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Educação para a Morte em vida Rubia Mara Esquarante Barbosa Educação para a morte- Prof. Paulo Varejão Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) Introdução A morte é um fenômeno natural, mas pelo fato de o que acontece posteriormente a ela ser desconhecido e envolver mistérios, provoca muitas vezes sofrimento, angústia e insegurança em muitos humanos. Na Idade Média a morte era vista como algo normal, sem tantos temores, mas o que se tem nos tempos de hoje é a percepção dela como um tabu. Essa ilusão presente nos últimos tempos sobre a morte é o que mantém o capitalismo, pois a utilização da morte é anticapitalista. Neste artigo será trabalhado sobre a morte com a perspectiva transpessoal, que entende que após ela o homem tem a possibilidade de entrar em um novo estado de consciência, um estado alterado. Entretanto, o intuito é desmistificar a visão assustadora que muitos têm sobre esse assunto, com objetivo de promover uma educação para a morte, pois uma vez plenamente compreendidas as implicações da vida, ela nos liberta da necessidade da busca religioso-moral por uma futura vida de liberdade. Desenvolvimento A visão e a interpretação a respeito da morte variam segundo as culturas. No ocidente a morte é vista como uma negação e no oriente ela é reconhecida como um potencial de aprendizado e crescimento. A reencarnação também é outro aspecto visto de diferentes formas entre os dois lados. No ocidente é vista como um prêmio, uma possibilidade de ser feito algo ainda não realizado nesta vida e no oriente é visto como uma danação. Os povos do oriente acreditam que a reencarnação deve ser realizada nesse mundo, o qual é calamitoso e só faz sofrer, nele têm-se as religiões reincarnacionistas, entre elas o hinduísmo e o budismo tibetano. É a partir dessa ideia que será trabalhada a morte nesse trabalho, como algo que precisa ser educado ainda em vida, segundo Dom Juan em “Viagem a Ixtlan”, de Carlos Castaneda, é preciso saber utilizá-la e viver plenamente presente no ato. A questão a ser tratada é a necessidade de ter um ganho do poder especial, para assim deixar de ser um homem tímido -aquele que procede como se a vida tivesse continuidade indeterminável e agarra-se a coisas que só existem na imaginação- pois ser tímido impede que seja examinada e explorada a situação de homens. E por que ter esse poder especial? Ele é o que abre os canais dos novos sentidos e para novos estados de consciência. O Livro Tibetano dos mortos, “Bardo Thodol”, trata sobre como ocorre a morte, organizado por Ewans Wentz (1960), para que menos reencarnações sejam necessárias. Esse livro ficou parado até 1964 quando Timothy Leary, Ralph Metzner e Richard Alpert perceberam fenômenos nas pesquisas de LSD que repetiam os três bardos ainda vivos. Contudo, concluíram que se a pessoa aprende ainda em vida como a morte ocorre, estará mais preparado para passar pelos bardos. Bardo é o intervalo entre uma encarnação e outra. É importante lembrar que caso o sujeito consiga passar por esses bardos, ele chegará a clara luz, podendo assim evoluir para outro nível de consciência. Segundo Plotino, “A humanidade equilibra-se a meio caminho entre os deuses e as feras”. A psicologia transpessoal acredita na ideia de que a consciência é um processo que se desdobra, iniciando a partir da energia pura (espírito), conhecida como Brahman. Esse processo é conhecido como a “Grande Corrente do Ser”. Seguindo a ordem trazida no desenho abaixo, tem-se o nível de consciência mineral, logo em seguida nível de consciência vegetal, animal, humana, testemunha e espírito. No nível da fase mineral, a energia é densificada em matéria e é caracterizada pela percepção cromática; a fase vegetal é caracterizada pela forma; a animal caracteriza-se pelo instinto; a humana (onde é encontrada o homem) é regida pelo ego; a testemunha pelo transcendente/alma; e tem-se então o espírito. Consciência Consciência Consciência Consciência Consciência mineral vegetal animal humana testemunha Espírito *-----------------*----------------*------------------*-----------------*---------------* Segundo Ken Wilber em “Éden Queda ou Ascensão? ”, pode-se dizer que o homem é um mortal numa mistura infeliz, superior às feras, porém não ainda um deus. Contudo, o homem, na realidade ordinária, considerado um ser inteligente em relação aos outros, não aceita tão facilmente a questão de que possuem semelhanças a esses considerados inferiores e que na verdade ainda têm