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DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 72 APÊNDICE O TEOREMA DE TALES I - QUEM FOI TALES? “TALES DE MILETO” Viveu entre (624 e 548) a.C. em Mileto, Grécia, um homem de rara inteligência chamado Tales, que pela sua capacidade de aprender e produzir conhecimento, foi consagrado na história da humanidade, mais especificamente em matemática, como TALES DE MILETO. Considerado pela tradição como o primeiro filósofo e um dos Sete Sábios da antiguidade, Tales, foi em busca do conhecimento no Egito e na Babilônia, onde teria aprendido geometria e astronomia. É considerado também o primeiro matemático, no sentido moderno, pelas suas contribuições à Matemática, descobrindo e demonstrando teoremas, na sua maioria, o que hoje se entende hoje por geometria plana, além do que se atribui a ele a organização da geometria dedutiva. Aristóteles afirmou que para Tales a questão essencial não era o que sabemos, mas como sabemos. Isto encerra o caráter, da personalidade intelectual, de Tales, cuja tradição nos brinda. Das contribuições atribuídas a Tales, o resultado aqui enunciado desempenha um papel fundamental na geometria, trata da proporcionalidade de segmentos determinados por um feixe de paralelas ao intersectarem duas retas secantes a direção do feixe. Este resultado está sintetizado no seguinte: TEOREMA – Dadas duas retas transversais (secantes) e um feixe de retas paralelas que as interceptam estas determinam sobre aquelas segmentos proporcionais. Observe a figura 1.1 abaixo. s C F B E A D r EF DE BC AB = Fig. 1.1 DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 73 I - CONCEITOS BÁSICOS Esta seção trata das notações, da linguagem e dos conceitos básicos necessários ao estabelecimento dos resultados que permitirão a demonstração do teorema de Tales. Os pontos do plano serão representados por letras maiúsculas do alfabeto latino A,B,C, D ... etc. e as retas por letras minúsculas r,s,t,...etc. Representaremos um segmento de reta determinado pelos pontos A e B por [AB] e o seu comprimento por AB. A razão entre os segmentos de reta [AB] e [CD], nesta ordem é, por definição, o quociente entre o comprimento do primeiro e o comprimento do segundo: CD AB . Considere os segmentos de reta [AB], [CD], [EF] e [GH]. Se for possível estabelecer uma igualdade entre a razão de dois quaisquer deles com uma razão entre os outros dois, diremos, então que os segmentos são proporcionais. Por exemplo, se GH EF CD AB = então os segmentos [AB], [CD], [EF] e [GH] são ditos proporcionais. Entende-se por figura plana aquelas em que todos os seus pontos estão contidos no mesmo plano. A figura 1.2 ilustra as notações e as configurações associadas a elas r · A B A [AB] Fig. 1.2 DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 74 Dois conceitos importantes sobre figuras planas, congruência e semelhança, serão tratados de modo sucinto. CONGRUÊNCIA DEFINIÇÃO – Duas figuras planas são ditas congruentes se sobrepostas, convenientemente, coincidem. Tecnicamente, a palavra convenientemente, usada na definição acima, tem o significado de: através de translações, rotações e combinações destas. A figura 1.3 abaixo ilustra três situações de congruência: Na figura 1.3 uma translação é suficiente para que se comprove a congruência entre as figuras do grupo (a). Com o auxilio de rotação e translação verifica-se que no grupo (b) as figuras são congruentes e, finalmente, uma rotação é bastante constatar a congruência no grupo (c). Fig. 1.3 (c) (a) (b) DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 75 CASOS DE CONGRUÊNCIA 1º caso – (ALA) - Dois triângulos que possuem dois ângulos com medidas iguais e o lado comum a estes ângulos também com a mesma medida, são congruentes. 2º caso – (LAL) - Dois triângulos são iguais quando possuem ângulos com medidas iguais e este estiver compreendido entre dois lados com medidas iguais. 3º caso– (LLL) - Dois triângulos são iguais quando possuem os três lados com medidas iguais. SEMELHANÇA Entendendo por cópia de uma figura plana sua ampliação ou sua redução ou sua simples reprodução, pode-se dar a seguinte DEFINIÇÃO - Duas figuras planas são ditas semelhantes se uma for cópia da outra. O conceito de semelhança, ilustrado na figura 1.4 abaixo, é fortemente intuitivo,. (a) (b) (c) Fig.1.4 DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 76 CASOS DE SEMELHANÇA A noção de semelhança aplicada aos triângulos, nos permite concluir que: 1º caso – Dois triângulos que possuem o ângulo compreendido entre dois lados proporcionais igual são semelhantes. 