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www.esab.edu.br Análise e Produção Textual CURSO DE PEDAGOGIA Análise e Produção Textual Vila Velha (ES) 2013 Escola Superior Aberta do Brasil Diretor Acadêmico Beatriz Christo Gobbi Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Beatriz Christo Gobbi Coordenadora do Curso de Administração EAD Rosemary Riguetti Coordenador do Curso de Pedagogia EAD Claudio David Cari Coordenador do Curso de Sistemas de Informação EAD David Gomes Barboza Produção do Material Didático-Pedagógico Delinea Tecnologia Educacional / Escola Superior Aberta do Brasil Diretoria Executiva Charlie Anderson Olsen Larissa Kleis Pereira Margarete Lazzaris Kleis Thiago Kleis Pereira Conteudista Eduard Marquardt Coordenação de Projeto Andreza Lopes Patrícia Battisti Supervisão de Design Educacional Barbara da Silveira Vieira Supervisão de Design Gráfico Laura Martins Rodrigues Design Educacional Simone Regina Dias Revisão Gramatical Elaine Monteiro Seidler Érica da Silva Martins Valduga Hellen Melo Pereira Paulo de Tarso Vieira Design Gráfico Neri Gonçalves Ribeiro Diagramação Fernando Andrade Equipe Acadêmica da ESAB Coordenadores dos Cursos Docentes dos Cursos Copyright © Todos os direitos desta obra são da Escola Superior Aberta do Brasil. www.esab.edu.br Av. Santa Leopoldina, nº 840 Coqueiral de Itaparica - Vila Velha, ES CEP 29102-040 Diretor Geral Nildo Ferreira Supervisão de Revisão Gramatic al Andrea Minsky Apresentação Caro estudante, Seja bem vindo à ESAB. A Escola Superior Aberta do Brasil, funda-se no princípio básico de atuar com educação a distância, utilizando como meio, tão somente, a internet. Em 2004,foi especialmente credenciada para ofertar cursos de pós- graduação a distância, via e-learning, utilizando-se de software próprio denominado Campus Online. Em 2009 foi credenciada com Instituição de Ensino Superior – IES, através da portaria MEC nº 1242/2009, de 30 de dezembro de 2009, ocasião em que também foi autorizada a ofertar o curso de pedagogia – licenciatura, na modalidade presencial, conforme portaria MEC nº 14/2010, de 9 de janeiro de 2010. Em outubro de 2012 recebeu o Prêmio Top Educação 2012, da Editora Segmento, sendo reconhecida como a Melhor Instituição de Ensino EAD para Docentes. Em 2013 é aprovada para a oferta dos cursos de: Administração (Bacharelado); Pedagogia (Licenciatura) e Sistemas de Informação (Bacharelado), todos na modalidade EAD, com avaliação máxima das comissões avaliadoras. Sabemos que cada curso tem suas demandas específicas: Administração, Pedagogia ou Sistemas de Informação são cursos bastante particulares, mas em qualquer área são várias as teorias e os teóricos; os vieses e as perspectivas; os tipos de texto e suas finalidades. Entretanto, em qualquer um deles você precisará lidar com leituras, fichamentos, resumos, resenhas e desenvolver interpretações. Disso, portanto, é que trata este material de Análise e Produção Textual. Nele constam indicações, recomendações e exercícios para você aperfeiçoar a sua escrita e a sua percepção de leitura. Este material foi concebido baseado nas referências Fiorin e Savioli (2006), Faraco e Tezza (2008), Medeiros (2008) e Discini (2005). A elaboração desta disciplina foi feita especialmente para você, tendo como base uma compilação de livros de autores renomados, contendo conceitos, teorias, fórum, estudos complementares, entre outros, todos com o intuito de ajudá-lo em sua formação. Você verá que, por vezes, o texto será bastante pontual e objetivo; em outras, no entanto, será necessário um esforço interpretativo e um olhar crítico sobre suas próprias experiências de leitura e escrita para alcançarmos o propósito. Bom estudo! Equipe Acadêmica da ESAB Objetivo O nosso objetivo é auxiliar na análise e produção de textos, por meio do estudo de procedimentos e conceitos. Competências e habilidades • Perceber as diferentes formas da linguagem em sua peculiaridade, necessárias à produção textual. • Reconhecer os diferentes instrumentos e procedimentos para a organização e produção de texto. • Produzir textos com senso crítico e qualidade. • Elaborar o pensamento por escrito, considerando as possíveis leituras interpretativas. Ementa A leitura e a produção textual. A estrutura do texto. Textualidade e argumentação na produção do texto. Linguagem. Gêneros textuais: tipos de textos. Estrutura de texto. Aspectos gramaticais. Sumário 1. Escrever bem: dom ou técnica? .......................................................................................7 2. O que é texto? ...............................................................................................................12 3. A nova ortografia da Língua Portuguesa .......................................................................17 4. O falado e o escrito ........................................................................................................21 5. Polissemia, metalinguagem, intertextualidade e recombinação...................................25 6. O esquema da comunicação e as funções da linguagem ...............................................32 7. O que define um bom texto ..........................................................................................38 8. Os diferentes tipos de texto ...........................................................................................41 9. Texto descritivo .............................................................................................................47 10. Texto de informação......................................................................................................52 11. Texto de opinião ............................................................................................................56 12. Texto crítico ...................................................................................................................61 13. A narrativa ....................................................................................................................68 14. Texto temático e texto figurativo ..................................................................................73 15. Texto argumentativo .....................................................................................................79 16. Texto explicativo ...........................................................................................................86 17. Texto dissertativo ..........................................................................................................92 18. Texto dissertativo-argumentativo .................................................................................97 19. Como definir um título ................................................................................................103 20. Redação institucional/comercial .................................................................................107 21. O curriculum vitae .......................................................................................................111 22. Parágrafos ...................................................................................................................116 23. Pontuação ...................................................................................................................121 24. Frase, oração, período .................................................................................................127 25. Coesão ........................................................................................................................133 26. Coerência ....................................................................................................................138 27. Estilo ...........................................................................................................................14228. Denotação/conotação .................................................................................................146 29. Tropos de linguagem...................................................................................................150 30. O clichê .......................................................................................................................155 31. Usos da crase ...............................................................................................................161 32. Usos dos porquês ........................................................................................................167 33. O dito “cujo” .................................................................................................................170 34. Usos do gerúndio ........................................................................................................174 35. Concordância ..............................................................................................................177 36. Usos do adjetivo ..........................................................................................................184 37. Estrangeirismos ..........................................................................................................191 38. Ênclise, próclise, mesóclise ..........................................................................................195 39. Dúvidas frequentes .....................................................................................................200 