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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO Ana Cláudia Lessa dos Santos RESENHA CRÍTICA - A CORPORAÇÃO SÃO CRISTÓVÃO/SE 2017 RESENHA The Corporation. Direção e produção: Mark Achbar. Zeitgeist Films, 2004. “A Corporação” (título original: “The Corporation”) é um documentário com aproximadamente duas horas e meia de duração que foi dirigido e produzido por Mark Achbar e estrelado em 2004. Foi baseado no livro “The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power”, de Joel Bakan. O projeto obteve grande repercusão e chegou a ganhar 26 prêmios internacionais. Atualmente, ele é comumente utilizado por universidades como base de estudos de diversas matérias relacionadas à sociologia e à economia. A obra começa definindo o que são as corporações e, em seu desenvolvimento, traz-nos uma ideia de como funciona o modus operandi das mesmas. Uma corporação é definida como um grupo de indivíduos trabalhando em conjunto com o principal objetivo de obter grandes lucros para os proprietários. Também ainda no início, é citado o ocorrido nos EUA após a criação da 14ª Emenda, que diz que “nenhum estado deve privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo da lei”. Uma corporação alegou ao tribunal que a palavra “pessoa”, na emenda, se referia tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica, tomando proveito da livre interpretação do texto jurídico para utilizar a lei a seu favor e evitar que sua obra da Ferrovia do Pacífico Sul fosse embargada. Tal acontecimento deu margem para que outras grandes empresas se utilizassem desse argumento e conseguissem burlar a própria lei em diversas situações. Tomando isso como partida, nos é apresentada a ideia de Joel Bakan de que se as corporações fossem uma pessoa, seria um indivíduo carregado de problemas psicológicos e características que o definiriam como um psicopata em potencial. A linha de pensamento de Bakan é interessante, pois o exemplo de tratar as corporações como “pessoas” com psicopatia dá uma dimensão mais palpável dos estragos que essas geram à sociedade civil. Essas grandes empresas – movidas pela busca por lucro em um mundo gerido pelo capitalismo e sustentadas pelo liberalismo – exploram o meio ambiente e a mão de obra de seus funcionários e privatizam recursos coletivos, gerando diversos malefícios à sociedade e fazendo prevalecer a desigualdade econômica entre país centrais e periféricos. A seguir, citarei os pontos que mais me chamaram a atenção, sendo que alguns eu considero de suma importância para entender a mensagem de A Corporação. Exploração do ser humano e a manutenção da desigualdade econômica Em primeiro lugar, um dos tópicos mais importantes tratados no documentário é a questão de como as corporações exploram a mão de obra barata disponível em países pobres e geram lucros exorbitantes a seus proprietários. Chegam a ser citados casos concretos de empresas grandes, a exemplo da americana Nike, que lucra com a venda, em países ricos, de produtos manufaturados em países pobres como Honduras. Paga-se pouco pela força de trabalho de seus operários, o que gera um superfaturamento aos proprietários. Cita-se na obra, por exemplo, que fontes indicam que a empresa Nike paga, à costureira, centavos por peça de roupa produzida e vende essa mesma peça por centenas de dólares. Essa situação ocorre desde o inicio das pequenas trocas comerciais, como no sistema feudal, e se intensificou a partir do século XXVII, com a solidificação do capitalismo. Karl Marx, à sua época, conceituou esse processo de obtenção de lucros como “mais-valia”. O sociólogo conceitua a mais-valia como “a diferença entre o que o empregado produz e o que ele recebe”, ou seja, as relações de trabalho no capitalismo são sempre exploratórias e prejudicam o proletariado. Essa exploração é um dos motivos pelo qual a desigualdade econômica é gritante entre os países chamados de primeiro e terceiro mundo. É importante a abordagem desse tema no documentário, pois ajuda a conscientizar as pessoas de que enquanto o sistema de mais-valia for tão drástico, haverá a manutenção da pobreza em países como a Honduras e a manutenção da riqueza em países como os Estados Unidos. Malefícios ao meio ambiente Também nos é exposta a situação da degradação do meio ambiente causada pela utilização de recursos naturais