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Trabalho de Educação Para Morte

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Gleidson Jordan dos Santos
ENTENDENDO A MORTE COMO MEIO E NÃO COMO FIM: EXPLORANDO AS DIFERENÇAS ENTRE A VISÃO OCIDENTAL E ORIENTAL
Trabalho final apresentado a Disciplina de Educação para a Morte do curso de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, ministrada pelo Prof. Dr Paulo Roberto Azevedo Varejão, como requisito para obtenção de pontos.
São João del-Rei
2019
INTRODUÇÃO
	Na disciplina de Educação para a Morte foram apresentados textos que apontam para uma diversidade de formas de ver a morte além da tradicional forma ocidental de negação. As consequências desses pontos de morte se dão na própria percepção de vida. Uma vez que a morte é negada, têm-se uma cultura mais egocêntrica, enquanto a aceitação dela permite que as pessoas hajam com mais trato com o outro.
	Apoiado nos textos da disciplina e ideias trazidas pelo professor sobre a Psicologia Transpessoal e a Filosofia Perene, esse trabalho pretende discutir e refletir pontos convergentes e divergentes trabalhados ao longo do semestre. Alguns aspectos não são fáceis de serem traduzidos por meio da escrita, mas de fato, a disciplina permite que até do ponto de vista mais cético, a visão da morte é extremamente relevante para a jornada da vida. Embarquemos juntos nessa tentativa de sintetizar e adentrar num ideário tão rico. 
Antes de prosseguir…
	É importante entender um pouco do que se trata alguns campos que adentraremos. O primeiro deles é o da Psicologia Transpessoal que, segundo Parizi (2006), teria surgido nos Estados unidos por volta de 1969, chegando a ser saudada como a quarta força da psicologia. O objetivo dessa Psicologia era de integrar as vivências espirituais e experiências transpessoais, que têm como principal marco o estado de consciência superior. Esta consciência contém todas experiências anteriores da pessoa e a auxilia a se conduzir em direção à transcendência. Esta abordagem correlaciona muitas escolas ocidentais de psicologia e as tradições espirituais do ocidente e do oriente. Atualmente seus principais teóricos trabalham no sentido de mostrar que ela tem seu rigor científico (Parizi, 2006).
	Com um objeto de estudo próximo, a Filosofia Perene é tratado por Huxley (1945) como um cerne comum a várias religiões e sociedades que permitem superar os males deste mundo, sendo capaz de identificar certo conhecimento espiritual universal. Trata-se então da tentativa de estudar um conhecimento divino que é transcendental em busca de uma realidade divina na qual o homem busca. Conforme Huxley (1945) a Filosofia perene foi submetida à escrita há mais de 25 séculos e apresenta um tema inesgotável que vem sido tratado do ponto de vista de diferentes religiões e culturas asiáticas e europeias. Esse conhecimento estaria ligado a ética baseada na libertação das exigências egoicas, sendo considerada por grandes místicos como o caminho a ser seguido. Conceitos próprios da filosofia perene são apresentados no texto ‘Imortalidade e Liberdade: a Perspectiva da Índia’ (Doore, 1992) na frase: “Temos aqui a semente da noção hindu posterior de que a essência da personalidade humana transcende e se identifica perfeitamente com o próprio fundamento do universo...”.
A visão da morte no ocidente e no oriente
	Alguma das mais notáveis diferenças entre as culturas ocidentais e orientais tem relação com as questões espirituais e consequentemente religiosas. Nesse sentido, a visão sobre o que é a morte e o que nos espera ao término de nossa jornada terrena é demasiado diferente.
	No caso do ocidente, as culturas, por terem sofrido forte influência das religiões cristãs, tende a negar a morte. A negação da morte no sentido de não falar sobre ela e tentar adiá-la. As pessoas no ocidente tendem a fugir tanto do assunto que criou crenças e superstições para auxiliar no processo de afastamento de lidar com ela. Seja fugindo de cemitérios, buscando não falar da pessoa que faleceu, evitando contanto com pessoas que estão passando por luto e etc. 
	Um exemplo que li recentemente trata-se das dificuldades enfrentadas na viuvez. Em um momento no qual é extremamente importante o apoio social, as pessoas tendem a se afastar do viúvo com receio de que esse status civil possa ser replicado em sua vida. Parece absurdo mas há artigos tratando sobre esse assunto, o que reforça quão difícil é lidar com a morte quando não se é capaz de aceitá-la.
	No caso das religiões cristãs, predominantemente se teme a morte, devido ao julgamento que se crê que acontecerá ao fim da vida. Há uma predominância da culpa, e um enorme egocentrismo em salvar sua própria alma. As pessoas tendem a não ver seu messias, o Jesus Cristo, como um exemplo de pessoa em vida, mas como a única pessoa que conseguiu superar a morte. Com exceção de algumas religiões, as pessoas não levam verdadeiramente a máxima de amar aos outros como a si mesmo, havendo excesso de julgamento da ação do outro.
