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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO CAROLINA DE SOUZA LEÃO MACIEIRA GESTER LADRILHOS HIDRÁULICOS EM BELÉM: SUBSÍDIOS PARA A SUA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO SALVADOR-BA 2013 2 CAROLINA DE SOUZA LEÃO MACIEIRA GESTER LADRILHOS HIDRÁULICOS EM BELÉM: SUBSÍDIOS PARA A SUA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Conservação e Restauro. Orientadora: Profª. Drª. Cybèle Celestino Santiago SALVADOR-BA 2013 3 CAROLINA DE SOUZA LEÃO MACIEIRA GESTER LADRILHOS HIDRÁULICOS EM BELÉM: SUBSÍDIOS PARA A SUA CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO BANCA EXAMINADORA __________________________________________________________________ Profª. Dr a . Cybèle Celestino Santiago (orientadora) Doutora pela Universidade de Évora, Portugal Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal da Bahia __________________________________________________________________ Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira Título de Notório Saber em Arquitetura, Universidade Federal da Bahia Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal da Bahia ___________________________________________________________________ Profª. Dr a . Thais Alessandra de Bastos Caminha Sanjad Doutora pela Universidade Federal do Pará, Brasil. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal do Pará SALVADOR-BA 2013 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que me apoiaram e que contribuíram de alguma maneira, para a realização deste trabalho. Principalmente à minha família, minha mãe, meu pai (in memoriam) e minha irmã, por estarem sempre ao meu lado. Impossível conseguir expressar o meu sentimento de gratidão. Pai, agradeço por ter sido meu pai com toda força e essência da palavra, por ter me incentivado, junto com a minha mãe, ir a busca dos meus sonhos. Hoje sei que estás orgulhoso da minha conquista. Ao tio João Cezar Moura, meus agradecimentos pelas passagens cedidas, de tantas idas e vindas à Salvador, as quais permitiram presenciar momentos importantes, mesmo que estes tenham sido difíceis, junto com a minha família. Agradeço, em especial, ao meu noivo Rui Borges, por sua companhia fortalecedora. Obrigada por estar sempre ao meu lado. Aos professores Cybèle Santiago e Mário Mendonça, meus sinceros agradecimentos pela confiança e pela dedicação a mim e ao meu trabalho. Agradeço pela compreensão, devido a meus momentos de ausência. Minha admiração por vocês motivou a minha ida à Salvador, assim como a enfrentar todas as dificuldades. Agradeço aos amigos baianos, pela ajuda e companhia. Com destaque as amigas Sthefania Habeyche e Ana Cristian Magalhães, pelo apoio às minhas estadias em Salvador e, principalmente, pela amizade. E Lisa Sahadia, pelos momentos de trabalho juntas. À professora Thais Sanjad, pela participação intensa em todos os momentos de decisão, com dedicação e sabedoria. Obrigada pelos anos de confiança e por todo apoio. Dedico-lhe imensa admiração. 5 Obrigada aos amigos do LACORE, que estão sempre dispostos a contribuir, nem que seja apenas com palavras de desespero. Com carinho especial, agradeço às amigas Flávia Palácios e Juliana Fortes, com as quais muitas vezes dividi experiências e compartilhei o mesmo teto de maneira muito divertida. À professora e amiga, Rose Norat, o meu agradecimento pelas contribuições e incentivos. Aos laboratórios da UFPA e da UFBA que possibilitaram a realização das análises laboratoriais: Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação (LACORE/UFPA), Laboratório de Caracterização Mineral (LCM/UFPA), Laboratório de Mineralogia e Geoquímica Aplicada (LaMIGA/UFPA), Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura (LABMEV/UFPA) e Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração (NTPR/UFBA). Ao Prof. Flávio Nassar, que gentilmente autorizou fotografar os catálogos antigos que pertenciam ao seu avô, José Sidrim. Aos entrevistados, Nelson Vale, Divo Picazio Júnior, Carlos Antônio Barbosa da Silva e José Leitão de Almeida Viana, pela disponibilidade. À CAPES, pela bolsa de mestrado a mim concedida. 6 RESUMO Em Belém, o ladrilho hidráulico está presente em várias edificações, principalmente as da década de 40 e 50, do século XX, quando alcançou o período auge da produção. Este material foi aplicado em palacetes e em edificações mais modestas, de uso residencial, e foram confeccionados majoritariamente pela produção local. A decadência da fabricação do ladrilho hidráulico ocorreu ao mesmo tempo em que novos revestimentos chegaram à cidade, como os “São Caetano”. Atualmente, em obras de restauro, este revestimento de piso é normalmente substituído por outros materiais. Na maioria dos casos, isso ocorre devido à falta de domínio de técnicas restaurativas compatíveis. O ladrilho hidráulico é composto por duas camadas. A primeira, que é superficial, pode ser decorada e possuir relevo em cimento branco pigmentado. A segunda, mais espessa, é constituída por cimento, areia e, eventualmente, pó de pedra finamente moído. Este material é conhecido pelo seu desempenho contra desgaste, pela facilidade de manutenção e por apresentar valor estético diferenciado, por ser um revestimento rústico e elegante. Este trabalho visa o estudo histórico e tecnológico de ladrilhos hidráulicos do século XX e réplicas do século XXI, presentes em Belém. Para isso, foi dividido em três etapas: 1) pesquisa histórica; 2) pesquisa tecnológica; 3) investigação laboratorial. A primeira etapa abrange a investigação acerca da origem do material, evolução tipológica, tecnologias de produção e de conservação e restauração. Tais informações foram pesquisadas em fontes primárias, como relatórios dos governantes do Estado do Pará dos séculos XIX e XX, notícias em jornais e periódicos da época, catálogos de fábricas de ladrilho, entre outros. A segunda etapa consiste na investigação sobre o processo de produção do ladrilho hidráulico, a partir de visitas a fábricas atuais de diversas cidades, e entrevistas com herdeiros, proprietários e funcionários dessas fábricas. Na última etapa realizou-se caracterização física, mineralógica e química das amostras de ladrilhos hidráulicos coletadas. Primeiramente, as amostras foram mapeadas quanto às patologias existentes com o auxílio do software CorelDraw 15. Para a caracterização física, as etapas foram: 1) identificação das fábricas das amostras; 2) dimensionamento com o auxílio de régua; 3) avaliação dascores utilizadas na decoração com o uso do colorímetro; 4) ensaio de absorção total em água; 5) ensaio de densidade pelo picnômetro de Hubbard; 6) ensaio de dureza; 7) teste de abrasão; 8) análise morfológica por meio de microscópio ótico e por 7 Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 9) Análise de traço provável por meio de ataque ácido; 10) granulometria. Quanto à caracterização mineralógica e química, foram utilizadas, respectivamente, a Difração de Raios-X (DRX) e a Fluorescência de Raios-X (FRX). Por meio da pesquisa histórica e tecnológica foi possível entender a abrangência do uso do ladrilho hidráulico em Belém, e a ocorrência de várias fábricas locais, nos séculos XIX e XX, tais como a A. Pinheiro Filho e Cia, de maior destaque na produção da cidade. Por meio das análises laboratoriais pode-se perceber que a amostragem utilizada na pesquisa é de formato quadrado, variando de 15 a 20 centímetros de lado. São materiais de pouca porosidade, entre 5 a 12%, e resistentes à abrasão. As imagens de microscópio mostram uma matriz homogênea e partículas distribuídas com formatos arredondados ou com formatos irregulares, de diferentes tamanhos. Em relação às cores, o colorímetro indicou variações entre as amostras. Por meio da caracterização química pode-se perceber que as amostras são constituídas principalmente de Ca, Si e Al, elementos provenientes do cimento. Os pigmentos utilizados para a coloração são constituídos de Fe, Mn e Cu, para as cores amarelo, marrom e azul, respectivamente. Elementos como Ti, Na e Cl também estão presentes, sugerindo a adição de componentes com outras funções ou contaminação. A areia é caracterizada pelos elementos Si e O. As análises de DRX indicaram, a presença de larnita, portlandita, calcita, biotita e quartzo. Os resultados obtidos na pesquisa são importantes para a conservação e a restauração deste tipo de material, pois auxiliam na investigação tecnológica para futuras intervenções restaurativas adequadas. As informações adquiridas também são essenciais para a documentação dos ladrilhos hidráulicos, como subsídio para salvaguarda de sua técnica construtiva, para entender técnicas de produção, procedência e uso. Palavras-chave: Ladrilhos hidráulicos em Belém; história de ladrilhos hidráulicos; tecnologia de ladrilhos hidráulicos; caracterização de ladrilhos hidráulicos. 