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UNIÃO DE ENSINO DO SUDOESTE DO PARANÁ – UNISEP FACULDADE EDUCACIONAL DE DOIS VIZINHOS - FAED CURSO DE DIREITO RENATA VARELLA BORDINHÃO A DEFICIÊNCIA DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO FRENTE AO PSICOPATA CRIMINOSO DOIS VIZINHOS 2016 RENATA VARELLA BORDINHÃO A DEFICIÊNCIA DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO FRENTE AO PSICOPATA CRIMINOSO Trabalho de conclusão de curso apresentado a União de Ensino do Sudoeste do Paraná – UNISEP como requisito parcial necessário para obtenção de grau de bacharel em Direito Professor Orientador: Ezequiel Fernandes DOIS VIZINHOS 2016 RENATA VARELLA BORDINHÃO A DEFICIÊNCIA DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO FRENTE AO PSICOPATA CRIMINOSO Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito da Faculdade Educacional de Dois Vizinhos – FAED Mantida pela União de Ensino do Sudoeste do Paraná – UNISEP, pela Banca Examinadora formada pelos professores: __________________________________________ Orientador: Ezequiel Fernandes ___________________________________________ Professor: Pedro Silva ____________________________________________ Professor: Msc. Valdinei Willian Wotrich Dois Vizinhos, 14, de julho de 2016 DEDICATÓRIA Dedico o presente trabalho aos meus pais, bem como a toda minha família que, sempre com muito amor, carinho e dedicação contribuíram de todas as formas possíveis para que eu chegasse a essa etapa de minha vida, dando-me sempre todo suporte necessário que precisei. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus, autor da minha vida, o qual permitiu que eu vencesse a cada provação apresentada, dando-me a alegria de ver meus sonhos se concretizando. Ao meu pai e a minha mãe por todo o amor, carinho, dedicação e paciência que tiveram comigo ao longo de todos esses anos, e sem os quais eu não teria a possibilidade de realizar este sonho. A minha irmã, a qual não mediu esforços para me ajudar em tudo que precisei. Ao meu orientador, professor Ezequiel Fernandes, pela sabedoria partilhada durante a realização do presente trabalho, bem como por ter confiado a mim suas obras literárias. A Professora de orientação metodológica Yasa Rochelle Santos de Araújo pelo apoio, paciência e carinho que teve comigo durante a elaboração deste trabalho, sempre dando força e incentivando no que preciso fosse. A todos os professores do curso de Direito pelas riquezas dos conhecimentos passados. “Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o imenso oceano da verdade continua misterioso diante de meus olhos”. (Isaac Newton) RESUMO A presente pesquisa tem por finalidade realizar um estudo sobre os criminosos portadores do transtorno psicopático, bem como, abordar acerca das respostas oferecidas pelo Direito Penal brasileiro frente aos crimes cometidos por tais sujeitos. Como foco principal, buscou-se apontar os aspectos relevantes, tanto no âmbito jurídico quanto no âmbito psicológico, a respeito de tal transtorno, demonstrando o porquê os psicopatas necessitam de um tratamento jurídico-penal especial, abordando as atuais medidas oferecidas pelo Estado a tais pessoas quando praticantes de ilícitos penais, bem como as consequências sociais ante a ausência de um sistema criminal apto para tratá-los. Para a realização deste trabalho foi utilizado o método de abordagem qualitativo e técnica de pesquisa bibliográfica em seus mais diversos meios e a legislação nacional. Apesar de nos últimos anos ter-se aumentado o número de interessados pelo assunto, este ainda se faz muito pequeno, sendo até mesmo criada nova legislação que versa sobre proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais durante cumprimento das medidas de segurança, contudo, em nada se pensou acerca do psicopata, o qual, num primeiro momento não possui cura, e em alguns casos jamais poderá retornar ao convívio social ante a periculosidade que representa. Dessa forma, nota-se a urgência no Brasil da criação de uma legislação que oportunize um tratamento jurídico adequado a tais pessoas. Palavras-chave: Culpabilidade; Medidas de Segurança; Psicopatia; Sistema Criminal. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8 1. A CULPABILIDADE E OS TRANSTORNOS MENTAIS ................................. 