	Há no ocidente também um grande ceticismo sobre o que é da ordem transcendental ou mística. O texto ‘Viagem a Ixtlan’ (Castaneda, 1972) mostra isso muito bem ao apresentar o diálogo de um academicista e um Pajé indígena. O Pajé tenta mostrar que os atos têm poder e ver o mundo com a ideia de possivelmente não existir um amanhã é o mecanismo que dá esse poder as nossas ações. Mas o acadêmico em todo seu ceticismo acredita que não é natural viver com a ideia constante de morte. Esse texto também traz as possibilidades de superação da timidez e entendimento do que seria a felicidade, apoiado na ideia de viver o hoje constantemente pensando em transcender. Ou seja, ser bom e menos egocêntrico te deixa mais perto de adentrar ao reino dos deuses, ou traduzindo para a linguagem cristã, o reino dos céus. Mas o ceticismo ocidental reforça que pensar na morte pode atraí-la e a busca constante por adiar as reflexões relacionadas a morte são diariamente adiadas. 
	O medo de se distanciar do corpo físico, superar o ego, é explorado também no texto ‘Viagens além dos limites físicos’ (Grof, 1994) onde se diz que o corpo físico nos dá mais sensação de segurança enquanto temermos o que o transcende. Esse texto explora a ideia dos limites que separam nosso ego de nossa alma. Para o autor os limites que percebemos entre nós mesmos e o universo podem ser entendidos como produtos de nossa mente. Há uma citação muito interessante em paralelo com palavras de Sri Aurobindo e Albert Einsten:
“Devemos encarar todos ps acontecimentos como desenvolvimentos da movimentação em nosso verdadeiro eu, e esse eu como algo habitando todos os corpos, não apenas nosso próprio corpo. Devemos ser conscientes, em nossa relação com o mundo (…). Todo o movimento, todas as energias, todas as formas, todos os acontecimentos, devem ser vistos por nós como aqueles de nosso memso eu real em muitas existências – Sri Aurobindo (apud. Grof, 1994)”. “O ser humano é uma parte de um todo, chamado por nós de ‘Universo’ - uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele experiencia a si próprio, seus pensamentos e sensações como coisas separadas do resto – uma espécie de ilusão de ótica da consciência – Albert Eistein (apud. Grof, 1994)”.
	Essa frase de Albert Eistein casa com o texto ‘Imortalidade e Liberdade: a Perspectiva da Índia’ (Doore, 1992). Aqui o autor enfatiza que apesar de negarmos ou nos comportarmos como se não fosse verdade, é fato que nossa existência é tão limitada no tempo quanto no espaço. Nossa vida está sujeita a terminar, e é necessário tomar consciência disso para usufruir do tempo que nos resta.
	Perde-se tanto tempo na tentativa de adiar a morte, que a vida vai passando e há uma incapacidade de entender que não temos tanto tempo. Apesar dos avanços tecnocientíficos estarem permitindo que se tenha uma vida mas longa, isso não é sinal de que ela esteja sendo vivida em sua plenitude. Adiar a morte demanda tanto tempo de angústia que pouco sobra para se dedicar a ser alguém melhor, buscar a evolução espiritual, transcender. Há uma enorme dificuldade em enxergar além de nós mesmos. Nesse sentido,transcender o ego nos deixaria mais próximo de nos entendermos como parte de algo maior que nós mesmos.
	Para exemplificar a visão conturbada da morte no oriente trarei uma, dentre várias outras letras de música que me auxiliam a refletir sobre a morte. Nesse pequeno texto, se analisado por um ponto de vista mais cético, é possível notar a dificuldade de aceitação da morte de uma pessoa querida, pode ser tratada como devaneio. Mas acredito que a arte tem uma certa capacidade de transpor a essa visão mais cética e a ideia do eu lirico é que a pessoa amada ainda vive de alguma forma, a presença dela é sentida para além das significações físicas. A seguir a letra da música ‘Even in Death’ (mesmo na morte) escrita pela cantora Amy Lee da banda Evanescence. Ela costuma retratar a perda de sua irmã mais nova quando ainda era criança em suas canções mais antigas.
“Dê-me um motivo para acreditar que você se foi
Vejo sua sombra, então, sei que todos estão errados
A luz da lua sobre a macia terra marrom
Me guia até onde você repousa
Tiraram você de mim, mas agora vou levar você para casa
Estarei para sempre aqui com você, meu amor
As palavras suavemente faladas que você me deu
Mesmo na morte nosso amor continua
Alguns dizem que estou louca pelo meu amor, meu amor
Mas nenhum vínculo pode me tirar do seu lado, meu amor
Eles não sabem que você não consegue me deixar
Eles não ouvem você cantando para mim
Estarei para sempre aqui com você, meu amor
As palavras suavemente faladas que você me deu
Mesmo na morte nosso amor continua
E eu não posso te amar mais do que já amo
As pessoas morrem, mas o verdadeiro amor é para sempre”.
