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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 1 2 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança tem novo presidente Transparência, isenção e participação pública são as prioridades do médico Walter Colli Polêmicas à parte, o plantio de produtos transgênicos vem crescendo significativamente no Brasil nos últimos anos. Prova disso é que, de acordo com dados do ISAAA – International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Application, o Brasil é hoje o terceiro maior usuário de la- vouras GM, perdendo apenas para Estados Unidos e Argen- tina. Além disso, foi o país que teve o maior aumento em área plantada com lavouras transgênicas, 9,4 milhões de hec- tares em 2005, ou seja, 4,4 milhões a mais do que os 5 mi- lhões registrados em 2004. Mas, mesmo com todo esse quadro de crescimento, os problemas internos enfrentados pelos produtores e instituições que pesquisam produtos transgênicos ainda são muitos. Por isso o médi- co Walter Colli, que é o novo presidente da Comissão Técnica de Biossegurança sabe que tem um grande desafio à sua frente. Com ele, começa também uma nova era dessa Comissão, que havia sido formalmente extinta no dia 24 de março de 2005. Para encarar esse desafio da melhor maneira possível, Colli conta com um quadro de 54 conselheiros de diferentes áreas que, segundo ele, refletem a pluralidade do Brasil. Além disso, defende que por ser uma instância técnica e apolítica, continuará pautando suas ações e decisões pelos debates à exaustão de conteúdos absolu- ta e eminentemente técnicos. “O que esperamos é que sempre pre- valeça o argumento com fundamentos solidamente alicerçados na literatura científica conhecida, bem como no que de mais moderno as pesquisas científicas indicarem, nos termos dispostos na Lei de Biossegurança e no Decreto que a regulamenta”, ressalta o novo presidente. Em entrevista à revista Biotecnologia, Ciência & Desen- volvimento, no dia 08 de março, Colli falou sobre as suas priorida- des à frente da Comissão, enfatizando que a transparência e a parti- cipação pública serão as prioridades da sua nova gestão. Confiram: Fernanda Diniz Jornalista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 3 BC&D - Assumir a presidência de uma comissão como a CTNBio, que trata de assuntos tão contro- versos, como transgênicos e célu- las-tronco é, sem dúvida, um de- safio. Quais são as suas priorida- des no comando da Comissão? Colli - Ao Presidente da Comissão cabe presidir as reuniões obedecen- do estritamente os termos da Lei e da legislação infra-legal. A CTNBio é constituída de 27 membros titulares e 27 membros suplentes. A legisla- ção prevê trabalho para todos. Isso quer dizer que, em tese, uma reu- nião poderá contar com 54 membros. Ao Presidente cabe moderar e agir com isenção. Tendo em vista a qua- lidade dos membros, a força do Pre- sidente se resume apenas ao seu voto. BC&D - O senhor acha que a for- mação multidisciplinar da Comis- são está adequada ao cumprimen- to de seus objetivos? Colli - A sociedade brasileira é plu- ral. A Lei procurou expressar essa pluralidade, garantindo na composi- ção da CTNBio a expressão das vari- adas opiniões sobre assuntos tão di- versos quanto polêmicos. A CTNBio, no entanto, por ser uma comissão es- tritamente técnica e apolítica, deverá continuar pautando suas ações e de- cisões pelos debates à exaustão de conteúdos absoluta e eminentemen- te técnicos. Espera-se que sempre prevaleça o argumento com funda- mentos solidamente alicerçados na literatura científica conhecida, bem como no que de mais moderno as pesquisas científicas indicarem, nos termos dispostos na Lei de Biosse- gurança e no Decreto que a regula- menta. BC&D - Como funciona a CTNBio? São realizadas reuniões mensais para discussão dos assuntos em pauta? Colli – O art. 21 do decreto 5.591/05 define que a CTNBio reunir-se-á, em caráter ordinário, uma vez por mês e, extraordinariamente, a qualquer momento, através de convocação de seu Presidente ou por solicitação fun- damentada e subscrita pela maioria absoluta de seus membros. Desta forma, a CTNBio tem um calendário anual proposto pela Coordenação Geral e aprovado pelo plenário. Como são 54 conselheiros não é fá- cil marcar reuniões de afogadilho, já que os membros da CTNBio proce- dem de todos os quadrantes do país. BC&D - Desde que voltou a funci- onar, quais foram as principais decisões da CTNBio? Colli – Houve, de fato, apenas uma reunião. Essa reunião elegeu a lista tríplice para o Ministro escolher o Presidente e o Vice-Presidente e dis- cutiu e votou o Regimento Interno que foi aprovado pelo ministro Sér- gio Rezende e publicado no DOU no último dia 07/03/2006. Devo di- zer que isso não é pouco, tendo em vista visões diferentes sobre vários assuntos. Foi um primeiro exercício de busca de consenso. Quero dizer ainda que a Lei exige publicação pré- via de extratos de pleitos que devem ficar 30 dias submetidos ao escrutí- nio público, sem o que será ilegal discutí-los. Na medida do possível, a Secretaria os está preparando e eu estou autorizando a sua publicação. BC&D - Durante o tempo em que a Comissão ficou sem funcionar, muitos projetos de biotecnologia ficaram parados. O senhor acha que isso pode representar atraso para o desenvolvimento da ciên- cia no Brasil? Colli – Todos os trabalhos de pes- quisa – de Universidades, de Institu- tos de Pesquisa, de laboratórios pri- vados – que utilizem OGMs e seus derivados necessitam de aprovação da CTNBio. Como a antiga Comissão foi formalmente extinta em 24 de mar- ço de 2005, data de promulgação da nova Lei e a CTNBio somente reto- mou seus trabalhos agora, algum pre- juízo deve ter havido, mas não é pos- sível quantificá-lo. BC&D - Sabemos pela mídia da grande quantidade de produtos transgênicos entrando ilegalmen- te no país. Como a Comissão pre- tende se posicionar diante desse assunto? Colli - Temos também acompanha- do as notícias acerca desse assunto pela imprensa. Todavia, não está sob responsabilidade da CTNBio a tarefa da fiscalização. BC&D - O desenvolvimento de pro- dutos transgênicos causou e cau- sa polêmica junto à sociedade bra- sileira. O senhor acha que essa si- tuação melhorou? E como a Co- missão pretende fazer em relação à opinião pública, isto é, haverá divulgação para a imprensa dos produtos liberados? Colli – A lei 11.105/05 e o decreto 5.591/05 que a regulamentou, intro- duziram no marco legal da biossegu- rança brasileira alguns mecanismos de transparência e participação pública no processo decisório da CTNBio, principalmente no que se refere a eventos GM destinados à comerciali- zação. Um deles, por exemplo, é a possibilidade de realização de audi- ências públicas com o objetivo claro de ouvir a população interessada so- “A nova lei de Biossegurança resolveu um problema que estava levando incertezas às comunidades científica e empresarial.” 4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 bre eventuais liberações para o con- sumo humano. Um outro mecanis- mo de transparência introduzido pela nova lei é a publicidade. Todos os atos da CTNBio estão sendo divul- gados não apenas no DOU mas tam- bém em sua página eletrônica com o seguinte endereço www.ctnbio.gov.br . Lá, estão dispo- níveis para consulta pública a pauta das reuniões, os extratos prévios e os extratos técnicos de parecer, as atas, o calendário anual de reuniões e, em breve, o trâmite de todos os processos. BC&D - Mesmo com toda a polê- mica que cerca os produtos trans- gênicos desde o começo, o Brasil foi o país que teve o maior aumen- to em área plantada com transgê- nicos em 2005, de acordo com dados do ISAAA. O senhor acha possível hoje o desenvolvimento agrícola no Brasil sem a biotecno- logia? Colli – À medidaque a Ciência pro- gride os diversos setores da socieda- de se apropriam das técnicas por ela desenvolvidas. Nesse sentido, a bio- tecnologia moderna faz uso das no- vas técnicas da mesma forma que ou- tras, agora consideradas clássicas, fo- ram usadas no passado. Espera-se que as novas tecnologias, em com- plemento às já existentes na área agrícola e em outras áreas, possam ajudar os países a resolverem seus problemas de abastecimento ou, pelo menos, minimizá-los. BC&D - O senhor acha que a Lei de Biossegurança é um incentivo para que o setor privado invista mais em pesquisa agrícola no Bra- sil? Colli – A nova lei de Biossegurança resolveu um problema que estava levando incertezas às comunidades científica e