2º caso – Dois triângulos que possuem os três lados proporcionais são semelhantes. 3º caso – Dois triângulos que possuem os três ângulos congruentes são semelhantes. A figura 1.5 abaixo ilustra a semelhança de triângulos. Observações. 1 - Vale ressaltar que duas figuras congruentes são também semelhantes, mas a recíproca não é verdadeira. 2 - Dados dois pares de triângulos semelhantes se, qualquer triângulo de um par for semelhante a qualquer triângulo do outro par, então todos os triângulos serão semelhantes entre se. Vistos os conceitos que necessitaremos, passaremos a tratar dos resultados que se farão necessários. O primeiro destes resultados é o lema que segue: (a) (b) Fig.1.5 DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 77 LEMA – Se um feixe de retas paralelas divide uma reta secante em segmentos iguais, dividirá, também, qualquer outra reta secante em segmentos iguais. Demonstração. Há dois casos a considerar: i) As secantes ao fixe de paralelas são paralelas entre si. Observe que os pontos C, A, B e D são vértices consecutivos do paralelogramo ABDC, donde se conclui que [AC] = [BD]. Note ainda que os paralelogramos ABDC e CDFE são iguais, congruentes, donde segue que [BD] = [CE] e portanto [AC] = [BD] = [CE] = [DF]. ii) As secantes ao feixe são concorrentes entre si. Fig. 1.6 r s A B C D E F DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 78 Observe a figura 1.7. Pelos pontos B e D trace as paralelas BB’ e DD’. Pelo que já foi demonstrado, item (i), os segmentos [BB’] e [DD’] cumprem a igualdade [BB’] = [AC] = [DD’] e, além disso, temos a igualdade entre os ângulos: F'DD=D'BB )) e FD'D=DB'B )) o que nos permite afirmarque os triângulos BB’D e DD’F são congruentes, e portanto [BD] = [DF] Outro resultado fundamental consiste no teorema seguinte: TEOREMA – Qualquer paralela a um dos lados de um triângulo divide os outros dois em segmentos proporcionais. Demonstração. Considere o triângulo ABC, fig 1.5, e seja a reta r paralela ao lado [BC]. Divida o segmento [AD] em n partes iguais a n AD , isto é possível pelo lema acima, de modo que n ADpDB n ADp ×+<£× )1( onde p é um número inteiro. Tomando AD como unidade obtêm- se que n pDB = com erro inferior a n 1 . Pelos (n+p) pontos que dividem [AB] em segmentos iguais trace paralelas ao segmento [BC]. Pelo lema, o segmento [AE] fica dividido em n A B C B’ D E r D’ s F Fig. 1.7 C DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 79 segmentos iguais e o segmento [EC] cumprirá a desigualdade n AEpEC n AEp ×+<£× )1( (n+p). Tomando agora AE para unidade segue-se que n pEC = com erro inferior a n 1 . Como a medida que n cresce n 1 tende a zero é lícito afirmar que AE EC AD DB = donde os segmentos [AD], [DB],[AE] e [EC] são proporcionais, c.q.d. Observação. A recíproca do teorema acima é verdadeira, porém vamos aqui apenas enuncia-la, deixando sua demonstração a cargo do leitor. RECÍPROCA – A reta que divide dois lados de um triângulo em segmentos proporcionais é paralela ao terceiro lado. Nota 1 – A demonstração dada para o teorema acima faz uso implícito à idéia de limite, o que nos faz acreditar que há mais de 2500 anos esta idéia já povoava a mente de alguns homens. A noção de limite só foi devidamente formalizada por ocasião da criação do CÁLCULO através dos matemáticos: Isaac Newton (1642- 1727) e G. W. Leibniz (1646- 1716) e posterior fundamentação através do desenvolvimento da Análise Matemática. A B r D E Fig. 1.8 C DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 80 III – DEMONSTRAÇÃO DO TEOREMA DE TALES A seção anterior contém tudo que necessitamos para demonstrar o teorema de Tales. TEOREMA (DE TALES) - Dadas duas retas transversais (secantes) e um feixe de retas paralelas que as interceptam estas determinam sobre aquelas, segmentos proporcionais. Demonstração Sejam as retas CF e BE,AD paralelas entre si, CF//BE//AD , e seja as transversais r e s. Caso as retas transversais r e s forem paralelas segue imediatamente que: AB = DE e BC = EF donde EF BC = DE AB e o teorema está demonstrado. Se as transversais r e s não são paralelas, trace pelo ponto D uma reta t paralela a reta r. Teremos então que AB = DB’ e BC = B’C’ pois são lados opostos de paralelogramo. Do triângulo DC’F tiramos que EF 'C'B = DE 'DB ou seja: EF 'BC = DE AB o que completa a demonstração. A D B B’ E C C’ F r t s EF DE BC AB = Fig. 1.9 DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 81 Uma conseqüência do teorema acima e de larga aplicação e o resultado enunciado a seguir: PROPOSIÇÃO - Triângulos semelhantes possuem os lados correspondentes proporcionais. Não daremos aqui a demonstração da proposição acima, apenas ilustraremos a mesma. Na figura 1.10 (a) abaixo, os triângulos ABC e A’B’C’ são por hipótese semelhante. Sobrepondo-os convenientemente, figura. 