40. Tautologias .................................................................................................................205 41. Pressuposto.................................................................................................................210 42. Pesquisa: como proceder .............................................................................................215 43. Paráfrase .....................................................................................................................221 44. Fichamento e resumo ..................................................................................................226 45. Interpretação textual ..................................................................................................235 46. Comunicação e expressão ...........................................................................................241 47. As multimídias e a produção textual ...........................................................................247 48. Afinal, o que é um bom texto? ....................................................................................250 Glossário ............................................................................................................................256 Referências ........................................................................................................................268 www.esab.edu.br 7 1 Escrever bem: dom ou técnica? Objetivo Vislumbrar a escrita como técnica vinculada ao exercício constante da leitura e construção de argumentos. É comum ouvirmos que alguém, um amigo seu, um familiar, enfim, “tem facilidade para escrever”, não? Mas por que será? O que você pensa: algumas pessoas nascem com essa disposição e tudo o que fazem ao longo de sua vida estudantil não é mais que reforçá-la ou escrever bem se trata de algo que qualquer um de nós pode alcançar, com disciplina e dedicação? No estudo da língua portuguesa, é comum o questionamento “Como escrever bem?”. É preciso estudar gramática? Sim, certamente. É preciso ler? Sem dúvida. É preciso ler sites de notícias, jornais impressos? Com certeza. Mas e as revistas de entretenimento servem também? Sim, também servem. E assistir a filmes ou documentários, tem algo a ver com a escrita? Absolutamente. Mas por quê? Porque escrever bem significa, entre tantos fatores, defender bem um argumento, expor um ponto de vista, expressar sentimentos, manifestar- se com propriedade. Escolher a linguagem, montar um cenário, levantar um problema, ponderar as alternativas, os vieses, tudo o que está em jogo, e chegar a uma conclusão, ainda que provisória. Toda a informação que você consome e processa criticamente faz diferença. Vejamos um exemplo, às avessas. Digamos que você não saiba dirigir ou nadar e esteja interessado em aprender ou que esteja a fim de melhorar a sua saúde, manter a sua boa aparência e queira se matricular em uma academia de ginástica. Pois então: você já viu alguém aprender a nadar em teoria, do lado de fora da piscina? Não, não é? E se você quiser desenvolver os seus músculos, certamente terá de encarar os aparelhos da academia e realizar as séries www.esab.edu.br 8 periódicas de 8, 10, 12 repetições. Mas ainda não será o bastante: o nosso organismo se habitua com os exercícios, de modo que, gradualmente, será preciso que você exija mais de si mesmo para chegar a um determinado resultado, adquirindo perfeição naquilo que está fazendo e, ao mesmo tempo, resistência para a tarefa. Mas, por outro lado, é possível, sim, aperfeiçoar o seu nado a partir da teoria: você pode muito bem estudar como deve ser a sua respiração; você pode ler um artigo, uma revista ou um livro que demonstre graficamente como deve ser o movimento da braçada, que você deve esticar os braços completamente, que, enquanto um está realizando a braçada, o outro deve estar posicionado de modo a não oferecer resistência ou que os pés devem reproduzir o movimento de um chute, e não simplesmente um movimento qualquer, para que você possa aproveitar todo o impulso e a sua própria energia. E, se você estiver tomando aulas na autoescola para tirar a carteira de motorista, certamente a teoria irá auxiliá-lo tanto no conhecimento do veículo como nos procedimentos que você deve desempenhar para dirigir com segurança. Assim, para escrever bem, é preciso também se arriscar e “entrar na piscina” ou “assumir o volante”. Não há como você desenvolver uma técnica sem se submeter ao exercício diário e constante, adquirindo consciência daquilo que está fazendo. São detalhes que fazem muita diferença: habitue-se a acessar diariamente um site de notícias de qualidade. Certamente você, pouco a pouco, saberá que uma notícia se pauta, essencialmente, em relatar os fatos sem problematizar a linguagem, ou seja, com objetividade e sem especulação. Pois, se há especulação, já não estamos no terreno da notícia, e sim da análise. Ao assistir a um filme estrangeiro, prefira assisti-lo com as legendas. Você, pouco a pouco, encontrará o ajuste e dará conta de ver os personagens, ouvir e ler, no seu idioma, aquilo que estão dizendo. Mas se ainda você gosta de uma boa revista de entretenimento, sem muita profundidade, será válido, pois você também saberá quando se utilizar de uma linguagem mais leve e atrativa para cativar o seu leitor. www.esab.edu.br 9 Figura 1 – Para aprimorar a sua escrita, você precisa de variedade de leitura. Fonte: <www.shutterstock.com>. Resumindo, você precisa de variedade de leitura. Habitue-se aos livros de ficção, às biografias e autobiografias, aos relatos de história e estudos de geografia, e o que mais for. Você encontrará frases, orações e períodos mais complexamente articulados, de modo a ampliar o seu vocabulário, acostumá-lo a raciocínios mais longos e ampliar a sua experiência com o relato alheio. Você aprenderá gramática sem sequer perceber. E outra coisa: tenha muito cuidado com a linguagem abreviada ou adaptada que utilizamos para a comunicação on-line, quando tudo vale ou é permitido. Nada pior que ler um texto em que se utiliza “mais” no lugar de “mas”… Um dos problemas, no entanto, que todos temos de enfrentar é a ansiedade. Muitas vezes queremos algo prontamente. Queremosperceber o benefício imediatamente. É um pouco a lógica do consumo: compro, uso, quero ver o resultado. Na escrita, como em qualquer outra técnica, as coisas não são bem assim. Digamos que você esteja nadando. Você já desenvolve a modalidade crawl com certa naturalidade e precisão e seu instrutor quer agora que você exercite o nado golfinho. A sua reação imediata é de resistência, pois você sabe da sua dificuldade em concatenar os movimentos de pés, braços e tronco, mas começa a prática do exercício. Você tenta apreender o movimento, mas ainda não consegue desenvolvê-lo corretamente. A aula acaba e você sai da piscina com certo descontentamento e mais cansado www.esab.edu.br 10 que o habitual, pois do crawl você já dava conta. Passam-se dois dias, ou na aula da semana seguinte, você se aquece, entra na água, começa em modo crawl e logo passa à modalidade golfinho. Surpreendentemente, você nota que, embora os movimentos ainda não estejam perfeitos, você já os desenvolve com certa habilidade ou menos esforço. Pois, é assim mesmo. Foi necessário que você se expusesse a algo que ainda desconhecia ou não dominava, que tentasse desenvolver essa tarefa conscientemente, e que também precisasse lidar com a impressão momentânea de fracasso. É parte do processo, e não vale a pena pular a etapa. Não tem como. Mas vamos ao que de fato nos interessa: na sua disciplina de Sociologia das Organizações, Introdução à Computação ou Psicologia da Educação, o professor lhe solicita escrever uma resenha sobre um capítulo específico. Você realizou a leitura, destacou no texto as informações que julgava fundamentais e passou à confecção do seu trabalho. Ao fim, você ainda não se sente satisfeito com o resultado. Pode ser impressão, pode ser a leitura ainda superficial de determinada passagem ou que a sua interpretação ainda esteja apressada, sem ir fundo nos conceitos. Pois bem, dê um tempo para você mesmo. Reserve o texto, faça outra leitura, consulte outro autor ou vá fazer outra coisa. No dia seguinte – o tempo é relativo –, retome aquilo que você escreveu e leia criticamente. Você encontrará períodos que ficaram pouco claros, verá que certa informação não é tão importante assim, que determinada conclusão está apressada; perceberá um ou outro deslize na pontuação, e assim por diante. Em suma, é preciso lidar com a ansiedade da conclusão e dar tempo para que você mesmo mude, para que você se reprograme ou se reorganize; para que você se distancie daquilo que estava tão perto dos seus olhos mas que não conseguia enxergar com precisão. Em um curso superior, também é comum termos contato com textos mais complexos, que exigem muito mais que uma leitura superficial, pois estão longe da nossa experiência cotidiana. São textos que demandam uma ampliação de nossa escopia, isto é, do modo como vemos o mundo e interpretamos as suas implicações. Então aproveite, pois este é justamente o momento para você se expor a leituras e problemas que põem à prova os seus conceitos. www.esab.edu.br 11 Para encerrar esta unidade, acompanhe algumas dicas de Stephen Kanitz, articulista da revista Veja, consultor de empresas e conferencista. Resumidamente, Kanitz (2012) anota: • por mais relativo que isto seja, escreva sempre considerando qual é o seu público-alvo; • deixe a vaidade de lado, escreva para narrar uma experiência ou expor uma ideia; • inicie pelo rascunho, deixe as ideias amadurecerem e revise ou reescreva; • não gaste tempo com ideias intransigentes ou pesadamente ideológicas; • repita de formas diferentes as ideias fundamentais do seu texto; • seja conciso, direto e objetivo. Estudo complementar Vimos nesta unidade que para escrever bem é preciso munir-se de um cardápio variado de informações, dedicação e disciplina. Para complementar o estudo, leia o texto completo de Stephen Kanitz a que fizemos referência, clicando aqui. www.esab.edu.br 12 2 O que é texto? Objetivo Desenvolver e explorar o conceito de texto, analisando suas perspectivas de formação de sentido no processo de criação e organização. Depois de nossas considerações acerca do processo de escrita, vamos abordar o significado do texto. “Redija um texto”, “leia o texto a seguir”, “o texto está ilegível” – com certeza, você já teve contato com esses enunciados e acatou o que estava sendo solicitado ou informado. Todos realizamos a tarefa porque, bem ou mal, entendemos o que significa. Mas e se você tivesse de conceituar, como faria? São várias as possibilidades. 