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5 I P rava, em vez de melhor entendimento, ocorreu uma polarização mni extrema. Resultaram três diferentes escolas de pensamento dentro da Socie- d ide Britânica: os seguidores de Melanie Klein, os de Anna Freud e 11m terceiro grupo mais numeroso, que aceitava apenas parte dos I .hados de Klein. Edward Glover renunciou à Sociedade Britânica de Psi análise, Melitta Schmidberg (filha de M. Klein) e seu marido, j unbérn psicanalista, ficaram contra Klein e mudaram-se para os Hstados Unidos. objetivo de M. Klein ao escrever "Uma contribuição aos estados mmíaco-depressivos ' era abordar os estados depressivos em relação à paranóia; e, além disso, em relação à mania. Através da análise de uíultos com aspectos depressivos e paranóicos e de crianças moderada l ravemente perturbadas, pôde ir percebendo as intrincadas ligações ntre os mecanismos psicóticos e inferir sua gênese nos fenômenos 11\ntais dos primeiros meses de vida do ser humano. Esclarece por que I1 paranóia tem conteúdos depressivos e a depressão, aspectos paranói- 'os. Sigmund Freud e Karl Abraham tinham feito notáveis estudos obre a melancolia. Freud salientou a importância da introjeção, e Abraham, além disso, dos sadismos oral e anal. qm "O luto e a melancolia" (S. Freud, 1917), Freud apreciou as melhanças e diferenças nesses dois estados. A semelhança consiste IIIiperda do objeto amado. A diferença está em que, na melancolia, o ohj to é introjetado (porque o sujeito não suporta a perda do objeto uuudo). Como há muita ambivalência na relação entre o ego e o objeto utrojetado, ocorrem ataques mútuos, resultando em sintomas hipo- xmdríacos e de autodesvalorização e auto-acusações. No luto a rela- o apenas com o objeto externo perdido. O trabalho de luto consiste 1111I ste da realidade, que, no caso, é a repetida verificação de que o ••1 10 amado não mais existe. A libido pelo objeto perdido vai sendo rndualmente desligada, livrando-se para novos investimentos afe- I vo . () curioso é que, apesar de Freud afirmar que na melancolia ocorre 1111111regressão a modos primitivos de relação de objeto - canibalismo que a introjeção se funda na fase oral, ele não relaciona a 11111111olia a um ponto de fixação infantil. Abraham, porém, propõe a I ncia desse ponto para a melancolia: entre o segundo estágio oral 11 primeiro estágio anal (Abraham, 1924). Mas por o ter considerado 11111nê meno patológico, Abraham não pôde chegar às importantíssi- I 111 ionclusões de Melanie Klein: que a posição depressiva é um 111I' so universal e faz parte do desenvolvimento normal. 1\ uqui há um ponto importante para evitar confusões: posição d. 111 siva, posição paranóide (mais tarde, com modificações, chamar- Conceito de posição depressiva , -e suas repercussoes O conceito de posição depressiva foi primeiramente divulgado em 1934, através de leitura feita por Melanie Klein no X!II Congress~) Internacional de Psicanálise, realizado em Lucern~, S~ll~a. Em for~:1 mais ampla, o trabalho. que con~ém ~ co?ceito de posiçao depressív» intitula-se "Uma contribuição a psicogenese dos e~tados mamaco depressivos", e foi publicado em 1935, no InternatlOnal Journal oJ Psychoanalysis, vol. XVI. , Embora a obra anterior de Melanie Klei!l !enha sido ~lUito original c rica, como foi visto, o conceito de poslçao. depressíva (e tambe~1I "posição paranóide", que é apresentado conjuntamente ness7. tra~'r'.1 lho) é tão revolucionário que aqui ja se pode falar de uma esc., kleiniana" dentro da Psicanálise, como sugere .Hanna Segal. A r~pc., cussão pode ser medida pelas reações que suscitou dentro da Socied .• de Britânica de Psicanálise. Edward Glover, que era um de seus entusiastas defensores, passou a criticá-Ia, diz~?d~ qu~ se.~ t~abalho não era psicanalítico e que um leigo sem expenencia psiquiatnca nau podia discorrer sobre psicoses. Nos últimos anos de 1930, com a vinda dos analistas víenenscs l· berlinenses, fugindo dos nazistas, e principalmente com Anna Fremi ..,': controvérsia foi ficando mais acirrada. Ernest Jones e outros .memoll , mais velhos da Sociedade Britânica tomaram o lado de Klein. J?~lC., esperando que as divergências pudessem ser ,aten~adas através d, debates, promoveu, entre janeiro de 1943 ate ~alo de 11944, o,n/, encontros para discussão das discórdias, Contranamente ao que \, 69 "I' 11 posiçao esquizo-paranóide') são fenômenos normais do desenvol- VIIll .nto mental. São designadas por categorias patológicas - depres- siva, paranóide (ou esquizóide-paranói~e) - por sua semelhança qua- litativa com esses quadros mórbidos. E por regressão a esses pontos de fixação da evolução normal do bebê que a pe:ssoa mais crescid~ _ criança ou adulto - apresenta as caracteristrcas do quadro clí- nico correspondente. A criancinha sente, porém, em grau menor e mais moderadamente, os mesmos sentimentos e sofrimentos do adulto psicótico. Contudo, esses estados são vividos em circunstâncias diferentes, e são mais transitórios, porque o bebê obtém repetidos reasseguram~ntos da m~e carinhosa. (Vide "A contribution to the psychogenesis of mame- depressive states", p. 307. In: Klein, 1950). Aqui conviria esclarecer logo por que Klein usa o termo _''posição': ' em vez de "fase" como fazia anteriormente. Sob pressao de sofri- mentos de origem externa ou interna, o bebê experimenta angústia e mecanismos psicóticos. Mas estes não predominam todo o tempo. C?U seja, quando o bebê está relativamente relaxado .e conforta~el n~o apresenta sinais de perseguição, de pânico ou de tristeza, Ass~m, ~ao seria justificável falar em "fases psicóticas", mais adequadas a PSICO- se do adulto. Posição refere-se a estados transitórios. Por exemplo, a rápida mudança que ocorre da criança apavorada, ou chorando com- pungidamente, para uma atitude normal. Quando em 1946 foi cunhado o termo posição esquizo-paranóide, o conceito de posição evoluiu, e sua significação ficou mais, d.efinida, bem como sua importância. Os conceitos de fase (ou estágio) e de "posição" sempre entraram em choque. Quando Klein estabelece u~ período de ocorrência de determinada posiç~~, por exemplo, os ~res primeiros meses de vida como de predomínio da posiçao es~mzo- paranóide, é difícil não considerá-lo c~mo u~a ,fase do ~esenvolvIm~n- to. Por outro lado, como a constelaçao psiqurca (conjunto de angus- tias, determinados objetos, defesas, relações int,ernas. e_fantasias m- conscientes correspondentes) designada pelo termo posiçao pode ocor- rer a qualquer momento (na criança pu no adulto) e em qualquer estado (normal ou perturbado) e ser transitória, essa mob.ilidad,e s~ choca com o conceito de fase, que se refere a processos mars estáveis .. U ma forma de tentar superar essa contradição seria considerar que posição se refere a estados transitórios. O.conceito d~ posição é muito útil na prática psicoterápica. Ao dar uma interpretaçao sobre o que se passa na situação analítica, o analista pode verificar se ~o~ve um.a intensificação da angústia persecutória, com reforço da posiçao esqui- , Mais correto seria esquizóide-paranóide, do inglês paranoid-schizoid, /0 zo-paranóide anteriormente observada, ou surgimento da angústia depressiva, e conseqüente transição para a posição depressiva. Por exemplo, uma paciente adolescente esquece de dar ao analista o cheque referente ao pagamento de seus honorários, que Seu pai lhe havia entregue. Pelas associações anteriores, o analista interpreta que ela estava querendo impedir um contato gratificante entre ambos (o pai e o analista) por ciúme. A paciente primeiro zomba da interpretação (negação e desprezo maníacos), depois começa a ficar COI1l medo de que o analista a mande embora. Isto é, tendo falhado a defesa maníaca, a paciente se sente perseguida pelo analista atacado por ela, vivendo portanto na transferência uma relação de objeto da posição esquizo-pa- ranóide. Se a paciente tivesse podido suportar a angústia do insight; transmitido pela interpretação, nesse momento ela sentiria a culpa por ter impedido uma relação fecunda de dois objetos amados (o pai e o analista) e ficaria triste e com remorso, vivendo na transferência uma relação objetal da posição depressiva. Voltando ao trabalho de Klein, onde surgiu o conceito de posição depressiva, vou apresentar primeiro o resumo do desenvolvimento normal - normal para o bebê, naturalmente - e, em seguida, suas características principais no adulto ou na criança psicóticos Penso que isso torna um pouco mais claros os complicados processos mentais na paranóia, nos estados depressivos e maníacos, que Klein pretende explicar. 5.1. A posição paranóide e a paranóia Nos primeiros meses de vida existe forte sadismo contno peito e o interior do corpo materno. A relação se estabelece com objetos par- ciais. O desenvolvimento do bebê é regulado por mecanismos de introjeção e projeção. "Desde o começo da vida o egn introjeta objetos 'bons' e 'maus', para os quais o peito materno é o protótipo- como bons objetos quando a criança recebe deles, como maus quando falham" (op. cit, p. 282). O peito "mau" não o é apenas por ser frustrador, mas porque também a criança projeta nele sua própria agressividade. Essas figuras distorcidas dos objetos reais estão no exterior, e, por incorporação, também dentro do ego. O bebê vive angústias relacionadas aos maus objetos sentidos como perseguidores internos e externos. O "mau" é sempre sentido como uma multidão de inimigos. (Como Se verá no estudo da posição esquizo-paranóide, pelo mecanismo de fragmentação, o peito odiado é dividido em múltiplos pedaços que se tornam persegui- dores terríveis.) Desse relacionamento persecutório emerge, como angústia básica da posição paranóide, o medo de ser derruído. As 71 defesas paranóides terão por fim preservar o ego do aniquilamento. Nessa primeira descrição da posição paranóide, as defesas de que o ego lança mão para escapar da angústia de aniquilamento são: 1. Escotomização. É a negação da realidade psíquica. Consiste em eliminar a percepção dos perseguidores internalizados ou pertencentes à realidade exterior. Esse mecanismo, se excessivamente utilizado, forma a base das mais severas psicoses, porque leva à grande restrição dos mecanismos de projeção e introjeção. Com isso, a mente se empobrece e paralisa. (Recordem o caso do menino Dick, do capítulo 2.) 