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Medida e Integrac¸a˜o. Departamento de F´ısica e Matema´tica. USP-RP. Prof. Rafael A. Rosales 22 de maio de 2007. 1 Conjuntos enumera´veis Denotamos por Q os numeros racionais, logo [0, 1] ∩ Q, sa˜o os nu´meros racionais em [0, 1]. Se agrupamos estes nu´meros de acordo aos denominadores comuns, estes podem ser ordenados da seguinte maneira 0, 1, 1 2 , 1 3 , 2 3 , 1 4 , 2 4 , 3 4 , 1 5 , 2 5 , 3 5 , 4 5 , 1 6 , . . . O fato de que 1/2 esteja repetido como 2/4, 3/6, 4/8, . . . na˜o tem importaˆncia (podemos omitir qualquer nu´mero que ja esteja na sequ¨eˆncia de tal forma que cada racional em [0, 1] seja obtido de uma u´nica forma). Definic¸a˜o 1. Um conjunto e´ enumera´vel se os seus elementos podem ser dispostos em uma sequ¨eˆncia (permitindo repetic¸o˜es). Teorema 1. Q e´ enumera´vel. A demosntrac¸a˜o deste Teorema utilizara o seguinte resultado. Proposic¸a˜o 1. A unia˜o de uma sequ¨eˆncia de conjuntos enumera´veis e´ enumera´vel. Demonstrac¸a˜o. 1 Se os conjuntos sa˜o denotados por Si = {sij}, i, j > 1, enta˜o os te´rminos da sequ¨eˆncia s11, s12, s21, s31, s22, s13, s14, . . . formada ao seguir as frechas no desenho S1 s11, "" s12, s13,@@ ¢ ¢ ¢ ¢ ¢ "" s14, ¡¡¢¢ ¢ ¢ ¢ . . . S2 s21, ¡¡ ¢ ¢ ¢ ¢ ¢ ÃÃ s22,@@ ¢ ¢ ¢ ¢ ¢ s23, ¡¡¢¢ ¢ ¢ ¢ s24, . . . S3 s31, s32, ¡¡¢¢ ¢ ¢ ¢ s33, s34, . . . S4 s41, s42, s43, s44, . . . contam (poss´ıvelmente com repetic¸o˜es) todos os elementos de todos os conjuntos Si. Portanto a unia˜o ∪iSi e´ enumera´vel. Para provar o Teorema 1, e´ suficiente tomar S1, S2, S3, S4, . . ., como os conjun- tos formados pelos nu´meros racionais nos intervalos [0, 1], [−1, 0], [1, 2], [−2,−1], . . . respectivamente. 1O argumento utilizado na prova, conhecido como o argumento ‘diagonal’, e´ devido a Georg Cantor. 1 Teorema 2. R na˜o e´ enumera´vel. Demonstrac¸a˜o. 2 Mostraremos apenas que os nu´meros reais em (0, 1) na˜o sa˜o enu- mera´veis. Seja {sn} uma sequ¨eˆncia arbitraria dos nu´meros reais no intervalo aberto (0, 1). A prova consiste em mostrar que existe pelo menos um nu´mero real que na˜o corresponde a nenhum dos nu´meros sn. Observamos que os nu´meros sn podem ser ex- pressados ao considerar decimais sem fim utilizando a expansa˜o decimal, por exemplo, o nu´mero 4,291. . . pode ser escrito como 4+2/10+9/102 +1/103 + . . .. Em geral qualquer nu´mero s ∈ R pode ser expressado pela se´rie s = a + ∞∑ k=1 ak 10k = a, a0a1a2 onde ak ∈ {0, 1, . . . , 9}, e a e´ a parte inteira de s. Esta representac¸a˜o e´ consistente se, por exemplo, sempre e´ utilizado o nu´mero 0, 1999 . . . em lugar de 0, 2000 . . . para 1/5. Seja s1 = 0, a11a12a13 . . . s2 = 0, a21a22a23 . . . s3 = 0, a31a32a33 . . . ... Se ann 6= 1 seja bn = 1 e se ann = 1 seja bn = 2. Isto define bn para qualquer n > 1. Devido a construc¸a˜o realizada, a expansa˜o decimal sem fim 0, b1b2b3 . . . converge a um nu´mero real b em (0, 1) o qual e´ diferente de