1.10 (b), segue-se que o lado [B’C’] é paralelo ao lado [BC] e os lados [AB] e [AC] são secantes aos anteriores, o que já nos permite concluir a afirmação. (a) (b) Fig. 1.10 A A’ A=A’ B C B C B’ C’ B’ C’ DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 82 IV – DIVISÃO DE UM SEGMENTO EM MÉDIA E EXTREMA RAZÃO Seja [AB] um segmento de reta tendo a como seu comprimento, a=AB . Se o ponto F, BAF ≠≠ , pertence ao segmento [AB] sejam respectivamente x e a-x as medidas dos comprimentos do maior e do menor entre os segmentos [AF] e [FB]. Nestas condições diremos que o ponto F divide o segmento [AB] em MÉDIA E EXTREMA RAZÃO quando a relação x xa = a x ( * ) for satisfeita. A figura 1 abaixo ilustra a situação Nas condições expostas acima vamos considerar, por uma questão puramente didática, o segmento [AF] como tendo seu comprimento igual a x, e assim, o chamaremos de segmento áureo do segmento[AB]. A relação ( * ) nos fornece a equação 0=aax+x 22 - . F a Fig.1 A . . B x a - x DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 83 cuja solução positiva, a 2 15 =x - , é o valor da medida do segmento áureo. O lema que se segue nos fornece um método para construção, com régua e compasso, do segmento áureo de um segmento de reta qualquer. LEMA – Se a e 2 a são as medidas dos catetos de um triângulo retângulo cuja hipotenusa mede h , então 2 a h=b é a medida do segmento áureo do segmento cuja medida é a. Demonstração. O teorema de Pitágoras garante a igualdade 2 2 2 2 a +a= 2 a +b cuja simplificação nos leva a equação 0=aab+b 22 indicando que b é o valor da medida do segmento áureo de a. Veja figura 2 abaixo. A B h=b+ 2 a h=b+ 2 a a Fig.2 DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 84 Vejamos agora o método, utilizando régua e compasso, que nos leva a determinar o ponto F que dividirá o segmento [AB] em MÉDIA E EXTREMA RAZÃO. Dado o segmento [AB] determine seu ponto médio M, figura 3. Construa pelo ponto A, por exemplo, uma semi-reta perpendicular ao segmento [AB] e sobre ela um arco com centro no ponto A e raio igual ao comprimento do segmento [AM] para determine o ponto C. Ligue o ponto C ao ponto B obtendo o triângulo retângulo ABC. Com centro no ponto C e raio também igual ao comprimento do segmento[AM] determine sobre a hipotenusa do triângulo ABC o ponto D. Veja a figura 4 abaixo. M Fig.3 A B DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 85 Com centro no ponto B e raio igual ao comprimento do segmento [BD] construa um arco para determinar sobre o segmento [AB]o ponto F procurado. Veja a figura 5 abaixo. M A B C D Fig.4 M A B C D Fig.5 F DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 86 O segmento [FB] cujo comprimento é igual ao comprimento do segmento [BD] é o segmento áureo, ou seção áurea, do segmento [AB]. V – O TRIÂNGULO ÁUREO DEFINIÇÃO – Chama-ser de triângulo áureo a todo triângulo isósceles cujo ângulo determinado pelos seus dois lados congruentes for congruente ao ângulo definido pelos dois lados não congruentes e sua bissetriz. COSTRUÇÃO DE UM TRIÂNGULO ÁUREO Dado um segmento [AB] vamos construir um triângulo áureo cujo lado maior seja congruente ao segmento [AB]. DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 87 Trace um segmento perpendicular ao segmento [AB] por uma de suas extremidades, por exemplo, o ponto A. Sobre este segmento determine o ponto D cuja distância ao ponto A é igual a metade do comprimento do segmento [AB]. Considere o segmento [DB] e com ponta seca no ponto D e abertura igual a distância do ponto D ao ponto A, determine sobre [DB] o ponto E. Construa as circunferências: de centro no ponto A e raio igual ao comprimento do segmento [AB] e uma centrada no ponto B e raio igual ao comprimento do segmento [BE]. Tome o ponto C na interseção das circunferências traçadas e considere o triângulo de vértices nos pontos A, B e C concluindo nosso objetivo. DESENHANDO COM RÉGUA E COMPASSO: UMA ABORDAGEM INGÊNUA Ivan Araújo Cordeiro de Albuquerque 88 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Traçado em Desenho Geométrico – O. Rivera, Felix; C. Neves, Juarenze; N. Gonçalves, Dinei –Editora Furg – Rio Grande 1986. Construções Geométricas – Wagner, Eduardo. Coleção de Professor de Matemática –– SBM, 2007.
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