empresarial. Refiro-me ao conflito de competências que existia entre a lei de biossegurança e a lei ambiental. O advento da lei 11.105/ 05, bem como de seu decreto regu- lamentador, trouxe segurança jurídi- ca para esses setores. Portanto, o atual marco legal da biossegurança brasi- leira é um novo momento para o Brasil. BC&D - Mudando para a área de saúde humana, o que o senhor, como médico, pensa da polêmica que envolve as células-tronco? Se os embriões descartados em clíni- cas de fertilização in vitro serão irremediavelmente descartados, não seria ao menos razoável que ao invés disso fossem utilizados para pesquisa? Qual a sua posição? Colli – O assunto células tronco, em que pese constar da Lei de Biosse- gurança, não é de responsabilidade da CTNBio. De acordo com o Art. 5º, §2º da Lei 11.105/05, bem como o art. 63, §2º do decreto 5.591/05, as instituições de pesquisa que realizem pesquisa ou terapia com células tron- co-embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa, na forma da resolução do Conselho Nacional de Saúde. No entanto, não me furtan- do à pergunta, lembro que a lei au- toriza o uso de embriões após três anos de congelamento com o con- sentimento dos pais, além de embri- ões inviáveis ou portadores de mu- tações que levem a doenças genéti- cas. BC&D - Tem sido discutida, pela mídia, a inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança. Se essa Lei for realmente considerada incons- titucional, isso não implicaria mais atrasos para o desenvolvi- mento da ciência e tecnologia no Brasil? Colli – O papel na CTNBio está de- vidamente definido na lei 11.105/05 no seu decreto regulamentador bem como no regimento interno. À justi- ça caberá decidir esse entendimento e o que por ela for deliberado será acatado. BC&D – A eterna indecisão do go- verno brasileiro em relação ao de- senvolvimento da biotecnologia, que vai se manifestar novamente na MOP3, não pode prejudicar o país em relação ao contexto inter- nacional? Colli - A Convenção da Diversidade Biológica (COP) ocorrerá nos próxi- mos dias 13 a 17 em Curitiba e nos dias 20 a 24, na mesma cidade, terá lugar a Reunião das Partes sobre o protocolo de Cartagena (MOP). O Brasil ocupa posição muito especial, pois é signatário do protocolo de Car- tagena, é megabiodiverso e é gran- de exportador de OGMs. As autori- dades brasileiras, responsáveis pela negociação dos termos do protoco- lo, terão a sabedoria necessária para optar pelos melhores interesses do Brasil. BC&D - Como o senhor vê a MOP3, acha que pode contribuir para o avanço da biotecnologia e da bi- ossegurança no país? Colli - Falando genericamente, o pro- tocolo de Cartagena trata das medi- das de biossegurança no uso de OGMs. Assim, principalmente os pa- íses que o assinaram estão preocu- pados com esses assuntos. Todavia, existem implicações de ordem comer- cial que afetam diretamente os ter- mos do protocolo. Como já disse, estou certo que as autoridades brasi- leiras terão a sensibilidade necessá- ria para levar em conta todas essas questões e, ao final, escolherem o que for mais adequado aos interes- ses do Brasil. “Espera-se que sempre prevaleça o argumento com fundamentos solidamente alicerçados na literatura científica conhecida.” Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 5 www.biotecnologia.com.br um mundo de informações ao seu alcance 6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 Colaboraram nesta edição: BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento KL3 Publicações Fundador Henrique da Silva Castro Direção Geral e Edição Ana Lúcia de Almeida Diretor de Arte Henrique Castro Fº Projeto Gráfico Agência de Comunicação IRIS E-mail biotecnologia@biotecnologia.com.br Portal www.biotecnologia.com.br Departamento Comercial, Redação e Edição: SRTV - Sul Quadra 701 Ed. Palácio do Rádio II Sala 215 CEP: 70340-902 Brasília DF Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. ISSN 1414-6347 Nota: Todas as edições da Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento estão sendo indexadas para o AGRIS (International Information System for the Agricultural Sciences and Technology) da FAO e para a AGROBASE (Base de Da- dos da Agricultura Brasileira). Adriana Sartori de Almeida Santos Alcides de Amorim Ramos Alcides Lopes Leão Ana Paula Rocha da Silva Carla Maísa Camelini Cesar Martins Claudete Aparecida Mangolin Daniela Bertolini Zanatta Diouneia Lisiane Berlitz Eliana Valéria Patussi Elizabeth Juliana Ghiuro Valentini Fabiana de Souza Gouveia Fernanda Antunes Alves - Costa Giuliano Dragone Isaac Stringueta Machado João Batista de Almeida e Silva Joice Felipes José Antonio Visintin Jose Luis Vega-Pla José Ribamar Felipe Marques Juan Vicente Delgado Bermejo Juliana Pereira Bravo Lidia Mariana Fiuza Marcella Pecora Milazzotto Marcelo Farid Pereira Marcelo Maraschin Margarida de Mendonça Maria Aparecida Fernandez Maria de Fátima C. L. F. Távora Maria de Fátima Pires da Silva Machado Maria Iracilda da Cunha Sampaio Maria Rosa Costa Mayra Elena Ortiz d’Ávila Assumpção Paulo Fernando Dias Pedro Pablo Rodríguez Gallardo Ricardo Rodrigues Ciferri Sandra Aparecida de Oliveira-Collet Sílvia Helena Zequim-Maia Solange Inês Mussatto Ubimara Pereira Rodrigues Valério Américo Balani Vânia G. M. Mattaraia Virgínia Barreto Moreira Walter Colli Weber Beringui Feitosa Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 7 Conselho Científico Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde; Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia; Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal; Dr. Maçao Tadano - Agricultura; Dr. Naftale Katz - Saúde; Dr. Pedro Jurberg - Ciências; Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas; Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos; Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental. Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia Fundação Dalmo Catauli Giacometti Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética; Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico; Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN Dr. José Roberto Rogero Sociedade Brasileira de Biotecnologia - SBBiotec Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ ENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTAAAAA WALTER COLLI Pág. 02 PESQUISAPESQUISAPESQUISAPESQUISAPESQUISA TRANSFERÊNCIA GÊNICA MEDIADA POR ESPERMATOZÓIDES Pág. 08 ANIMAIS DE EXPERIMENTAÇÃO: CUIDADOS E DESCARTES Pág. 16 DNAr 5S Pág. 22 MUTAÇÕES E RECOMBINAÇÕES GENÉTICAS GERAM UVAS COLORIDAS Pág. 29 β-GLUCANAS DO COGUMELO Pág. 36 INOVAÇÕES NA PRODUÇÃO DE CERVEJAS Pág. 48 VARIABILIDADE GENÉTICA DE EQUINOS DA AMAZONIA BRASILEIRA Pág. 52 A UTILIZAÇÃO DA BIOTECNOLOGIA NA SERICICULTURA BRASILEIRA Pág. 56 CONCENTRAÇÕESDE BAP E TDZ NA PROPAGAÇÃO In Vitro de CURAUÁ Pág. 62 BACILLUS THURINGIENSIS e MELIA AZEDARACH Pág. 66 8 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 Pesquisa TRANSFERÊNCIA GÊNICA MEDIADA POR ESPERMATOZÓIDES Ilustrações cedidas pelos autores Espermatozóide Como Vetor de DNA Exógeno na Produção de Animais Transgênicos Weber Beringui Feitosa Médico Veterinário, Mestrando em Reprodução Animal, FMVZ, USP Marcella Pecora Milazzotto Bióloga, Doutoranda em Biotecnologia, USP José Antonio Visintin Prof. Dr. do Departamento de Reprodução Animal, FMVZ, USP Mayra Elena Ortiz d'Ávila Assumpção Prof. Dr. do Departamento de Reprodução Animal, FMVZ, USP INTRODUÇÃO Animais geneticamente modifica- dos são definidos como aqueles que apresentam DNA de origem exógena, introduzido por manipulação genéti- ca (JACENKO, 1997). Apesar dos pri- meiros experimentos terem sido con- duzidos em ratos, durante os últimos 15 anos, os estudos realizados em animais de laboratório têm sido ex- trapolados para animais de interesse zootécnico (PINKERT; MURRAY, 1999). Assim, a transferência gênica é utilizada na produção de modelos para estudos básicos ou aplicados, no desenvolvimento de animais com alto valor genético adicionado, na produ- ção de animais para uso industrial ou farmacêutico e na produção de órgãos para xenotransplante. Para a geração destes animais, são utilizadas três metodologias principais: injeção de DNA exógeno em pró-nu- cleos de zigotos; produção de quime- ras por modificação de célula-tronco embrionária e, mais recentemente, transferência nuclear. Para esta últi- ma, células somáticas cultivadas in vitro são modificadas geneticamente e posteriormente fundidas com oóci- tos receptores enucleados (McCREA- TH et al., 