2.1 Compreendendo o conceito de texto Hoje, dispomos de leituras mais abertas quanto ao conceito de texto, mas sua origem remonta ao vocábulo latino textu, que significa tecido, ou seja, a uma peça cuja consistência depende do bom entrelaçamento de vários fios. Medeiros (2008, p. 137) diz que “[...] a imagem de tecido contribui para esclarecer que não se trata de feixe de fios (frases soltas), mas de fios entrelaçados (frases que se inter-relacionam)”. Por consequência dessa definição, entendemos texto como o campo da página escrita – por exemplo – cujos fios (as palavras) estão dispostos em uma ordem coerente, e que independe da sua extensão. Vejamos como isso funciona na prática. Talvez você more em um apartamento, que fica dentro de um condomínio. Todos os dias, ao se aproximar do portão, você vê a placa onde está escrito “não buzine”. Trata-se de um texto? Sim. Por se tratar de um lugar onde residem várias pessoas e que exige certas normas de www.esab.edu.br 13 conduta social, entendemos que a placa solicita bom senso a quem se aproxima, para que produza o menor ruído possível. A unidade de sentido, portanto, está concretizada. Mas e se em vez da frase escrita estivesse apenas a figura de uma buzina com a tarja de proibido sobreposta, seria um texto? Sim, pois o signo na placa, tal como as letras, indica-nos algo cujo sentido é compreensível. Por outro lado, digamos que você esteja caminhando pelo centro da cidade e vê a mesma palavra, buzina, pichada num muro, ou mesmo o desenho de uma buzina. Trata-se de um texto? Pergunte-se: a relação de sentido se mantém? Como não estamos mais no ambiente condomínio, que evoca os cuidados a que nos referimos antes (residência, família, silêncio), e trata- se apenas de um muro, o sentido não se efetiva. Não podemos captar a intenção comunicacional do autor da pichação nem por ela mesma nem pelo contexto que a cerca. Talvez na cabeça do autor aquilo faça muito sentido, mas seria apenas especulação de nossa parte. Não há interação comunicativa específica, que é o segundo movimento a que Medeiros (2008) faz referência. Podemos, a partir desses breves exemplos, concluir que o significado não é autônomo. Para que ele se efetive, é preciso considerar o contexto onde ele se insere. Assim, podemos apreender que o significado das partes que compõem um texto está atrelado às correlações que elas mantêm entre si e, além disso, que o contexto concerne a uma unidade linguística maior, em que se encaixa uma unidade linguística menor, o texto. Outro caso bastante analisado para estudar os conceitos de texto e contexto refere-se a uma crônica de Ricardo Ramos, intitulada “Circuito fechado”, constante no livro de mesmo título, publicado pela primeira vez em 1972. Vejamos: www.esab.edu.br 14 Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda, copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios,cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo. Xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro. E agora? É apenas uma lista de palavras ou há conexão entre elas? Como você deve ter notado, a sequência de substantivos mostra a rotina de um homem ao longo de um dia, desde o momento em que sai da cama, vai ao banheiro, toma café, começa o seu trabalho, paga contas, vai ao banheiro, lê o jornal, descansa, volta ao trabalho, dirige, olha quadros, janta, volta, assiste à tevê, toma banho e se deita. Temos então um texto cujo contexto desvendamos por interpretação. De certo modo, é parecido com um poema bastante famoso de Augusto de Campos, poeta brasileiro do movimento concretista, em que a palavra lixo, grande, está escrita com a palavra luxo, repetidamente, e em formato menor. www.esab.edu.br 15 Figura 2 – Luxo, poema de Augusto de Campos, 1966. Fonte: <www.cibercultura.org.br>. Também via interpretação, trata-se de um texto que questiona valores, que demanda outro texto – ou seja, quer que estabeleçamos uma relação entre um e outro vocábulo. É um texto que expõe a relação entre ambos os termos e comunica algo como “quanto mais luxo, mais lixo”, e faz com que pensemos criticamente, por exemplo, na sociedade em que vivemos. Assim, escreve-se um texto para participar de um contexto maior, ao qual se faz referência. Texto é uma unidade concreta que percebemos pela visão, pela audição e até mesmo pelo tato (considere o sistema de Libras), e implica uma situação de comunicação de uma mensagem cuja extensão é variável, podendo formar-se por apenas uma palavra ou pela articulação de várias. Em termos genéricos, contexto é uma coisa grande em que cabe uma coisa pequena! Fiorin e Savioli (2006) explicam que, em um texto, o significado de uma parte não é autônomo, no sentido de que depende das outras com que se relaciona. Assim, o significado global não é simplesmente resultado da soma de suas partes, mas de certa combinação geradora de sentidos. E daí percebermos o conceito implícito de contexto. Ou seja, devemos sempre levar em conta o contexto em que está inserida a passagem do texto a ser lida, entendendo-o como uma unidade linguística maior em que se encaixa uma unidade menor. www.esab.edu.br 16 Saiba mais Expusemos aqui de modo bastante sintético os conceitos de texto e contexto e suas implicações. Para saber um pouco mais, clique aqui e assista ao programa Palavra Puxa Palavra, produzido pela Educopédia MultiRio, que tematiza os conceitos de texto, contexto e intertexto. www.esab.edu.br 17 3 A nova ortografia da Língua Portuguesa Objetivo Observar as principais alterações propostas pelo Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 3.1 Reforma ortográfica Em 2008, foi proposta uma reforma ortográfica com o objetivo de uniformizar a grafia nos países que têm o português como língua oficial: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. O benefício da reforma é facilitar a aproximação desses países e fortalecer o idioma, mas fica a critério de cada país como e quando a colocará em vigor. No Brasil, termina em 2012 o período de transição para que as novas regras passem a ser oficiais. Até lá, temos de aprender a usá-las. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, com 381.000 verbetes, é o vocabulário oficial da nossa língua e sua versão mais recente, de 2009, atualizada com a nova ortografia, é a base para dicionários e livros em geral. Já são vários os manuais impressos e online para saber a grafia correta dos termos, mas ainda há muitas dúvidas e discussões. Saiba mais Para conhecer o decreto da Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa, clique aqui. www.esab.edu.br 18 Acompanhe a seguir um resumo das principais mudanças, a partir de Silva (2009). 3.1.1 Uso do hífen Usa-se o hífen: • em palavras compostas que ganham um significado diferente, mas com sentido de composição (exemplo: tio-avô); • em espécies botânicas e zoológicas (exemplo: bem-te-vi); • palavras com uso já consagrado (exemplo: cor-de-rosa); • em encadeamentos de vocábulos (exemplo: Rio-Niterói); • em nomes próprios iniciados por grã, grão, verbo ou com termos ligados por artigos (exemplo: Grã-Bretanha); • em ênclise e mesóclise (exemplo: deixá-lo); • com o segundo termo iniciado por h (exceto sub) (exemplo: anti- higiênico); • com os prefixos além, aquém, recém, sem, ex, vice, pós, pré e pró (exemplo: pré-natal); • com o primeiro termo terminado em vogal e o segundo iniciado pela mesma vogal (exceto co) (exemplo: contra-ataque); • em derivados de Tupi-Guarani (exemplo Mogi-Mirim); • com os prefixos circum e pan com o próximo termo iniciado por vogal, m ou n. (exemplo: pan-americano); • com o prefixo mal com o próximo termo iniciado por vogal ou h (exemplo: mal-humor); • em termos repetidos (exemplo: blá-blá-blá); • com o prefixo bem com o próximo termo iniciado por vogal ou consoante (exemplo: bem-estar); Observação O hífen sumiu no caso de aglutinações do prefixo bem com o próximo elemento, mas apenas em duas famílias de palavras. A palavra bem-feito vira benfeito por força de ajustá-la a benfeitor, benfeitoria; o verbo bem- querer vira benquerer por analogia a benquisto, benquerença. O detalhe www.esab.edu.br 19 