de forma exagerada e irresponsável, pelo descarte irregular de dejetos advindos de produtos manufaturados pelas corporações, entre outros fatos. Um dos casos que mais chamam a atenção é o da Shell, que é acusada de ser uma das empresas que mais emitem gases agravadores do efeito estufa e da rarefação da camada de ozônio e mais produzem lixo tóxico – que atenta à saúde humana. Manipulação social por meio da publicidade e propaganda Outra questão importante tratada na obra é a questão da utilização dos mecanismos de comunicação social para a manipulação e atração de consumidores. Essas companhias lançam mão da mídia e das grandes campanhas de marketing a fim de, como diria Steve Jobs, fundador da Apple, “criar necessidades que os clientes não sabiam que tinham até então”. Para exemplificar, o documentário traz à tona o tema da publicidade infantil e de como as crianças são levadas a desejar brinquedos apresentados por meio da mídia. Sobre esse tópico, é importante que o documentário nos mostre como ocorre a alienação do consumidor que, como consequência, gera um consumismo alimentado pela obsolescência programada, já que sempre se impõem novas necessidades ao cliente – como é o caso dos Smartphones, por exemplo. Entretanto, acredito que o marketing e a publicidade não são por si só um malefício à população. Ao contrário, essas ferramentas são apenas métodos que as empresas usam para divulgar e vender seus produtos. Imagino que o real problema seja o de que a nossa sociedade é formada por pessoas altamente sugestionáveis e facilmente manipuladas por propagandas que as fazem querer ter determinado produto. Nesse caso, seria mais viável debater o que pode ser e já é feito para reverter essa situação como, por exemplo, o uso de palestras sobre as consequências do consumismo nas escolas. É preciso educar a população sobre como ser menos sugestionável, pois a divulgação midiática é um direito das grandes empresas e elas nunca deixarão de fazer uso disso. Conclusão do documentário O filme termina retomando a ideia citada no início de que as corporações são “pessoas” psicopatas e joga-se uma pergunta ao telespectador: “O que a sociedade faz para se proteger de pessoas psicopatas?”. A resposta vem pela via marxista de que “o povo unido, nunca será vencido”. São mencionados dois casos em que a população conseguiu vencer corporações, seja por meio da lei, como ocorrido em Arcata, ou utilizando as manifestações sociais, como ocorrido em Cochabamba. Conclusão da resenhista Por fim, A Corporação é uma excelente obra que cumpre o seu objetivo de alertar a sociedade sobre os abusos das grandes companhias e problematizar, de forma didática, o capitalismo neoliberal que rege boa parte do mundo globalizado. O documentário consegue denunciar e informar ao mesmo tempo e obteve um profundo impacto na minha visão sobre o funcionamento do livre comércio. Vale lembrar que o Brasil é um dos países que seguem esse sistema econômico e, como os demais, sofre com as consequências da busca desenfreada das empresas porlucros exacerbados. Não à toa, vivemos em uma sociedade tomada pela discrepância econômica entre classes sociais, além de vermos, a cada ano, o aumento do desmatamento na Floresta Amazônica em prol do avanço da fronteira agrícola. A título de exemplo, segundo o Instituto Nacional por Amostra de Domicílios, a desigualdade econômica no país chega a 0,527 no Índice de Gini. Concluo que nosso sistema econômico clama por mudanças que viabilizem combater os estragos causados pelas instituições corporativas. Medidas viáveis são a conscientização da população sobre o consumismo – como citado anteriormente – e, principalmente nos países mais periféricos, uma maior mobilização social para que seus respectivos Estados reformulem suas leis para tratar com mais rigor as questões trabalhistas e de degradação do meio ambiente. Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, falando sobre mudanças almejadas para o sistema judicial, diz que “não há revolução democrática da justiça sem que antes haja uma mudança da sociedade”. Aplicando-se o pensamento de Santos às corporações, não haverá uma revolução no modus operandi dessas instituições sem que haja uma revolução no modo como a população olha, conformada, para os danos deixados pela busca coorporativa por lucro.
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