2000). Estudos sobre a pro- dução de animais transgênicos têm sido desenvolvidos intensivamente e com sucesso em camundongos e ra- tos (CHARREAU et al., 1996). Entre- tanto a adaptação e a utilização des- tas técnicas em animais domésticos continuam problemáticas (WALL et al., 1997), apresentando baixa integração do transgene (EYESTONE, 1994). Para contornar estas dificuldades, o uso de espermatozóides como ve- tor de DNA na produção de animais transgênicos tem sido empregado como método alternativo. A primeira evidência de que espermatozóides de mamíferos são capazes de se ligarem às moléculas de DNA exógeno ocor- reu há 34 anos (BRACKETT et al., 1971). Entretanto devido ao início das pesquisas em biologia molecular e fecundação in vitro, estes achados foram esquecidos até o final da déca- da de 80. Lavitrano et al. (1989) e Are- zzo et al. (1989) mostraram que es- permatozóides comportam-se como vetores, transferindo DNA exógeno para o interior de oócitos durante o processo de fecundação e mais espe- cificamente que células espermáticas do epidídimo absorvem espontanea- mente DNA plasmidial. Este achado foi confirmado posteriormente por vários grupos (ATKINSON et al. 1991; CASTRO et al., 1991; HORAN et al.,1991; GAGNÉ et al., 1991). A transferência gênica mediada por espermatozóide (TGME) oferece uma poderosa ferramenta para a trans- genia animal e a biotecnologia nas espécies em que a reprodução ocorre por gametas, principalmente naque- las em que as técnicas convencionais apresentam baixa eficiência, como suínos e bovinos. Esta revisão se pro- põe a discorrer sobre a produção de animais transgênicos utilizando o es- permatozóide como vetor de DNA exógeno, abordando aspectos como a interação de DNA exógeno com as células espermáticas e a sua internali- zação no núcleo do espermatozóide. INTERAÇÃO A interação do DNA exógeno com células espermáticas é um evento iô- nico. Lavitrano et al. (1992), ao incu- barem espermatozóides com molécu- las de DNA entre 150bp e 7 kb, ob- Pesquisa Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 9 servaram que moléculas maiores se ligam mais eficientemente aos esper- matozóides do que as moléculas me- nores. Isto exclui a possibilidade da internalização do DNA no esperma- tozóide ser devido simplesmente à sua permeabilidade através dos poros, pois desta forma, moléculas peque- nas seriam favorecidas em relação as maiores. Tal fato sugere que a carga das moléculas pode ter função impor- tante na interação do DNA exógeno com células espermáticas. De fato, moléculas carregadas negativamente parecem ser favorecidas molecular- mente em suas interações específicas, já que uma dada quantidade de carga é necessária para completa ligação e ou internalização. Segundo Camaioni et al. (1992), o DNA é mais comumente detectado no segmento equatorial e na região pós- acrossomal dos espermatozóides de camundongos e uma minoria, na re- gião apical do acrossoma, o mesmo ocorrendo em espermatozóides de bovinos, suínos e humanos. A locali- zação específica da ligação do DNA exógeno na região pós-acrossomal do espermatozóide somado à relevância da carga na interação entre o DNA exógeno e o espermatozóide sugerem a existência de um substrato, possi- velmente uma proteína na cabeça dos espermatozóides, no qual moléculas negativamente carregadas podem se ligar. Lavitrano et al. (1992) encontra- ram proteínas de 30 a 35 kDa na ca- beça dos espermatozóides. Resultados semelhantes foram encontrados por Zani et al. (1995) que ao pesquisarem o mecanismo envol- vido na interação DNA-espermatozói- de, identificaram três classes de pro- teínas como potenciais substratos para a interação do DNA exógeno com o espermatozóide. A primeira classe é uma proteína de baixo peso molecu- lar, abaixo de 20 kDa que foi classifi- cada como protamina. A segunda clas- se é uma proteína de peso molecular entre 30 e 35 kDa e a terceira classe, de peso molecular em torno de 50 kDa. Estas proteínas estão presentes na região da cabeça dos espermato- zóides atuando como substrato para a ligação do DNA exógeno, forman- do um complexo estável (SPADAFO- RA 1998). As proteínas de 30-35 kDa representam o mais provável substra- to fisiológico para a ligação do DNA, visto que é o único grupo no qual a mobilidade eletroforética é conserva- da entre espécies de mamíferos tanto quanto em peixes e equinodermes. Além do mais, é a única classe de pro- teínas acessíveis ao DNA exógeno em células espermáticas intactas. As pro- teínas de 30 a 35 kDa purificadas in- teragem com o DNA exógeno geran- do complexo proteína/DNA. Estes re- sultados sugerem que a interação do DNA exógeno com o espermatozói- de é específica e mediada por fatores protéicos em que o DNA exógeno se liga para ser carreado para o núcleo. Outra molécula que atua na liga- ção do DNA exógeno com o esper- matozóide é o complexo maior de his- tocompatibilidade (MHC) de classe II. Espermatozóides de camundongo Figura 1: Representação esquemática dos mecanismos de transfecção de células espermáticas. a) Incubação dos espermatozóides com o DNA exógeno. Após a lavagem do sêmen para a retirada do plasma seminal contendo o fator de inibição IF-1, as moléculas de DNA exógeno se ligam a proteínas ligadoras de DNA (PLDNA) presentes na membrana do espermatozóide, o que ativa a internalização do DNA exógeno mediada por moléculas de CD4, representada pelo complexo DNA/PLDNA/CD4. B) Na lipofecção, a carga positiva do lipossomo interage com a carga negativa do DNA exógeno formando lipoplexos que sofrem endocitose sendo carreados para o núcleo. c) Pulsos elétricos alternados na eletroporação, abrem poros na membrana plasmática do espermatozóide facilitando a internalização do DNA exógeno. 10 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 knockout para MHC da classe II apre- sentaram redução na ligação com o DNA exógeno. Embora não tenha sido encontrada molécula de MHC de clas- se II em células espermáticas, sua ex- pressão parece ser necessária duran- te a espermatogênese para produzir célulasespermáticas capazes de se li- garem aos DNA exógeno (LAVITRA- NO et al., 1997). Por outro lado, existem também moléculas que atuam como regulado- res negativos no processo de intera- ção do DNA exógeno com esperma- tozóide. A alta permeabilidade de cé- lulas espermáticas ao DNA exógeno faz da fecundação um risco para a identidade genética da prole. Entre- tanto, isto é incomum na natureza. Em contraste ao que acontece com célu- las espermáticas do epidídimo, esper- matozóides do ejaculado na presença de plasma seminal são impermeáveis ao DNA exógeno, sugerindo que o plasma seminal possui fatores que inibem a permeabilidade dos esper- matozóides. A hipótese da existência de fato- res de inibição no plasma seminal foi confirmada por Lavitrano et al. (1992) que, ao acrescentarem quantidades crescentes de plasma seminal, obtive- ram taxas decrescentes da ligação dos espermatozóides com o DNA exóge- no. O mesmo efeito do plasma semi- nal foi observado por Camaioni et al. (1992), que relataram aumento na porcentagem de espermatozóides li- gados ao DNA exógeno quando o sêmen foi lavado antes da exposição ao DNA. De fato, o plasma seminal possui fator que antagoniza fortemen- te a ligação do DNA exógeno, prote- gendo os espermatozóides. Posterior- mente, o fator inibitório de ligação do DNA exógeno às células espermáti- cas foi identificado e caracterizado como uma glicoproteína, chamado de Fator Inibitório 1 (IF-1). Este prova- velmente se une às proteínas ligado- ras de DNA exógeno dos espermato- zóides, inibindo a interação DNA exó- geno-espermatozóides (ZANI et al. 1995). Estas proteínas ligadoras de DNA e o IF-1 aparentemente possu- em alta afinidade, sendo que molécu- las de IF-1 foram capazes de remover DNA exógeno já associados às prote- ínas ligadoras de DNA. Carbalada e Esponda (2001) des- creveram dois outros fatores que atu- am como reguladores negativos na interação do DNA exógeno com os espermatozóides. O primeiro é o flui- do da vesícula seminal, que possui forte atividade de DNase dependente de cálcio e magnésio. Este achado não é surpresa, pois já foi descrita a pre- sença de DNase no sêmen bovino (TANIGAVA et al., 1975), estando tam- bém presente no ejaculado de muitas espécies mamíferas (MAMM; LU- TWAK-MAMM, 1981). Provavelmente a DNase é responsável pela maior ati- vidade inibitória no plasma seminal. Carbalada e Esponda (2001) observa- ram forte correlação entre a atividade de DNase e a habilidade desta