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funcionalismo e marxismo

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“Funcionalismo e marxismo 
 
Entre as teorias sociológicas do Estado, sobretudo duas mantiveram-se em 
campo nestes últimos anos, freqüentemente em polêmica entre si mas ainda 
mais freqüentemente ignorando-se, procedendo cada uma delas pela própria 
estrada como se a outra não existisse: a teoria marxista e a teoria funcionalista, 
dominante na political science americana, que teve grande influência também 
na Europa e foi acolhida durante anos como a ciência política por excelência. 
Entre as duas teorias existem diferenças tanto com respeito à concepção de 
ciência em geral como com respeito ao método. Mas a diferença essencial 
refere-se à colocação do Estado no sistema social considerado em seu 
conjunto. A concepção marxiana da sociedade distingue em cada sociedade 
histórica, ao menos a partir de uma certa fase do desenvolvimento econômico, 
dois momentos, que não são postos, com respeito à sua força determinante e à 
sua capacidade de condicionar o desenvolvimento do sistema e a passagem 
de um sistema a outro, sobre o mesmo plano: a base econômica e a 
superestrutura. As instituições políticas, numa palavra o Estado, pertencem ao 
segundo momento. O momento subjacente, que compreende as relações 
econômicas, caracterizadas em cada época por uma determinada forma de 
produção, é o momento determinante, embora nem sempre, segundo algumas 
interpretações, dominante. Ao contrário, a concepção funcionalista (que 
descende de Parsons) concebe o sistema global em seu conjunto como 
diferenciado em quatro subsistemas (patter-maintenance, goal-attainment, 
adaptation, integration), caracterizados pelas funções igualmente essenciais 
que cada um deles desempenha para a conservação do equilíbrio social, 
fazendo assim com que sejam reciprocamente interdependentes. Ao 
subsistema político cabe a função do goal-attainment, o que eqüivale a dizer 
que a função política exercida pelo conjunto das instituições que constituem o 
Estado é uma das quatro funções fundamentais de todo sistema social. É 
verdade que também na concepção marxiana a relação entre base econômica 
e superestrutura política é uma relação de ação recíproca, mas resta 
inquestionável a idéia (sem a qual perderia força um dos caracteres essenciais 
da teoria marxista) de que a base econômica é sempre determinante em última 
instância. Na teoria funcionalista, não existem diversidades de planos entre as 
diversas funções de que todo sistema social não se pode privar. Além do mais, 
o subsistema ao qual é atribuída uma função preeminente não é o subsistema 
econômico mas o cultural, pois a máxima força coesiva de todo grupo social 
dependeria da adesão aos valores e às normas estabelecidas, através do 
processo de socialização de um lado (interiorização dos valores sociais) e de 
controle social de outro (observância das normas que regulam a generalidade 
dos comportamentos). 
As duas diversas — melhor: opostas — concepções podem ser reconduzidas 
ao diverso problema de fundo que elas próprias se põem e pretendem resolver. 
Enquanto a teoria funcionalista, especialmente na sua versão parsoniana, é 
dominada pelo tema hobbesiano da ordem, a marxista é dominada pelo tema 
da ruptura da ordem, da passagem de uma ordem a outra, concebida como 
passagem de uma forma de produção a outra através da explosão das 
contradições internas ao sistema, especialmente da contradição entre forças 
produtivas e relações de produção. Enquanto a primeira se preocupa 
essencialmente com o problema da conservação social, a segunda se 
preocupa essencialmente com a mudança social. De um lado, as mudanças 
que interessam à teoria funcionalista são as que ocorrem no interior do sistema 
e que o sistema tem a capacidade de absorver mediante pequenos 
ajustamentos previstos pelo próprio mecanismo do sistema. Marx e os 
marxistas sempre preconizaram, analisaram e prefiguraram a grande mudança, 
aquela que coloca em crise um determinado sistema e dele cria, através de um 
salto qualitativo, um outro sistema. Segundo um lugar-comum (mas nem por 
isso errôneo) do pensamento sociológico, a grande divisão é a que opõe os 
sistemas que privilegiam o momento da coesão aos sistemas que privilegiam o 
momento do antagonismo, os sistemas assim chamados integracionistas aos 
sistemas assim chamados conflitualistas. Seria difícil encontrar na história do 
pensamento sociológico dois protótipos desta grande divisão mais puros do 
que o marxismo e o funcionalismo. Pode-se também acrescentar que a 
concepção funcionalista é sob certos aspectos análoga àquela contra a qual 
Marx travou uma de suas batalhas teóricas mais célebres, a concepção da 
economia clássica segundo a qual a sociedade civil, não obstante os conflitos 
que a agitam, obedece a uma espécie de ordem preestabelecida e goza da 
vantagem de um mecanismo — o mercado — destinado a manter o equilíbrio 
através de um contínuo ajustamento dos interesses concorrentes. 
Nos últimos anos, o ponto de vista que acabou por prevalecer na 
representação do Estado foi o sistêmico, extraído — sem muito rigor e com 
algumas variações — da teoria dos sistemas (in primis, David Easton e Gabriel 
Almond). A relação entre o conjunto das instituições políticas e o sistema social 
no seu todo é representada como uma relação demanda-resposta (input-
output). A função das instituições políticas é a de dar respostas às demandas 
provenientes do ambiente social ou, segundo uma terminologia corrente, de 
converter as demandas em respostas. As respostas das instituições políticas 
são dadas sob a forma de decisões coletivas vinculatórias para toda a 
sociedade. Por sua vez, estas respostas retroagem sobre a transformação do 
ambiente social, do qual, em seqüência ao modo como são dadas as 
respostas, nascem novas demandas, num processo de mudança contínua que 
pode ser gradual quando existe correspondência entre demandas e respostas, 
brusco quando por uma sobrecarga das demandas sobre as respostas 
interrompe-se o fluxo de retroação e as instituições políticas vigentes, não 
conseguindo mais dar respostas satisfatórias, sofrem um processo de 
transformação que pode chegar à fase final da completa modificação. A 
representação sistêmica do Estado é perfeitamente compatível com ambas as 
teorias gerais da sociedade de que se falou pouco atrás. Ficando estabelecida 
a diversa interpretação da função do Estado na sociedade, a representação 
sistêmica do Estado deseja propor um esquema conceituai para analisar como 
as instituições políticas funcionam, como exercem a função que lhes é própria, 
seja qual for a interpretação que delas se faça.” 
 
BOBBIO, Norberto Estado Governo Sociedade para uma teoria geral da 
política 14ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2007. páginas 58-60

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