qualquer sn, sendo que a sua expansa˜o difere da expansa˜o de sn na n-e´sima posic¸a˜o. Suponhamos, por exemplo, que a nossa listagem {sn} e´ dada pelos nu´meros s1 = 0.23115 . . . s2 = 0.13789 . . . s3 = 0.83161 . . . s4 = 0.91152 . . . logo a11 = 2 6= 1 ⇒ b1 = 1 a22 = 3 6= 1 ⇒ b2 = 1 a33 = 1 ⇒ b3 = 2 a44 = 5 6= 1 ⇒ b4 = 1 Assim b = 0, 1121 . . . ∈ (0, 1), o qual poderia levar a pensar que b = sN , para algun N ∈ N, mas a expansa˜o decimal de b difere da expansa˜o de sN no N -e´simo decimal. Conclu´ımos que na˜o e´ poss´ıvel dispor numa sequ¨eˆncia todos os nu´meros em (0,1), isto e´, R na˜o e´ enumera´vel. 2 Conjuntos nulos A noc¸a˜o de integral esta intimamente ligada ao conceito de a´rea. Alguns dos problemas da integral de Riemann dependem deste fato. Por exemplo, seja f = 1Q (1) 2Esta prova tambe´m e´ devida a G. Cantor. 2 definida para x ∈ [0, 1]. Esta func¸a˜o e´ igual a 1 nos nu´meros Q ∩ [0, 1], e zero em [0, 1] \ Q. Logo a integral de f em [0, 1] devera ser igual ao cumprimento do conjunto Q∩ [0, 1]. Mas como podera´ ser definido o cumprimento de Q∩ [0, 1], ou [0, 1] \Q, sendo estes conjuntos bem diferentes dos intervalos ussuais em R? Resulta portanto necessa´rio extender a noc¸a˜o de cumprimento para conjuntos mais gerais. A func¸a˜o em (1) motivo em parte o desenvolvimento da teoria da integral de Lebes- gue. Suponhamos que I e´ um intervalo limitado em R, por exemplo I = [a, b], I = (a, b], I = [a, b) ou I = (a, b). O cumprimento de qualquer um destes intervalos e´ definido como l(I) = b − a. Em particular, l({a}) = l([a, a]) = 0, isto e´, o conjunto com um elemento e´ ‘nulo’. Seja N um conjunto finito. Mesmo que N na˜o seja um intervalo, temos que l(N) = 0, pois o cumprimento de qualquer ponto i ∈ N e´ 0, logo l(N) = l(∪i) = ∑ l(i) = 0. Analogamente, se um conjunto pode ser particionado em intervalos disjuntos, enta˜o o seu cumprimento e´ igual a soma dos cumprimentos de cada elemento da partic¸a˜o. Mais geralmente (para qualquer conjunto arbitra´rio) na˜o sempre e´ poss´ıvel decom- por um conjunto em intervalos. Em lugar disto sera´ considerado um recobrimento enu- mera´vel de conjuntos, o qual permite a seguinte generalizac¸a˜o da noc¸a˜o de conjunto nulo. Definic¸a˜o 2. Um conjunto nulo N ⊆ R e´ um conjunto que pode ser coberto por uma sequ¨eˆncia de intervalos de cumprimento arbitrariamente pequeno, isto e´, para qualquer ε > 0 e´ poss´ıvel encontrar uma sequ¨eˆncia {In : n > 1} de intervalos tais que N ⊆ ∞⋃ k=1 In, e ∞∑ n=1 l(In) < ε. Note-se que o recobrimento na˜o precisa ser disjunto. Segue-se da definic¸a˜o que o conjunto {∅} e´ nulo. Agora, qualquer conjunto unita´rio {x} tambe´m e´ nulo. Para verificarmos isto, sejam ε > 0, I1 = (x − ε/4, x + ε/4), e In = [0, 0] para n > 2. (Poderiamos ter escolhido In = (0, 0) = ∅.) Logo ∞∑ n=1 l(In) = l(I1) = ε 2 < ε. Em geral, qualquer conjunto enumera´vel A = {x1, x2, . . .