ativi- dade em inibir a interação DNA/es- permatozóide. O segundo fator é o fluido da próstata ventral que exibe uma moderada atividade inibitória, o qual possui proteínas ligadoras de DNA que se ligam ao DNA exógeno. Todas as proteínas são encontradas em níveis muito baixo, especialmen- te aquelas entre 50 e 80 kDa. A mais abundante são as proteínas de 25kDa, porém sua afinidade não é muito alta. De qualquer modo, a contribuição destas proteínas na inibição da inte- ração do DNA com os espermatozói- des são irrelevantes quando compa- radas com a atividade da DNase (CAR- BALADA; ESPONDA, 2001) INTERNALIZAÇÃO A proporção de DNA internaliza- do no núcleo do espermatozóide ocor- re em proporção constante como ob- servado por microscopia eletrônica (FRANCOLINI et al. 1993), em que 15 a 20% do DNA ligado ao espermato- zóide foram eficientemente internali- zados no núcleo dos espermatozói- des e coberto pela cromatina. A inter- nalização no núcleo também foi con- firmada por microscopia confocal (BA- CHILLER et al., 1991) e análise bio- química (ATKINSON et al., 1991). La- vitrano et al. (1997) relatam que o CD4 iniciam um importante papel na in- ternalização do DNA. Camundongos knockout para CD4 apresentaram efi- ciência igual de ligação do DNA exó- geno ao espermatozóide em compa- ração aos camundongos normais, po- rém foram incapazes de internalizá- los no núcleo. O índice de internali- zação constante somado com a loca- lização específica da ligação do DNA exógeno na região sub-acrossomal do espermatozóide e o papel das molé- culas de CD4 sugerem que a interna- lização do DNA exógeno no núcleo espermático provavelmente não é conseqüência de um processo passi- vo e incontrolado, mas provavelmen- te mediado por mecanismos regula- tórios. Zoraqui e Spadafora (1997) obser- varam que o DNA plasmidial interna- lizado torna-se fortemente associado com o núcleo, é extensivamente re- organizado e sofre recombinação com o DNA genômico do espermatozói- de. Estes mesmos autores construíram uma biblioteca genômica usando o DNA extraído de espermatozóides previamente incubados com o plas- mídeo pSV 2 CAT, o que gerou o isola- mento de diversos clones em que a seqüência do plasmídeo foi recombi- nada com o DNA cromossomal de camundongo. Entre os clones, dois foram selecionados aleatoriamente (7 e 8,5 kb) e seqüenciados. Em ambos, a seqüência do DNA plasmidial foi integrada na seqüência genômica de células espermáticas de camundongo. Os locais de integração foram identi- ficados nos dois clones analisados, sendo flanqueados por seqüências idênticas, sugerindo que estes even- tos não ocorrem aleatoriamente, mas em locais preferenciais. Uma seqüên- cia de topoisomerase II consenso foi encontrada adjacente aos finais dos locais de integração, sugerindo um possível papel desta enzima no pro- cesso de recombinação homóloga. Pittogi et al. (2000) sugerem a hi- pótese de que há integração de retro- posons e moléculas de DNA exógeno nas nucleohistonas no espaço da cro- matina entre dois domínios de prota- minas adjacentes. O nucleossoma da cromatina espermática interage com o esqueleto nuclear e é abastecido com a maquinaria enzimática neces- sária para suportar a integração do DNA. FATORES QUE AFETAM A INTERAÇÃO Não é apenas o DNA exógeno que se liga à região pós acrossomal do espermatozóide, mas também outras macromoléculas carregadas negativa- mente como a heparina, sulfato de dextram e outras proteínas com pon- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 11 to isoelétrico menor que 7 (LAVITRA- NO et al., 1992). Em particular, a c- phycocyanina, a albumina sérica bo- vina e a b-lactoglobulina B, os quais o ponto isoelétrico variam de 4,6 a 5,1, mostraram ligação preferencial na parte posterior da cabeça, região cor- respondente ao núcleo, em padrão muito similar aos obtidos com molé- culas de DNA. Esta ligação é reversí- vel e moléculas de DNA ligadas ao espermatozóide podem ser removidas quando se aumenta excessivamente a concentração destas moléculas. A quantidade de DNA exógeno incubado com as células espermáti- cas também possui importante papel na internalização. Plasmídeos extraí- dos de células espermáticas após in- cubação com baixas doses de DNA permaneceram intactos. Entretanto o DNA exógeno foi altamente degrada- do quando células espermáticas fo- ram incubadas com altas doses de DNA exógeno. Estes resultados indi- cam que o espermatozóide do epidí- dimo reage contra a invasão do DNA exógeno por meio de atividade de nuclease, promovendo sua degrada- ção. Quando é incubado com grande quantidade de DNA exógeno, o es- permatozóide sofre processo seme- lhante a apoptose (ativada pela inter- nalização do DNA), degradando o DNA exógeno e o genômico (MAIO- NE et al., 1997). A endonuclease, por degradar o DNA exógeno e o endógeno, exerce papel negativo na interação do DNA com as células espermáticas, razão pela qual se dá atenção à temperatu- ra de incubação dos espermatozóides para não haver ativação desta enzima por temperaturas altas. O cálcio tam- bém possui efeito na interação. Na capacitação espermática, evento de- pendente de cálcio, ocorre grande número de mudanças fisiológicas, tor- nando o espermatozóide competente para a fecundação e que deve ocor- rer no seu ritmo normal. Entretanto a remoção do plasma seminal (etapafundamental na interação do DNA exógeno com o espermatozóide) ace- lera a capacitação espermática, dimi- nuindo a internalização do DNA exó- geno no espermatozóide. Uma manei- ra de inibir esta aceleração é a utiliza- ção de meio de incubação sem cál- cio, o que permite a capacitação es- permática mais lenta na ausência do PROTOCOLOS EMPREGADOS NA TRANSFERÊNCIA GÊNICA MEDIADA POR ESPERMATOZÓIDE INCUBAÇÃO · Suspender os espermatozóides em meio de fecundação in vitro (sem heparina) na concentração de 5x106/ml · Incubar por 1 hora a 39°C e 5% de CO 2 em ar com 500 ng/ml de DNA · Inseminar os oócitos ELETROPORAÇÃO · Colocar o sêmen (5x106) com o DNA (500ng) na cubeta de eletroporação · Incubar por 10 minutos · Provocar o choque de 500V · Incubar por 10 minutos · Centrifugar em meio de Incubação (Meio 199 com hepes + BSA + piruvato + antibiótico) por 5 minutos a 200g · Centrifugar em meio de fecundação in vitro por 5 minutos a 200g · Inseminar os oócitos LIPOFECÇÃO · Adicionar o DNA (500ng) em 4ml de solução para condensação do DNA (disponível em vários kits comerciais de lipofecção) · Incubar por 5 minutos a temperatura ambiente · Adicionar 10ml de lipossomo · Misturar vigorosamente por 10 minutos · Incubar por 10 minutos a temperatura ambiente · Acrescentar meio de fecundação até completar o volume de 270ml · Adicionar 30ml de meio de incubação (Meio 199 com hepes + BSA + piruvato + antibiótico) contendo 5x106 espermatozóides por ml · Incubar por 2 horas em estufa · Centrifugar em meio de incubação por 5 minutos a 200g · Centrifugar em meio de fecundação in vitro por 5 minutos a 200g · Inseminar os oócitos plasma seminal (Lavitrano et al., 2003). Outro fator é a variação individu- al. Lavitrano et al. (2003) encontra- ram diferenças que variaram de 9% a 67% nos índices de ligação de DNA exógeno com espermatozóides suínos em diferentes animais. Esta associa- ção foi alterada quando diferentes concentrações de DNA exógeno fo- ram adicionadas. Entretanto, sob as mesmas condições, a cinética de as- sociação foi similar. Em todos os ca- sos, a associação do DNA com o es- permatozóide iniciou entre 15 e 30 minutos de incubação seguido de uma fase platô aos 60 minutos. Estes re- sultados mostraram que para cada animal, a ligação do DNA exógeno com o espermatozóide deve ser oti- mizada. Para otimizar o protocolo de geração de animais transgênicos, é necessário estabelecer quando, por quanto tempo e qual a quantidade de DNA exógeno deve ser adicionada aos espermatozóides, para que este seja eficientemente ligado e internalizado pela maioria das células espermáticas. Isto sugere que os laboratórios que trabalham com transferência gênica mediada por espermatozóides devam realizar vários testes de padronização antes de iniciar os experimentos. PRODUÇÃO DE ESPERMATOZÓIDES “TRANSGÊNICOS” Para a internalização do DNA exó- geno nas células espermáticas, as metodologias mais utilizadas são a incubação dos espermatozóides com moléculas de DNA, a eletroporação e a lipofecção (figura 1). Na incubação, as moléculas de DNA exógeno se li- gam nas proteínas ligadoras de DNA presentes na membrana do esperma- 12 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 