é que, ao mesmo tempo, a forma consagrada bem-querer permanece ativa. Não há menção no Novo Acordo a quaisquer outros casos. Não se usa o hífen: • em palavras que perdem a noção de composição ganhando novo significado (exemplo: paraquedas); • em locuções substantivas, adjetivas, pronominais ou adverbiais sem o uso do hífen consagrado (exemplo: fim de semana); • com os prefixos co, re, pro, pre (exemplo: cooperação); • com não e quase (as palavras não se unem) (exemplo: não fumante); • com prefixo terminado em consoante e o próximo termo iniciado por consoante diferente ou vogal (exemplo: subsíndico); • com prefixo terminado em vogal e o próximo termo iniciado por vogal diferente ou consoante diferente de r ou s (exemplo: autoestrada); • com prefixo terminado em vogal e o próximo termo iniciado por r ou s (r e s duplicam) (exemplo: ultrassom); • com o prefixo sub com o próximo termo iniciado por letra diferente de r (exemplo: subitem); • com o prefixo mal com o próximo termo iniciado por consoante, em alguns casos (exemplo: malcriado); • nas expressões latinas não aportuguesadas (exemplo: carpe diem). Saiba maisAcesse o site UOL Notícias e assista a um bate- papo com o professor Pasquale Cipro Neto a respeito da reforma ortográfica clicando aqui. www.esab.edu.br 20 3.1.2 Outras mudanças importantes O Novo Acordo Ortográfico, conforme Silva (2009), trouxe mais algumas importantes mudanças. Vejamos: • mudança no alfabeto: as letras k, w e y foram incluídas oficialmente; • abolição do trema. O único caso de uso permitido é nas palavras estrangeiras e suas derivadas (exemplo: Müller, mülleriano); • não se usa mais o acento diferencial (exceto em pôr e nos verbos têm, vêm e derivados na terceira pessoa do plural. Em fôrma é facultativo); • não se usa acento em éi e ói em paroxítonas (exemplo: ideia, paranoia); • não se usa acento em i e u tônicos após ditongo em paroxítonas (exemplo: feiura); • não se usa acento nos hiatos êem e ôo(s) (exemplo: voo); • não se usa acento no u tônico do presente do indicativo dos verbos arguir e redarguir (exemplo: eles arguem); • uso facultativo do acento nos verbos aguar, apaniguar, apaziguar, apropinquar, averiguar, desaguar, enxaguar, obliquar e delinquir, de acordo com a pronúncia (exemplo: enxágua ou enxagua). Espera-se que este breve resumo tenha auxiliado você. Quando surgir uma dúvida, retorne e consulte. Se não for o bastante, consulte o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), no site da Academia Brasileira de Letras. Fórum Dirija-se ao Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e participe do nosso primeiro fórum. Esta atividade permite a interação entre você, seu tutor e colegas de curso, contribuindo significativamente para a construção do seu conhecimento. www.esab.edu.br 21 4 O falado e o escrito Objetivo Discutir a linguagem sob o viés de diferentes lugares de enunciação, analisando as mudanças que devem ser levadas em consideração. Utilizamos várias maneiras para nos comunicar, certo? Temos um modo para tratar com nossa família, outra com o pessoal do trabalho, outra em situações mais formais. E você também já deve ter reparado que em diferentes regiões do Brasil existem modificações na maneira de falar e também no vocabulário utilizado. Essas variações são chamadas de variedades linguísticas e fazem parte da diversidade cultural do nosso país. Podem ser variedades geográficas, de gênero, socioeconômicas, entre outras. As variedades geográficas são os regionalismos, que correspondem ao modo de falar do paulista, do baiano, do mineiro, do catarinense etc. Mas qual será a razão de nos jornais da tevê a linguagem utilizada não se parecer com a de nenhuma região? Se você pensou “porque é uma linguagem padrão”, é isso mesmo. A língua padrão é uma tentativa de unificar as características da língua portuguesa. Mas, diante disso, podemos afirmar que exista uma língua “mais correta”? A língua não é uma coisa inerte; pelo contrário, trata-se de algo vivo e dinâmico, usado pelos falantes de uma comunidade para a expressão de necessidades, sentimentos e ideias. Justamente por isso, trata-se de um código sujeito a constantes transformações e adaptações conforme as necessidades comunicativas dos falantes (FARACO; TEZZA, 2008). Mas atenção! Você recorda da letra de “Inútil”, música do Ultraje a Rigor, banda brasileira dos anos 1980? Acompanhe: www.esab.edu.br 22 A gente não sabemos Escolher presidente A gente não sabemos Tomar conta da gente A gente não sabemos Nem escovar os dente Tem gringo pensando Que nóis é indigente... Inútil A gente somos inútil Inútil A gente somos inútil O refrão “A gente somos inútil” da música do compositor brasileiro Roger Moreira está correto apenas na música, pois a linguagem poética (estudaremos este assunto em detalhe na unidade 6) admite determinadas transgressões à norma gramatical. Na letra em questão, houve clara intenção em transgredir essa norma para atingir o efeito desejado. O autor, no caso, tem liberdade de usar a língua do jeito que acha mais adequado para transmitir o sentido que deseja, independentemente do emprego da norma culta. Assim, percebe-se em vários casos, músicas, poesias e mesmo obras de ficção que se valem dessa liberdade para alcançar o efeito desejado na leitura ou na musicalidade da obra. Já conforme a norma culta – que define o que é ou não correto gramaticalmente –, a concordância do verbo e do predicativo em relação a seu sujeito, nesse verso, não está correta. No caso, deveríamos escrever “nós somos inúteis”. Trata-se de um uso muito semelhante ao funcionamento da gíria. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a gíria não constitui um “estrago” da linguagem. Quem, um dia, não usou alguma expressão como “cara”, “beleza”, “parada”, “ninja”, “balada”? www.esab.edu.br 23 O mal da gíria está em adotá-la como forma permanente de comunicação, desencadeando um processo não só de esquecimento, mas de desprezo ao vocabulário oficial. Mas se for usada no momento adequado, a gíria é um elemento de linguagem que denota expressividade, espontaneidade e criatividade, desde que, naturalmente, adequada à mensagem, ao meio e ao receptor (estudaremos esses conceitos mais adiante). Observe, porém, que estamos falando em gíria, e não das expressões conhecidas sob a categoria “baixo calão”. Uma palavra de baixo calão, popularmente conhecida como “palavrão”, é um vocábulo que pertence à categoria “gíria”, mas que, dentro dessa, apresenta-se chulo, impróprio, rude, obsceno, agressivo ou imoral sob determinados ângulos culturais. O problema da gíria é que ela só é admitida na língua falada ou em meios alternativos. Você pode utilizá-la numa conversa eletrônica com pessoas que você conhece, mas deve saber que em um trabalho acadêmico ou em situações mais formais, ela não convém – exceção para casos especiais de documentação de um fato em que descrever a linguagem seja parte essencial para a identificação de um personagem, por exemplo. Em termos gerais, você deve ter a consciência de que na fala você pode usar de certa descontração, no sentido de não aplicar as devidas concordâncias entre os termos, ou de usar gírias, mas somente quando você já pode se manifestar à vontade. Para situações formais, como a apresentação de um seminário, uma entrevista de trabalho, enfim, é preciso que você saiba regular a linguagem – pois o que está em questão nessas ocasiões é justamente manter-se “na linha”, mostrando sua capacidade de expressar ideias de forma clara e polida. Em suma, estudamos a língua para ampliar as relações de sentido. Se você tem um vocabulário curto, esse vocabulário não necessariamente determina suas associações mentais, mas com certeza limitará a expressão das suas ideias. Como vimos na unidade 1, é preciso tratar o domínio do idioma como uma técnica que aprendemos pela prática contínua. www.esab.edu.br 24 Para sua reflexão Vimos que “fala” e “escrita” são diferentes modalidades que apontam para usos distintos da língua. Agora que você já passou pela leitura da unidade, reflita: como se deve conduzir a linguagem para uma apresentação, uma situação formal em que você está sendo analisado por outras pessoas? As respostas a essas reflexões formam parte de sua aprendizagem e são individuais, não precisando ser comunicadas ou enviadas aos tutores. www.esab.edu.br 25 5 Polissemia, metalinguagem, intertextualidade e recombinação Objetivo Vislumbrar a pluralidade de significados das palavras, sua metalinguagem, bem como os conceitos da relação intertextual e da recombinação como procedimentos básicos para a escrita. Prezado acadêmico, agora que já vimos a importância do emprego correto da língua, inclusive percebendo as nuances entre o texto falado e o texto escrito, trataremos a seguir de alguns conceitos bastante frequentes no universo do estudo da Língua Portuguesa no ambienteacadêmico. São conceitos independentes, mas que guardam, como você verá, intensa relação entre si. Será uma exposição bastante breve, porém suficiente para você operacionalizar os termos. 