2. Expulsão e projeção. São outros mecanismos de defesa de que o ego se utiliza para se defender do temor da destruição. São defesas dirigidas aos perseguidores internos: expulsando o mau de seu interior, fica a salvo do ataque iminente. 3. Forças destrutivas dirigidas contra os perseguidores internos. Esse mecanismo defensivo é acionado porque os dois mecanismos anteriores não são totalmente eficazes. Mesmo não querendo ver, ou expelindo os inimigos internos, sempre sobram perseguidores. Isso porque o perigo do aniquilamento é devido à operação do instinto de morte dentro do sujeito, e nem todo ele pode ser defletido ou neutrali- zado pela libido, como foi visto no capítulo anterior. (Klein irá se alongar sobre esse assunto no artigo de 1948, "Sobre a teoria da angústia e da culpa".) A destrutividade é dirigida contra o próprio id, ou partes do ego identificadas com o mau objeto interno (superego primitivo). Esses conteúdos ansiogênicos (ser esvaziado, devorado, envenena- do, destruído por todos os meios do sadismo pelo objeto "mau") e as defesas de expulsão e projeção, escotomização, destruição contra o perseguidor interno vão constituir a base dos quadros psicóticos de tipo paranóide. Essas características estão sendo apresentadas aqui brevemente porque não é possível falar em posição depressiva - assunto deste capítulo - sem referência à posição paranóide, que a precede. (No próximo capítulo se verá com mais detalhes a posição esquizo-paranóide, que substituirá a noção de posição paranóide.) 5.2. A posição depressiva e os estados depressivos A experiência chamada de posição depressiva normalmente se verifica a partir do quarto mês de vida do bebê. A elaboração da posição depressiva vai ocupar o resto do primeiro ano de vida. A partir do segundo ano de vida, sendo superadas as angústias básicas da posição depressiva, e com maior capacidade de integração e adaptação à realidade, a criança recorrerá a mecanismos menos psicóticos e mais 72 neuróticos, o que se chamará de neurose infantil (mecanismos fóbicos e obsessivos, principalmente). A neurose infantil irá se dirigir -ao controle da angústia psicótica depressiva e esquizo-paranóide, embora estas se apresentem com menor intensidade. À medida que a capacidade de síntese do ego aumenta, em virtude da própria maturação, e a integração dos objetos progride, aos poucos a mae vai sendo percebida como pessoa total. As boas experiências com a, :nãe e o mundo e~terno ajudam o bebê a superar as angústias ~ara~Old~s: ~udam as a~Itudes emocionais com relação à mãe: "Sua fixação Iibidinal pelo peito desenvolve-se em sentimentos para ela como uma pessoa. Assim, sentimentos tanto de natureza destrutiva quanto amorosa são experimentados por um mesmo objeto, e isso dá onge~ a profundos e perturbadores conflitos na mente da criança" (op. cu., p. 306). Quando o ego se torna mais organizado (quatro a seis meses de ~ida): ~s imagos internas ficam mais semelhantes à realidade e o ego se identifica com os "bons" objetos de forma também mais total. Portan- to, a angústia pela preservação do bom objeto torna-se sinônimo de sobre~ivência do ego. Ocorre simultaneamente a mudança na relação de objetos: da relação de objetos parciais para o objeto total. Essa é uma mudança fundamental, que dá a Klein uma visão cada vez mais nova e revolucionária dentro da Psicanálise. Porque, conforme mudam as relações do objeto, mudam os conteúdos da angústia e mudam os mecanismos de defesa. É claro 9u~, entre t?das as condições, é a capacidade do ego de tolerar angustia que var determinar sua possibilidade de estabelecer relações _com. o _Objeto total. Isso porque na posição paranóide pode have~ a m.t~oJe~ao de um objeto total e real. Mas o ego não consegue uma identificação completa com ele. Ou, se a consegue, não a mantém porque: ,1) há angústia persecutória muito grande, perturbando introje- çao estavel; 2) dúvidas e suspeitas quanto à qualidade do objeto t:ansformam o amado em perseguidor; 3) as angústias persecutórias sao uma tarefa enorme para o ego pouco integrado, não podendo sO,brecarregar-~e com angústias pela preservação do objeto amado, alem dos sentimentos de culpa e remorso concomitantes. (Os sofri- mentos da posição depressiva levam-no de volta à posição paranóide.) N? desenvolvimento normal - entre quatro e cinco meses após o nas~Imento -, o ego tem de reconhecer a realidade psíquica e a reahdadeexterna até certo grau. Verifica que o objeto amado é ao mesmo tempo odiado. E também verifica que os objetos reais e as figuras .i~~ginárias (imagos), ambas externas e internas, estão ligadas entre si. So~ente o objeto sendo amado como um todo pode sua perda ser sentida como um todo" Copo cit., p. 284; grifo de M. Klein). É 73 ('111110 que vem a primeiro plano a posição depressiva, que se reforça e estimula pela perda do objeto amado. Por exemplo, o bebê experimen- lu a perda do objeto amado cada vez que é retirado o peito. Essa situação chega ao clímax quando é iniciado o desmame. (Por isso que o desmame deve ser gradual.) Ou quando há mudança de alimentos: outros líquidos além do leite, ou semi-sólidos. O bebê experimenta alguns dos sentimentos de culpa e remorso, vive o conflito entre amor e ódio incontrolável, alguma angústia pela iminente morte dos objetos internos e externos amados, que são vividos em grau mais intenso e prolongado pelo adulto melancólico. Quando o ego introjeta o objeto como um todo e estabelece melho- res relações com o mundo exterior eas pessoas reais, pode reconhecer o desastre causado por seu sadismo, principalmente o canibalismo, e sentir-se perturbado por isso. "O ego encontra-se então confrontado com a realidade psíquica de que seus objetos amados estão. em decom- posição - em pedaços - e o desespero, o remorso e a angústia derivados desse reconhecimento estão na base de numerosas situações de angústia" (op. cit., p. 289). Algumas dessas angústias depressivas são: 1) como juntar os pedaços do objeto total atacado de modo e no tempo certos; 2) como escolher os bons e desfazer-se dos maus pedaços; 3) como trazer o objeto à vida quando for integrado; 4) ao reparar, ser atrapalhado pelos maus objetos e pelo próprio ódio; 5) não conseguir restaurar com perfeição o objeto "perfeito". Isso porque o ego tenta manter separados os bons e os maus objetos, resultando em objetos extremamente maus de um lado, e perfeitos (isto é, moralistas e exigentes), de outro. Esta separação não pode se manter, porque o processo de integração da personalidade continua e algo da crueldade dos maus objetos e do id se liga aos bons objetos e aumenta a severidade das suas exigências. Estas exigências do superego servem para disciplinar o ego: contra seu ódio incontrolável e contra seus maus objetos com os quais parcialmente se identifica (o superego do melan- cólico é implacável). Outra profunda angústia depressiva refere-se aos perigos que amea- çam o objeto bom dentro do ego, porque este se sente incapaz de proteger o objeto amado contra os perseguidores internos e contra o id-: Essa angústia se justifica psicologicamente porque o ego não abandona totalmente os mecanismos de expulsão e aniquilamento do objeto da 'Esta é uma descrição abstrata dos processos mentais. É feita nestas palavras para transmitir o que o analista capta empaticamente. São experiências da mente primitiva, pré-verbais, São acontecimentos que se passam no mundo interno, com figuras concre- tas, embora fantásticas. Para a mente mais evoluída, a experiência que mais se aproxima dessa descrição seria o pesadelo, com suas imagens terroríficas e emoções violentas. 74 posição paranóide. Por outro lado, quando o ego está mais desenvolvi- do, percebe que, usando mecanismos de expulsão para se proteger do perseguidor mterno, pode expelir também o bom. Além disso, pode d.amflcar o bom externo com a projeção do mau interno. São estes rISC~S_que levam ao abandono das defesas paranóides de expulsão e projeçao. . A~ d~!esas mais u~adas na posição depressiva passam a ser a tntrojeção do bom objeto, associada com a reparação do objeto. O aumento do mecanismo de introjeção do bom objeto estimula a voraci- dade,.e esta ~á origem a outra espécie de angústia depressiva (medo de ~sva~l~ o objeto externo e interno), levando a inibições alimentares. A IdentIfl~ação com o objeto atacado (mãe) reforça os impulsos de reparaçao e leva à redução da agressividade. O controle de objetos externos e internos é outra forma de defesa contra a angústia depressiva. Visa evitar a frustração e deste modo deter a agressividade e conseqüente perigo aos objetos amados. Na p.osição depressiva, a clivagem do objeto e do selj é usada de m~do dlf~ren~e do que na posição esquizo-paranóide (Klein, 1952). Os objetos nao sao reparados em partes, mas permanecem divididos em objetos totais: são objetos vivos (intactos) e objetos moribundos ou mortos (estragados) ..Ess~ é uma modificação do conceito de clivagem us~do em. 1935. AqUI a chvagem era entre imagos boas e perigosas para evitar o rISCOde as partes más estragarem as boas, pela aproximação de ambas quando era realizada a introjeção do objeto total e real. É nesse momento qu.e a ambivalência se instala, isto é, quando a relação se faz com o objeto total. No primeiro trabalho sobre a posição depressiva, dizia Klein: "A ambivalência, efetuada junto com a cliva- geI? das im~gos3, capacita o bebê a ganhar mais confiança e fé em seus objetos reais e, portanto, nos internalizados - a amá-Ios mais e a efet~ar em maior grau suas fantasias de restauração do objeto amado" (Klem, 1935, P: 308). Simult~neamente, as angústias e defesas paranói- de~, que subsistem na posição depressiva, dirigem-se aos "maus" o~Jeto~. Is_sofaz com que a ambivalência - resultado da integração- na~ seja ta~ perturb,adora, e a culpa pelo ataque aos "bons" objetos seja menos insuportável, de vez que o ataque aos "maus" (por efeito 'A parti~ ~este ,trabalho, ~lein ~ai abandonando o uso do termo "imago'". Imago, co~o fOIVI.StO,e um conce~to.de figura mental baseado em parte na experiência com os obJ~tos re~ls: sobre ?S quais e pr?Jetada a fantasia da criança, resultando num produto mero fantástico, mero real, de figuras geralmente excessivamente boas ou más. No trabalho ~e 19~O, "O luto e sua relação com os estados maníaco-depressivos", que é uma contmuaçao do de 1935, a autora passa a usar apenas "objeto interno" e "objeto externo" . 