8 ABSTRACT In the city of Belém, floor tiles are present in several buildings, especially the ones from the 40’s and 50’s, of the twentieth century, during its peak in production. This construction material was applied in buildings of different social classes, and made by local production. The decay of the floor tile fabrication occurred at the same time in which new construction materials arrived in the city, such as “São Caetano” type. Currently, in restorative interventions, original floor tiles are normally substituted for other materials. In most of the cases, this occurs due to the lack of knowledge of compatible restoration techniques. Floor tiles are composed of two main layers. The first one is superficial and may be decorated and have relief made of pigmented white cement. The second one is thicker and constituted by cement, sand, and sometimes rock powder. Floor tiles are known for its performance against wear, to its ease of maintenance, and presentation of different esthetic value, for being rustic and elegant. This research aims to study floor tiles from the XX and XXI centuries in Belém, in a historic and technological approach. This study was divided in three main parts: 1) historical survey; 2) technological studies; 3) laboratorial investigation. The first part covers research on floor tiles origin, typological evolution, production technologies, and also conservation and restoration. Such information was found in original sources, such as records from Pará’s State Governors, and catalogues of tile manufacturers, among others. The second part consists in the investigation of floor tiles production, with factories visiting in several cities, and interviews with heirs and employees in factories. The last part covers the physical, mineralogical and chemical characterization of floor tiles samples. First, the samples were mapped according to weathering actions with the use of the software CorelDraw 15. The physical characterization was divided into the following steps: 1) identification of the samples’ factory; 2) samples measurement; 3) evaluation of the colors on the sampling with the use of a colorimeter; 4) water absorption tests; 5) density test with the use of Hubbard’s picnometer; 6) hardness tests; 7) abrasion tests; 8) morphological analysis, with the use of optical microscopy and Scanning Electron Microscope (SEM); 9) probable trace analysis; 10) grains analysis. For mineralogical and chemical characterization it was used X-Ray Diffraction (XRD) and X-Ray Fluorescence (XRF), respectively. Through the historical and technological research it was possible understanding the basis of floor tiles in Belém, and the occurrence of 9 several local factories in the nineteenth and twentieth centuries, such as A. Pinheiro Filho e Cia, of great participation in the city’s production. Through the laboratorial analysis it was possible to observe that the samples used in the research are square shaped, varying from 15 to 20 centimeters. The samples are of low porosity, between 5 and 12%, and abrasion resistant. Microscope’s images show a homogenous matrix, and particles with different shapes and sizes distributed along the sampling. The colorimeter indicated variations in colors among the sampling. The chemical analysis indicated mainly Ca, Si and Al, elements from the cement, and Fe, Mn and Cu for the pigments used for coloring, for the colors yellow, brown and blue, respectively. Elements such as Ti, Na and Cl are also present, suggesting the addition of components that provide other functions or sample’s contamination. The sand used is characterized by Si and O. Mineralogical analysis indicated larnite, portlandite, calcite, biotite, and quartz. The results obtained on the research are important for conservation and restoration of floor tiles: they improve technological investigation for future interventions. The information acquired are also essential for this construction material documentation, as subside for the safeguard of its manufacturing techniques, as well as to understand its production, origin and use. Key-words: Floor tiles in Belém; floor tiles history; floor tiles technology; floor tiles characterization. 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Rua João Alfredo, a artéria comercial mais importante da cidade, em 1908. ....................... 19 Figura 2: Palacete Vitor Maria da Silva: (A) lavatório em porcelana decorada inglesa, (B) painel de azulejos franceses da fábrica Choisy Le Roi, (C) forro em chapas metálicas decoradas e (D) ladrilhos cerâmicos. ............................................................................................................................................. 20 Figura 3: Ladrilhos aplicados na parede do hall de entrada do Solar do Barão de Guajará em Belém. ...............................................................................................................................................................21 Figura 4: Fábrica da Phebo em Belém ................................................................................................. 22 Figura 5: Seção transversal de ladrilho hidráulico que indica as camadas que o constituem. ............ 23 Figura 6: Sala de refeições do Instituto Lauro Sodré ............................................................................ 24 Figura 7: Comparação entre (A) mosaico de pedra e ladrilho hidráulico, (B) azulejo e ladrilho hidráulico e (C) ladrilho cerâmico e ladrilho hidráulico. ........................................................................ 28 Figura 8: Exemplos de prensas mecânicas utilizadas para fabricação de ladrilhos hidráulicos: (A) de mão, (B e C) prensa parafuso e (D) prensa hidráulica para fabricação de ladrilhos ............................ 30 Figura 9: Anúncio em periódico referente à premiação da fábrica Orsola, Solá e Compañia .............. 32 Figura 10: (A) Forma utilizada para a fabricação do ladrilho hidráulico de Gaudí e (B) o ladrilho hidráulico pronto .................................................................................................................................... 33 Figura 11: Catálogo da fábrica Devesas contendo imagens de ladrilhos cerâmicos (A) e ladrilhos hidráulicos (B)........................................................................................................................................ 34 Figura 12: Fábrica de Ladrilhos Lunardi & Machado, (A) antes e (B) depois de 1990 ......................... 37 Figura 13: Anúncio da Emanuele Cresta & Comp. no Almanak da Cidade de Minas .......................... 38 Figura 14: Fábrica de Mosaicos, uma das fábricas mais antigas de ladrilho hidráulico do Brasil ........ 39 Figura 15: Galpão de produção da fábrica Dalle Piagge. ..................................................................... 40 Figura 16: (A) Imagem da capa do catálogo da A. Pinheiro Filho e (B) artefatos de marmorite produzidos por ela ................................................................................................................................. 43 Figura 17: Ladrilhos produzidos na A. Pinheiro Filho assentados na capela do Colégio Marista ........ 44 Figura 18: Anúncio da fábrica de ladrilhos e marmorite Hercules ........................................................ 46 Figura 19: Ladrilhos hidráulicos antigos aplicados atualmente em balcão de uma padaria em Belém/PA. .............................................................................................................................................. 47 Figura 20: (A) Ladrilho hidráulico do Colégio Santo Antônio e (B) ladrilho cerâmico do Palacete do Parque da Residência. .......................................................................................................................... 49 Figura 21: Variação de tonalidade de acordo com o cimento utilizado ................................................ 54 Figura 22: Fábrica de ladrilhos hidráulicos em atividade no final do séc. XIX ...................................... 56 Figura 23: Operário manuseando a prensa hidráulica. ......................................................................... 57 Figura 24: (A) Depósitos com as misturas de cimento branco com pigmentos a serem utilizados nos ladrilhos hidráulicos, (B) derramamento da mistura no gabarito com o “calchalote”. ........................... 58 Figura 25: (A) Adição da massa de cimento e (B) ladrilho hidráulicos sendo pressionados. ............... 