Tabela 1: Resumo dos resultados na literatura com a transferência gênica mediada por espermatozóide Espécie Metodologia Referência Camundongo Incubação Lavitrano et al., 1989 Incubação Maione et al., 1998 Incubação Chang et al.,2002 Bovino Eletroporação Gagné et al., 1991 Incubação Schellander et al., 1995 Incubação Sperandio et al., 1996 Lipofecção Rotmann et al., 1996 Eletroporação Rieth et al., 2000 Suíno Incubação Sperandio et al., 1996 Incubação Habrova et al., 1996 Incubação Lavitrano et al., 2003 Coelho Incubação Brackett et al., 1971 Incubação Kuznetsov; kuznetsova, 1995 Lipofecção Rotman et al., 1996 Lipofecção Wang et al., 2003 Salmão Eletroporação Sin FYT et al., 2000 Eletroporação Symonds et al., 1994 Zebrafish Incubação Khoo et al., 1992 Eletroporação Patil; khoo. 1996 Carpa Incubação Zkong et al., 2002 Tilápia Eletroporação Mueller et al., 1992 Galinha Lipofecção Rotman et al., 1991 Incubação, Eletroporação e Lipofecção Nakanishi; Iritani, 1993 Lipofecção Yang et al., 2004 Ouriço do mar Incubação Arezzo 1989 Eletroporação Tsai et al., 1997 tozóide, formando o complexo pro- teína/DNA, que se liga a molécula CD4 ativando a internalização do DNA exógeno. Na eletroporação, a corren- te gerada por pulso elétrico alternado é capaz de abrir temporariamente po- ros na membrana celular, facilitando a entrada do material genético nas células. Na lipofecção, a carga positi- va do lipídeo catiônico forma intera- ção eletrostática com o fosfato do DNA, formando o lipoplexo. A carga positiva do lipoplexo forma interação não específica com a carga negativa da superfície celular, ocorrendo en- docitóse, permitindo a internalização do lipoplexo, que é direcionado para próximo da região perinuclear onde ocorre à dissociação, resultando na separação do DNA, o qual entra no núcleo provavelmente por transporte nuclear dependente de energia. CONSIDERAÇÕES FINAIS A literatura científica contém mais de 70 relatos de sucesso sobre liga- ção do DNA exógeno com células espermáticas (exemplos na tabela 1). Na maioria destes relatos a transferên- cia e manutenção do transgene após a fecundação são descritas, mostran- do a subseqüente geração de animais viáveis (F 0 ) contendo o transgene. Em alguns casos também é mostrada a transmissão do transgene para a pro- le (F 1 ) ou adiante (SMITH; SPADAFO- RA, 2005). Entretanto a TGME ainda não está bem estabelecida como forma confiá- vel de manipulação genética. Um as- pecto significante é que a integração estável do transgene tem sido detec- tada em níveis baixo nos protocolos de TGME. A baixa freqüência de inte- gração estável no genoma, a freqüên- cia de modificação fenotípica e a trans- genia total (incluindo características transmitidas de forma epissomal) pode variar de 0 a 100%. Maione et al. (1998), em 75 experimentos, produ- ziram 1755 fetos de camundongo dos quais 130 eram transgênicos, repre- sentando apenas 7% do total. A efici- ência não foi homogênea entre os ex- perimentos, onde os 130 camundon- gos transgênicos foram originados de 13 dos 75 experimentos. Entre os 13 experimentos, a eficiência variou de 4 a 100%. Devido a grande variação nos índices de integração do DNA exógeno ao genoma hospedeiro, a TGME não é considerada método bem estabelecido de transgenia compara- da a microinjeção pró-nuclear ou às células tronco embrionárias (produ- ção de quimeras). Além disso, uma série de estudos mostrou, em espéci- es diferentes, a ocorrência da seqüên- cia de DNA exógeno em embriões na fase pré-implantacional, seguido pelo desaparecimento de qualquer sinal do DNA exógeno na prole resultante, sendo esta ocorrência atribuída à transmissão epissomal do DNA exó- geno. Embora a TGME não seja uma téc- nica bem estabelecida, ela oferece vantagens quando utilizada em ani- mais nos quais a microinjeção ou a utilização de células tronco embrio- nárias são menos eficiente. Este mé- todo não necessita de equipamentos caros nem habilidade na micromani- pulação. Adicionalmente, a TGME permite a produção de animais trans- gênicos em massa, uma vez que gran- de quantidade de zigotos pode ser modificada coletivamente numa úni- ca etapa. Esta técnica poderia ser exe- cutada no campo, em programas de inseminação artificial ou em labora- tório utilizando a fecundação in vitro ou injeção intracitoplasmática de es- permatozóide. Podendo ser aplicado em todas as espécies cuja reprodu- ção é mediada por gametas. A integração epissomal pode ser atrativa para pesquisa futura em tera- pia gênica. Segundo Smith; Spadafo- ra (2005) a não integração do DNA exógenoé na maior parte propagada como estrutura extra-cromossomal pelo desenvolvimento embrionário, mantida nos tecidos de animais adul- tos, sem interrupção da integridade do genoma hospedeiro, sugerindo que a terapia gênica, em particular em em- briões e fetos, pode se tornar possibi- lidade futura. O potencial uso da TGME na terapia gênica embrionária Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 13 é teoricamente aceitável, consideran- do que transgenes parecem persisti- rem melhor no estádio inicial de de- senvolvimento, possivelmente devido ao seu estado epissomal. Entretanto, a natureza especulativa desta possi- bilidade deve ser reconhecida. A interação do DNA exógeno com células espermáticas também tem re- velado funções inesperadas e ativida- des metabólicas nestas células, que são de outra maneira, convencional- mente consideradas silenciosas. A in- ternalização nuclear do DNA exóge- no inicia a ativação metabólica de uma variedade de enzimas endógenas, a qual causa a reorganização das se- qüências de DNA exógeno e catalisa a sua recombinação com o DNA do espermatozóide (MAGANO et al., 1998). Embora a TGME tenha alto índice de integração epissomal, existem vá- rios relatos na literatura de produção de animais transgênicos utilizando esta técnica com integração estável no genoma hospedeiro (existem mais de 30 relatos de sucesso dos quais 25% destes mencionam a transmissão do transgêne para F 1 ou adiante). Além disso, esta técnica apresenta vantagens como baixo custo, simplicidade, ca- pacidade de produção de animais transgênicos em alta escala, possibili- dade de ser aplicada ao campo em futuro próximo e perspectiva para uso na terapia gênica. Isto faz com que vários pesquisadores estudem a TGME com finalidade de aumentar sua efici- ência, tornado-a bem estabelecida e confiável, apresentando alto índice de integração estável. CONCLUSÃO Moléculas de DNA exógeno po- dem se ligar e internalizar nos esper- matozóides em processo que não pode ser visto como evento aleatório, mas sim como evento regulado por mecanismos específicos. Entretanto, pouco se sabe sobre os mecanismos que regulam a internalização do DNA exógeno nos espermatozóides, onde ocorre integração epissomal ou genô- mica, bem como o que realmente acontece com o DNA exógeno depois que ele entra no oócito. De qualquer maneira, espermatozóides de diferen- tes espécies têm sido usados como vetores de DNA exógeno, produzin- do animais geneticamente modifica- dos. Futuras pesquisas sobre transfe- rência gênica mediada por esperma- tozóides incluem mecanismos que regulam a interação do DNA exóge- no no núcleo, a ação da atividade da endonuclease espermática sobre o DNA exógeno, a integração do DNA exógeno no genoma quando, assim como protocolos que aumentem a eficiência da técnica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arezzo, F. Sea-urchin sperm as a vector of foreign genetic information. Cell Biol Int Rep. v. 13, p 391- 404, 1989. Atkinson, P.W., Hines, E.R., Beaton, S., Matthaei, K.I., Reed, K.C., Bradley, M.P. 