muito para evoluir. Jung traz em “O homem e seus símbolos”, uma ideia pré- egoica da psiquê, em que o ato, cheio de uma capacidade de poder, precedeu ao raciocínio. Isso é percebido através dos comportamentos feitos pelo homem que não são indagados os porquês e a partir de uma coletividade da mente. A não indagação dos porquês é possível ser vista quando se pergunta a alguém o por que se fazer árvore de natal no período natalino, muitos não saberão explicar, assim como não se sabe explicar como formigas andam em filas. A mente coletiva pode ser especificada em “A Linha de Sombra Uma confissão”, de Joseph Conrad, que narra um acontecimento dentro de um navio em que, perante uma negritude sem fim (algo que nunca se vira antes pelos passageiros), houve uma dissolução moral do narrador que conseguiu fazer com que outros sujeitos se erguessem e, sem planejamentos claros, a vela foi alada por mera força espiritual pois, segundo o narrador, não haviam músculos suficientes para esse trabalho. Voltando ao que foi citado acima sobre o Bardo Thodol, nesse trabalho a abordagem utilizada será a dos budas e hindus. Ambos acreditam que mais do que finitude, a morte representa uma transição, porém a recordação da vida anterior só é permitida aos iluminados. Segundo o que é apresentado no Bardo Thodol, existem três estágios pelos quais se têm de passar para que os temores da morte possam ser superados. Os estágios são: Chikhai Bardo, Chonyd Bardo e Sidpa Bardo. O Chikhai Bardo é o mais curto. Nele o sujeito acabou de morrer, mas ainda não se convence da morte. Nesse momento o indivíduo tenta conversar com as pessoas, mas ninguém o vê, nem ouve e daí ele vê uma clara luz em um túnel, o qual nela está um ser divino a sua espera, a depender do que cada um acredita. Ao aproximar-se da luz, a pessoa fica totalmente envolvida pelo amor condicional, e por essa razão, não se deve temer a morte, ela não é algo assustador. Segundo Kenneth Ring: “Essa luz é, ao mesmo tempo, símbolo e apogeu da EQM, como sabemos, e é a expressão universalmente reconhecida de nosso âmago divino manifestando-se em experiência espiritual. A luz é a pura essência de nossa alma, não aviltada pelo caráter humano, embora a maneira como a luz se apresenta [...] pareça refletir nossa alma”. Estando diante dessa luz, que é pura energia espiritual (a única energia que não pode ser manipulada pelo homem), são revistas as ações, pensamentos e palavras e o quanto elas afetaram a vida alheia, tornando-os responsáveis por tudo o que é feito na Terra. Aquele sujeito que chega a clara luz é considerado iluminado e assim não reencarna, mas a maioria dos sujeitos não conseguem chegar a essa clara luz do primeiro bardo, indo assim para o segundo. O segundo bardo, Chonyd Bardo, é composto por projeções do inconsciente em forma de monstros/visões que impedem que o indivíduo chegue até a clara luz. Essas projeções são compostas pelo o que já foi recalcado durante a vida, pelos atos praticados e que foram deixados de serem praticados. Nele, caso consiga resolver essesconteúdos materializados, existe a possibilidade de chegar na clara luz ou, se não dá conta de vencer esses “monstros”, a clara luz some e a pessoa é levada para o terceiro bardo. Já está traçado que aquele que chega nesse terceiro bardo irá reencarnar e assim bate o desespero. No Sidpa Bardo, o sujeito se encontra sozinho em uma sala onde são projetadas visões sensuais até o momento que ele não suporta mais e pede para reencarnar. Como é possível notar, cada bardo possui uma especificidade e necessita de instruções detalhadas e precisas para facilitar a transição. Pessoas que vivem experiências de quase-morte (EQM), passam pelo primeiro bardo. Como disse Kenneth Ring, no texto “Iniciação Xamânica, Mundos Imaginais e Luz Depois da Morte”, os relatos de EQMs pintam um quadro extraordinariamente atraente do hall de entrada na casa da morte, tendo uma esperança de que também irão morar nessa habitação luminosa e aconchegante, rodeadas por aqueles a quem amaram e respeitaram, assim como é tradicionalmente alimentado pelo Ocidente. Entretanto é traga a ideia de que não se deve permitir que a luz da EQM nos torne cegos para o restante da viagem imaginal, que será tratada mais adiante. O texto da iniciação xamânica citado acima, faz um debate sobre a EQM sob um ponto de vista neutro, sem posição cética, nem partidária. Ele cita que nas sociedades tribais tradicionais, existem os xamãs que são considerados médicos da alma, curadores por excelência. Estes