75 da clivagem) deixa os objetos "bons" um tanto fora do alvo das defesas paranóides, mais destrutivas. Nesse estágio há um caminhar por etapas: cada passo na unificação, que aumenta a angústia depressiva, leva a nova clivagem das imagos, para tornar mais suportável ao ego a elaboração da culpa e a separa- ção. Mas, com mais adaptação à realidade, a clivagem é feita em planos cada vez mais próximos do real. Até que o amor e a confiança pelos objetos real e interno estejam bem estabelecidos .. Então a ambivalência, que protege parcialmente contra o próprio ódio e os objetos odiados, diminui normalmente de intensidade. (A proteção contra o próprio ódio, fornecida pela ambivalência, consiste em: se o objeto odiado é também percebido como amado, isso faz com que o ódio, desde que não intenso, seja contido.) Quando a elaboração da posição depressiva progride, ·0 ego vai usando mais tendências reparatórias, sublimação, defesas e mecanis- mos obsessivos e maníacos (apresentados adiante). O conceito da posição depressiva ficou praticamente inalterado nos trabalhos poste- riores. Apenas ficaram mais nítidos os limites entre posição depressiva e posição paranóide, que passou a ser chamada de posição esquizo- paranóide. Os conceitos de posição maníaca e obsessiva foram abo- lidos. A ambivalência, que na obra de 1935 era considerada em relação ao objeto total, foi revista, na nota 1 do trabalho de 1952, "Algumas conclusões teóricas sobre a vida emocional do bebê". Desde que a angústia depressiva - culpa e tendência à reparação - pode ser observada, por curtos espaços de tempo durante a posição esquizo- paranóide (em que os objetos são sempre parciais), com relação ao peito materno, amado, que pode ser destruído pelo próprio ódio do bebê, e desde que essa síntese de amor e ódio em relação ao pe.ito materno é fonte de ambivalência, então esta passa a ser admitida também em relação a objetos parciais. A fase de sadismo máximo, que era admitida como instalada a partir do sexto mês de vida (mesma época do desmame, início da dentição e logo depois das exigências de controle esfincteriano), foi deslocada para o começo da vida, coincidindo com a posição esquizo-paranóide (primeiros três meses após o nascimento). Essas experiências doloro- sas e frustradoras continuam a exacerbar o sadismo, mas não são mais prototípicas. O reforço da libido na posição depressiva abranda um pouco a severidade do sadismo. O superego é iniciado com a experiên- cia do nascimento, junto com o ego e com a primeira projeção e introjeção de objetos. O complexo de Édipo continua a ter seu início ao redor dos seis meses, junto com a predominância da posição depressiva. Cornpreen- de-se que, sendo o Édipo uma relação a três, é só quando o bebê consegue separar sua mãe e a figura do pai, ou seu pênis (nos processos inconscientes, o todo pode ser representado por uma parte), que se estabelece uma situação triangular. (Os conceitos de posição feminina do menino e masculina damenina, bem como de figura combinada, vistos nos trabalhos de 1928 e com mais detalhes na Psicanálise da Criança (1932), não são revogados; adquirem nova luz e perspectiva dentro das noções emergentes de posição depressiva e esquizo-paranóide.) Na posição depressiva continuam os mesmos impulsos orais e anais predominantes na posição esquizo-paranóide para apossar-se dos con- teúdos maternos. Apenas, são acrescidos do desejo genital pelo pênis do pai (bom e mau), que começa a tornar-se parte importante no mundo interno da criança. Os estágios primitivos do complexo de Édipo, como já foi visto nos capítulos anteriores, são muito comple- xos. Os desejos são dirigidos a objetos parciais e totais. Ocorre deflexão da libido e da angústia depressiva da mãe para o pai (por necessidade de substituir o único objeto total do qual depende e assim diluir a dependência). Essa deflexão faz com que haja dispersão para outro objeto dessas angústias depressivas. Desse modo, os estágios primitivos do Édipo precoce trazem alívio das angústias e ajudam o bebê a superar a posição depressiva. Há outro enriquecimento trazido pelo conceito de posição depressi- va coincidindo com o início do Édipo primitivo. O de que, não surgindo na fase de sadismo máximo, mas de ambivalência, o Édipo não é vivido com excessivo ódio, mas é experimentado também com senti- mentos de amor. Em trabalho de 1945, "O complexo de Édipo à luz das angústias primitivas", Klein mostra que seu paciente de 10 anos, Richard, não só atacava, na fantasia, os pais copulando, como, devido aos sentimentos de amor e angústia pela perda do objeto, sentia culpa. Por isso, enquanto Preud sugere que os desejos edipianos são renun- ciados por temor da castração, Klein acrescenta também o abandono dos objetos edipianos por amor aos pais, e para evitar estragá-los. Os desejos sexuais, por influência de angústias da posição depressiva, convertem-se em desencadeadores de fantasias reparatórias. O coito dos pais, em vez de um ato de destruição, fica transformado num ato de amor e criatividade. Os passos decisivos na elaboração da posição depressiva são dados na segunda metade do primeiro ano de vida, quando se estabelece o objeto completo, que é a precondição para o desenvolvimento normal e a capacidade de amar. Desde o surgimento do conceito de posição depressiva, Klein manteve inalterada sua opinião de que essa é a posição principal do desenvolvimenbto da criança. Se ela não for 76 77 superada, isto é, se o ego nega as angústias depressivas e o amor pelo objeto, há permanente sufocação do amor, abandono dos objetos primários e aumento das angústias persecutórias. Isto significa regres- são à posição esquizo-paranóide, formando a base de excessivas inibições intelectuais (que leva à deficiência mental), das esquizofre- nias, das psicoses maníaco-depressivas ou severas neuroses. "A pri- meira e fundamental perda de um objeto amado real, experimentada através da perda do peito antes e durante o desmame, somente resultará na vida posterior num estado depressivo se nesse primitivo período do desenvolvimento o bebê falhou em estabelecer seu objeto amado dentro do ego" ("A contribution to the psychogenesis of manic-depressive states", 1935. In: Klein, 1950, p. 307 e 308; os grifos são meus). O estado depressivo é baseado e geneticamente derivado do estado paranóide, sendo o resultado da mistura de angústias paranóides (persecutória, medo de aniquilamento do ego) e dos conteúdos da angústia, sentimentos afetivos e defesas ligadas à iminente perda do objeto amado total. O ego sente internamente que seus objetos amados estão mortos ou moribundos, e com eles se identifica. O suicídio para K. Abraham e James Glover é resultado do ódio dirigido contra o objeto interno do sujeito. Melanie Klein concorda em parte', mas julga que esse objeto interno que o suicida quer destruir é o "mau" objeto. Além disso, afirma ela, o suicídio é fruto da tentativa do ego de salvar os objetos bons (internos. e externos). Haveria então dois casos: 1. Com o suicídio realizaria a fantasia de preservar os bons objetos internos e a parte do ego com eles identificada. E também destruir a outra parte do ego identificada aos maus objetos e com o idoAssim o ego permaneceria onipotentemente unido aos bons objetos e os salva- ria de todo o mal. 2. No segundo caso, o intento suicida seria determinado por iguais fantasias (salvar os bons e destruir os maus). Só que estas fantasias seriam mais relacionadas ao mundo externo, que estaria parcialmente substituindo os objetos internos bons.' No fundo, são reações contra os ataques sádicos do bebê contra o corpo materno, que é identificado como o primeiro representante do mundo exterior (vide o capo 2 deste trabalho). O suicida quer matar esse bebê sádico para salvar o mundo- corpo materno. Os sintomas hipocondríacos e de inapetência, encontrados no me- lancólico e no paranóide, podem ser ligados às flutuações da angústia depressiva e persecutória do bebê: temor paranóide de incorporar maus objetos, que vão envenenar e destruir o ego; ou temor depres ivo de prejudicar o bom objeto comendo-o canibalisticamente. Klein mostra a mudança de acento na angústia de um paciente hipocondríaco: no começo da análise, os sintomas hipocondríacos indicavam temor por sua própria integridade - significavam que ele estava envenenado ou estragado por dentro. Quando, através da análise, sua posição depressiva passou a primeiro plano, seus temores hipocondríacos eram experimentados com relação a seus "pobres órgãos", que estavam ameaçados e precisavam de cuidados: esses órgãos representavam inconscientemente seus objetos internos (pai, mãe, irmãos) que precisava tratar. Seria interessante uma leitura dos casos clínicos, descritos por Klein (op. cit.) nas páginas 293 (paciente "X") e 295 (paciente "Y"), para ter uma visão da intuição clínica na compreensão de quadros complicados. 