5.1 Polissemia Para começar, observe a raiz grega do termo polissemia: poli, muitos; sema, significado. Refere-se à pluralidade lexical das palavras. Ou seja, além do significado imediato que temos a respeito de uma palavra, ela pode assumir diferentes sentidos conforme o contexto (PERINI, 2009). O texto de humor, por exemplo, vale-se muito da polissemia das palavras. Trata-se de um texto de ampla circulação, principalmente em programas de televisão, charges e histórias em quadrinhos. A publicidade, inclusive, utiliza muito da polissemia, partindo de uma escolha bastante específica dos termos a serem empregados para que causem a devida reação no leitor/ouvinte. Como contraste, um texto de caráter científico partirá do contrário: ele evita a ambiguidade de um termo para justamente anular a possibilidade de um sentido distinto daquele que se deseja; deste “defeito” é que o texto humorístico se vale. O humor diz uma coisa, permitindo que www.esab.edu.br 26 outra – ou mais – seja compreendida. É uma espécie de “negociação” do sentido que o texto estabelece (FARACO; TEZZA, 2008). Veja a figura 3 e comprove a tese. Figura 3 – Capa da revista Cascas, exemplo de polissemia no texto humorístico. Fonte: <www.hortifruti.com.br>. 5.2 Metalinguagem Esse conceito trata da propriedade que a língua tem de voltar-se para si mesma. O termo vem do grego, metá, e significa “depois, além de”. Então, podemos entender a metalinguagem como aquilo que está além da mera comunicação, quando problematizamos a linguagem utilizando dela própria para fazer isso. É a forma de expressão dos dicionários e das gramáticas, ou seja, de linguagens dedicadas ao estudo da linguagem (PERINI, 2009). Hoje em dia, no entanto, a compreensão do termo é mais ampla, e o mesmo pode ser detectado em vários campos quando se realiza um movimento espiralado de pensamento. Vamos a um exemplo? Tomemos por base a introdução do romance “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, que assim escreve: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias www.esab.edu.br 27 pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte”. Ou seja: o escritor discorre sobre o modo como escreveu o próprio livro. Atualmente, a metalinguagem faz parte de muitas das ficções com que tomamos contato. São frequentes os filmes que se desdobram sobre o próprio processo de representação (do filme que narra a confecção de um filme ou dos documentários a respeito de filmes ou seriados). Para você vislumbrar a ideia, considere que o programa Vídeo Show, da Rede Globo, desdobra uma metalinguagem sobre os programas realizados pela própria emissora. Por outro viés, a função primeira da linguagem é comunicar uma mensagem a um receptor, de forma a alcançar um determinado objetivo. Mas quando utilizamos a linguagem para esclarecer algo já exposto, aí estamos no campo da metalinguagem. 5.3 Intertextualidade Temos aqui, talvez, o mais rico dos conceitos. Suas formas habituais são a paródia e o pastiche (retornaremos a este conceito quando estudarmos a paráfrase, mais adiante). Trata do diálogo entre os vários textos de uma língua (MEDEIROS, 2008). Considere que um bom texto é bom à medida que se mostra capaz de estabelecer relações com o universo de ideias em que ele se situa. Quem não consegue estabelecer relações dificilmente desenvolve o senso crítico, a capacidade de análise; permanece sempre no sentido literal, não capta as entrelinhas, os pressupostos, ou seja, aquilo que está além, e que necessita do nosso conhecimento extra e de nossa interpretação. Daí se conclui a importância da variedade e constância da leitura. À medida que você constrói um repertório amplo de referências, amplia também o raio de associações que consegue estabelecer. Você se torna um construtor hábil de sentidos. Como exemplos rápidos, imagine que o álbum “Admirável chip novo”, da cantora Pitty, faz referência ao clássico romance de Aldous Huxley, www.esab.edu.br 28 “Admirável mundo novo”; ou que a reportagem “Yes, nós temos urânio!”, da Revista Superinteressante, referencia a famosa frase “Yes, nós temos banana!”, da cantora Carmen Miranda. A leitura já começa por aí. A literatura inteira é construída de livros que dialogam uns com os outros. O cinema se alimenta do próprio cinema, e faz referência (ou não!). Uma forma bem didática de visualizar isso é assistir ao filme de Bernardo Bertolucci, “Os sonhadores” (The Dreamers, 2003), em que o diretor retoma uma série de imagens da Nouvelle Vague, mais especificamente de um filme de Jean-Luc Godard, chamado “Bande à part”, um dos principais trabalhos da escola francesa, realizado em 1964. Em “Os sonhadores”, Bertolucci narra a história de Matthew, um garoto americano que, em 1968, vai a Paris estudar. Lá, conhece dois irmãos, Isabelle e Theo, e os três se tornam grandes amigos. São aficionados por cinema, e relacionam tudo às cenas dos filmes a que assistem. A cena mais emblemática é quando Isabelle lança a Matthew um desafio, o de acompanhá-la junto com Theo num passeio pelo Museu do Louvre, tal como na cena do filme “Bande à part”, em que os três personagens, Arthur, Odile e Franz, resolvem quebrar o recorde de um americano que conseguiu visitar o Louvre em 9 minutos e 45 segundos – e que acabam conseguindo, com 2 segundos a menos. A cena seguinte de “Os sonhadores”, portanto, é Matthew, Isabelle e Theo realizando o mesmo passeio de Arthur, Odile e Franz, antes realizado pelo americano, quebrando o recorde original em 17 segundos. E só para você saber mais um pouco sobre “Bande à part”, a cena original, de 1964, era, desde aquela época, a maneira de o diretor criticar e ridicularizar as hordas apressadas de turistas que circulavam pelo museu, preocupando-se apenas em ver os quadros mais conhecidos. Nesse caso, temos, então, uma pluralidade de conceitos. Há a relação intertextual entre os filmes e há também a metalinguagem de um filme que faz referência a outro. Durante a cena, aliás, Bertolucci intercala a filmagem feita por Godard com a sua, originando uma espiral de cinema sobre cinema, de linguagem sobre linguagem, de citações. www.esab.edu.br 29 5.4 Recombinação Por último, temos o conceito de recombinação. Habitualmente, não se trata de um conceito estudado em Língua Portuguesa. Trata-se de um viés mais vanguardista, e refere-se à ideia de que a produção criativa e intelectual nunca é original, está sempre pautando-se pelo já feito, dando novos sentidos àquilo cuja leitura estava estática. Por exemplo, considere que um determinado texto clássico já esteja carregado por uma determinada interpretação. A recombinação é uma forma de revitalizar o sentido, estabelecendo conexões que antes não existiam. Podemos dizer, portanto, que para conseguir decodificar uma série de mensagens, uma vez que a língua é um sistema de códigos, precisamos recombinar os termos, associá-los a outros. Ou seja, temos de construir o sentido! A recombinação é mais facilmente visualizada nas artes, e o maior expoente da recombinação talvez seja Marcel Duchamp, que criou a nomenclatura ready-made. Traduzindo o termo, ready-made significa “feito pronto” – ou seja, os trabalhos não eram mais uma reprodução do real por meio da técnica (como pintar uma paisagem “tal qual”, por exemplo), mas o próprio real. Para ele, o que interessava era o ruído que o objeto artístico gerava no campo das ideias. Nesse caminho, podemos ler por exemplo o seu trabalho intitulado “A fonte”, de 1917, que consiste em um urinol, assinado com o pseudônimo R. Mutt.www.esab.edu.br 30 Figura 4 – A fonte, de Marcel Duchamp (1917). Fonte: <commons.wikimedia.org>. Em outras palavras, não interessava mais o objeto – ele poderia ser qualquer coisa –, mas sim os sentidos que ele passava a produzir na rede discursiva do campo artístico. Mas como eram constituídos esses trabalhos? Pela recombinação de elementos. Os objetos eram retirados de sua condição de uso, e reposicionados como objetos de contemplação, de discurso, de pensamento. Mas de que isso nos serve no estudo dos textos? Isso significa que os sentidos não estão simplesmente dados. Todo sentido é um processo de elaboração, de negociação (FARACO; TEZZA, 2008). Quando lemos, estamos nos colocando no texto. São os nossos conhecimentos e nossa capacidade de interpretação que estão em jogo. Por isso, quanto mais amplas forem as suas referências, maior será a sua compreensão do mundo e de seus discursos. Ter noção desses conceitos ajudará você a aperfeiçoar os seus procedimentos de escrita e refinar o seu senso crítico. Mãos à obra! www.esab.edu.br 31 Saiba mais Para ampliar o seu conhecimento a respeito do termo recombinação, leia o texto “Plágio utópico, hipertextualidade e produção cultural eletrônica” do grupo Critical Art Ensemble. O texto pode ser acessado clicando aqui. www.esab.edu.br 32 6 O esquema da comunicação e as funções da linguagem Objetivo Apresentar os fatores básicos que envolvem a comunicação, estudando as seis funções da linguagem. Após abordar a pluralidade de significados das palavras, sua metalinguagem, entendendo os conceitos da relação intertextual e da recombinação como procedimentos básicos para a escrita, vamos nos deter no processo de comunicação. Emissor, receptor, interlocutor – são termos usados com frequência no estudo da Língua Portuguesa, mas que fazem parte da teoria da comunicação, que estuda as origens, os efeitos e o funcionamento do nosso processo de interação via linguagens. Vamos explicitar alguns desses termos para que você saiba do que se trata. 