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A produção, manejo e descarte dos animais são realizados obedecendo rigorosamente as Nor- mas de Boas Práticas de Produção de Animais de Laboratórios e Bios- segurança. Estas normas incluem validação de barreiras sanitárias, es- tabelecimento de fluxos, procedi- mentos operativo padrão, certifica- ção e validação de equipamentos e processos. O objetivo deste trabalho é divulgar a estratégia empregada pelo Biotério Central do Instituto Butantan, descrevendo os principais aspectos utilizados na produção, manutenção e descarte dos animais, validação de barreiras, estabeleci- mentos de fluxos, procedimentos operativos padrão, protocolos e cer- tificação, que estão intimamente li- gados a biosseguridade dos animais e dos técnicos. Palavras chave Animais de laboratório, Biossegu- rança, Biotério, cGMP, Descarte. Introdução A experimentação animal data dos antigos Gregos e Romanos, po- rém foi durante os séculos dezoito e dezenove que progrediu lentamen- te de uma prática relativamente in- comum, até alcançar um enfoque científico. E lentamente também, progrediam os primeiros movimen- tos contra o uso dos animais. A par- tir do século vinte intensificou-se o debate em torno das questões sobre a ética animal. Em meados do sécu- lo dezoito, na Europa, uma elite so- cial começou a questionar como os animais eram tratados, especialmen- te nos laboratórios de pesquisas. Com o passar dos anos essas mes- mas forças sociais estavam em tra- balho também na América e a práti- ca da pesquisa com animais e a opo- sição a ela, começavam a crescer já no final do século dezoito. No cenário nacional, podemos verificar que as instituições produ- toras de imunobiológicos e fárma- cos sofreram várias manifestações éticas como as campanhas contra a febre amarela e varíola que deram origem à “revolta da vacina”. Em dez de novembro de 1904, após a publi- cação do decreto que tornava obri- gatória a vacinação, focos de revol- ta explodiram em toda a cidade (RJ), Ana Paula Rocha da Silva (rochap@butantan.gov.br) Pesquisadora Cientifica da Divisão Biotério Central do Instituto Butantan – Bióloga Elizabeth Juliana Ghiuro Valentini (ghiuro@butantan.gov.br) Pesquisadora Cientifica da Divisão Biotério Central do Instituto Butantan – Médica veterinária. Maria de Fátima C. L. F. Távora (fatimatavora@butantan.gov.br) Graduanda de Biologia Ubimara Pereira Rodrigues (uprodrigues@butantan.gov.br) Pesquisadora Cientifica e Diretora Técnica da Divisão Biotério Central do Instituto Butantan. Virgínia Barreto Moreira (vivimor@butantan.gov.br) Biotecnóloga da Divisão Biotério Central – Zootecnista Vânia G. M. Mattaraia (vmoura@butantan.gov.br) Pesquisadora Cientifica e Diretora do Serviço de Criação de Animais da Divisão Biotério Central do Instituto Butantan – Zootecnista Endereço: Instituto Butantan Av. Vital Brasil, 1500 , Butantã – São Paulo SP CEP: 05503-900 (11) 37267222 Ramais 2168 / 2169 / 2085 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 17 onde vinte e três revoltosos foram mortose sessenta e sete feridos ten- do sido presos aproximadamente mil pessoas. Tudo porque o cientista Oswaldo Cruz queria salvá-los, mes- mo à força, da varíola (Chalhoub, 1996). O quanto estes movimentos são salutares? Não sabemos! Quando re- trocedemos, verificamos que alguns deles foram entraves para a saúde pública e muitas vezes o que ocor- reu foi o medo pelo desconhecido. Por outro lado, é importante que a sociedade exija e cobre dos gover- nantes a criação de órgãos fiscaliza- dores que possam garantir o bem estar e a melhor sobrevivência do planeta. Atualmente, é grande o nú- mero de pessoas preocupadas com a proteção dos animais e mais re- centemente com o padrão genético destes animais. Desde 1995 podemos dizer que o Brasil ingressou efetivamente na era das pesquisas e no desenvolvi- mento dos Organismos Genetica- mente Modificados, conhecidos como produtos transgênicos (Oda, 2001). Uma questão basilar no novíssi- mo campo de conhecimento é bios- segurança. Podemos definir biosse- gurança como sendo um conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de ris- cos inerentes a estas atividades e que podem comprometer a saúde do ho- mem, dos animais, do meio ambi- ente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos (Cardoso, 2001). As instituições produtoras de imu- nobiológicos e fármacos necessitam de grande quantidade de animais, li- vres de patógenos específicos, para serem utilizados no controle de qualidade dos mesmos, pois o produto final, por exigência da farmacopéia e manual da WHO deve ser testado in vivo. O Ins- tituto Butantan, que mantém tra- dição centenária no desenvol- vimento de soros contra vene- nos de animais peçonhentos e a raiva, é também o maior pro- dutor de vacinas da América La- tina e principal parceiro do Mi- nistério da Saúde nas campa- nhas nacionais de vacina- ção. “O Brasil é o único país do mundo que oferece va- cinas gratuitamente para cri- anças, jovens e idosos” (Raw, 2004). Com o propósito de atendermos estas necessida- des, no ano de 1999 o Bio- tério Central do Instituto Bu- tantan sofreu uma grande adequação física, com o in- tuito de produzir animais li- vres de patógenos específi- cos. Para o estabelecimento de um biotério protegido com barreiras sanitárias res- tritas, foi necessário o desen- volvimento de um “Plano Mestre de Validação”, cria- do por um grupo multipro- fissional, para atuar na cer- tificação da eficiência máxi- ma de cada barreira.(Rodrigues et al, 2003). Foram introduzidos os princípios de zoneamen- to semelhantes aos utiliza- dos na indústria farmacêutica com a utilização de uma sistemática coeren- te para evitar contaminações dano- sas, que possam vir a ocorrer duran- te o processo de produção, ou re- duzi-las a níveis aceitáveis de acor- do com as normas de Good Manu- facturing Pratices (GMP), ou em por- tuguês, Boas Práticas de Fabricação (BPF). (Guias de Boas Praticas de Fa- bricação,1995). Este artigo tem como objetivo di- vulgar a estratégia empregada pelo Biotério Central do Instituto Butan- tan, descrevendo os principais aspec- tos utilizados na produção, manu- tenção e descarte dos animais, vali- dação de barreiras, estabelecimen- tos de fluxos, procedimentos opera- tivos padrão, protocolos e certifica- ção, que estão intimamente ligados a biosseguridade dos animais e dos técnicos. Materiais e Métodos O Biotério Central do Instituto Butantan é um biotério de produ- ção, ou seja, em suas dependências não alojamos animais infectados ou que tenham passado por algum tipo de manipulação experimental. Nele estão alojadas as colônias de funda- ção, as quais dependendo do padrão genético da linhagem, têm um manejo definido. Ainda temos as colônias de expansão e de multiplicação, para que pos- samos atender a demanda e preservar as linhagens. Produ- zir animais dentro dos concei- tos de BPF significa cumprir com os conceitos da Garantia da Qualidade. Boas Práticas de Fabricação é a parte da Ga- rantia da Qualidade que asse- gura que os produtos são con- sistentemente produzidos e 18 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 controlados, com padrões de qualidade apropriados para o uso pretendido e requerido pelo registro. A aplicabilidade desses conceitos para produção de animais de laboratório é ainda muito recente, havendo dificul- dades para obtenção de litera- tura de apoio. Portanto, descre- vemos as principais práticas (BPF) aplicadas no nosso bio- tério: Pessoal qualificado e devi- damente treinado; Nós, pesquisadores da Ciên- cia de Animais de Laboratório, temos como prioridade formar pessoas para a área. Sendo as- sim, realizamos anualmente cur- sos de treinamento para técni- cos de nível médio e superior, para os funcionários do bioté- rio do Instituto e de outras Ins- tituições. Durante os meses de setembro ou outubro realizamos uma jornada interna, que consiste em: um funcionário de cada área apresenta para todos o seu trabalho e as suas observações. Por muitas vezes, após a avaliação do supervi- sor, elas podem ser aceitas e passa- rem a fazer parte dos Procedimen- tos Operativos Padrão (POP). Todos os funcionários são instruídos e in- centivados a reportar aos seus su- pervisores quaisquer condições re- lativas ao ambiente, equipamento ou pessoal que considerem prejudiciais à qualidade e integridade do traba- lho por ele desenvolvido. O ingres- so de um novo funcionário depen- de de um período de treinamento, da realização dos exames admissio- nais e dos exames específicos para a área de atuação. Espaço e instalações adequadas; O biotério é um prédio indepen- dente, isolado das demais áreas. Pos- suí entrada e vestiários separados, sistema de ventilação, exaustão, casa de máquinas, caldeiras e gerador ex- clusivo. Sua arquitetura é pa- vilhonar, sendo que cada li- nhagem é mantida em um pa- vilhão e este totalmente in- dependente dos demais. Fig. 01. As áreas auxiliares como; laboratório, vestiários de bar- reira, administração, almoxa- rifado, área de descanso e re- feição são totalmente sepa- radas. O projeto arquitetônico contemplou cada pavilhão com estrutura física, equipa- mentos e definição de fluxos de forma a minimizar ou eli- minar os riscos de contami- nação através dos insumos e pessoas enviados as áreas de produção. Fig. 02. A defini- ção do fluxo de materiais