5.3. A posição depressiva e as defesas maníacas Para Freud (1917), os conteúdos das manias têm as mesmas bases da melancolia. E a mania lhe parecia, de fato, uma defesa contra a melancolia. Klein concorda, e acrescenta que a mania é não só uma maneira de escapar da melancolia, mas é também uma defesa contra aspectos da paranóia que ficaram sem controle. O ego na posição maníaca usa defesas pertencentes a diferentes fases do desenvolvi- mento e mutuamente incompatíveis. Por exemplo, quer livrar-se da torturante e perigosa dependência dos bons objetos. Isto é, livrar-se da angústia depressiva que torna o ego aflito pela sobrevivência e integri- dade daqueles de quem depende para continuar vivo. Para isso bastaria desligar-se deles. Mas para o ego já relativamente desenvolvido (com- parado ao paranóide), a identificação com os objetos já é demasiado profunda para renunciar a eles. Por outro lado, o ego é perseguido pelos maus objetos e pelo idoAssim, para escapar da dependência e da perseguição, lança mão de defesas contraditórias. Defesas maníacas 1. Sentimento de onipotência. É o mais característico da mania. 2. Negação ("denial") da realidade psíquica. Utilizada como defesa contra os perseguidores internos e o idoPortanto, o que é negado, antes de tudo, é a realidade psíquica (isto é, a existência de um mundo interno, com objetos internos, suas relações entre si e com o selj, c os sentimentos e ações involucradas nessas relações). A partir da negaçuo da realidade psíquica, a realidade exterior é negada em grande parte (11 consideração, o temor, a dependência dos objetos externos). , Isso pode ser visto nos ataques dos pilotos suicidas (Kamikaze), que se lançavam com o avião carregado de bombas para afundar o navio inimigo. 7R I'J 3. Negação da importância dos bons objetos e dos perigos dos maus objetos e do ido O ego recorre a esses mecanismos para resolver o problema insolúvel de se desapegar dos objetos sem renunciar a eles completamente.O que torna inviáveis as soluções das defesas manía- cas é que o ego se atribui 'um poder que realmente não tem; e uma independência que realmente não possui. Sugere a situação da crianci- nha que, enfadada (ou assustada) com os pais, resolve ir embora de casa batendo a porta solenemente. Como não pode manter-se, dá uma volta no quarteirão e volta para casa. 4. Domínio e controle de todos os objetos. Aqui é utilizado o sentimento de onipotência, que é muito específico da mania. Há duas finalidades: a) negar o medo dos objetos que o estão ameaçando; b) realizar reparações no objeto, mecanismo adquirido na própria posição depressiva.' Dominando os objetos, a pessoa maníaca pensa poder evitar que lhe causem dano e, também, que se ataquem entre si. No fundo, o domínio dos objetos visa evitar o coito sádico entre os pais' internalizados, que poderia ocasionar a morte de ambos na fantasia." Seriam estas tentativas onipotentes e infrutíferas de controlar e con- sertar tudo que estariam por detrás da hiperatividade do maníaco. Através de sua agitação, refletiria fantasias inconscientes de prevenir ou reparar os estragos da figura combinada. 5. Depreciação e 'desprezo do objeto. Permite ao ego desapegar-se dos objetos e simultaneamente conservar a fome por eles. Desse modo Klein explica o postulado de Freud sobre o ego e o ideal-do-ego na mania: o ego incorpora o objeto de uma forma canibalística (o "fes- tim", como Freud designou, referente à mania); ao mesmo tempo o ego nega qualquer consideração pelo objeto, como se dissesse: "não importa se o destruí; há tantos para comer". Todavia, esses mecanis- mos representam um avanço no fortalecimento do ego na relação com seus objetos, porque lhe permitem um certo distanciamento e indepen- dência que não conseguia nos primórdios da posição depressiva. 6. O triunfo sobre o objeto controlado ou morto é outra forma de defesa maníaca que Klein descobriu nos estados de luto e será visto com detalhes no item correspondente, a seguir. São tantas as variações das defesas maníacas que não é fácil propor um ,mecanismo geral que as subentenda. Klein.supõe.queovneccnismo geral da mania seria o controle dos pais internalizados, ao mesmo tempo em que é negada e depreciada a existência desse mundo interno. Comparando com o controle obsessivo dos objetos (no brincar da criança ou no paciente adulto), a forma de evitar a angústia causada pelos pais se autodestruindo no coito é separando-os. Quando o sujeito está num momento maníaco, os métodos são mais violentos: os objetos são mortos para não haver o perigo da cópula. Mas como o sujeito é onipotente, pode ressuscitá-los imediatamente. Matar corresponde ao mecanismo de defesa da posição paranóide - destruição do objeto -, ressuscitar, à reparação da posição depressiva. Depois do trabalho de 1940, "O luto e sua relação com os estados maníaco-depressivos", M. Klein não voltou a utilizar o conceito de posição maníaca, instituído em 1935. Diz que para defender-se dos sofrimentos da posição depressiva, o ego usa métodos fundamentais para sua organização total. "Eu anteriormente denominei alguns des- ses métodos defesas maníacas, ou a posição maníaca, por causa de sua relação com a doença maníaco-depressiva. Essas flutuações entre as posições depressiva e maníaca são uma parte essencial do desenvol- vimento normal "("Mourning and its relation with manic-depressive states" , 1940. 1n: Klein, i950, p. 316; os grifos são da autora). Notem que Klein usa as expressões defesas maníacas e posição maníaca como equivalentes. E em seguida fala das flutuações posicio- nais como essenciais para o desenvolvimento normal. Mas já no trabalho de 1935 afirma que, quando o bebê falha no estabelecimento do objeto amado dentro do ego, recorre à fantasia maníaca de contro- lar o peito e, logo, os pais internalizados (bem como os externos). São características da posição maníaca para combater a posição depressi- va. Cada vez que o bebê reencontra o peito, confirma o processo maníaco da coincidência entre o ego e o ideal-do-ego (Freud) e também a fantasia maníaca sobre os bons objetos internalizados, sob controle. Quanto mais o bebê teve uma relação feliz com a mãe nesse estágio, mais capaz é de superar a posição depressiva. Todavia, após 1940, Klein abandona o termo posição maníaca, adotando o termo defesas maníacas. Baranger (Baranger, 1970) supõe que o abandono da noção de posição maníaca se deve à falta. de uma angústia específica, como nas posições paranóide e depressiva. De fato, a posição maníaca fica defendendo o ego do temor persecutório do mau objeto e do sofrimento e reparação do bom objeto, que são respectivamente angústias paranóides e angústias depressivas. 5.4. O luto e os estados maníaco-depressívos 'Como se trata de reparações maníacas, baseadas na onipotência, são de nature- za impraticável, geralmente. ..Klein (op. eit" p. 299) cita Bertram Lewin, cujo paciente maníaco agudo iden- tificava-se com ambos os pais copulando, Psyeho-Ana/ytie Quarter/y, 1933. Em "O luto e sua relação com os estados maníaco-depressivos" (1940), Klein deixa expresso que esse trabalho corresponde a uma NO 81 continuação do trabalho anterior, "Uma contribuição à psicogênese dos estados rnaníaco-depressivos " (1935). Na posição depressiva in- fantil, o luto primitivo do bebê é revi vido quando, posteriormente, ocorre a perda de um objeto real. Na posição depressiva infantil, as defesas maníacas, como foi visto, auxiliam a suportar a dor pela perda do objeto amado e a culpa resultante. A idealização é apresentada como mecanismo essencial da posição maníaca, ligada a outro importante elemento, a negação. Sem a nega- ção parcial e temporária da realidade psíquica, o ego sucumbiria à catástrofe que o ameaça quando a posição depressiva está no ápice. O triunfo é outro elemento da posição maníaca descrito em detalhes, e que de fato atrapalha o trabalho de reparação, sublimação e luto. Quando o trabalho de reparação do objeto amado prejudicado está sendo efetuado, se no fundo da mente isso significa um triunfo sobre ele, a reparação fracassa e a culpa não é aliviada. "O triunfo sobre os objetos internos que o bebê controla, humilha e tortura é uma parte do aspecto destrutivo da posição maníaca que perturba a reparação e a recriação de seu mundo interno e da paz e harmonia interna; e assim o triunfo impede o trabalho do luto primitivo ("Mourning and its relation with manic-depressive states", 1940. ln: Klein, 1950, p. 319). A morte da pessoa amada real pode despertar ódio, que na situação de luto é sentida como triunfo sobre o morto, uma vitória, e aumenta a culpa. No luto normal há também sentimento de triunfo sobre o morto, com a conseqüência de retardar o trabalho de luto ou aumentar as dificulda- des e dor do enlutado. Na concepção de Freud, o trabalho de luto consiste principalmente no teste da realidade, ou seja, estabelecendo contato com o mundo real, descobre e redescobre que a pessoa amada não mais existe. No trabalho "Luto e a melancolia" (1917), Freud se pergunta pela razão de o trabalho do luto ser tão doloroso. Klein sugere que o teste da realidade não se refere só à realidade externa. O teste da realidade interna mostra que a pessoa amada perdida estava identificada com os objetos bons internos, e que sua perda representa um desmoronamento de todo o mundo interno, que deve ser reconstruído. Não é só a pessoa que morre que é perdida, mas todo o universo interno da pessoa, identificado com o morto, fica destruído. Por isso o trabalho do luto é tão penoso e prolongado. "O enlutado está de fato doente, mas, porque este estado de mente é comum e nos parece tão natural, não o chamamos de doença" ("Mourning and its relation to manic- depressive states". ln: Klein, 1950, p. 321). O estado de luto é um estado maníaco-depressivo transitório e modificado, superável pela repetição, em diferentes circunstâncias, das manifestaçõesda posição depressiva