} e´ nulo. A maneira mais simples de mostrar isto consiste em tomar In = [xn, xn] para todo n. Pore´m, uma breve introduc¸a˜o ao Teorema 3, veja embaixo, fornece um recobrimento de A por conjuntos abertos. Seja ε > 0 e o seguinte recobrimento de A, I1 = ( x1 − ε 4 , x1 + ε 4 ) l(I1) = 1 2 ε 1 21 I2 = ( x2 − ε 8 , x2 + ε 8 ) l(I2) = 1 2 ε 1 22 I3 = ( x3 − ε 16 , x3 + ε 16 ) l(I2) = 1 2 ε 1 23 ... ... In = ( xn − ε 2 · 2n , xn + ε 2 · 2n ) l(I2) = 1 2 ε 1 2n 3 Dado que ∞∑ n1 1 2n = 1, enta˜o ∞∑ n=1 l(In) = ε 2 < ε. Neste caso temos a seguinte situac¸a˜o: A e´ a unia˜o enumera´vel de conjuntos com um elemento. Cada um destes conjuntos e´ nulo, portanto A tambe´m e´ nulo. Em geral e´ poss´ıvel enunciar o seguinte Teorema. Teorema 3. Se (Nk), k > 1 e´ uma sequ¨eˆncia de conjuntos nulos, enta˜o N = ∞⋃ k=1 Nk tambe´m e´ nulo. Demonstrac¸a˜o. (Esta prova pode ser estudada numa segunda leitura.) A prova consiste em mostrar que N pode ser coberto por um nu´mero enumera´vel de intervalos, cada um de cumprimento menor que ε. Num primeiro passo fornecemos um recobrimento de cada um dos conjuntos Nn utilizando intervalos de cumprimento ‘pequeno’. Dado que N1 e´ nulo, enta˜o existem intervalos I1k , k > 1, tais que ∞∑ k=1 l(I1k) < ε 2 , N1 ⊆ ⋃ k=1∞ I1k . Para N2 encontramos o sistema de intervalos I 2 k , k > 1, tais que ∞∑ k=1 l(I2k) < ε 4 , N2 ⊆ ⋃ k=1∞ I2k , e em geral para Nn consideramos o sistema I n k , k > 1, de cumprimento total ε/2 n, ∞∑ k=1 l(Ink ) < ε 2n , Nn ⊆ ⋃ k=1∞ Ink . A familia enumera´vel de intervalos {Ink }k>1,n>1 pode ser disposta numa sequ¨eˆncia Jj , j > 1. Por exemplo J1 = I 1 1 , J2 = I 12 , J3 = I 1 3 , . . ., de forma que todos os intervalos Ink sejam incluidos. A unia˜o destes u`ltimos intervalos deve ser igual a unia˜o dos Ikn, logo N = ∞⋃ n=1 Nn ⊆ ∞⋃ j=1 Jj . Finalmente calculamos o cumprimento total de todos os conjuntos Jj , ∞∑ j=1 l(Jj) = ∞∑ n=1,k=1 l(Ink ) = ∞∑ n=1 ∞∑ k=1 l(Ink ) < ∞∑ n=1 ε 2n = ε. 4 Qualquer conjunto enumera´vel e´ portanto nulo. Os conjuntos numera´veis carecem portanto de cumprimento a diferencia dos intervalos comuns de R. Enunciamos agora o seguinte resultado, consequencia dos Teoremas 1 e 3. Teorema 4. Q e´ nulo. Os conjuntos na˜o enumera´veis tambe´m podem ser nulos. Um exemplo deste fato surpreendente e´ apresentado a continuac¸a˜o. 3 O conjunto (terna´rio) de Cantor Considere o intervalo fechado [0, 1] e divida este em treˆs partes iguais. Retire o subinter- valo aberto do meio, isto e´, retire o intervalo G1 = (1/3, 2/3). O resultado e´ o intervalo Cn = [0, 1] \G1 = [0, 1/3] ∪ [2/3, 1]. Divida agora cada um destes intervalos e retire de cada um deles o subintervalo aberto do centro, (1/9, 2/9) e (7/9, 8/9) respectivamente. Seja G2 = (1/9, 2/9) ∪ (7/9, 8/9). Neste caso o resultado e´ o intervalo C2 = [0, 1] \ (G1 ∪G2) = [0, 1/3 2] ∪ [2/32, 3/32] ∪ [6/32, 7/32] ∪ [8/32, 1]. Se continuarmos este processo indefinidamente obtemos o conjunto C = [0, 1] \ ( ∪n>1 Gn ) o qual e´ conhecido como o conjunto de Cantor. A figura 1 embaixo apresenta este conjunto. 