e de pessoas evita a contami- nação cruzada. Os cantos sanitários não permitem o acúmulo de sujeira e facilitam a manutenção de forma adequada nas áreas. Todos os equipamentos são regularmente validados, possuem suas especifi- cações fixadas ao lado e os proce- dimentos de uso e limpeza descri- tos nos POPs e no Manual de Lim- peza. Cada unidade de produção dispõe de salas com classificação 10.000, destinadas à criação de ma- trizes essas salas possuem sistema de filtração de ar, com filtros HEPA (Hight Efficiency Particulate Air). A construção obedece aos princí- pios de zoneamento, onde ocorre um efeito em cascata, com o fluxo de ar partindo da área de maior pressão, para as áreas de menor pressão. As zonas diferenciam-se pela pressão e pureza do ar, po- rém mantendo os demais parâme- tros físicos, como: fluxo do ar não turbulento e unidirecional, velo- cidade, troca mínima horária, tem- peratura e umidade relativa, níveis de ruído e iluminação. Uma im- portante característica do biotério é o sistema de exaustão. Os ani- mais são alojados em gaiolas, dis- tribuídas em estantes metálicas com seis prateleiras cada e a exaus- tão é feita através de um sistema de plenos, instalados nas paredes Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 19 das estantes, atrás das gaiolas. Isto significa, que os odores fortes de amônia produzidos pela urina e fe- zes dos animais são exauridos dire- tamente das gaiolas sem circular nasala. Fig. 03. Manuais e Procedimentos Ope- rativos Padrão A documentação constitui parte essencial do sistema de Garantia da Qualidade e, deve estar relacionada com todos os aspectos das BPF. Tem como objetivo garantir as informa- ções necessárias a rastreabilidade de qualquer produto. Todos os docu- mentos podem ser reunidos em uma única pasta, ou permanecerem se- parados, facilmente disponíveis, constituindo o registro de todas as informações da história do produto. Todos os processos produtivos dos animais estão descritos nos Ma- nuais, de uma forma mais geral e detalhadamente nos Pops. Os ma- nuais, os procedimentos e toda do- cumentação é descrita com a parti- cipação do funcionário da área, de- pois avaliada pelos supervisores e finalmente aprovada pelo corpo téc- nico do biotério. No Biotério temos o Manual de Procedimentos, que tra- ta do manejo com os animais. No Manual de Biossegurança estão re- latados todos os possíveis riscos e as exigências para os procedimen- tos dentro e fora das áreas de cria- ção. O Manual de Limpeza trata do procedimento de limpeza de cada área, desde a forma de ser limpa até os produtos de limpeza e as suas di- luições (Fig.4). O Manual de Biosse- gurança deve ser lido por todos os funcionários que assinam um termo, de ciência e de acordo, com o cum- primento das normas nele estabele- cidas. Um outro complemento do Manual de Biossegurança é a docu- mentação de recebimento e de ins- truções de uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs). Os Pops descrevem, passo a passo, cada ope- ração do processo de produção, seja ele manejo, esterilização, procedi- mento de fluxo de pessoas e insu- mos. A elaboração da documentação deve obedecer determinadas exigên- cias, que dependem do tipo de do- cumento, ou seja, se é um Pop, um protocolo (prot.), uma requisição de análise (RqA), etc. Porém existem normas comuns a todos, tais como: Os documentos devem ser redigidos, revistos e distribuídos somente as pessoas designadas. Os originais de- vem ser aprovados, assinados e da- tados pelo responsável técnico. Ne- nhum documento deve ser modifi- cado sem autorização prévia. O con- teúdo dos documentos não pode ser ambíguo, o título e o seu objetivo devem ser apresentados de forma clara, precisa e correta. Além disso, devem ser dispostos de forma or- denada e serem de fácil verificação. Os documentos devem ser regular- mente revistos e atualizados. As al- terações efetuadas em qualquer do- cumento deve ser assinada e data- das, a alteração deve possibilitar a leitura da informação original. Armazenamento e transporte adequados; Os animais são mantidos em co- lônias fechadas, com sistemas de acasalamento adequado ao padrão genético de cada linhagem. Ficam em acasalamentos monogâmicos nas colônias de fundação, poligâ- micos nas colônias de multiplica- ção e separados por sexo nas salas de estoque, onde aguardam atingir o peso ou a idade solicitada pelos usuários. Um procedimento peculi- ar do nosso biotério é a manuten- ção de uma amostra de todos os desmames realizados. Essa amostra é mantida no biotério até atingir a idade adulta, com a finalidade de possibilitar o rastreamento dos lo- tes dos animais fornecidos aos usu- ários. O transporte dos animais é rea- lizado de terça a quinta-feira, sem- pre na parte da manhã. Em condu- ção do biotério um técnico acom- panha a entrega dos animais aos diversos Laboratórios. A entrega é registrada no “protocolo de entre- ga”, onde consta, quantidade, sexo, idade ou peso, dia e hora de forne- cimento. Esse protocolo é assinado pelo requisitante e arquivado em nossa documentação. Descarte O procedimento de descarte dos animais do biotério obedece nor- mas rígidas, descritas tanto no ma- nual de procedimentos, quanto no manual de biossegurança. Os ani- mais saem das áreas de produção pela trampa de expurgo de cada área. O funcionário recebe os ani- mais, os conduz à câmara de euta- 20 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 násia e esta é efetuada de acordo com o procedimento descrito no Manual de Procedimentos. Nos no- vos conceitos de ética, as espécies convencionais com peso abaixo de 1Kg, podem ser eutanasiadas em câmeras de CO 2, Figs 05 e 06. Ani- mais de peso superior são aneste- siados antes de colocados na câ- mera de CO 2. O procedimento de eutanásia é resultante de vários treinamentos com a finalidade de preparar o téc- nico a identificar a cessação dos si- nais vitais nos animais. É realizado um revezamento entre os técnicos, com o objetivo de que estes não fiquem insensíveis ao procedimen- to. Após a eutanásia, os animais são acondicionados em sacos plásticos identificados com símbolo de risco biológico e levados ao freezer (- 20ºC) onde permanecem até a co- leta do lixo. A coleta é feita pela prefeitura (Coleta de Resíduos In- fectantes), em carros especiais e le- vada ao incinerador público, Figs. 07, 08, 09, 10 e 11. Resultados A adequação física do biotério foi realizada em 1999 e nestes qua- tro anos percebemos que a adoção destes cuidados tem permitido a aplicação do principio dos 3Rs. E apesar da produção cientifica e da produção de produtos ter aumen- tado ano a ano houve uma dimi- nuição no número de animais for- necidos, isto se deve a obtenção de um animal com padrão sanitá- rio definido. Conclusão Com a implantação das normas de biossegurança e de cGMP em todos os procedimentos de rotina, fomos classificados “em conformi- dade” pelos Órgãos de Vigilância (Auditoria/Inspeção) e nenhuma adequação ou mudança nos foi so- licitada na parte física e de docu- mentação. Sempre que fomos sub- metidos aos órgãos de vigilância sanitária, como ANVISA e WHO, conseguimos a aprovação dos pro- cedimentos e a certificação dos produtos. Além do que, até o mo- mento conseguimos manter o pa- drão sanitário e genético exigido pelos laboratórios de pesquisa e produção e no mesmo período não registramos nenhum tipo de aci- dente de trabalho. Referências Bibliográficas 1. Cardoso, T.A.O.Considerações Sobre a Biossegurança em Ar- quitetura de Biotérios. Bol Centr. Panam. Fiebre Aftosa, 64-67: 3-17, 1998-2001. 2. Cidade Febril – cortiços e epide- mias na corte imperial Sidney Chalhoub-SP-Ed. Cia das Le- tras, 1996-250p. 3. Finarde, F. F. & Rodrigues, R.S.M. Manuseio e descarte de orga- nismos geneticamente modifi- cados. In: Hirata, M H.; Manci- ni – Filho, J. (ed.) Manual de Biossegurança . São Paulo. Ma- nole. 2002, 233 – 245. 4. Guia Para Boas Práticas de Fabri- cação Para a Indústria Farma- cêutica – portaria Nº 16, de 06 de março de 1995. 5. Mattaraia, VGM.; LCAG. Chaguri ; AP. Rocha da Silva ; MFCLF. Tá- vora ; UP. Rodrigues & HG. Hi- gashi. Perspectives to alterna- tives methods to immunobio- logicals and laboratory animals production at Instituto Butan- tan. Animal Research and Wel- fare: A Partnership - ICLAS / FELASA – Palma de Mallorca – Balearic Island, Spain, 1999. 6. Norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) – EB- 2115:1191 – Esterilização- Es- terilizadores a vapor-esteriliza- dores grandes- Requisitos. 