infantil. Há recrudescimento das angústias paranóides (a perda dos bons objetos deixa o ego exposto aos objetos persecutórios) e reativação das defesas maníacas (para controlar essas angústias de aniquilamen- to). O trabalho de luto implica na superação das regressões paranóides e dos mecanismos maníacos, até que o mundo interno seja restaurado. Se as ansiedades depressivas não puderem ser superadas pelo enlutado, resultará o "luto anormal" (excessiva ligação interminável ao morto, ou seu inverso, indiferença pela perda) ou doença mental. Na incapaci- dade de sentir luto (por incapacidade de reconstruir o objeto amado dentro de si), o sujeito afasta-se das emoções mais do que antes da perda real, e portanto nega seu amor pelo morto. As emoções de qualquer espécie ficam inibidas, causando grande pobreza afetiva. Em outros casos, o amor é ainda mais sufocado, e o ódio cresce. Se o trabalho de luto for bem-sucedido, pode levar a enriquecimento do enlutado. Experiências dolorosas de qualquer espécie (que simbolica- mente equivalem ao luto) reativam os mecanismos da posição depressi- va. Podem ser acionados os aspectos criativos da posição depressiva à semelhança do bebê que mobiliza seu amor, capacidades e habilidades para recriar o mundo interno bom atacado. Quando decresce a onipo- tência do bebê, há intentos de reparar também os objetos externos. Estimulando sublimações e produções de variados tipos (pintura, literatura), equivalentes à reconstrução do objeto bom perdido, depois de superado, o luto normal torna a pessoa enriquecida. Outras formas de enriquecimento podem ocorrer: a pessoa pode se tornar mais capaz de apreciar pessoas ou coisas, tornar-se mais tolerante, mais sábia. Quando a análise diminui as angústias devidas à destrutividade dos pais internalizados, e, com isso, seu ódio por eles, a angústia depressi- va também é reduzida. O paciente revisa a sua relação com os pais mortos na realidade - ou ainda vivos - e os reabilita, mesmo que haja motivos para queixas reais. As conclusões a que chega Klein no trabalho sobre o luto são: - Quanto à semelhança, tanto no luto normal como no anormal, e nos estados maníaco-depressivos, a posição depressiva infantil é reati- vada. - Quanto à diferença fundamental entre os que conseguem elaborar o luto com sucesso, de um lado, e de outro os que apresentam luto anormal ou estados maníaco-depressivos - estes últimos não foram capazes, quando bebês, de estabelecer seus "bons" objetos internos e se sentirem seguros em seu mundo interno. Mas o que significa estabelecer um "bom" objeto interno e sentir-se seguro em seu mundo interno? Klein esclarece-nos com uma detalhada e útil explicação no X2 XI trabalho "O luto e sua relação com os estados maníaco-depressivos" (1940), publicado em Contributions to Psycho-Analysis, página 314: "Todas as satisfações que o bebê vive na relação com sua mãe são as muitas provas de que o objeto amado interno bem como o externo não e~tão estrag.ad?s,.n~o se tornaram uma pessoa vingativa. O aumento do amor e da confiança e a diminuição dos temores através de experiências felizes ajudam o bebê, passo a passo, a superar sua depressão e sentimentos de perda (luto). Estes o capacitam a t~star ~ua realidade interna por meio de sua realidade exterior. Sendo amado, e pela satisfação e conforto que tem em relação às pessoas, sua confiança na própria bondade, bem como ?a dos outros se fortalece· sua esperança de que os "bons" objetos e seu próprio ego podem' ser salvos e ;reservados aumenta, ao mesmo teT?po q~e sua ambi~alência e agudos temores de destruição interna diminuem" (os gnfos sao de M.Klem). Por outro lado, experiências desagradáveis para o bebê ou a falta de relações gratificantes e felize~ com pessoas amadas ~um~?tam, ,a ambivalência diminuem a confiança e a esperança no objeto bom , aumentam as' angústias persecutórias e comprometem, às vezes defini- tivamente, a segurança interna. Nestas condiç~e~ é precári~ (ou mes- mo impraticável) a elaboração exitosa da posiçao depre~slva ~em_o auxílio da análise. Por estes dados se pode ver que Melame Klein nao descuida da importância decisiva dos fatores externos, mesmo se, no calor das descrições das relações objetais de natureza fantástica, os processos primitivos de introjeção e projeção disfarçam tanto ~s objetos reais que aparentemente eles parecem estar em plano secunda- rio. Afinal de contas, o próprio analista é um representante do mundo externo e às vezes só com seu auxílio a posição depressiva consegue ser meIilO~ elaborada, permitindo um desenvolvimento e enriqueci- mento da personalidade que de outro modo não seriam alcançados. A posição esquizo-paranóide Ao abordar o estudo da posição esquizo-paranóide é necessário destacar desde logo alguns aspectos importantes para evitar dificulda- des de entendimento: a posição esquizo-paranóide como etapa normal do desenvolvimento de qualquer ser humano; a posição esquizo- paranóide como ponto de fixação da psicose esquizofrênica e de personalidades esquizóides (patologia); e a posição esquizo-paranóide como momento de regressão temporária no funcionamento de persona- lidades não-psicóticas (inclui os ditos "normais"). 1. A posição esquizo-paranóide como etapa normal do desenvolvi- mento. A discussão entre posição e fase (ou estágio) do desenvolvi- mento já foi abordada no estudo da posição depressiva. Realmente, quando Klein descreve o funcionamento mental do bebê nos primeiros três ou quatro meses de vida, está considerando a posição esquizo- paranóide como uma etapa natural do desenvolvimento humano. Esta etapa compreende um estado peculiar do ego: fragilidade, falta de coesão, desagregação; estados emocionais, mecanismos defensivos e relações de objeto característicos, que serão vistos em detalhe mais adiante. 2. A posição esquizo-paranóide como ponto de fixação de psicoses e estruturas de personalidade esquizóide significa que o sujeito, ao atravessar essa etapa inicial da vida, sofre o efeito de uma combinação de fatores internos (constitucionais) e externos (ambiente traumático) que perturba a transposição normal dessa etapa. Começa já a apresou tar defeitos de adaptação que interferirão na ultrapassagem da posiçuo R4 d .prcssiva (iniciada normalmente entre o terceiro ou quarto mês após o nascimento). Essas perturbações estruturais da personalidade ficam fixadas e funcionam como fator predisponente. No futuro, fatores desencadeantes (novos traumas, frustrações excessivas e prolongadas, às vezes efeito da própria falha adaptativa prévia; incremento de pulsões sexuais na puberdade) provocam regressão ou exacerbação de mecanismos esquizóides, surgindo manifestações típicas das psicoses esquizofrênicas. 3. A posição esquizo-paranóide como momento de regressão tempo- rária implica uma concepção de fluidez dinâmica na integração da personalidade. Aqui, sim, o conceito de posição é mais adequado do que o de etapa. Esclarecendo: Klein admite que os estados mentais não são estáticos. As pessoas oscilam entre momentos de maior ou menor lucidez; maior aproximação e maior distanciamento da realidade. Estas variações implicam maior e menor integração da personalidade. Se for concebido que aos momentos de maior integração corresponde um estado mental definido como "posição depressiva" e, aos de menor integração, como "posição esquizo-paranóide", então o indivíduo oscilará entre essas duas posições, dependendo das angústias, defesas e fantasias que estejam predominando em sua relação com os objetos internos e externos. Esse conceito de oscilação entre duas posições é muito útil durante a sessão de análise, porque permite ao analista verificar se o analisando está conseguindo enfrentar as angústias depressivas ou fugir delas. 6.1. Histórico do conceito de posição esqulzo-paranôíde o conceito, tal como se nomeia, foi aplicado no trabalho que Klein trouxeà luz em 1946, "Notas sobre alguns mecanismos esquizóides". Todavia, por ocasião dessa publicação, ainda usava a denominação de "posição paranóide" (tal como no artigo de 1935, "Contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos"). Porém, ao republicar "Notas sobre alguns mecanismos esquizóides" na coletânea comemo- rativa de seu septuagésimo aniversário, Progressos em Psicanálise (Developments in Psycho-Analysis), em 1952, Klein resolveu ajuntá-lo ao termo "posição esquizóide" usado por W. R. D. Fairbairn (1941; 1944), passando a adotar a designação definitiva de "posição esquizo- paranóide". Essa noção, em alguns aspectos essenciais, já era usada por Klein em seus primeiros trabalhos com o nome de "fase persecutó- ria". Assim, para acompanhar o uso do conceito no desenvolvimento da obra kleiniana, observem que, primeiramente, até 1935, foi designa- do como "fase persecutória"; a partir daí e até 1946, "posição paranói- de"; daí em diante, "posição esquizo-paranóide". 6.2. Características da posição esquízo-paranõíde Talvez se se acompanhar o funcionamento do ego desde o nasci- m~.nt~,fique mais acessível o ente~dimento da "posição esquizo-para- nóide como etapa do desenvolvimento normal. Não foi fácil para Klein chegar até aí. Nem para Freud. Freud concebe, no trabalho de 19~3- "O ego e o id" -, que não existe um ego desde o nascimento. EXIste um ego-id indiferenciado. Esse aglomerado indiferenciado vai- se organizando, ~:ra~és do tempo, em torno de rudimentares ações de ~ercepçao-conSCIenCIa, formando um primitivo ego que se destaca do I~. O super~go, como já foi visto, só se formará, para Freud, após os cinco ou seis anos de idade, com a dissolução do complexo de Édipo. Klein já ad.mite um ego ao nascer, bem como, logo em seguida, um superego rudimentar, originário da primeira introjeção dos objetos parciars. Mas vamos por etapas. Klein discute com Freud usando o próprio. Freu~. E sua lógica parece bem fundamentada na própria metapsicologia proposta por Freud. Essa discussão encontra-se no artigo de Klein publicado em 1948, "Sobre a teoria da angústia e da culpa". Apóia-se nos conceitos de instintos de vida e de morte postula- dos por Freud em seu denso trabalho de 1920: "Além do Princípio do Prazer". Em suma, Freud diz que antes do nascimento os instintos de vida e de morte estão fundidos. Ao nascer, ocorre sua defusão, isto é, separam-se ambos os instintos, e, ficando livre, o instinto de morte procura atingir .seu.fim, que.