0 1 1 3 2 3 [0, 1] \G1 [0, 1] \ (G1 ∪G2) [0, 1] \ “ S n>1 Gn ” 7 9 2 9 1 9 8 9 Figura 1: construc¸a˜o do conjunto de Cantor. Observamos que na no n-e`simo passo desta construc¸a˜o Cn consiste de 2 n conjuntos fechados disjuntos cada um de cumprimento 3−n. O cumprimento total de Cn e´ portanto (2/3)n. Para verificarmos que C e´ nulo, dado ε > 0, escolhemos n o suficentemente grande de tal forma que (2/3)n < ε. Sendo que Cn esta constituido por uma sequ¨eˆncia finita de intervalos cada um de cumprimento menor a ε, da definic¸a˜o de conjunto nulo temos que Cn e´ nulo. Portanto C ⊆ Cn e´ nulo. Ainda fica por ser demonstrado que C e´ um conjunto na˜o enumera´vel. Proposic¸a˜o 2. C e´ na˜o enumera´vel. 5 Demonstrac¸a˜o. A prova disto segue de perto a demonstrac¸a˜o do Teorema 2, mas agora e´ considerada a expansa˜o terna´ria do nu´mero x ∈ C, isto e´, x = 0 + ∞∑ k=1 ak 3k = 0, a1a2 . . . , onde ak = 0, 1 ou 2. Analogamente a demostracao do Teorema 2, por racoes de consisten- cia escolhemos 0, 2000 . . . como a representacao de 2/3, descartando a outra alternativa 0, 1222 . . .. Observamos que os nu´meros com expansa˜o terna´ria com a1 = 1 formam o intervalo aberto (1/3, 2/3), dado que 1/3 = 0.0222 . . . e 2/3 = 0.2000 . . .. Isto e´, o con- junto C1 esta formado pelos pontos em [0, 1] que apresentam expansa˜o terna´ria a1 = 0 ou a1 = 2. O mesmo racioc´ınio pode ser utlizado sobre os intervalos [0, 1/3], [2/3, 1] mostrando que C2 esta formado pelos pontos de [0, 1] que apresentam expansa˜o terna´ria com a1 e a2 iguais a 0 ou 2. Conclu´ımos por induc¸a˜o que o conjunto de Cantor, C, esta formado pelos nu´meros de [0, 1] com expansa˜o terna´ria 0, a1a2a3 . . . sendo an = 0 ou 2 para todo n. Suponha agora que s1, s2, s3, . . . e´ uma sequ¨eˆncia dos nu´meros em C. Enta˜o em notacao terna´ria s1 = 0, a11a12a13 . . . s2 = 0, a21a22a23 . . . s3 = 0, a31a32a33 . . . onde cada aij e´ 0 ou 2. Se ann = 0 enta˜o bn = 2 e se ann = 2 enta˜o bn = 0. Desta forma a expansa˜o terna´ria converge a um elemento b ∈ C 0, b1b2b3 . . . , mas b e´ diferente de qualquer sn dado que a sua expansa˜o difere da expansa˜o de sn na n-e´sima posic¸a˜o. 4 A func¸a˜o de Cantor O conjunto de Cantor pode ser utilizado para definir uma func¸a˜o com propriedades interessantes. Esta func¸a˜o pode ser definida como C(x) = 1/2 se x ∈ [1 3 , 2 3 ] 1/4 se x ∈ [1 9 , 2 9 ] 3/4 se x ∈ [7 9 , 8 9 ] ... ... Em cada intervalo descartado na construc¸a˜o do conjunto C, a func¸a˜o C(x) e´ constante. Logo C(x) e´ diferencia´vel com derivada 0 nos pontos [0, 1] \ C, e dado que C e´ um conjunto nulo, temos que C ′(x) = 0 em quase todas partes3 A func¸a˜o de Cantor e´ apresentada na figura 2 para n = 2, 3, 4, e 50. 3formalmente C ′(x) = 0, λ-q.t.p. 6 Figura 2: func¸o˜es de cantor para n = 2, 3, 4 e 50. 7
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