7. Norma Brasileira ABNT NB 658/ 81 8. Normas da ISO/TC 209 9.Oda, L. Biossegurança no Brasil Se- gue Padrões Científicos Inter- nacionais. Biotecnologia Ciên- cia & Desenvolvimento. Ano 03, Nº 18, 2001, 05-08. 10. Raw, I. Unicamp testa vacina dupla contra tuberculose e he- partite B em Bio Notícias, 27/02/2004. 11. Rodrigues, U.P.; Mattaraia, V.G. M.; Valentini, E. J.G.; Damy, S. B. Implantação de Boas Práti- cas de Produção (cGMP) no Biotério do Instituto Butantan. Controle de Contaminação. São Paulo, RPA editorial, 2003, 20-24. 12. U.S. PHARMACOPEIA NATIONAL FORMULARY – USP-23; NF.18,1995. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 21 www.biotecnologia.com.brum mundo de informações ao seu alcance 22 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 DNAr 5S Pesquisa Um novo marcador molecular para análise genética de tilápias Fernanda Antunes Alves - Costa Mestre em Genética, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Genética) do Instituto de Biociências de Botucatu, UNESP-Universidade Estadual Paulista, Telefone/Fax: (14) 3811 6264, fa_alves2003@yahoo.com.br Cesar Martins Doutor em Genética e Evolução, Professor Assistente do Departamento de Morfologia do Instituto de Biociências de Botucatu, UNESP- Universidade Estadual Paulista, Telefone/Fax: (14) 3811 6264, cmartins@ibb.unesp.br Resumo s recentes avanços da ge- nética têm permitido um salto tecnológico na aqüi- cultura mundial, especial- mente, pela utilização dos estudos de DNA para determinação de vari- abilidade genética dentro e entre li- nhagens de peixes, para identifica- ção de parentais e para formulação de mapas genéticos úteis na identi- ficação de genes ou seqüências de DNA, ligadas a características de va- lor econômico. Estes tipos de análi- ses podem ser aplicados ao melho- ramento dos estoques e linhagens, levando a incrementos significativos na produção. Embora diversas regi- ões do genoma vem sendo explora- das como marcas nas análises gené- ticas, a identificação de novos mar- cadores ainda se faz necessária. Des- sa forma, foram objetivos deste es- tudo analisar a potencialidade da aplicação das seqüências de DNA ri- bossomal 5S como marcadores para estudos genéticos nos peixes, utili- zando como modelo espécies de ti- lápias de ampla utilização no setor produtivo. Introdução As tilápias representam os primei- ros peixes utilizados para criação em cativeiro no mundo – ilustrações de tumbas do Egito sugerem que a tilá- pia vem sendo criada há mais de três mil anos (Popma e Masser, 1999). As tilápias pertencem à família Cich- lidae que ocorrem, predominante- mente, nos lagos africanos. Os ciclí- deos africanos têm representado um excelente modelo de estudos, pois além de apresentarem uma história evolutiva bastante peculiar, que le- vou ao surgimento de uma grande diversidade de formas e comporta- mentos, muitas espécies (como as tilápias, por exemplo) apresentam enorme importância na aqüicultura mundial, especialmente em regiões onde há uma carência crônica de proteína animal (Kocher, 2004). Algumas características das tilá- pias fazem delas extremamente fa- voráveis para a aqüicultura: alimen- tam-se de uma ampla variedade de organismos e aceitam, muito bem, qualquer tipo de alimento; são rela- tivamente robustas e resistentes a doenças; possuem tolerância a bai- xos níveis de oxigênio e baixas tem- peraturas e possuem rápido cresci- mento, tornando-se sexualmente maturas e comercializáveis aos 4-8 meses (Boscolo et al., 2001). Ao lado de sua importância econômica, as tilápias representam também, um excelente animal de laboratório. Uma das características mais intrigantes deste grupo é sua agressividade, apresentando um comportamento territorialista, o que permite amplos estudos na área de etologia (Kocher, 2004). Algumas espécies de tilápia protegem a prole na cavidade bu- cal, podendo reproduzir-se em con- dições de cativeiro durante todo o ano, desde que a temperatura da água não fique abaixo de 22oC. Além disso, seus ovos podem ser facilmen- te incubados de maneira artificial (Zimmermann, 1999). Embora cerca de 70 espécies de ciclídeos recebam a denominação de “tilápia”, somente Oreochromis ni- loticus, Oreochromis mossambicus, Oreochromis aureus, Tilapia ren- dalli e seus híbridos têm grande importância na aqüicultura mundial Fotografias e ilustrações cedidas pelos autores Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 35 23 (Stickney, 1997). Atualmente, as ti- lápias representam o segundo gru- po de peixes mais amplamente pro- duzido no mundo (o primeiro é re- presentado por espécies de carpas). A tilápia do Nilo, Oreochromis niloticus (Figura 1) é uma es- pécie nativa do Norte da Áfri- ca, que foi introduzida em vá- rios outros continentes, espe- cialmente na América, onde sua produção anual excede 1.000.000 toneladas. Neste ce- nário, o Brasil tem contribuído com uma ínfima parcela de 0.2% em relação à produção mundial e de 5% em relação à produção americana, equiva- lendo a um total de, aproxima- damente, 50 mil toneladas/ano (Kubtiza, 2003). A partir de uma única in- trodução de tilápia do Nilo no nor- deste brasileiro, na década de 70, diversas linhagens foram desenvol- vidas e sua criação disseminada en- tre os estados brasileiros (Lovshin, 2000). Embora a produção de tilápi- as fosse inicialmente vista com bas- tante desconfiança pelos aqüiculto- res, aos poucos este peixe foi con- quistando seu espaço, provando ser de grande potencial para criação e comercialização. Nas décadas seguin- tes, a produção se fixou, cresceu e novas linhagens foram trazidas para o território nacional, entre elas a Tai- landesa ou Chitralada, em 1996 (Zim- mermann, 1999) e, mais recentemen- te, a Genomar Supreme, em 2002 (Zimmermann, 2003), que promete ganhos significativos na produção quando comparada com as demais linhagens. Atualmente, os tilapicul- tores nacionais têm almejado a con- quista do mercado externo e, ainda, têm se preocupado com a busca da competição igualitária com outros países produtores de tradição no mercado. Desse modo, há grande ex- pectativa e incentivo ao desenvolvi- mento de novos métodos que indu- zam ao aumento da produtividade e à diminuição dos custos de produ- ção. A chegada da tecnologia tailan- desa de reprodução em tanques-rede e incubação artificial de ovos e em- briões têm aumentado não apenas a produtividade, mas também, a pos- sibilidade de controle sobre o pro- cesso de reversão sexual, aumentan- do a eficiência do processo de ale- vinagem, tanto no sentido da sobre- vivência quanto na proporção de machos revertidos (Zimmermann, 1999). No entanto, em muitas tilapi- culturas do país, as práticas em aqüi- cultura têm inadvertidamente dimi- nuído a variabilidade genética pre- sente nos estoques de produção, pela seleção e acasalamento de in- divíduos aparentados ou pelo uso de um pequeno número de indiví- duos como reprodutores, aumentan- do grandemente a probabilidade de endocruzamentos. Dessa for- ma, um manejo adequado as- sistido por análises genéticas podem contribuir grandemen- te para o progresso da aqüi- cultura no Brasil. Estudos genéticos em tilápias As linhagens domesticadas da tilápia do Nilo utilizadas em todo o mundo sofrem de um empobrecimento genético, oriundo de práticas sucessivas de endocruzamentos; e as li- nhagens de melhor performan- ce são aquelas isoladas mais recen- temente da natureza. Da mesma for- ma, durante os anos consecutivos às primeiras introduções de tilápia do Nilo no Brasil, foram desenvolvidas novas linhagens provenientes de cru- zamentos híbridos entre as linhagens importadas e, também, entre a tilá- pia do Nilo e outras espécies de tilá- pia. Como resultado, o produtor en- frenta um grave problema relacio- nado à incerteza quanto à origem dos animais que vêm sendo utiliza- dos para produção e ao empobreci- mento genético que gera indivíduos com performance reduzida no cres- cimento e pouca resistência a doen- ças, afetando grandemente a produ- ção. Além disso, a questão da ma- nutenção da variabilidade genética dos estoques, que está diretamente associada à produtividade, muitas ve- zes, não recebe a valorização que merece. Uma outra dificuldade en- frentada pelos produtores relaciona- se à identificação eficiente de espé- cies, subespécies e linhagens de ti- lápias, e ao estabelecimento de pa- rentesco genético entre os estoques. Para isso, os estudos voltados à caracterização genética dos estoques
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