é a destruição do organismo. O organismo, valendo-se do instmto de vida, consegue defletir para o exterior uma parte do instint~ de morte, outra é ligada pela própria libido (ou seja, é contida, neutrahzada), enquanto outra parte do instinto de morte ainda permanece no interior do organismo. . O,b~ervem que Freud, ao falar destes processos, emprega termos blOl~gICOS,em vez de psicológicos. Isso se deve em parte a que ele não ~d~Ite um ego desde o nascimento, e, por outra, que ele não aceita a idéia d~ ~orte no inconsciente. Melanie Klein, superando as limitações naturalísticas do pensamento freudiano, postula que já existe um ego ao nasc~r. E es~e ego rudimentar que percebe a presença do instinto de ~orte, mc.ons.cIentemente. Todavia, não se trata de uma percepção dIre~a .do I?st!n.to, o que seria impossível. O que o ego percebe é a angustia pnmana. A presença do instinto de morte é percebida como o medo ~~ aniquilamento. Para_evitar o p~óprio aniquilamento, o ego põe em pratica sua primeira açao defensiva - a deflexão. (Deflexíio. expulsão e projeção são, a grosso modo, sinônimos no pensam 'II!!I H/ kl iniano.) I Como resultado da deflexão, surge o primeiro objeto persecutório , situado fora do ego. "Fora" e "dentro" neste contexto não correspondem à noção geográfica e espacial do adulto. O ego primitivo não apresenta diferen- ciação entre realidade exterior e realidade psíquica. E este um proble- ma filosófico e psicológico ainda não resolvido. Para fins clínicos, e considerando que o bebê não dispõe de representação verbal, aquilo que abstratamente se chama' 'fora" , no meu entender, corresponderia à vivência de "muito longe"; e, "dentro", semelhante a "muito perto" . A explicação kleiniana desses primeiros movimentos vitais ao nasci- mento parece-me muito mais coerente que a de Freud. Pois como poderia o organismo defletir o impulso destrutivo, se essa é uma função psíquica? Ademais, por que o organismo defletiria o instinto de morte se não tivesse percepção do perigo, que é outra função psíquica? A deflexão é um mecanismo de defesa e, por definição, uma função do ego. Expressões como deflexão, objeto persecutório, instinto de morte são concepções abstratas. Uma preciosa contribuição de Susan Isaacs, íntima colaboradora de M. Klein, ajuda-nos muito a relacionar as noções abstratas com a experiência clínica. Em seu trabalho "A natureza e função da fantasia", que faz parte da coletânea Progressos em Psicanálise, editada por M. Klein em 1952, Susan Isaacs propõe a noção de "fantasia inconsciente" como sendo a expressão mental dos instintos. Mas não só dos instintos: "Todos os impulsos, todos os sentimentos, todos os modos de defesa são vivenciados na fantasia, a qual lhes dá vida mental e mostra sua direção e propósito" (Isaacs, em Klein, 1952, p. 81 e 82). Aproveitando essas concepções de Isaacs sobre fantasia inconsciente, aquilo que abstratamente e chamado instinto de morte é vivenciado pelo ego como a fantasia de um monstro aterrorizante querendo aniquilá-lo. A deflexão corresponde a uma fantasia onipotente de expulsão desse monstro aterrorizante para fora ("bem longe"). Portanto, a deflexão não se faz no vácuo,· nem a fantasia existe no vazio. Ao ser realizada a expulsão, já se estabelece uma relação de objeto: o sujeito sendo perseguido por um monstro perigoso mantido o mais longe possível. Não esquecer que ao instinto de vida também correspondem fanta- sias inconscientes. Cria-se um objeto que protege e dá vida ao ego. Na I Numa nota de rodapé do trabalho de 1958, "Sobre o desenvolvimento do funcionamen- to mental" Klein dá uma clara idéia do que entende por "deflexáo": o instinto de morte é primeiro clivado, ficando uma parte dentro do ego, outra projetada. A pa.rte projetada transforma-se num objeto persecutório. A parte do instinto de morte que fica dentro do cgo transforma-se em atacante da parte projetada. mente onipotente do bebê, ao desejo de comer corresponde um p lto generoso e nutritivo, que é incorporado. O primeiro objeto do bebê o peito. Mas o que é chamado "peito" é apenas o alicerce dessa fantasia. Combinando as noções de instinto de vida e de morte, e de peito como objeto desses instintos, à defusão dos instintos correspondem duas espécies de peitos: o "peito mau" seria continente do instinto de morte, enquanto o "peito bom" conteria o instinto de vida. Talvez com esse preâmbulo, as concepções da posição esquizo- paranóide se tornem um pouco mais acessíveis. Como foi visto, o ego dessa etapa inicial da vida é frágil e carece de coesão. Essa fragilidade, contudo, é paradoxalmente sua força. Para se ter uma idéia, imaginem um sujeito inexperiente diante de um touro bravo. Desmaiar pode ser sua melhor defesa. O ego, diante do representante do instinto de morte, divide-se. Divisão, cisão ou c1ivagem são as várias traduções que em português se dá ao termo splitting, em inglês. Ao efetuar a c1ivagem, Klein admite que o ego age ativamente para se defender da defusão dos instintos de vida e de morte. A defusão seria uma clivagem? Penso que não. A defusão seria um movimento vital que estaria no limiar entre o somático e o psíquico, como o próprio conceito de instinto definido por Freud. A defusão colocaria o ego diante de duas forças. Ao instinto de vida corresponderia a fantasia do "peito bom"; ao instinto de morte corresponderia a fanta- sia do "peito mau". E seria então para manter separadosos peitos bom e mau, e evitar a destruição do primeiro, que entraria em ação o mecanismo de c1ivagem. Existindo um ego desde o começo da vida, existem também, desde o início, relações de objeto. Mas os objetos da relação esquizo- paranóide apresentam essa característica: são c1ivados.· Quer dizer: são considerados protetores do ego ("bons "), ou perigosos para o ego ("maus "). Isto é, os objetos estão sempre partidos, cindidos nessas duas qualidades. Os objetos bons são amados pelo ego; os maus, odiados. Mas de que modo se estabelecem as relações de objeto nos primórdios da vida? Este é um problema complicado e nunca resolvi- do. Mas, para dar coerência ao pensamento de Klein, é forçoso admitir que desde o nascimento estabelece-se algum contato com os objetos reais, externos (por oposição a objetos fantásticos, internos). Contu- do, o suporte da realidade nestas relações objetais primitivas é ainda diminuto. Predominam as relações com objetos determinadas pelas fantasias. E aqui que entram os dois outros principais mecanismos da posição esquizo-paranóide: a projeção e a introjeção. (O terceiro principal mecanismo desta posição é a c1ivagem.) A projeção consiste no transporte, para o "exterior", de aspectos de vivências do ego que ele precisa manter "fora". E a introjeçâo. no K'l IIunsportc para "dentro", de aspectos de vivências do ego que ~le que~ ou precisa retirar do "exterior". (Lembrem que as aspas estao aqui colocadas para exprimir a diferença que os termos têm para a mente mais evoluída.) Na experiência do bebê, que vive num mundo concre- to, ao mecanismo que abstratamente se chama projeç~o corres~on~e, aproximadamente, uma fantasia corporal de expulsao (por vomIto: micção, defecação, cusparada) de algo odiado e temido. Mas o bebe também precisa de "benfeitores" e "protetores". Por isso, ele tam- bém projeta aspectos de fantasias continentes do instinto de vida e que vão cuidá-lo, alimentá-lo, aquecê-lo, acariciá-lo e amá-lo. Do mesmo modo, e inversamente, acontece com a introjeção: o bebê executa, através da fantasia onipotente, movimentos de comer, engolir, sugar, inspirar aspectos de vivências na relação com o objeto que ficam então "dentro do corpo" do bebê. Introjeção e projeção são, portanto, o modo primitivo de o bebê estabelecer contato com o mundo objetal. A cada projeção corresponde uma introjeção. Como o projeção _se faz sobre algo da realidade (o peito, a mão, o rosto, a presença da mae, por exemplo), que modifica um tanto aquilo que na fantasia f?i pr?jetado, então, ao ser efetuada a introjeção correspondente, o objeto mcorpo- rado já está um tanto modificado. . _ Já foi visto que a angústia primária é provemente da percepçao inconsciente do representante do instinto de morte. Há duas outras fontes de angústia primária, estas provenientes da ação do mun_do exterior: o trauma do nascimento, vivido como angústia de separaçao; e frustração de necessidades corporais (fome, frio etc.), vividos como angústia primária de aniquilamento por objetos maus; porque, a c.ada sentimento de mal-estar, o bebê projeta uma fantasia de um objeto responsável por seu sofrimento. . _ Os processos de deflexão do instinto de morte ou sua .h~açao no interior da mente pelo instinto de vida não alcançam seu obietivo. Isso quer dizer que o ego primitivo, para defender-se da angústia de s~r destruído por dentro, recorre ao mecanismo de despedll:ç~r-se. ~.I~m admite que o mecanismo de clivagem é ativo: o ego se divide e divide sua relação com o objeto "mau" de forma ativa. Isso leva ao passo seguinte. 