59 Figura 26: (A) Ladrilhos hidráulicos secando em estantes, (B) tanque onde os ladrilhos hidráulicos são imersos para a cura e (C) resultado final. ............................................................................................. 60 Figura 27: Composição de ladrilhos hidráulicos (A) geométricos e (B) florais. .................................... 61 11 Figura 28: (A) faixas sendo utilizadas como moldura, (B) rodapé em faixa de ladrilho hidráulico. ...... 62 Figura 29: (A) ladrilhos hidráulicos sextavados e (B) composição de ladrilhos hidráulicos oitavados com tozetos. .......................................................................................................................................... 63 Figura 30: Exemplo de padrões de ladrilhos hidráulicos semelhantes, porém com procedência distinta. (A) Salvador Bulet y Cia, Barcelona-Espanha, (B) Procedência desconhecida e (C) Mosaic del Sur, Málaga-Espanha. ..................................................................................................................... 64 Figura 31: Eflorescência salina nos ladrilhos da parede do Solar Barão de Guajará. ......................... 66 Figura 32: Piso em ladrilho hidráulico com fissuras devido à acomodação do terreno, na Farmácia República (Belém/PA). .......................................................................................................................... 67 Figura 34: Piso em ladrilho hidráulico com fissuras decorrentes de processos de dilatação térmica, na igreja de São Pedro dos Clérigos, em Salvador (BA). .......................................................................... 68 Figura 35: Remoção de ladrilho hidráulico de maneira imprópria, no antigo cinema de Cachoeira (BA). ............................................................................................................................................................... 68 Figura 37: Pisos desgastados por abrasão. .......................................................................................... 69 Figura 38: Piso com diferentes tipos de deposição: tinta, argamassa e poeira, na Farmácia República (Belém, PA). .......................................................................................................................................... 69 Figura 33: Ladrilhos hidráulicos com lacunas, sendo (A) com preenchimento e (B) sem preenchimento. ...................................................................................................................................... 70 Figura 36: Peça de ladrilho hidráulico apresentando sulco produzido por Makita. .............................. 71 Figura 39: Peças de ladrilho hidráulico apresentando mudança de cor. .............................................. 71 Figura 40: Piso da biblioteca do Colégio Nazaré (Belém, PA) com aspecto brilhoso. ......................... 72 Figura 42: (A) algas na superfície de ladrilhos hidráulicos, (B) plantas localizadas nas juntas. .......... 73 Figura 43: Excrementos de pombos depositados no piso. ................................................................... 74 Figura 44: (A) Pisos em ladrilhos hidráulicos com preenchimento de cimento e (B) e substituição. ... 75 Figura 45: (A) Antes e (B) depois da peça restaurada pelo IEPHA/MG ............................................... 77 Figura 46: Processo de aplicação de novos ladrilhos hidráulicos. (A) Piso em ladrilho hidráulico apresentando lacuna, (B) contrapiso nivelado, (C) assentamento das réplicas e (D) resultado final .. 78 Figura 47: Piso coberto com papelão e gesso ...................................................................................... 79 Figura 48: Piso com a aplicação do emplasto ...................................................................................... 81 Figura 49: (A) Antes e (B) depois (B) da aplicação do ácido oxálico.................................................... 82 Figura 50: Peças de vidro com plotagem substituindo ladrilhos hidráulicos originais. ......................... 82 Figura 51: Aluna do CECI restaurando ladrilho hidráulico. ...................................................................84 Figura 52: (A) área do piso, na qual já foram tiradas as peças originais, (B) ladrilhos originais empilhados pós-remoção e (C) caixa contendo as peças de substituição. .......................................... 85 Figura 53: Piso apresentando ladrilhos novos e ladrilhos antigos. ....................................................... 86 Figura 54: Desenho esquemático da avaliação das dimensões dos ladrilhos hidráulicos. .................. 90 Figura 55: Espectrocolorímetro PANTONE COLORCUE e tabela de cores PANTONE...................... 90 Figura 56: (A) Corte da amostra e (B) pesagem em balança técnica (B). ............................................ 91 Figura 57: (A) Picnômetro de Hubbard cheio de mercúrio, (B) pesagem do picnômetro com mercúrio em balança semi-analítica, (C) picnômetro com mercúrio e a amostra e (D) pesagem da amostra. .. 92 12 Figura 58: Equipamento para teste de abrasão: abrasímetro .............................................................. 93 Figura 59: Amostra dividida por camadas. ............................................................................................ 95 Figura 60: Ataque ácido às amostras. .................................................................................................. 95 Figura 61: Filtragem do material suspenso. .......................................................................................... 96 Figura 62: Difratômetro de Raios-X do Laboratório de Caracterização Mineral do Instituto de Geociências da UFPA. .......................................................................................................................... 97 Figura 63: Metalizador do LABMEV do Instituto de Geociências da UFPA. ........................................ 98 Figura 64: Dimensionamento e configuração do tardoz das amostras. ............................................. 101 Figura 65: Imagem de MEV de seção transversal da amostra AM-4. ................................................ 103 Figura 66: Identificação das camadas na amostra AM-8. ................................................................... 104 Figura 67: Identificação das amostras de superfície lisa e das amostras de superfície áspera. ....... 104 Figura 68: Imagens de MEV identificando as características morfológicas dos ladrilhos de superfície lisa. ...................................................................................................................................................... 106 Figura 69: Imagem de MEV da amostra AM-6. ................................................................................... 107 Figura 70: Imagem de MEV da amostra AM-7. ................................................................................... 108 Figura 71: Imagem de MEV da amostra AM-8. ................................................................................... 108 Figura 73: Separação das amostras por tipo de agregado. ................................................................ 112 Figura 74: Digrafograma da amostra AM-1. ........................................................................................ 113 Figura 75: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-1 ................................................. 114 Figura 76: Difratograma da amostra AM-2. ......................................................................................... 115 Figura 77: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-2. ................................................ 115 Figura 78: Difratograma da amostra AM-3. ......................................................................................... 116 Figura 79: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-3. ................................................ 116 Figura 80: Difratograma da amostra AM-4. ......................................................................................... 117 Figura 81: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-4. ................................................ 117 Figura 82: Difratograma representativo das amostras AM-5, AM-6, AM-7 e AM-8. ........................... 118 Figura 83: Caracterização química por MEV/SED das amostras AM-5, AM-6, AM-7 e AM-8. .......... 118 Figura 84: Difratograma da amostra AM-9R. ...................................................................................... 119 Figura 85: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-9R. ............................................. 119 Figura 86: Difratograma da amostra 10R. ........................................................................................... 