6.1 Esquema da comunicação De saída, saiba que todo ato comunicativo (a fala, a escrita, um gesto) tem por premissa a transmissão de uma mensagem, constituída por um número fechado de elementos, como você pode visualizar na figura 5. Contexto Canal Código Emissor ReceptorMensagem Figura 5 – Esquema da comunicação. Fonte: Elaborada pelo autor (2012). www.esab.edu.br 33 Detalhando os elementos, o emissor é quem emite a mensagem. É a fonte da comunicação. Pode ser tanto uma pessoa como um grupo (uma organização, por exemplo). Receptor, ou destinatário, é quem recebe a mensagem transmitida pelo emissor. Pode também ser um indivíduo ou grupo (ou mesmo uma máquina ou um animal). A comunicação só acontece se a mensagem gerar alguma reação no receptor. Continuando, a mensagem é a informação transmitida e/ou recebida. Trata-se do objeto da comunicação, constituído pelo conteúdo. Canal, por sua vez, é a via de circulação das mensagens, seu meio físico, permitindo o contato entre os envolvidos no processo. Conforme o canal, as mensagens podem ser caracterizadas como visuais (imagem, símbolo), sonoras (palavras, músicas, sons de modo geral), táteis (pressões, choques), olfativas (odores em geral), gustativas (um tempero, por exemplo). Um choque elétrico, um sinal com as mãos, um perfume só constituem mensagens se veicularem, por vontade do emissor, uma ou várias informações dirigidas ao receptor. Código é o conjunto de sinais ou signos com os quais, seguindo certas regras, as mensagens são transmitidas. O emissor faz uso do código (codificação); o receptor identifica o sistema e, caso tenha condições, decodifica a mensagem. Por fim, a imagem sinaliza o contexto, constituído pelo ambiente que envolve a situação comunicacional, as circunstâncias de espaço e tempo. 6.2 Funções de linguagem Nas primeiras décadas do século XX, a linguagem passou a ser estudada cientificamente. Roman Jakobson, linguista russo, observou neste processo seis funções essenciais, amplamente utilizadas, as quais correspondem a cada um dos fatores da comunicação que vimos há pouco. www.esab.edu.br 34 Saiba que a primeira é a função emotiva (ou referencial) presente nos textos que privilegiam o emissor da mensagem. Prevalece a primeira pessoa do discurso – eu –, interjeições e exclamações. É a linguagem das biografias, memórias, monólogos, poesias líricas e cartas íntimas. Exprime, portanto, a atitude do emissor em relação ao conteúdo de sua mensagem e situação, sua subjetividade, normalmente moldada por sentimentos e emoções. Observe: Decidi contar o que aconteceu comigo quando resolvi virar punk. Nem sabia direito o que era punk e acho que ainda nem sei e por isso nem sei bem o que vou contar. Talvez seja porque nem sei direito o que me aconteceu. Mas vou contar, sinto que preciso contar, acho que me daria prazer. E vou contar. Também não sei muito bem por que resolvi escrever sobre tudo isso. Se me tivessem perguntado antes acho que teria respondido que gostaria de fazer um filme ou vídeo. Mas de repente a única coisa que pintou mesmo foi um maço de papel que peguei do escritório e é isso que vou usar. (COELHO, 1984, p. 7) A segunda função da linguagem é a conativa (ou apelativa). Está orientada para o receptor (ou destinatário), e caracteriza, por exemplo, os textos publicitários, que usam frequentemente verbos no modo imperativo (“Faz um 21!”, “Experimenta!”). A linguagem publicitária, por enfatizar sempre o receptor, emprega expressões próximas ou similares às do público-alvo, justificando o coloquialismo habitualmente adotado nesse tipo de discurso. A terceira função é a referencial (ou denotativa). Centrada no contexto, é aquela que privilegia a informação, fazendo-se presente nos textos científicos ou notícias. Em outros termos, é quando o emissor procura oferecer informações da realidade, prevalecendo a terceira pessoa do singular. Exemplo: “Marco Carola sai em nova tour e fará três apresentações no Brasil”, ou “o som é a propagação de uma frente de compressão mecânica ou onda mecânica; essa onda propaga-se de forma circuncêntrica, apenas em meios materiais – que têm massa e elasticidade, como os sólidos, líquidos ou gasosos”. A quarta função da linguagem proposta por Jakobson é a função fática. Está centrada no canal de comunicação. Nela interessa manter a situação comunicacional, e não o conteúdo a ser transmitido. É a linguagem das www.esab.edu.br 35 falas telefônicas, saudações e similares (“alô”, “você está me ouvindo?”, “um momento, por favor”, “vou desligar”). Há uma canção de Paulinho da Viola, “Sinal fechado”, gravada por Chico Buarque, que emprega a função fática: – Olá! Como vai? – Eu vou indo. E você, tudo bem? – Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro… E você? – Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe? – Quanto tempo! – Pois é, quanto tempo! – Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios! – Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem! – Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí! – Pra semana, prometo, talvez nos vejamos… Quem sabe? – Quanto tempo! – Pois é… Quanto tempo! Continuando, temos a função metalinguística, que, como já foi dito, é a função de usar a língua para explicar a si mesma, por exemplo. Vendo por outro viés, é também tudo o que, na mensagem, serve para dar explicações ou explicitar o código utilizado pelo emissor. Pode, assim, referir-se tanto a um verbete de dicionário ou enciclopédia quanto a um diálogo: – Levei bomba! – Como assim, “levei bomba”? – Fui mal na prova. No caso, há a necessidade de esclarecimento por parte do emissor daquilo que ele quer dizer. Por último, a função poética, centrada na própria mensagem, coloca em evidênciao próprio signo. Está presente nos textos em que se organiza de maneira especial a mensagem, com recursos de estilo. É comum na www.esab.edu.br 36 linguagem poética o jogo linguístico, a escolha de tons, a musicalidade. Acompanhe o poema a seguir, de W. B. Yeats, e atente para o modo como cada palavra é cuidadosamente escolhida: se eu me vestisse como os anjos do sol e azuis da noite os tons das estrelas do céu os arranjos eu colocaria o mundo a seus pés mas sou pobre e tendo só meus sonhos quero colocá-los a seus pés pise com cuidado, são meus sonhos (YEATS, 1995, p. 25) Observe a ausência de pontuação, o uso proposital das minúsculas, o cavalgamento dos versos, um mesmo fonema que se repete. Em qualquer outra situação de linguagem, soaria bastante estranho, não? Para encerrar, saiba que as seis funções da linguagem não se excluem; pelo contrário, é raro encontrar numa mensagem apenas uma dessas seis funções. Elas se sobrepõem umas às outras. Mas podemos, sim, dizer que uma dada mensagem tem uma função dominante. Assim, terminamos essa breve noção do estudo das funções da linguagem e do esquema comunicacional. www.esab.edu.br 37 Resumo Já fizemos um bom trabalho até aqui. Como você pôde perceber, escrever bem é algo que se pode alcançar com dedicação, disciplina e muito senso crítico. É um processo longo, mas quanto antes você começar, mais rápido será o retorno. Vimos também como é amplo o conceito de texto e suas implicações com o contexto. Tivemos uma breve noção das alterações fundamentais do Novo Acordo Ortográfico, ponderamos as diferenças entre a língua falada e a escrita, mostrando que você precisa saber utilizar diferentes linguagens conforme a situação (mais ou menos formal). Estudamos, ainda, conceitos importantes da produção textual (polissemia, metalinguagem, intertextualidade e recombinação) e, por fim, vimos os fatores básicos da comunicação, relacionados às seis funções básicas da linguagem propostas pelo linguista Roman Jakobson. Vamos em frente! www.esab.edu.br 38 7 O que define um bom texto Objetivo Estabelecer aspectos que permeiam a construção de texto com qualidade. Vamos começar com uma digressão. Na unidade 1, tratamos de como escrever pode se converter em uma técnica. Quando nos referimos à técnica, no entanto, entendemos por isso o resultado de, a princípio, uma dedicação à leitura e ao exercício cotidiano de apresentar argumentos bem formulados – ou seja, bem elaborados textualmente e estrategicamente armados. Se você está tentando aprimorar a sua escrita e o seu pensamento, o processo pode ser, no começo, algo que mereça certo esforço e, por isso, dedicação. Com tempo, isso se tornará (se você se dispuser) um hábito, de modo que o esforço empreendido se dilui. Retomamos esse assunto porque há um certo olhar pejorativo sobre a denominação da escrita como técnica, pois, de saída, o termo remete apenas a dominar um sistema de sinais. E saber ler e escrever não é só isso. Trata-se de “[...] agir sobre o mundo e defender-se dele, sempre em situações específicas e concretas, intencionalmente construídas e com objetivos claros” (FARACO; TEZZA, 2005, p. 128). Essa conotação negativa de técnica a que nos referimos está atrelada à modalidade de texto que você provavelmente desenvolveu na escola, denominado “redação escolar”, e que acabou se transformando em uma reunião de macetes a serem executados para se atingir uma boa nota. O primeiro desafio para quem pretende dominar a língua padrão escrita consiste em sair do universo viciado da redação escolar, universo sem referências concretas, “[...] em que um eu abstrato repete opiniões fragmentadas, edificantes e moralizantes sobre um Homem e um Mundo igualmente abstratos, para um universo concreto no qual a linguagem escrita age sobre o mundo” (FARACO; TEZZA, 2005, p. 128). www.esab.edu.br 39 Essa ação da linguagem sobre o mundo – porque, afinal de contas, é para isso que se escreve, destacam os autores (2005) – está presente tanto no bilhete mais simples de alguém semialfabetizado quanto no mais sofisticado texto científico. Mas, dando uma volta de parafuso a mais, o que seria o mundo, afinal, além de linguagem, quando mesmo para expressar o que sentimos (não só que pensamos) é preciso falar ou escrever? Dizemos comumente que um gesto substitui mil palavras. Mas tenha em vista que o gesto só funciona se, na linguagem, ele remeter a um sentido que encontra um referente na experiência alheia, produzindo-se assim o entendimento da mensagem. Ou seja: assim como as palavras, os gestos indicam para determinadas imagens mentais, sejam elas visuais ou acústicas (trata-se da composição do signo linguístico, para Saussure). Fim de digressão. Mas qual o bom texto, afinal? O bom texto é aquele que responde à proposta, considerando a solicitação e a intenção. É o resultado de habilidades construídas ao longo do tempo, por várias experiências, tais como aperfeiçoar o vocabulário, usar conscientemente a gramática de modo amplo, ter vasto referencial linguístico e extratextual. Como isso é bastante subjetivo, e pode implicar uma longa discussão, vamos identificar alguns elementos a seguir que na verdade atrapalham o bom desenvolvimento da escrita. 