6.3. Estudo do processo de clivagem em relação ao objeto O impulso destrutivo clivado e projetado fora é primeiramente vivido como ligado ao peito materno, que fica portanto dividido num "peito mau" que ameaça o sujeito de devorá-l o (continente de impul- sos destrutivos sob forma oral). Simultaneamente, o bebê projeta seu amor e o atribui ao peito gratificante, que se converte no "peito bom". Então inicialmente existem dois objetos na posição esquizo-paranóide: 90 os peitos "bom" e "mau", respectivamente ligados a cada parte do ego que se relaciona separadamente com cada um. Mas a coisa não fica só aí. Surgem complicações devido a momentos em que as frustrações e a angústia se intensificam. O aumento desses sentimentos desagradá- veis reforça os desejos orais sádicos e canibalísticos. Em conseqüência dos ataques fantásticos do bebê contra o peito "mau" (frustrador), este fica imaginado como despedaçado. Cada pedaço se converte num novo inimigo. O ego fica ameaçado por uma multidão de agressores, que nessa nova forma assume o nome de "objeto persecutório". Como o objeto persecutório está sempre despedaçado em múltiplos fragmen- tos aterrorizantes, mais correto seria chamá-l o no plural: "objetos persecutórios". Esses objetos persecutórios são incorporados caniba- listicamente (introjetados), engolidos, para se livrar dos inimigos. Todavia esse é um tiro que sai pela culatra. Porque, tendo engolido os inimigos, eles agora ameaçam o sujeito por "dentro". O peito gratificador, que nutre e protege o ego, é amado e sentido inteiro, completo, é considerado o "peito bom". Esse peito bom, sendo introjetado, age como um ponto nuclear dentro do ego. Torna-se uma fonte de integração e coesão que contrabalança a clivagem e a fragmentação e dispersão do ego e dos objetos. O peito bom pode contrapor-se à dispersão de ameaças do peito mau. Contudo, não é adversário à altura do "peito persecutório" (multidão). O peito bom é abalado por angústias e frustrações internas, que perturbam a clivagem entre bom e mau. Isso significa que o peito bom é derrotado, feito também em pedaços. É nesse momento que, para sobreviver, o bebê precisa invocar outro protetor ainda mais poderoso. O que quer dizer que ele precisa inventar outros mecanismos de defesa, além dos três básicos já vistos (clivagem, introjeção e projeção). 6.4. Mecanismos complementares. da posição esquizo-paranóide São seis os mecanismos complementares, e sempre se ligam a clivagem, introjeção e projeção: negação, idealização, onipotência, abafamento das emoções (stifling of emotions), identificação projetiva e identificação introjetiva. O pobre ego, que foi deixado a braços com uma multidão de objetos persecutórios, não contando mais com o objeto bom para protegê-l o - porque este foi fragmentado por excessiva angústia e frustração -, recorre em desespero ao mecanismo de idealização, criando uma espécie de superobjeto - o "peito idealizado". Este peito idealizado é construído à base de outros mecanismos. A partir do peito bom, realiza-se uma clivagem: o peito bom fica purificado dos elementos perecíveis; através da onipotência, atribui-se-lhe a indestrutibilidade, a onisciência etc. Este peito idealizado consegue acalmar o ego do medo (11) miquilamento e também satisfazer sua voracidade. 2 Contudo, esses 111' .anismos não se processam no vazio. Ocorrem na mente humana, a m ntc do bebê, no caso. Isto é, se o auxílio externo ao bebê não vem logo, a fome, o frio, a dor, frustrações e angústias diversas perturbam sua relativa segurança e bem-estar. Lança mão então de mecanismos de negação: nega as frustrações, a dor, o temor, nega a ameaça do objeto persecutório. E mais, cria através da onipotência um universo interno idealizado, uma espécie de paraíso, protegido e mantido por uma espécie de deus, o objeto idealizado, e, nesta realização alucinató- ria de desejo de um bem eterno, corta as ligações com a realidade exterior. Esse distanciamento da realidade externa, dos objetos con- cretos que o bebê ama e de que necessita, é facilitada pelo abafamento das emoções. É negada a angústia, a frustração, mas também é perdido o contato com as emoções de amor, interesse, provocando uma perturbação no contato com a realidade psíquica e com a realidade externa. A negação onipotente do objeto persecutório equivale à sua destrui-ção. Porém, além da negação do objeto perseguidor, é negada também uma relação com esse objeto. E, como a relação se faz entre o objeto e o ego, isso equivale também à destruição da parte do ego ligada ao objeto negado. 6. S. Conceito de identificação projetiva e introjetiva Dada a importância que o conceito de identificação projetiva foi adquirindo na obra de Melanie Klein e seus seguidores, convém abordá-Io com destaque. Trata-se de um mecanismo de defesa que se forja na posição esquizo-paranóide. Representa, principalmente, um tipo particular de relação de objeto. É uma relação em que o objeto, enquanto tal, desaparece, para dar lugar a um objeto que é o prolonga- mento do ego, isto é, uma identificação. Nesse sentido, trata-se de uma relação narcisista de objeto, ou seja, o ego se relaciona com uma parte que parece estar fora, no "objeto", mas, na verdade, inconscientemen- te, é uma parte de si mesmo. A primeira descrição que faz M. Klein da identificação projetiva comunica a idéia de que se trata de uma relação agressiva. Todavia, logo a seguir, esclarece que se trata também de uma relação amistosa. Na verdade, a identificação projetiva é o protótipo da relação de objetos. Sem ela não haveria relações posteriores mais diferenciadas. Vamos por partes, para acompanhar a descrição que Klein faz do conceito de identificação projetiva em "Notas sobre alguns mecanis- mos esquizóides" (1946). I li partir da c1ivagem e da onipotência, o peito frustrador, persecutório é mantido longe do peito idealizado. I) Falando dos ataques ao peito materno, Klein deduz qu ,1 estendem posteriormente ao interior do corpo da mãe, mesmo ant 'S ti . ela ser concebida como pessoa inteira. (Na posição esquizo-paranóid . as relações são sempre com objetos parciais. Em conseqüência, o ego também está sempre dividido em "bom", "mau", "fragmentado" e "idealizado", por identificação com os objetos parciais corresponden- tes. A esses objetos parciais correspondem também objetos internos que representam as primeiras figuras superegóicas.) Os ataques ao corpo da mãe seguem duas linhas formais, uma sado- oral, com fantasias de engolir, esvaziar, cortar, roubar os conteúdos maternos (que serão vistas em relação com a introjeção), e outra linha de ataque sob forma de fantasias de ataque anal e uretral. Citando M. Klein: "A outra linha de ataque deriva de impulsos anais e uretrais e implica a expulsão de substâncias perigosas (excrementos) para fora do sujeito (sei!) e para dentro da mãe. Junto com esses excrementos danosos, expelidos com ódio, pedaços do ego são também projetados na mãe, ou, como preferiria dizer, dentro da mãe". (Aqui Klein introduz uma nota para esclarecer que "projetar dentro de outra pessoa" parece-lhe a única forma de transmitir um processo incons- ciente em termos da fantasia do bebê que ainda não pensa por palavras.) Continuando com a citação: "Esses excrementos e partes más do sujeito têm o intuito não só de atacar mas também de tomar posse e controlar o objeto. No momento em que a mãe contém as partes más do sujeito, ela não é mais sentida como um indivíduo separado, mas é sentida como o sujeito mau (bad self). Muito do ódio contra partes do sujeito é agora dirigido contra a mãe. Isso leva a uma forma particular de identificação que estabelece o protótipo de uma relação agressiva de objeto. Eu sugiro para esses processos o termo 'identificaçãoprojetiva' " (Klein, 1975, p. 8). Como foi mencionado, não só as partes más, mas também as partes boas do sujeito são partidas e projetadas no objeto. Isso dá origem a relações de amor, confiança, o que forma a base de relações positi- vas e construtivas, primeiro com o peito, depois com outros objetos e finalmente com pessoas. Se há excesso de projeção de partes agressi- vas, o sujeito se enfraquece em virtude do significado de vigor, potência etc., que se associa à agressividade. Se são excessivamente projetadas partes boas do sujeito e bons sentimentos, há empobreci- mento do ego. Isso será visto com mais detalhes quando for abordada a patologia da posição esquizo-paranóide. Apenas para fornecer um esclarecimento adicional do significado do conceito de identificação projetiva, citarei um exemplo clínico simples de minha experiência. Uma analisanda já em atendimento durante alguns meses encontrou-se, por acaso, em minha sala de espera, com ~IIH antiga professora, que lhe disse também ser minha cliente. Na xcxsâo que se seguiu, a analisanda, que evitava deitar-se no divã, alegou que não podia mesmo fazer uso do divã porque aquela ex- professora encontrada na sala de espera era "ensebada e suja". Aqui é evidente o uso da identificação projetiva, pois, mesmo sabendo que sua ex-professora era minha cliente, não podia saber que ela fazia uso do divã. Assim, o divã - que era um prolongamento do analista - estava "ensebado e sujo" como efeito de uma percepção alucinatória, que sempre acompanha a identificação projetiva (visto que se trata de uma percepção de algo que, por definição, não existe no objeto). Foi possível, na seqüência da sessão, pelas associações que se seguiram, entender os motivos da identificação projetiva. Na fantasia incons- ciente da analisanda a ex-professora e eu tínhamos ali no divã relações sexuais. Por ciúme e inveja, a analisanda projetara sua "ensebação e sujeira" no divã, e assim uma relação tão repugnante não poderia mais despertar-lhe sentimentos de inveja e ciúme. Quando lhe assinalei esse fato a analisanda associou que sempre achou sua mãe "suja", porque passava às vezes três dias sem tomar banho. E aqui temos o suporte genético da transferência, porque, por analogia, o analista e a ex- professora rolando ensebados e sujos no divã representavam suas fantasias da cena primária, com pai e mãe copulando, invejados, provocadores de ciúmes, sujados pela urina e fezes da filha excluída. Quanto à identificação introjetiva, pode-se considerar que o bebê, desde o começo da vida, introjeta o peito desejado, quer