120 Figura 87: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-10R. ........................................... 120 Figura 88: Difratograma da amostras AM-11R. .................................................................................. 121 Figura 89: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-11R. ........................................... 121 Figura 90: Difratograma da amostra AM-12R. .................................................................................... 122 Figura 91: Caracterização química por MEV/SED da amostra AM-12R. ........................................... 122 Figura 92: AM-1 com fragmentação total e parcial. ............................................................................ 124 Figura 93: Amostra AM-5 apresentando fissuras. ............................................................................... 125 Figura 94: Amostras AM-2 e AM-5 apresentando sujidade. ............................................................... 125 Figura 95: (A) Amostra AM-4 com deposição de pingos de tinta e (B) amostra AM-1 com deposição de argamassa. .......................................................................................................................................... 126 13 Figura 96: Amostra AM-11R com eflorescência. ................................................................................ 126 Figura 97: Alteração cromática na amostra AM-7. .............................................................................. 127 Figura 98: Marca causada pela máquina de corte na amostra AM-11R. ........................................... 127 Figura 99: Imagem-resumo das etapas de caracterização, diagnóstico e intervenção. ..................... 136 14 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Relação das amostras da pesquisa........................................................................ 88 Tabela 2: Classificação das cores da decoração dos ladrilhos hidráulicos de acordo com a tabela de referência PANTONE.............................................................................................. 102 Tabela 3: Traço provável da camada inferior das amostras................................................... 109 Tabela 4: Absorção total em água e massa específica das amostras.................................... 110 Tabela 5: Desgaste das amostras por meio do teste de abrasão........................................... 110 Tabela 6: Percentual de desgaste em pedras ornamentais.................................................... 111 Tabela 7: Composição química das amostras........................................................................ 12115 LISTA DE SIGLAS APD – Automatic Powder Diffraction CECI – Centro de Estudos Avançados de Conservação Integrada DRX – Difratometria de Raios-X EDTA – Ácido etilenodiamino tetra-acético FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo ICDD – Internacional Center for Diffraction Data IEPHA/MG – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais IG – UFPA – Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional LACORE – Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação LCM – Laboratório de Caracterização Mineral MEV – Microscopia Eletrônica de Varredura MEV/SED – Microscopia Eletrônica de Varredura com sistema de energia dispersiva NBR – Norma Brasileira NOSELOUR – Nossa Senhora de Lourdes NTPR – Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração SCIAL – Sociedade de Construções e Indústrias Anexas UFBA – Universidade Federal da Bahia UFPA – Universidade Federal do Pará 16 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 18 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...................................................................... 27 2.1 CONTEXTO HISTÓRICO.......................................................................... 27 2.1.1 Contexto internacional............................................................................ 27 2.1.2 Contexto nacional.................................................................................... 36 2.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE LADRILHOS HIDRÁULICOS E LARILHOS CERÂMICOS....................................................................... 49 2.3 PRODUÇÃO DE LADRILHOS HIDRÁULICOS.......................................... 51 2.3.1 Matéria-prima utilizada............................................................................ 51 2.3.2 Etapas da produção................................................................................. 55 2.4 VARIAÇÕES TIPOLÓGICAS..................................................................... 60 2.5 FATORES DE DEGRADAÇÃO.................................................................. 65 2.5.1 Agentes físicos......................................................................................... 65 2.5.2 Ataque químico........................................................................................ 72 2.5.3 Agentes biológicos.................................................................................. 72 2.6 TÉCNICAS JÁ USADAS EM CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE LADRILHOS HIDRÁULICOS..................................................................... 74 3 MATERIAIS E MÉTODOS......................................................................... 88 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES............................................................... 100 4.1 CARACTERIZAÇÃO FÍSICA...................................................................... 100 4.2 CARACTERIZAÇÃO MINERALÓGICA E QUÍMICA.................................. 111 4.3 IDENTIFICAÇÃO DAS PATOLOGIAS NA AMOSTRAGEM...................... 123 5 CONCLUSÕES.......................................................................................... 129 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 138 7 ANEXOS.................................................................................................... 144 17 18 1 INTRODUÇÃO A cidade de Belém, capital do Pará, foi fundada em 12 de janeiro de 1616, por Francisco José Caldeira Castelo Branco. As primeiras construções constituíram os dois núcleos iniciais denominados de Cidade e Campina. Relatos de viajantes do século XVIII e meados do XIX1 descrevem a cidade de Belém com aspecto de aldeia em função da simplicidade da maioria das construções, principalmente da arquitetura civil, cujos materiais empregados foram aqueles que a região poderia oferecer, ou seja, o barro, a madeira, a palha e as pedras. No entanto, algumas construções, como igrejas e palácios, já se destacavam nesse cenário, pela sua arquitetura monumental, principalmente a partir de 1753, com a chegada do arquiteto italiano Antônio José Landi, cujos projetos contribuíram para mudar ainda mais a aparência da cidade. A arquitetura de Landi introduz o estilo neoclássico em Belém, mas é só a partir de meados do século XIX até o início do século XX que a cidade iria passar por profundas modificações patrocinadas pela riqueza gerada na economia da borracha. As ruas passaram a ser pavimentadas e as edificações construídas com materiais nobres importados da Europa. Belém se revela como uma das principais cidades brasileiras, cuja aparência em nada se assemelhava aos relatos mais antigos (Figura 1). 1 BATES, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. 19 Figura 1: Rua João Alfredo, a artéria comercial mais importante da cidade, em 1908. Fonte: Lemos, 1902 – 1909 . As modificações foram também impulsionadas pelo código de posturas municipal de Antônio José de Lemos, intendente de Belém entre os anos de 1897 a 1912, que obrigava a substituição de beirais por platibandas com sistema de captação de águas pluviais, a eliminação das “puxadas”2 das edificações, entre outras, em prol de melhores condições de higiene na cidade e nas suas edificações. O período da borracha também provocou mudanças culturais nas pessoas que residiam em Belém. A cidade tornou-se palco também de intensa vida social, com reuniões, bailes e espetáculos de ópera. Esses eventos faziam parte do cotidiano das pessoas mais “bem nascidas” e para atender a estas atividades as edificações passaram a ter salões ricamente ornamentados com pinturas artísticas, chapas metálicas estampadas, ladrilhos, azulejos etc., tudo importado, resultado do intenso comércio entre Belém, a Europa e os Estados Unidos. A residência Victor Maria da Silva é um dos exemplos mais representativos dessa época (Figura 2). 2 As "puxadas" seguiam o modelo tradicional português, com ambientes anti-higiênicos, sem ventilação e iluminação natural, e com ambientes que eram verdadeiras estufas, provocadas pela colocação de extensos planos envidraçados. 