7.1 Pedantismo Comunicar bem por escrito, muitas vezes, pode ser confundido com certo apego à linguagem prolixa, à vigilância gramatical extrema ou ao emprego de um vocabulário requintado. E não é bem assim. Por alguma finalidade prática (a seleção do vestibular, por exemplo), a produção textual nas escolas passou a ser estudada por fórmulas (ou receitas) e macetes. Isso dava a ilusão de que o bom texto poderia ser www.esab.edu.br 40 metrificado justamente pelos fatores que listamos no parágrafo anterior. Conhecer um vocabulário amplo e saber gramática são fatores que auxiliam, sem dúvida, mas não substituem o que é de fato essencial: organizar bem as ideias, de forma clara e coerente, e defender bons argumentos. 7.2 Juridiquês Trata-se de um neologismo relativamente recente, bastante em voga, que indica o uso desnecessário e excessivo do jargão jurídico e de termos técnicos de Direito. Embora estejamos focalizando o Direito, vale dizer que qualquer área do conhecimento possui uma linguagem técnica, um vocabulário que lhe é peculiar. A questão é que, se utilizada com exagero, essa linguagem prejudica o alcance da leitura do texto, limitando-se apenas a profissionais da área. O “juridiquês”, entretanto, vai mais além. O termo surgiu em função do excesso de formalismo na área jurídica, caracterizada até hoje pelos pronomes de tratamento. Para aproveitar pedagogicamente este fenômeno, mantenha o olho bem aberto (e o senso crítico aguçado) para as frases muito longas, que podem perder o referente; para o floreio excessivo da língua com vocabulário complicado; para as metáforas jocosas, que podem conotar sentidos que você, a princípio, não se deu conta. 7.3 Lugar comum Conhecido também como clichê, trata do uso de frases feitas da sabedoria popular e universal no texto. Expressões que você já deve ter ouvido, como “Devagar se vai ao longe”, “A pressa é inimiga da perfeição”, “A esperança é a última que morre”, ou frases como “O que estraga o Brasil são os políticos”, “Hoje em dia, as mulheres estão entrando no mercado de trabalho”, “Segundo pesquisadores americanos”, “Os jovens de hoje em dia”, todas estão esgotadas, referem-se apenas a generalidades e atuam como formas de não pensar. Além disso, normalmente estão carregadas de cunho ideológico. Cuidado! www.esab.edu.br 41 8 Os diferentes tipos de texto Objetivo Apresentar noções básicas que permitam reconhecer os diferentes tipos de texto no contexto acadêmico. Delimitar a tipologia textual é matéria polêmica, pois isso implicaum certo olhar, um viés, que pode variar conforme o autor consultado. Correremos o risco e, para uma amostragem simples, explicitaremos aqui aqueles que você encontra no contexto acadêmico. Será uma demonstração rápida, a fim de ressaltar as diferenças fundamentais. Mesmo porque, nas unidades subsequentes, teremos a oportunidade de aprofundar alguns desses casos. Basicamente, existem seis tipos de texto: narração, descrição, dissertação, exposição, informação e injunção. Outros textos, tais como relato, entrevista, diálogo são considerados gêneros textuais, e não tipos. Do mesmo modo, poesia e prosa são formas literárias, e texto épico, dramático e lírico correspondem a gêneros literários. É possível divergir dessa conceituação, mas, para fins demonstrativos, é a que utilizaremos aqui, baseados em Fiorin e Savioli (2006), Faraco e Tezza (2005) e Medeiros (2008). 8.1 Narração A narração é um tipo de texto cuja peculiaridade reside em contar um fato, ficcional ou não, que aconteceu (ou acontece) em tempo e lugar específico, envolvendo personagens que desempenham ações. Assim, “[...] o que define o componente narrativo é a mudança de situação, a transformação” (FIORIN; SAVIOLI, 2006, p. 227). Dentro do conceito de narração – é importante que você saiba – fala-se em foco narrativo, que pode ser em primeira pessoa, constituindo um www.esab.edu.br 42 narrador-personagem, e em terceira, que indica um narrador-observador. Observe o texto a seguir: Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira. Certa manhã, ao deixar o metrô por engano numa estação azul igual a dela, com um nome semelhante à estação da casa dela, telefonei da rua e disse: aí estou chegando quase. Desconfiei na mesma hora que tinha falado besteira, porque a professora me pediu para repetir a sentença. Aí estou chegando quase… havia provavelmente algum problema com a palavra quase. Só que, em vez de apontar o erro, ela me fez repeti-lo, repeti-lo, repeti-lo, depois caiu numa gargalhada que me levou a bater o fone. Ao me ver à sua porta teve novo acesso, e quanto mais prendia o riso na boca, mais se sacudia de rir com o corpo inteiro. Disse enfim ter entendido que eu chegaria pouco a pouco, primeiro o nariz, depois uma orelha, depois um joelho, e a piada nem tinha essa graça toda. Tanto é verdade que em seguida Kriska ficou meio triste e, sem saber pedir desculpas, roçou com a ponta dos dedos meus lábios trêmulos. Hoje porém posso dizer que falo o húngaro com perfeição, ou quase. Note que a narração parte da primeira pessoa do discurso. Trata-se do início do romance “Budapeste”, de Chico Buarque (2003 p. 5), em que o protagonista da história, José Costa, é quem narra os fatos, mostrando o seu ponto de vista e como neles se envolve. Observe agora este fragmento o livro “O senhor embaixador”, de Érico Veríssimo, utilizado por Fiorin e Savioli (2006, p. 225): Foi na terceira semana de abril que o Embaixador de Sacramento tomou posse de sua cadeira no Conselho da Organização dos Estados Americanos. Ao entrar no edifício da União Pan-Americana foi logo atraído por vozes estrídulas que despertaram o menino que dormia dentro dele. Afastou-se dos assessores que o acompanhavam e precipitou- se para o Pátio Tropical, onde duas araras de cores tão rútilas que pareciam recender ainda a tinta – escarlate, verde, azul, amarelo – gingavam e gritavam, assanhadas nos seus poleiros [...]. Percebeu a diferença? Agora há alguém narrando os fatos de fora da história, observando tudo, sem dela participar. www.esab.edu.br 43 8.2 Descrição A descrição, por sua vez, é um texto que utilizamos frequentemente em nosso dia a dia. Sua característica é a de caracterizar pessoas, objetos e/ou lugares, com ênfase naquilo que se quer fazer ver em detalhe. É como se fosse uma imagem verbal. Pode ser denotativa, caracterizada pela objetividade, ou conotativa, de abordagem subjetiva. Acompanhe esta descrição elaborada por Bernardo Guimarães, utilizada por Fiorin e Savioli (2006, p. 239): Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise. A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. O colo donoso e do mais puro lavor sustenta com graça inefável o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e fortemente ondulados se despenham caracolando pelos ombros em espessos e luzidios rolos, e como franjas negras escondiam quase completamente o dorso da cadeira, a que se achava recostada. Na fronte calma e lisa como mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da inspiração. Tinha a face voltada para as janelas, e o olhar vago pairava-lhe pelo espaço. Guarde as suas impressões, pois na unidade 9 estudaremos o texto descritivo detalhadamente. 8.3 Dissertação Já a dissertação “[...] é o tipo de texto que analisa, interpreta, explica e avalia os dados da realidade” (FIORIN; SAVIOLI, 2006, p. 252). Trata-se de um texto de caráter científico. Não há a preocupação de convencer o leitor sobre o ponto de vista em questão; ele é simplesmente www.esab.edu.br 44 transmitido. Observe este caso retirado de “Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift, utilizado por Fiorin e Savioli (2006, p. 251): Há três métodos pelos quais pode um homem chegar a ser primeiro-ministro. O primeiro é saber, com prudência, como servir-se de uma pessoa, de uma filha ou de uma irmã; o segundo, como trair ou solapar os predecessores; e o terceiro, como clamar, com zelo furioso, contra a corrupção na corte. Mas um príncipe discreto prefere nomear os que se valem do último desses métodos, pois os tais fanáticos sempre se revelam os mais obsequiosos e subservientes à vontade e às paixões do amo. Por outro lado, há também o texto dissertativo-argumentativo, cuja intenção é convencer o interlocutor a mudar o seu comportamento. Mas veremos esta nuance do texto dissertativo detalhadamente em uma unidade posterior. 