passam por um treinamento xamânico, ainda em vida, o qual terão a possibilidade de acesso aos dois mundos (mundo da alma e mundo do corpo) de maneira consciente e controlada. O que se diz é que quem passa por uma EQM, vive por experiências parecidas às dos xamãs, porém de forma involuntária. O xamã pode penetrar à vontade no mundo da morte e dele sair, na EQM não. O xamã é um “mestre da morte” que se movimenta como um mensageiro entre os dois mundos e pode oferecer, portanto algo assim como um mapa do território pós-morte, cujo contornos só podem ser deslumbrados nas EQMs. Ele aprende a ver com a verdadeira “visão que não é deste mundo”, a visão imaginal. Corbin apresenta que para se educar para a morte é preciso aprender o código de acesso ainda em vida, código o qual depende da imaginação. É válido ressaltar que não é a mesma imaginação fantasiosa desqualificada tratada no ocidente. Portanto, Corbin diz que entre a realidade ordinária e a imaginação fantasiosa, talvez exista um terceiro domínio denominado de visão imaginal, que é uma experiência em um estado de consciência alterado, ontologicamente verdadeira e real. O imaginal conduz à um terceiro reino, o qual o acesso não depende nem da percepção sensorial nem da cognição ordinária, mas sim da chave da visão imaginal, habilidade a qual pode ser adquirida em vida, pois já existe, só estão atrofiados, também tratados no início do trabalho como poder especial. Esse território real possui forma, dimensão e pessoas. Segundo Corbin: [Esse é] um mundo que possui extensão e dimensão, figuras e cores; mas essas características não podem ser percebidas pelos sentidos da mesma maneira como o seriam se fossem propriedades de corpos físicos. Não, essas dimensões, figuras e cores são objeto da percepção imaginativa, ou dos “sentidos psicoespirituais”. Entretanto, embora a alma seja encontrada em outro mundo, ela é construída neste e é possível se obter as mesmas aprovações dos xamãs, recorrendo a outros meios. Um exemplo que pode ser dado de prática dos outros sentidos que o homem possui, são os sonhos. No texto “Sonhos Lúcidos”, de Roger Walsh & Frances Vaughan, os sonhos são apresentados como criações de nossas próprias mentes, um milagre noturno no qual todo um universo ganha vida, composto por pessoas, lugares e criaturas consideradas reais, de produção subjetiva, ilusória e transitória que é criada e pode ser controlada. Os acontecimentos do sonho não têm a realidade de quando o sujeito está acordado, mas possuem benefícios quando são sonhados lucidamente, pois proporcionam a possibilidade de chegar à essa lucidez durante a vida em estado de vigília. Do mesmo modo é a morte, ela não está presente na realidade ordinária, porém é possível ter esse conhecimento e acesso ainda em vida. Conclusão Contudo, a reflexão sobre a visão do oriente no ocidente pode facilitar a busca de rituais e a aceitação da morte como fazendo parte do desenvolvimento humano. É sabido que o ambiente entre uma vida e outra é um reflexo das expectativas de cada pessoa, mas o que se espera é uma familiarização com o mundo do pós morte, para que não haja tantos espantos quando chegar a vez de cada um. Assim, ainda que não saibamos de maneira comprovada o que acontece após a morte, podemos tomar conhecimentos das diferentes possibilidades apontadas para lidar com essa questão. Portanto, é necessário pensar também naquilo que se é feito neste mundo, na vida física, e como isso atinge os outros, buscando sempre agir com amor e se afastar ao máximo das negatividades exteriores, como também eliminar nossa própria negatividade. Referências Castaneda, C. Viagem a Ixtlan. Tradução Luzia Machado da Costa. 4° edição. Editora Record. Rio de Janeiro. Conrad, J.. A Linha de Sombra Uma Confissão. Tradução Maria Antonia Van Acker. Editora Globo. Rio de Janeiro, 2003. Jung, C.G.. O Homem e seus Símbolos. Tradução Maria Lúcia Pinho. 5ª edição. Editora Nova Fronteira. Kováes, M.J.. Educação para a Morte Desafio na formação de profissionais de saúde e educação. A visão da morte no oriente. Editora Fapesp. São Paulo. Ring, K. Explorações Contemporâneas da Vida Depois da Morte. Iniciação Xamânica, Mundos Imaginários e Luz Depois da Morte. Tradução Heloysa de Lima Dantas. Editora Cultrix. São Paulo. Walsh & Vaughan, R.& F.. Caminhos além do ego. Sonhos Lúcidos. Tradução Marta Rosas. Editora Cultrix. São Paulo. Wilber, K.. Éden Queda ou Ascensão?. Tradução Ari Raynsford. Editora Verus.
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