	Quando leio a frase acima ‘tiraram você de mim’ imagino que haja uma conexão com a ideia ocidental e que não se deve tentar buscar os mortos. Isso esbarra no conceito de liberdade. Nos preocupamos tanto em nos livrarmos da morte que acabamos vivendo reféns dela. Ser livre tem muita relação com poder viver sem culpa, sem medo, sem remorsos, e a visão ocidental não contribui para alçarmos essa liberdade. 					
	Nas culturas orientais há uma maior propensão de aceitar a morte enquanto um motivador para alcançar as nossas potencialidades em vida. Um dos combustíveis para isso está na ideia de que se é capaz de adentrar o reino dos mortos / transcender para uma consciência superior ainda em vida.
	O texto ‘Viagens além dos limites físicos’ (Grof, 1994) cita a forma como determinada cultura oriental buscou compreender a morte e as possíveis implicâncias positivas no comportamento das pessoas que compartilham esse ponto de vista. Uma outra implicação dessa forma oriental de lidar com a morte é vista na capacidade de identificação com a outra pessoa. Acredito que isso se relaciona a capacidade de empatia e compaixão, ou seja, o nosso entendimento ou aceitação da condição de morte influencia na nossa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. 
	Retomando a ideia de liberdade podemos trazer para a discussão o texto ‘Imortalidade e Liberdade: a Perspectiva da Índia’ (Doore, 1992). Esse texto retoma a questão do ceticismo acadêmico, mas voltado para a possibilidade de ir além da racionalidade. O autor traz uma frase muito bacana sobre isso: “Felizmente, entretanto, minha mente racional não esgota quem eu sou. Possuo outras capacidades cognitivas que posso colocar em ação quando pondero sobre meu destino após a morte (in Doore, 1992, pág. 153)”. Apesar dessa abertura, o autor afirma ainda se sentir desamparado intelectualmente. Ele traz a questão de que, apesar de vários relatos de experiências onde o corpo é transcendido, ainda se tem muita dificuldade, na visão mais ocidental, de aceitar essas possibilidades de transcendimento.
	O autor traz que para uma determinada cultura que buscava alcançar a imortalidade durante o decorrem da vida, liberdade significava ser radicalmente livre, em espírito. Para eles era possível alcançar a perfeita liberdade espirital [liberta-se do ego e dos limites físicos] mesmo permanecendo em forma encarnada. Essa liberdade é capaz de nos liberar da necessidade da busca religioso moral por uma vida paradisíaca. 
Algumas considerações quase finais
	Bem, ainda não é chegado o fim. A discussão sobre o tema da morte é de grande profundidade e é impossível esgotá-la em poucas laudas. Suponho que ainda preciso buscar experienciar mais para tentar me apropriar melhor das possibilidades de transcendência. Mas creio que toda a discussão levantada me auxiliou a manter a mente aberta para o que não é passível de compreensão acadêmica.
	É possível notar que aspetos sócio-culturais são significativos para a discussão sobre as formas de tentar entender o processo de morte. Ficou evidenciado que uma maior aceitação dela auxilia no processo de superação do egocentrismo e na busca de viver uma vida de forma mais intensa, com empatia e compaixão, fugindo ao viés ocidental de culpa e negação.
REFERÊNCIAS 
Castaneda, C. (1972). Viagem à ixtlan. Rio de Janeiro: Distribuidora Record.
Doore, G. (1992). Explorações contemporâneas da vida depois da morte. Editora Cultrix.
Grof, S. (1994). A mente holotrópica: novos conhecimentos sobre psicologia e pesquisa da consciência. Rio de Janeiro: Rocco, 95-114.
HUXLEY, A. (1945). A Filosofia Perene; tradução de Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix.
Parizi, V. G. (2006). Psicologia transpessoal: algumas notas sobre sua história, crítica e perspectivas. Psicologia Revista, 15(1), 109-128.
Auto-avaliação
	Confesso ter dificuldade em realizar uma auto-avaliação, mas entendo que é necessário para me auxiliar a refletir sobre o processo de mudança (aprendizado) que tive ao longo desse semestre. Acredito que disciplina me ajudou muito tanto a pensar na minha atuação profissional quanto na minha vida pessoal. Acredito que estive comprometido com a disciplina, e ainda preciso superar a timidez, transcendê-la para participar mais das discussões, não só como ouvinte mas também como interlocutor. 
	Considero esse espaço da disciplina muito importante para não nos deixar cegar pelo ceticismo acadêmico. Saí dela com uma abertura muito mair para outras possibilidades e retomei meu interesse por assuntos que foram deixados de lado por mim durante a graduação e mestrado. Lembrei-me agora que preciso muito cuidar das questões espirituais, elas que sempre valorizei, mas que a tentativa de ser científico me afastou. Gostei muito da experiência, espero ter a oportunidade de emergir em, ou ao menos testemunhar, algum dos momentos que você (Varejão) exemplificou para nós.

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