20 Figura 2: Palacete Vitor Maria da Silva: (A) lavatório em porcelana decorada inglesa, (B) painel de azulejos franceses da fábrica Choisy Le Roi, (C) forro em chapas metálicas decoradas e (D) ladrilhos cerâmicos. Os mais avançados produtos de construção das principais fábricas europeias foram utilizados nas edificações de Belém. No que se refere aos revestimentos de piso, a mudança foi significativa pois, do século XVII ao início do século XIX, os materiais empregados como revestimentos correspondiam à madeira em tábuas espessas e largas aplicadas uma ao lado da outra, sem a preocupação de formar desenhos geométricos ou outros tipos de composição; a tijoleira,principalmente nas igrejas, fortificações, palácios; e o lioz, mas, em termos de piso, este ficou muito restrito às calçadas de Belém, às soleiras das mais diversas edificações e às lápides de túmulos dentro das igrejas. Com as facilidades advindas pelo intenso comércio a partir de meados do séc. XIX, surgem outros tipos de revestimentos. A madeira, mesmo sendo, ainda, de origem local, passou a ser aplicada diferentemente de até então, com composições constituídas por mais de um tipo de madeira e formando composições geométricas, A B C D 21 com técnica de parquetagem. O lioz continuou a ser muito utilizado. A novidade estava em outros tipos de pedras e nos ladrilhos. Os ladrilhos foram muito utilizados em áreas externas e no pequeno hall que antecede à escada que dá acesso ao interior da edificação. Em alguns casos, como no Solar do Barão de Guajará (Figura 3), foi aplicado na parede. Além de atribuir beleza pelas suas cores e composições geométricas e/ou orgânicas, os ladrilhos proporcionaram melhores condições de limpeza nestes ambientes. Figura 3: Ladrilhos aplicados na parede do hall de entrada do Solar do Barão de Guajará em Belém. A higiene e a resistência levaram o ladrilho a ser utilizado também no interior de fábricas de Belém, pela necessidade de manter o piso sempre limpo e de suportar o peso das máquinas (Figura 4). 22 Figura 4: Fábrica da Phebo em Belém (Fonte: www.ibge.gov.br). São dois os tipos de ladrilhos que chegaram a Belém, o cerâmico e o hidráulico, que apesar de terem a aparência muito semelhante, inclusive com os mesmos desenhos e cores, e serem materiais que passam por processos de moldagem, prensagem e secagem, são completamente distintos quanto à técnica de produção e à matéria prima utilizada. O ladrilho cerâmico corresponde a um material produzido com pasta cerâmica (argilas e óxidos metálicos) queimada a altas temperaturas. Já o ladrilho hidráulico é elaborado com cimento e pigmentos. Este trabalho se dedicará a estudar o ladrilho hidráulico, que corresponde ao material utilizado com maior frequência em Belém, além de ter sido produzido nesta cidade. Segundo a NBR 94573, o ladrilho hidráulico é uma placa de concreto de alta resistência ao desgaste para acabamento de paredes, pisos internos e externos, contendo uma superfície lisa ou em relevo, colorida ou não, de formato quadrado, retangular ou outra forma geométrica definida. 3 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9457: Ladrilhos hidráulicos – Especificação. Rio de Janeiro, 1986. 23 Esta definição, porém, não está completamente correta, pois o ladrilho hidráulico não pode ser tratado como uma placa de concreto, já que não apresenta agregado graúdo em sua composição. Ele é uma placa de cimento. Eles são constituídos por duas camadas facilmente reconhecidas, a decorativa e a base. A primeira é a parte superior do material que fica aparente quando assentado. A segunda corresponde ao suporte da decoração, e geralmente apresenta impresso no seu tardoz4, o nome e/ou a marca da fábrica que o produziu. A grande diferença do ladrilho para outros revestimentos é que ele não tem uma camada de pintura e nem possui impressão, mas sim uma camada decorada por volta de 5 mm, o que garante a maior durabilidade da decoração (Figura 5). Figura 5: Seção transversal de ladrilho hidráulico que indica as camadas que o constituem. O ladrilho hidráulico possui diferentes significados em função das linguagens de diferentes culturas. A expressão mais antiga que se conhece é a de “mosaico”5. Apesar da denominação “mosaico” ser muito utilizada para ladrilhos hidráulicos, este termo deve ser considerado impróprio, pois a definição de mosaico é o conjunto de peças, cerâmicas, de pedra, de vidro ou outro material, embutidas em um plano, formando desenhos ou não. No Brasil é chamado ladrilho o material em placas regulares para pavimentos, que pode ser cerâmico ou de cimento. A denominação ladrilho hidráulico dá-se por ser um material para revestimento fabricado a partir de cimento hidráulico. 4 Tardoz corresponde à face inferior do ladrilho. 5 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolucioón. República Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 26. Camada inferior Camada decorativa 24 Apesar da sua importância histórica e estética, o ladrilho hidráulico é constantemente substituído por outro tipo de material nas intervenções em edificações da cidade de Belém, por diversos motivos. Entre eles pode-se citar: 1) a ideia equivocada da “volta ao original” na arquitetura religiosa, de modo a substituir o ladrilho assentado posteriormente à construção por tijoleira atual, esta sem valor histórico e estético; e 2) o nível de desgaste das peças aliado ao desconhecimento dos meios técnicos adequados à sua conservação. Um dos exemplos mais marcantes de remoção de ladrilhos diz respeito à Igreja de Sant’Anna, edificação do século XVIII, restaurada recentemente, cujos ladrilhos foram desenhados por Joseph Casse, segundo relatos do historiador Aldrin Figueiredo. Provavelmente em função do estado de conservação da tijoleira original e diante da novidade de produção local, os ladrilhos foram provavelmente lá assentados na primeira década do século XX e estavam inseridos na unidade artística do monumento, contribuindo assim para o valor estético do mesmo. A substituição por novas tijoleiras descaracterizou a edificação e não alcançou o mesmo efeito adquirido pelo ladrilho ao longo desses anos. Outra edificação que teve seus ladrilhos removidos foi o Instituto Lauro Sodré, atual Tribunal de Justiça do Estado. A edificação possuía uma grande variedade de ladrilhos hidráulicos (Figura 6), provavelmente produzidos pela fábrica paraense A. Pinheiro Filho e Cia Ltda. uma vez que todos estão no catálogo de produtos cimentícios da referida indústria. Os ladrilhos foram substituídos por porcelanato, o que contribuiu significativamente para a descaracterização da edificação. Figura 6: Sala de refeições do Instituto Lauro Sodré (Fonte: Pará, SECULT, 1998). 25 Dessa maneira, o objetivo deste trabalho consiste em estudar o ladrilho hidráulico, sob o viés histórico e tecnológico, da cidade de Belém de modo a traçar subsídios para a sua conservação e restauração. Os objetivos específicos dessa pesquisa consistem em: Identificar o contexto histórico da comercialização e produção dos ladrilhos hidráulicos, o início e o auge da utilização deste material em Belém; Caracterizar o processo de fabricação do ladrilho e os materiais utilizados na sua produção; Identificar prováveis diferenças e/ou semelhanças entre ladrilhos hidráulicos antigos e réplicas produzidas atualmente; Caracterizar fisicamente o ladrilho hidráulico e sua composição química e mineralógica, de modo a identificar os melhores meios de preservação deste material.26 27 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 CONTEXTO HISTÓRICO O ladrilho hidráulico está presente em vários locais do mundo. A contextualização histórica do surgimento e aplicação do material em diversos locais subsidia o entendimento da importância do mesmo como patrimônio artístico e histórico. 2.1.1 Contexto internacional O cimento revolucionou a indústria da construção e passou a ser utilizado em diversos elementos arquitetônicos, entre eles, o ladrilho hidráulico. Apesar das diversas hipóteses quanto à origem dos ladrilhos hidráulicos, não há dúvidas de que são derivados do cimento tipo Portland. O ladrilho hidráulico, assim como os elementos arquitetônicos em ferro e o vidro, pode ser considerado exemplo de produto advindo pós Revolução Industrial que, fabricado sob base artesanal, sobretudo, com aplicação de recursos relativamente inovadores para a época, tem técnica de produção manufatureira que transcendeu e se mantém viva, paralelamente ao processo industrial6. A técnica usada para a fabricação de ladrilhos hidráulicos baseia-se na técnica banchetto, que surgiu na Itália, no século XII7. A partir desta técnica, estima-se que a fabricação de ladrilhos hidráulicos imitativos de mármores tenha surgido entre os séculos XVII e XVIII na Itália, usando uma mistura de cal compactada em um molde de ferro, com sucessivas camadas de cor adicionadas e polidas à mão8. É comum no desenvolvimento de uma nova técnica que sua base esteja pautada em técnicas antecedentes Observam-se também na técnica do ladrilho hidráulico 6 MACHADO, Luiz Gomes. Apresentação: texto para exposição “Se esta rua fosse minha”. Museu da casa Brasileira. 