8.4 Exposição A exposição consiste em apresentar informações a respeito de um assunto, explicando, avaliando e analisando. Pode conter instruções, descrições, definições, enumerações, comparações e contrastes. Para fazer uma Análise SWOT, é necessário fazer previamente uma análise do mercado e da empresa. O termo SWOT é uma sigla oriunda do inglês, traduzindo: Forças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats). Esta análise divide-se em 4 quadrantes: ameaças, oportunidades, pontos fracos (fraquezas) e pontos fortes (forças). As ameaças e as oportunidades estão ligadas ao mercado enquanto os pontos fracos e pontos fortes estão ligados à empresa. (COMO FAZER, 2012, p. 1) Guarde as suas impressões, pois na unidade 16 estudaremos o texto explicativo, como também é conhecido, detalhadamente. www.esab.edu.br 45 8.5 Informação Dando continuidade, a informação se limita a deixar o leitor a par de um fato, sem expor ideias ou defender argumentos. Predomina a linguagem clara e objetiva, a partir da terceira pessoa do discurso. É o caso da notícia, como mostraremos no exemplo a seguir. Depois de 11 dias de proibição, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) anunciou hoje a liberação da venda de novas linhas de celulares e internet das operadoras TIM, Claro e Oi a partir de amanhã. As vendas foram proibidas pela Anatel no dia 23 de julho, como forma de punição pela má qualidade dos serviços prestados. Como exigência para aliberação, as operadoras tiveram que apresentar planos de investimentos na qualidade da rede e no atendimento aos clientes. (CRAIDE, 2012, p. 1) Guarde as suas impressões, pois na unidade 10 estudaremos o texto informativo detalhadamente. 8.6 Injunção Por fim, saiba que a injunção corresponde ao texto que indica o modo como uma ação deve ser realizada. Em sua confecção, prevalecem os termos no imperativo, com uso eventual do infinitivo e futuro do presente do modo indicativo. Receitas, previsões do tempo, manuais, leis, questões de prova, instruções de jogos são exemplos do texto injuntivo. Observe: Instruções para uso de lentes de contato Lavar e enxugar as mãos sempre antes de manusear as lentes. Não usar as lentes se a embalagem não estiver vedada. Não se deve compartilhar lentes de contato. Colocação das lentes: 1. Para cada olho, certifique-se de que a lente não está invertida. Coloque-a sobre o dedo indicador para verificar a forma. 2. Usando o dedo indicador e o médio da outra mão, puxe a pálpebra superior para cima e a inferior para baixo. Coloque a lente no olho. Repita o procedimento para o outro olho. Fonte: <http://www.coopervision.com.br/cuidado_instrucoes.php> www.esab.edu.br 46 Nas unidades seguintes, teremos uma exposição mais longa sobre alguns dos tipos de texto que apresentamos aqui. Contudo, o que você viu até agora é o bastante para saber diferenciar e fazer uso de cada um deles. Estudo complementar Para aprofundar o que estudamos rapidamente nesta unidade, clique aqui e acesse o site Brasil Escola, do Ministério da Educação, e no campo de busca digita os termos ‘narração’, ‘descrição’ e ‘dissertação’. Confronte as informações que você encontrar com as que você leu aqui. www.esab.edu.br 47 9 Texto descritivo Objetivo Apresentar os aspectos que caracterizam o texto descritivo. Na unidade anterior, abordamos rapidamente a descrição como sendo um dos tipos de texto. Trata-se de uma modalidade bastante usual no dia a dia, pois estamos, a todo momento, em nossas conversações, dizendo como as pessoas e as coisas são, do que se constituem, qual a sua condição, com que ou com quem se parecem etc. E, assim, também quando escrevemos, quer se trate de textos formais ou informais, de modo objetivo ou subjetivo. Vamos agora ver em detalhe esse tipo de texto, partindo de um esquema baseado nos autores Fiorin e Savioli (2006). Acompanhe. 9.1 Conceito de texto descritivo Descrição é o tipo de texto em que se expõem características dos seres concretos, consideradas fora da relação de anterioridade e posterioridade. O que isso quer dizer? Veja o exemplo. Eis São Paulo às sete da noite. O trânsito caminha lento e nervoso. Nas ruas, pedestres apressados se atropelam. Nos bares, bocas cansadas conversam, mastigam e bebem em volta das mesas. Luzes de tons pálidos incidem sobre o cinza dos prédios. (FIORIN; SAVIOLI, 2007, p. 297) Significa que o texto descritivo mostra uma cena, coisas ou pessoas em um momento específico do tempo. É como a coisa é ou como a pessoa está. Daí que o texto desconsidere o antes (anterioridade) e o depois (posteridade). www.esab.edu.br 48 Figura 5 – São Paulo, 19h. Fonte: <www.sxc.hu>. 9.2 Detalhando os aspectos do texto descritivo A seguir, fazemos a exposição de alguns detalhes relativos ao texto descritivo. A descrição pauta-se pela figuratividade do texto. Fornece-se uma imagem clara, como se fosse uma figura. Você pode perceber na leitura que os adjetivos desempenham um papel fundamental para que a figuratividade se concretize. Veja este exemplo, retirado da peça teatral “O jardim das cerejeiras”, de Tchecov. Trata-se do início do segundo ato da peça, em que o autor descreve o cenário no qual toda a ação transcorrerá, incluindo os personagens que dela participam. www.esab.edu.br 49 Campo. Um velho santuário abandonado há muito tempo, tombado pra direita. Perto de um poço, enormes pedras que devem ter sido lápides tumulares. Um velho banco. Vê-se o caminho que leva à casa de Gaiév. De um lado muitos álamos, árvores escuras; é nesse ponto que começa o cerejal. À distância vê-se uma enfiada de postes telegráficos e longe, bem longe no horizonte, a silhueta esfumada de uma grande cidade que só será visível em dias bem claros. É quase pôr do sol. Carlota, Iacha e Damiacha estão sentados no banco. Epikodov está em pé, perto, tocando alguma coisa sombria numa guitarra. Todos em atitude pensativa. Carlota usa um boné velho; tira uma espingarda do ombro e aperta a fivela da correia. (TCHECOV, 1983, p. 31) Não relata propriamente mudanças de situação, mas propriedades dos aspectos simultâneos dos elementos descritos, considerados em uma única situação. Retome o exemplo que citamos na seção 9.1, a descrição da cidade São Paulo às sete da noite. Veja que todos os elementos estão dispostos de uma vez, e que não há nenhuma transformação de estado. Há movimento na cena, por certo, mas teríamos aqui de desvencilhar o conceito de movimento do de tempo. Não há tempo na descrição, pelo contrário, trata-se de uma imagem estática – “às sete da noite” – em que o movimento é um detalhe da condição presente, em sua simultaneidade. O que se descreve é um todo simultâneo, não existe relação de anterioridade e posterioridade inclusive entre os enunciados. Perceba, ainda na descrição da cidade de São Paulo às sete da noite, que podemos trocar a ordem dos enunciados sem prejuízo semântico. Veja: Luzes de tons pálidos incidem sobre o cinza dos prédios. Nos bares, bocas cansadas conversam, mastigam e bebem em volta das mesas. O trânsito caminha lento e nervoso. Nas ruas, pedestres apressados se atropelam. Eis São Paulo às sete da noite. Os tempos verbais utilizados são o presente ou o pretérito imperfeito (ou ambos), pois o primeiro expressa concomitância em relação ao www.esab.edu.br 50 momento da fala, e o segundo, em relação ao momento temporal pretérito instalado no enunciado. Observe os verbos utilizados: incidem; conversam; mastigam; caminha; atropelam. Caso a situação já tivesse acontecido, via passado imperfeito, seria: São Paulo às sete da noite. O trânsito caminhava lento e nervoso. Nas ruas, pedestres apressados se atropelavam. Nos bares, bocas cansadas conversavam, mastigavam e bebiam em volta das mesas. Luzes de tons pálidos incidiam sobre o cinza dos prédios. Essas são as condições básicas de organização do texto descritivo. Podemos, entretanto, ainda considerar que em função de a descrição não se pautar por progressão temporal – tal como na narrativa –, sua organização é espacial. Para converter uma descrição em narração, basta introduzir um enunciado que indique a passagem de um estado anterior ao posterior. São Paulo às sete da noite. O trânsito caminha lento e nervoso. Nas ruas, pedestres apressados se atropelam. Às nove, nos bares, bocas cansadas conversam, mastigam e bebem em volta das mesas. Luzes de tons pálidos incidem sobre o cinza dos prédios. Como você pôde notar, a simples inserção de “às nove” interfere no resultado: dividimos o que antes era uma cena estática em duas, e pode- se presumir que as “bocas cansadas que conversam no bar” são, de certo modo, produto do cenário caótico anterior. Há um processo de transformação e já não podemos inverter a ordem dos enunciados sem prejuízo semântico. www.esab.edu.br 51 Tarefa dissertativa Caro estudante, convidamos você a acessar o Ambiente Virtual de Aprendizagem e realizar a tarefa dissertativa. Concluímos esta unidade destacando que a descrição é, portanto, um recurso da narração. Ela, a descrição, apresenta personagens, lugares, estados, cuja mudança será tarefa da narração. Aprendemos que a descrição é o tipo de texto em que se expõem características dos seres concretos, consideradas fora da relação
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