através da análise comparativa feita entre as histórias abordadas, percebe-se que há muitas características compartilhadas entre elas, ainda que pertençam a culturas completamente distintas, a começar pelo tipo de crença: uma monoteísta e a outra politeísta. Com isso, pode-se notar que há um ponto comum nas crenças abordadas neste trabalho, do modo como se originou o mundo, os seres e a humanidade. Referências BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução da Sociedade Bíblica Católica. 11. ed. rev. São Paulo: Ed. Paulus, 1999. BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: (a Idade da Fábula) Histórias de deuses e heróis. Tradução de David Jardim. 26. ed. 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