2005. Disponível em: http://www.mcb.sp.gov.br. 7 NAVARRO, Mario Arturo Hernández. Puerto Rico Tile Designs. Pepinpress, 2012. p. 37. 8 JOYNT, Anna. Cuban Mortar Tiles. International Cooperation and Regeneration through the Rediscovery of a Lost Craft. Havana: 2009. Faculty of Architecture, University of Havana, s/p. 28 elementos residuais de outros revestimentos precedentes, como dos azulejos, dos ladrilhos cerâmicos e dos mosaicos. Na Figura 7 podem-se notar, comparativamente, as semelhanças entre ladrilhos hidráulicos (organizados na linha inferior) e exemplos anteriores de mosaico de pedra, azulejo antigo e ladrilho cerâmico (linha superior). Claramente, a composição formal, padrões e cores denotam a influência de mosaicos, azulejos e ladrilhos cerâmicos antigos na decoração dos ladrilhos hidráulicos. Figura 7: Comparação entre (A) mosaico de pedra e ladrilho hidráulico, (B) azulejo e ladrilho hidráulico e (C) ladrilho cerâmico e ladrilho hidráulico. Detalhadamente, observa-se: (A) o ladrilho hidráulico replica o desenho reticulado do mosaico; (B) semelhança na composição formal dos padrões decorativos entre azulejo e ladrilho hidráulico e (C) repetição de padrão formal decorativo com alteração somente das cores entre ladrilho cerâmico e ladrilho hidráulico. Alguns países destacam-se na produção e popularização dessa técnica como a França, Espanha e Portugal, na Europa, o que viria influenciar a produção na América Latina e no Brasil. A B C 29 França Na França, o ladrilho hidráulico surgiu por volta de 1850, logo depois da implantação da primeira fábrica de cimento no país, chamada Guilhon & Barthelemy, a qual foi responsável pela fabricação e exportação de peças, moldes e todos os utensílios necessários para a fabricação do ladrilho hidráulico para outras partes do mundo. Além desses materiais ela fornecia, também, um manual explicativo com os procedimentos necessários para o processo de fabrico e com a sugestão de que cada fabricante buscasse o desenvolvimento de suas peças, com desenhos próprios, estimulando a variedade de novas padronagens que se identificassem com seu local de origem9. Foi na França que o ladrilho hidráulico passou por uma revolução em seu processo de fabricação, impulsionando sua produção. A Guilhon & Barthelemy, já referida, introduziu a prensa hidráulica no processo de fabricação do ladrilho hidráulico, o que proporcionou melhor qualidade ao produto final, já que, com a nova prensa, as peças eram comprimidas com maior homogeneidade. Antes da prensa hidráulica, as prensas utilizadas para compactação dos ladrilhos hidráulicos eram de mão e, depois, em parafuso, necessitando maior esforço físico em sua operação e, naturalmente, levando à diferença nos resultados (Figura 8). 9 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolución. República Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 39-42. 30 Figura 8: Exemplos de prensas mecânicas utilizadas para fabricação de ladrilhos hidráulicos: (A) de mão, (B e C) prensa parafuso e (D) prensa hidráulica para fabricação de ladrilhos. Fontes: (A) http://ardecol.inforoutes.fr, (B) Autora, (C) Segurado, s/d, (D) Autora. As prensas manuais, em geral, não atingem pressão superior a 30 ou 50 quilos por centímentro quadrado (3 à 5 MPa). Já as prensas hidráulicas podem atingir 150 quilos por centímetro quadrado (15 MPa)10. O Institut Promoció de Ceràmica11 descreve que a mecanização do processo permitiu o aumento da produção e a diminuição da fadiga do trabalhador, ressaltando, contudo, que a produtividade é sempre limitada pelas operações manuais, indispensáveis em todo o processo, principalmente na decoração. Ressalte-se que a França foi a principal responsável pela propagação da técnica de produção do ladrilho hidráulico, ao contribuir para a sistematização do processo 10 SEGURADO, João Emílio dos Santos. Biblioteca de instrução profissional: Materiais de construção. Lisboa: Livraria Bertrand, 7ª ed., s/d, p. 152. 11 http://www.ipc.org.es/home.html. A B C D 31 de fabricação e introduzir e estimular o tema de propriedade dos desenhos. O uso deste material expandiu-se assim pela Europa, Norte da África e América Latina. Inicialmente, os ladrilhos hidráulicos revestiam pisos de ambientes importantes, em edificações de alto padrão e em edifícios públicos. Porém, em meados do século XX, seu uso foi popularizado e passou a ser utilizado em vivendas em várias cidades francesas. Seu esplendor ocorre em consonância ao Art Nouveau, no final do século XIX, quando surgem modelos que reproduzem elaborados desenhos em linhas sinuosas e composições assimétricas, preferencialmente com motivos de vegetais estilizados. Devido à grande recessão no período entre as grandes guerras, os ladrilhos hidráulicos caíram em desuso na Europa. A partir da década de 1960, foram substituídos por outros materiais mais modernos no processo de reconstrução pós- guerra e de renascimento econômico refletido na indústria da construção, resultando no desaparecimento das fábricas de ladrilhos hidráulicos12. Espanha A origem do ladrilho hidráulico é discutida por vários autores e, por vezes,atribuída à diferentes países da Europa. Navarro13, cita a Espanha como o país que primeiro desenvolveu este tipo de material, sendo que a cidade de Barcelona seria a pioneira na produção, iniciada a partir de 1857. O auge das produções ocorreu durante o Art Nouveau, em 1880, e alcançou o mercado internacional. Uma das fábricas mais importantes da Espanha é a Bustsems y Cia, que é considerada a primeira do país, iniciando a produção de ladrilho hidráulico, em 1857. Entre os arquitetos que fizeram parceria com esta fábrica figura a personalidade marcante de Antoni Gaudí. 12 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolución. República Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 44. 13 NAVARRO, Mário Arturo Hernádez. Havana tile designs. Singapura: Pepin Press, 2007, s/p. 32 Outras fábricas de grande reconhecimento na Espanha são as Orsola, Solá y Compañia e a Garret, Rivet y Cia. A primeira destacou-se na exposição de Barcelona em 1888, recebendo diploma de honra em Bruxelas, devido a seu reconhecimento como maior produtora nacional e internacional, com grande diversidade de modelos e ótima qualidade, enquanto a segunda caracterizava-se como das mais tradicionais produtoras de ladrilhos hidráulicos no país14 (Figura 9 e Anexo 1). Figura 9: Anúncio em periódico referente à premiação da fábrica Orsola, Solá e Compañia. Fonte: httpupload.wikimedia.orgwikipediacommons66fAnunci_orsola-sola.jpg. A Escofet, Fortuna y Cia, fundada em 1886, também desfrutou de muito prestígio e ficou conhecida por seus desenhos inovadores e rápida expansão por toda a Espanha e América Latina. O arquiteto Antoni Gaudí contribuiu para esse sucesso ao desenhar alguns modelos de ladrilhos hidráulicos para esta fábrica. Um exemplo é o ladrilho hidráulico hexagonal, com tema marinho (Figura 10), produzido especialmente para a casa Batlló (1904), que, no entanto, não foi utilizado nesta edificação e, sim, na casa Milá (1906), do mesmo arquiteto. 14 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolución. República Dominicana: Grafisfon, 2008. 33 Figura 10: (A) Forma utilizada para a fabricação do ladrilho hidráulico de Gaudí e (B) o ladrilho hidráulico pronto. Fonte:ORTEGA y LORA, 2008. Segundo o Institut Promoció de Ceràmica, nas primeiras décadas do século XX, não havia cidade alguma ou município da Espanha que não possuísse fábricas de “mosaico hidráulico”. De acordo com o anuário geral de construção, de 1958, em fase inicial de declínio, havia 1.021 fábricas de mosaico hidráulico na Espanha, sendo 151 na província de Madri, 109 em Barcelona, 42 em Bilbao, e 36 em Alicante. Portugal Em 1910, a fábrica Devesas, famosa por fabricar azulejos, lançou um catálogo contendo específicações e imagens dos produtos oferecidos pela mesma. Entre esses materiais, estão os ladrilhos hidráulicos e os ladrilhos cerâmicos (Figura 11). Algumas fábricas de azulejos produziam também ladrilhos cerâmicos. Outro exemplo é a fábrica Villeroy & Boch, na Alemanha. Em Portugal, até o presente momento, ainda não foi encontrada referência de outra fábrica que trabalhasse principalmente com peças cerâmicas, e que produzisse, também, ladrilhos hidráulicos. A B 34 LADRILHOS CERÂMICOS LADRILHOS HIDRÁULICOS Figura 11: Catálogo da fábrica Devesas contendo imagens de ladrilhos cerâmicos (A) e ladrilhos hidráulicos (B). Fonte: Catálogo Devesas, 1910. Em Portugal, tem-se resgistro, também, da Sociedade de Construções e Industrias Anexas, conhecida por Mosaicos SCIAL, de 1921, certamente uma das principais fábricas do país. Seu objetivo era produzir ladrilhos hidráulicos de boa qualidade, com arestas vivas e perfeitas, desenhos e cores inalteráveis e com resistências compatíveis com os ladrilhos estrangeiros. A fábrica critica a produção do material em outras fábricas, destacando que a matéria-prima e o processo utilizado nas demais, não garantiam bom resultado15. Os primeiros operários da SCIAL, os quais foram responsáveis por repassar toda a técnica de fabricação dos ladrilhos hidráulicos para os operários portugueses 15 Sociedade de Construções e Industrias Anexas. Mosaicos Scial. Lisboa. 