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A construção do narrador camiliano I: antes de O romance de um homem rico Romances de Camilo publicados até 1860 1848: Maria! Não me mates que sou tua mãe! 1851: Anátema 1854: Mistérios de Liboa (em 3 vol.) A Filha do Arcediago Um Livro* 1855: Livro Negro de Padre Dinis 1856: A Neta do Arcediago Onde Está a Felicidade? Um Homem de Brios 1857: Lágrimas Abençoadas Cenas da Foz 1858: Carlota Ângela Vingança Que Fazem Mulheres Neste período as formas narrativas foram variáveis, do folhetim de cordel ao romance de mistérios, passando pela tentativa, a mais frequente, de construir romances de teor mais realista. Também os narradores assumiram várias posturas. A pequena novela Maria não me mates que sou sua mãe, lançada em 1848, que se aproxima de um folhetim de cordel feito a partir de um fait divers, foi, como é indicado na página de rosto, “Mandada imprimir por um mendigo que foi lançado fora de seu convento, e anda pedindo esmolas pelas ruas”. (XI, p.233) Este mendigo abrirá a narrativa em uma introdução intitulada "Pais de Famílias!", em que afirma: Pais de famílias! Eu vou contar-vos o mais triste e espantoso acontecimento que viu o mundo, e que talvez não torne a ver. Chamai vossos filhos para junto de vós. Lede-lhes esta história, e fazei que eles a decorem, que a tragam consigo, e que a repitam uns aos outros. (XI, p.236) Em outros livros do período Camilo criará autores para suas obras. Em seu segundo romance, Mistérios de Lisboa, publicado em 1854 - após um prefácio intitulado "Prevenções" - em que o aparente editor reproduz uma carta de um amigo que habita no Rio de Janeiro e lhe envia os papéis de um personagem que não é nomeado -, o romance começa narrado em primeira pessoa: "Era eu um rapaz de catorze anos, e não sabia quem era." (I, p.305). Este primeiro narrador, Pedro, será depois substituído por um outro em terceira pessoa, mudança que é assim explicada no fim do livro terceiro, em uma nota: Comparado o primeiro com o segundo volume, salta aos olhos da crítica (que tem olhos) uma desigualdade estética, uma desarmonia de conceitos, de forma e de estilo que denuncia dois escritores, ou duas índoles no mesmo escritor. As páginas do primeiro volume são escritas pelo autor, que fala de si, que avulta no quadro que descreve, assombrando-o das cores melancólicas de que sua alma devia estar escurecida. No segundo volume, do quarto ou quinto capítulo em diante, já não é autor o filho da condessa de Santa Bárbara. O maço que o nosso amigo nos enviou do Brasil continha, além do primeiro volume organizado, poucos capítulos do segundo, e o resto eram apontamentos de que nos servimos, como genuínos, porque não podemos duvidar dos esclarecimentos que os documentavam. Enganar o público, isso é que de modo nenhum. Sem ofender a arte, nem a verdade, continuamos o romance e abstivemo- nos de atribuir ao cavalheiro que morreu no Rio de Janeiro o que era nosso na forma, conquanto dele na substância. (I, p.681) Se nessa obra a narrativa oscila entre a primeira e a terceira pessoa, três anos depois em Cenas da Foz, Camilo atribuirá a autoria do livro, na folha de rosto, a João Júnior, "Sócio da Filarmônica, e irmão da Ordem Terceira de São Francisco" (II, p.757) , acrescentando um "Juízo crítico da primeira edição" (II, p.759), assinado pelo editor Camilo Castelo Branco. Nos demais romances assume, em geral, uma narrativa em terceira pessoa, sem deixar de, com alguma frequência, conversar com o seu leitor, como faz no início de A neta do arcediago Convém, primeiro, saber quem é este cavalheiro, que salta garbosamente de uma carruagem com uma dama vestida de branco, defronte do Teatro de S. Carlos, em Lisboa, em uma noite de fevereiro de 1838. Por não apurar impaciências, diga-se tudo já. Este cavalheiro é Luís da Cunha e Faro. Aquela dama é... Nem tanta bondade! Não se pode dizer, por hora, quem é a dama. Se o leitor é esperto, como suponho, há-de adivinhá-la logo, e, decerto, fica muito contente com a sua penetração. (II, p.3) Os exemplos citados, e outros que poderiam ser a eles somados, parecem indicar que antes dos anos 60 Camilo estava buscando uma dicção narrativa, oscilando entre livros que atribuía a fictícios autores e outros em que o narrador não se apresentava como o autor do relato.
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