mamando, quer na fantasia de incorporá-lo. Desejando as qualidades boas do peito o bebê procura identificar-se com ele. Ao mesmo tempo que a introjeção é uma função do ego, é ainda uma importante base de sua formação. Também o superego se forma por introjeção. À medida que a criança se desenvolve, outros objetos vão sendo incluídos, posterior- mente os pais, na primitiva relação edipiana. Como resolver a questão do destino de um objeto introjetado? Isto é, como saber se o introjetado vai participar do ego ou do superego? Aqui Paula Heimann, na coletânea publicada em 1952- Progressos em Psicanálise -, expõe no artigo "Certas funções da introjeção e projeção na primitiva infância" algumas idéias norteadoras. Depen- dendo da situação emocional que prevalece na introjeção será possível diferenciar entre introjeção simplesmente e identificação introjetiva. Assim, segundo Heimann, se o objeto é introjetado principalmente com a finalidade de identificação, ele torna-se introjetado no ego e com este é identificado (identificação introjetiva). Exemplos disso são situações em que o menino procura vestir-se como o pai, andar como ele, adquirir suas habilidades. Por outro lado, se o objeto é introjetado numa situação de conflito emocional, é mais provável que ele seja introjetado no superego. Embora todos os objetos introjetados qu . IIHO são utilizados para identificação introjetiva se tornem superegóicos, Heimann esclarece que os objetos internalizados não têm apenas função crítica e punitiva, mas também são protetores, amistosos c estimuladores da vida e da criatividàde. 6.6. Passagem da posição esquízo-paranõíde para a posição depressiva No trabalho de 1946, "Notas sobre alguns mecanismos esquizói- des", Melanie Klein situa os primórdios da posição depressiva ao redor do sexto mês de vida do bebê. No trabalho de 1952, "Algumas conclusões teóricas relacionadas à vida emocional do bebê", situa essesprimórdios no segundo quarto do primeiro ano, o que, traduzido de forma menos rebuscada, significa que a posição depressiva estaria iniciando-se ao redor do quarto ao sexto mês de vida do bebê. Essas alterações de fase devem-se a que Klein apura ainda mais sua observa- ção direta de bebês (vide seu trabalho "Observando o comportamento de jovens bebês", publicado na coletânea de 1952 Progressos em Psicanálise), além de contar com a colaboração de outros colegas trabalhando no mesmo assunto. O.que importa notar é que a transição da posição esquizo-paranóide para a depressiva não se faz de um dia para o outro. É uma transformação gradual, que está na dependência da tolerância do ego à integração dos objetos parciais bons e maus (e das partes do ego a estas relacionadas), das angústias e ambivalência que o pressionam. Para que se efetue um bom início e satisfatória ultrapassagem da posição depressiva infantil, a precondição é que haja uma clivagem bem nítida entre objeto bom e mau e a correspondente parte do ego que com estas se relaciona. Se a clivagem não é bem nítida, o que quer dizer que as partes boas e más não estão bem separadas, mas se apresentam confusas, a integração do objeto total fica prejudicada. Tais efeitos confusionais se devem à interferência de excessiva inveja e voracidade na relação objetal parcial. (Essa perturbação da clivagem, produzindo efeitos patológicos, foi desenvolvida por Klein no trabalho de 1957, sobre "Inveja e gratidão".) Mas, se a clivagem é "limpa", e as partes boa e má do objeto parcial encaixam-se razoavelmente, processa-se a integração do objeto com- pleto. Ocorrem importantes mudanças na relação de objeto. Os aspec- tos amados e odiados da mãe aproximam-se, aumentando o medo lb perda, instalam-se estados de luto e fortes sentimentos de culpa (corno já foi visto no capítulo anterior). Os sentimentos depressivos aumcn tam a integração do ego. Isso porque não só o ego, pela marur.rç..« natural, tem incrementada sua inerente capacidade de síntese. .uunrn lI<! tundo a aproximação entre situações internas e externas, mas os pr prios sentimentos depressivos levam a uma maior compreensão da realidade psíquica.' em comparação com a realidade exterior. A identificação da criança com o objeto atacado (mãe como pessoa) reforça os impulsos de reparação e inibe a agressão. Quando a angústia depressiva e a ambivalência são insuportáveis, o bebê, como foi visto no capítulo anterior, recorre a defesas maníacas (negação, idealização, controle do objeto externo e interno, clivagem, semelhantes à posição. esquizo-paranóide, porém mitigados, porque o ego está mais integrado e tem mais consideração pelo objeto). O controle dos objetos internos e externos tem por fim diminuir a angústia depressiva, porque, evitan- do frustração, ocorre menor agressividade e, portanto, o objeto amado fica menos ameaçado. A clivagem na posição depressiva processa-se de forma diferente que na esquizo-paranóide. Em vez de objetos parciais, a divisão se faz entre objetos completos. Os objetos ficam separados entre objeto vivo, isto é, intacto, e objeto moribundo, ou morto, isto é, estragado. Desse modo a clivagem serve como defesa contra a angústia depressi- va de perda do objeto. Vivenciando continuamente a realidade psíquica, implicada na ela- boração da posição depressiva, há uma comparação entre os pais internos e externos que leva à melhor compreensão das semelhanças e diferenças. E assim a figura dos pais, que estava cindida entre aterrori- zante e idealizada, vai ficando cada vez mais próxima da realidade. Nessa aproximação progressiva, à medida que os maus aspectos dos objetos vão sendo atenuados pelos aspectos bons, também a assimila- ção do superego pelo ego vai-se incrementando. Aumentam as tendên- cias para reparação, como forma de lidar com a culpa. As sublimações e reparações (substituindo os mecanismos esquizóides) se tornam os meios preponderantes para evitar ou diminuir as angústias depressivas. A onipotência diminui à medida que o bebê ganha mais confiança e acredita mais em seu poder de reparação. Surge uma nova atitude com relação à frustração. Na posição esquizo-paranóide, o objeto persecu- tório era responsabilizado por toda frustração e desconforto interno ou externo. Com o aumento do senso de realidade propiciado pela maior integração do ego na posição depressiva, é maior a possibilidade de distinguir a frustração proveniente da fantasia, daquela causada pelos objetos externos. Assim, o ódio e a agressão podem ser relacionados mais diretamente com sua causa verdadeira. Se a mãe está realmente demorando mais para cuidá-lo, é mais lícito agredi-Ia, e lhe causa menor culpa. Do mesmo modo, pode sublimar sua agressão, por exemplo, morder um brinquedo de borracha, em vez de morder a mãe (na fantasia) e assim tornar sua agressividade mais ego-síntôníca (isto é, mais tolerada e compreensível para o ego). A propósito da angústia depressiva, Klein faz uma correção na nota 1 do trabalho dado à luz em 1952, "Algumas conclusões teóricas relativas à vida emocional do bebê". Até então, a partir de seu conceito de posição depressiva emitido em 1935, "Contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos ", a culpa, a ambivalência e a depressão só podiam ser sentidos em relação ao objeto total. Todavia, observações mais recentes levaram-na a deduzir que, por curtos períodos, durante a posição esquizo-paranóide, as partes amada e odiada do peito se integravam, provocando no bebê angústia depres- siva, culpa e impulsos de reparação. Ou seja, seria possível encontrar rudimentos da angústia depressiva na posição esquizo-paranóide, assim como sentimentos de ambivalência por um objeto parcial. Porém, fora destes momentos fugazes de integração, a posição esquizo-paranóide é não-ambivalente. Não porque não existam simultaneamente amor e ódio pelo objeto, mas porque essas relações, sendo separadas pela clivagem, não se encontram uma com a outra, na mente do bebê. Depois do reconhecimento da mãe como pessoa, o pai também começa a existir como indivíduo no universo do bebê. Sentimentos de amor e ódio são também dirigidos para ele. Isso leva à distribuição da dependência, o que tem enorme importância na elaboração da posição depressiva. Visto que o bebê não depende mais de um único objeto, sua angústia de perder a mãe torna-se menos dilacerante. Esse relativo alívio favorece a superação da posição depressiva. Todavia, novos conflitos surgem ligados a essas duas pessoas, e posteriormente aos irmãos e demais integrantes do universo da criança. Sua elaboração é parte das modificações da angústia que se estende desde o aleitamento até os primeiros anos da infância. A neurose infantil pode ser entendida como um processo para ligar, elaborar e modificar as angústias psicóticas oriundas das posições esquizo-paranóide e depressiva. Geralmente a neurose infantil começa no primeiro ano de vida e termina com a latência (quinto ano). No primeiro ano, podem-se notar as angústias persecutórias e depressivas por detrás das fobias primitivas. No segundo ano, as tendências obsessivas passam a primeiro plano: surgem rituais, a criança solicita interminavelmente a repetição das mesmas histórias ou se entrega :I brinquedos repetitivos. Os hábitos de limpeza servem para atenuar :I angústia relacionada com as fezes perigosas e os maus objetos intci nos. O manejo dos excrementos reais desmente os danos provocado- . Principalmente a parte da realidade psíquica que contém os aspectos mais difíceis de ruhnit ir (por serem criticáveis e darem origem à culpa): ódio e fantasias destrutivos cuntrn o objeto amado. tl(; tl/ pelas fezes e urina na fantasia. Os mecanismos obsessivos ajudam a evolução do ego. Quando excessivos, indicam que o ego não conseguiu lidar eficazmente com as angústias psicóticas (persecutórias e depres- sivas) e estaria se estruturando severa neurose obsessiva
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