35 eram de Barcelona. O cimento utilizado na produção era importado da França: Extra-Blanc LAFARGE e Gris LAFARGE. Os pigmentos também eram importados e garantiam concentração nas cores empregadas. América Latina A vinda dos ladrilhos hidráulicos da Europa para a América aconteceu devido à grande imigração espanhola, no final do século XIX e início do XX, quando os imigrantes trouxeram suas culturas e experiências de um negócio rentável, com grande potencial de produção. Além disso, em 1867, a empresa Garreta, Rivet y Cia, de Barcelona, exibiu sua coleção na Exposition Universelle de Paris. A sua popularização extravasou as fronteiras do continente europeu para as colônias16. Cuba foi o primeiro país da América Latina a fabricar ladrilhos hidráulicos. Por volta de 1884 e, em 1899, já contava com quatro fábricas17. A fábrica “A Cubana”, fundada em 1903, era considerada, na época, como a maior fábrica do mundo, com suas instalações que ocupavam dez mil metros quadrados. A fábrica era conhecida por utilizar ferramentas modernas e matéria- prima de primeira qualidade, como areia, constituída somente por silicatos e livre de sais, o que favorecia a qualidade das cores; cimento da indústria Lafarge e pigmentos da Ritcher. Além disso, muitos de seus trabalhadores eram antigos operários das fábricas Escofet, Orsola y Bustsems. Antes do século XX, os modelos usados nos ladrilhos hidráulicos de Cuba, em sua maioria, eram praticamente iguais aos de Barcelona. A fábrica La Havana, entretanto, aumentou a concorrência no mercado, depois que passou a elaborar sua própria coleção, utilizando cores e ornamentos diversos, fazendo com que a variedade de padrões aumentasse consideravelmente no país inteiro. Os ladrilhos hidráulicos passaram a ter desenhos compatíveis com a cultura local18. 16 NAVARRO, Mario Arturo Hernández. Puerto Rico Tile Designs. Pepinpress, 2012. p. 37. 17 ORTEGA, Carmen; LORA, Ana Mitila. El Mosaico Hidráulico: Arte em evolucioón. República Dominicana: Grafisfon, 2008, p. 49. 18 NAVARRO, Mário Arturo Hernádez. Havana tile designs. Singapura: Pepin Press, 2007, p. 27. 36 No México, os ladrilhos chegaram por influência italiana e espanhola. Em 1885, Eugenio Talleri, de origem italiana, começou a importar algumas peças de Milão e, posteriormente, de Barcelona, passando, em 1896, a produzir seus próprios ladrilhos hidráulicos. Em 1900, surgiu a segunda fábrica, de propriedade do alemão Wilhem Stevens Sarto o qual, a princípio, importava toda a matéria-prima e o maquinário da Alemanha. Somente em 1910 o México passou a produzir seus próprios ladrilhos hidráulicos, iniciando a popularização do materialno país e, consequentemente, a abertura de diversas fábricas. Os ladrilhos hidráulicos espanhóis também influenciaram o início da produção na Argentina. Em 1896, o espanhol José Maria Cirtés fundou a Mosaicos Tradicionales Argentinos, uma das primeiras fábricas de pisos em Buenos Aires, passando a líder de mercado e, décadas depois, convertendo-se em exportador da mercadoria para países da Europa. Também, no século XX, a Argentina já exportava ladrilhos hidráulicos para o Brasil, Paraguai, Bolívia e Chile. 2.1.2 Contexto nacional No Brasil, este material foi importado principalmente de Portugal, da França, da Bélgica e da Alemanha. Foi no final do século XIX que os segredos das técnicas de manufatura do ladrilho hidráulico foram passados aos imigrantes residentes no Brasil e, então, começaram a ser instaladas aqui as primeiras fábricas. Minas Gerais A primeira fábrica de ladrilhos hidráulicos do Brasil foi fundada em Juiz de Fora/MG, em 1889. Depois foi transferida para Belo Horizonte/MG, em 1896. O fundador da fábrica foi o italiano Giovanni Lídio Lunardi, neto de Giovanni Lunardi, que foi presidente sindical das Indústrias de Ladrilhos Hidráulicos e Produtores de Cimento de Belo Horizonte. 37 A fábrica Lunardi & Machado era localizada na área comercial central da capital mineira, na Rua Curitiba, 158, em uma área de quatro mil metros quadrados. A fábrica possuía máquinas elétricas da fábrica francesa A. Guilhon et Fils, as quais podiam produzir diariamente quatro mil ladrilhos hidráulicos de variadas cores e desenhos. O maquinário da fábrica era composto por oito prensas hidráulicas, uma bateria de bombas hidráulicas, um moinho para tintas e um britador, tudo acionado por um motor inglês de vinte cavalos. Além de ladrilhos hidráulicos, a fábrica produzia, também, artefatos de cimento armado, como manilhas de “qualquer diâmetro”, soleiras, banheiras, degraus, ornamentos para fachada de prédios e outros. Era também oficina marmoarista19. A Figura 12 mostra a fachada da loja e fábrica de ladrilhos hidráulicos da família Lunardi, em Belo Horizonte, em dois momentos distintos. Apesar da imagem “A” não ser datada, pode-se perceber que deve ser anterior a 1900, já que o cartão postal é desta data “B”. A fábrica já tinha sofrido reformas em sua fachada. Figura 12: Fábrica de Ladrilhos Lunardi & Machado, (A) antes e (B) depois de 1990. Fonte: LLOYD, 1913. 19 LLOYD, Reginald. Impressões do Brazil no Século Vinte. Londres: Lloyd's Greater Britain Publishing Company, 1913, p. 765. A B 38 Quando da construção de Belo Horizonte, como a nova capital de Minas Gerais, foram importados diversos materiais construtivos do Rio de Janeiro para as obras. Na apresentação desses materiais eram utilizados catálogos de divulgação dos produtos, como o caso da Emanuele Cresta & Comp, que, dentre diversos materiais, fornecia também ladrilhos hidráulicos20 (Figura 13). Nesse período, as fábricas A Predial, Antiga Fábrica e Empresa Industrial, atendiam a demanda local por ladrilhos hidráulicos. Figura 13: Anúncio da Emanuele Cresta & Comp. no Almanak da Cidade de Minas. Fonte: Lima, 1900. Nas três primeiras décadas do século XX foram abertas mais duas fábricas, a Indústria Nacional e a Fábrica de Ladrilhos e Oficina Artística de Mármore Lupini & Comp. 20 CAMPOS, Cláudia Fátima. História do Ladrilho Hidráulico em Belo Horizonte. 2011. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Universidade Federal de Minas Gerais, p. 94. 39 Na década de 1940 existiam seis fábricas de ladrilhos hidráulicos, em Minas Gerais21. Rio Grande do Sul A Fábrica de Mosaicos localizada em Pelotas/RS é uma das fábricas mais antigas do país ainda em funcionamento. Fundada em 1914, a fábrica surgiu em meio a uma efervescência econômica no país e disputava o mercado com mais dezesseis fábricas de ladrilhos hidráulicos22. Em consonância à prosperidade econômica, vieram também grandes artistas e arquitetos estrangeiros. Com isso, o gosto pelo ladrilho hidráulico tornou-se mais presente. A Fábrica de Mosaicos (Figura 14) possui, ainda hoje, mais de 300 modelos, do início do século, nos mais diversos padrões: art nouveau, art deco, florais e geométricos23. Figura 14: Fábrica de Mosaicos, uma das fábricas mais antigas de ladrilho hidráulico do Brasil. Fonte: www.fabricademosaicos.com.br. Apesar da importância e recorrência de uso do ladrilho hidráulico no país, há poucos registros sobre este material, mesmo com sua constante presença nas edificações e calçadas de cidades históricas. Considerando a relevância desse material, foi desenvolvido em Pelotas um inventário dos ladrilhos hidráulicos usados 21 CAMPOS, Cláudia Fátima. História do Ladrilho Hidráulico em Belo Horizonte. 2011. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Universidade Federal de Minas Gerais, p. 94-95. 22 http://fabricademosaicos.com.br/ 23 LEÓN, Zênia de. Pelotas: casarões contam sua história. 2ª edição. Editora: Dm. Hofstatter. 1º Vol. 1993, p. 257. 40 em calçadas da cidade, reconhecendo esse instrumento de registro como um importante passo para a preservação de bens culturais24. São Paulo Em São Paulo, a fábrica Dalle Piage, uma tradicional produtora de ladrilhos hidráulicos, está em funcionamento desde 1922. Seu nome é inspirado em seu fundador, o italiano Federico Dalle Piagge, um dos precursores da técnica no Brasil. A fábrica Dalle Piagge, assim como diversas outras fábricas de ladrilhos hidráulicos, passou por um período de estagnação entre 1960 e 2000, tendo sido fechada neste período. Foi, entretanto, reaberta pela quarta geração da família em 2000. Atualmente a Dalle Piagge é uma das fábricas mais importantes do país (Figura 15). Figura 15: Galpão de produção da fábrica Dalle Piagge. Outra fábrica de ladrilhos hidráulicos tradicional de São Paulo/SP é a Ornatos. Ela tem a sua origem na década de 30, porém fechou as portas na época de crise do material. Já na década de 80, voltou a funcionar, com o principal objetivo de trabalhar com peças para restauro de edifícios. Os ladrilhos hidráulicos de substituição, preparados para obra de restauro do Palacete Pinho, foram produzidos nesta fábrica. Segundo o site da mesma, as peças são de 2004. 24 ZECHLINSKI, Ana Paula Polidori; ALMEIDA, Lílian Borges; OLIVEIRA, Ana Lúcia Costa. Ladrilho hidráulico: tentativa de preservação. Revista de pesquisa & Pós-graduação. Ano 2, volume 2, nº 2. Ouro Preto. 2000. 41 Maranhão Os ladrilhos hidráulicos de São Luís começaram a ser importados de Portugal, Inglaterra, França e outras países da Europa a partir do século XIX. Na cidade, também foi desenvolvido um trabalho de pesquisa sobre o assunto, abordando o contexto histórico e político-econômico da inserção do ladrilho hidráulicona cidade, apontando algumas edificações históricas que possuem o ladrilho hidráulico utilzado especialmente como revestimeento de pisos25. Pará Apesar de não ter sido encontrado, até o momento, registro algum documental que comprove a importação de ladrilhos hidráulicos em Belém/PA, possivelmente os primeiros exemplares da cidade foram importados da Europa, especialmente da França, Portugal e Alemanha, seguindo a lógica da chegada de praticamente todos os materiais construtivos utilizados na capital paraense no apogeu da economia do látex da região, entre o final do século XIX e início do XX, na Belle Epóque. Primeiramente, chegaram os ladrilhos cerâmico, que foram usados em diversas edificações importantes da cidade, como o Palacete Pinho e o Palacete Vitor Maria da Silva. Os ladrilhos cerâmicos eram originados nos principais pólos cerâmicos do mundo, a exemplo da fábrica alemã Villeroy & Boch. O uso desse material construtivo era justificado por sua beleza e durabilidade, porém, era um produto que somente pessoas de alto padrão aquisitivo poderiam obter. Já os ladrilhos hidráulicos, eram de mais fácil acesso, devido ao seu processo de fabricação ser mais simplificado, com relação ao ladrilho cerâmico, e, consequentemente, possuir menor custo. A difusão do uso do ladrilho hidráulico em Belém está provavelmente relacionada ao início da produção local, resultando em maior acessibilidade ao 25 SILVA, Svetlana Maria Farias da. Ladrilhos de São Luís: reflexos estéticos de uma época. São Luis: Secretaria de Estado da Cultura – SESC, 2005, p. 29. 42 material e ao preço final de revenda. Com a possibilidade de adquirir peças na própria cidade ocorreu maior estímulo ao comércio de compra e venda desse material. A primeira fábrica em Belém deve ter sido a que foi fundada por Domingos Acatauassú Nunes em sociedade com o alemão Guilherme Frederico Humdemark. Segundo o senhor Nelson Vale, em entrevista concedida durante essa pesquisa em 2012, o seu avô, Guilherme Frederico Humdemark, foi o responsável pela chegada da produção de ladrilhos hidráulicos em Belém. O relato, destaca que Guilherme possuía o conhecimento da produção de ladrilhos hidráulicos trazido da Alemanha, contudo não detinha recursos financeiros para montar uma fábrica própria. Guilherme, então, propôs sociedade à Domingos Acatauassú, dividindo a responsabilidade da gestão administrativa para o sócio, enquanto que ele próprio se encarregava do gerenciamento e produção das peças. Apesar desses relatos, ainda não foi possível precisar a data de fundação da fábrica, tampouco sua denominação oficial. Outra fábrica de muito prestígio na cidade era a A. Pinheiro Filho, localizada na Travessa Quintino Bocayuva, Nº 31. Além da fabricação de ladrilhos hidráulicos, esta fábrica produzia outros elementos construtivos e de ornamentação, tais como: marmorite (pedra artificial), escadarias, soleiras, peitoris, colunas, balaustradas, portais, tampos de mesas para bares, bancos de jardim, vasos, bacias com sifão para banheiro, pias, postes, estátuas, túmulos, guarda-corpos entre outros (Figura 16). 43 Figura 16: (A) Imagem da capa do catálogo da A. Pinheiro Filho e (B) artefatos de marmorite produzidos por ela. Fonte: Catalogo A. Pinheiro Filho e Cia Ltda, 1927. Os catálogos da fábrica eram ricos e bem ilustrados. Um volume de 1927 da A. Pinheiro Filho relata que o objetivo da fábrica era oferecer um material que atendesse aos mais modernos requisitos de higiene e técnica, contando com o mais moderno em máquinas. Os ladrilhos produzidos na A. Pinheiro Filho eram prensados com força de 150 a 200 Atm, com “esquadrias perfeitas e arestas vivas”26. A fábrica oferecia também grande variedade de desenhos criados por outras indústrias estrangeiras especialistas em ladrilhos, e a coloração dos desenhos era resultado de pigmentos de primeira qualidade, importados da Europa. A. Pinheiro Filho forneceu ladrilhos hidráulicos para diversas edificações da cidade, principalmente para escolas e prédios públicos. O Colégio Marista possui vários ladrilhos, distribuídos em diversos ambientes, produzidos por esta fábrica. 26 Catálogo A. Pinheiro Filho e Cia Ltda, 1927. 44 A Figura 17 mostra a capela do colégio, com ladrilhos hidráulicos assentados no piso e os modelos dos ladrilhos utilizados no catálogo da fábrica. Figura 17: Ladrilhos produzidos na A. Pinheiro Filho assentados na capela do Colégio Marista. Fonte: Catálogo da fábrica A. Pinheiro Filho e Cia Ltda, 1927. O filho do alemão Guilherme Frederico, suposto pioneiro na produção de ladrilhos hidráulicos em Belém, Henrique Ferreira do Vale, herdou a prática de produzir ladrilhos e também trabalhou como mestre ladrilheiro. Foi proprietário da fábrica de Ladrilhos Cruzeiro, a partir de 1946, até o momento de decadência do ladrilho hidráulico, com a introdução das lajotas cerâmicas. Em 1961, seguindo a tradição da família de trabalhar na produção de ladrilhos hidráulicos, o engenheiro Nelson Vale, filho de Henrique Vale, deu continuidade à fabricação do material, com a fábrica CONSTAR. Inicialmente, começou com a fábrica no quintal de seu sogro. Já em 1963, mudou-se para uma casa maior, onde fabricou ladrilhos até 1968. 45 Em sua entrevista, Nelson Vale relatou que chegou a ter quatro prensas funcionando e vinte funcionários trabalhando em sua fábrica, no período em que o ladrilho era mais valorizado. As prensas eram provenientes da fábrica de máquinas J. Gimines. Outra fábrica de ladrilhos hidráulicos que funcionava em Belém/PA foi a Fábrica Nossa Senhora de Lourdes, conhecida também como NOSELOUR. Essa fábrica iniciou seu funcionamento em 1959 e registrou falência em 1970. Em contato pessoal com o engenheiro José Leitão de Almeida Viana, filho de Orlando Viana, fundador da fábrica, este explicou que acompanhou do surgimento até a decadência a fábrica de ladrilhos do pai. Assim, sabe-se que Orlando Viana iniciou carreira militar aos 17 anos, e aos 38 anos já entrava para a reserva. A busca de um novo ofício o levou a comprar equipamentos para a fabricação de ladrilho, os quais foram adquiridos de uma fábrica em Icoaraci e instalados em seu quintal. Além dos equipamentos, foram contratados também, os operários que trabalhavam na fábrica de Icoaraci, com o objetivo de repassar a técnica de produção para os demais funcionários. No início do funcionamento, em 1959, a fábrica contava com uma prensa com quatro operários, mas, em 1961, a produção dobrou, sendo adquirida mais uma prensa, na qual também trabalhavam quatro operários. José Viana garante que o material produzido por seu pai possuía ótima qualidade e que o ladrilho era muito utilizado na época. O modelo mais procurado pelo público era o tipo marmorizado, o qual imitava mármores, modelo que era produzido exclusivamente pela NOSELOUR. As peças possuíam dimensões de 20cm x 20cm ou 30cm x 30cm, sendo que os maiores eram mais adequados para assentamento em calçadas. Na face posterior, as peças possuíam um círculo como sua marca.
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