10 1.1 A RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE CULPABILIDADE E OS TRANSTORNOS MENTAIS...........................................................................................................10 1.2 CONCEITO DE CULPABILIDADE:..............................................................11 1.3 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE............................................................13 1.3.1 SEMI-IMPUTABILIDADE: IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA.......................14 2. SANÇÕES PENAIS NO BRASIL ..................................................................... 18 2.1 DAS PENAS.................................................................................................18 2.2 DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA...............................................................19 3. PSICOPATA E O SISTEMA PRISIONAL ........................................................ 24 3.1 CONCEITO DE PSICOPATIA......................................................................24 3.2 A LEGISLAÇÃO ATUAL BRASILEIRA APLICADA AOS PSICOPATAS.....27 3.3 A IMPORTÂNCIA DO EXAME CRIMINOLÓGICO PARA A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.........................................................................30 3.4 RISCOS SOCIAIS PERANTE A FALTA DE TRATAMENTO ADEQUADO E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL DO PSICOPATA.............................................32 4. SISTEMA CRIMINAL ....................................................................................... 36 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 44 INTRODUÇÃO Compreender as motivações que levam indivíduos a cometer os mais perversos crimes, infringindo ordens sociais e morais, sempre foi um grande desafio para o Direito Penal, isso porque caberá ao Poder Judiciário, representado pela figura do magistrado julgar tal indivíduo, analisando, dentre outras particularidades, as particularidades psíquicas da ação. Dessa forma, o Direito Penal tem buscado por diversas vezes auxílio na Psicologia Forense, a qual estuda o comportamento dos indivíduos em relação às regulamentações jurídicas. A partir desta análise, surge como foco principal do presente trabalho a figura dos psicopatas criminosos, os quais são pessoassem escrúpulos e sentimentos, capazes de cometer crimes extremamente cruéis sem qualquer sentimento de remorso ou culpa. Majoritariamente para o Direito Penal, os psicopatas são considerados semi- imputáveis, capazes de entender o caráter ilícito de suas ações, mas não são capazes de se posicionar em relação a estas. Logo, o presente trabalho proporá uma análise às características dos indivíduos portadores do transtorno de psicopatia, a fim de informar os operadores do direito sobre os riscos que tal patologia traz à sociedade. Outro aspecto relevante que merecerá destaque é o tratamento que o sistema criminal tem oferecido às pessoas portadoras do referido transtorno, tendo em vista que esses sujeitos necessitam de tratamento jurídico-penal diferenciado dos demais condenados comuns, eis que as pessoas portadoras dessa patologia além de serem pessoas extremamente cruéis, também têm como característica uma notável inteligência, sabendo como tirar proveito próprio em cada situação imposta. Portanto, discutir acerca do dever do Estado de proteção à sociedade, bem como de proporcionar o devido tratamento jurídico-penal ao condenado é fundamental. A pesquisa será dividida em quatro capítulos. No capítulo será abordado acerca da culpabilidade como um dos elementos do conceito analítico de crime. Nesse sentido, também dar-se-á início às questões relacionadas à culpabilidade dos 9 psicopatas, ou seja, se serão imputáveis, semi-imputáveis ou ainda inimputáveis para o Direito Penal. No segundo capítulo, em decorrência do capítulo anterior, serão analisadas as sanções penais empregadas nos casos de comprovada a culpabilidade do agente criminoso, abordando especificadamente as duas espécies existentes no Brasil, quais sejam: pena e medida de segurança, relatando as especificidades de cada uma, dando início ao questionamento sobre qual a melhor sanção a ser aplicada nos casos de criminosos portadores de psicopatia. Já no terceiro capítulo será tratado sobre a psicopatia em si, buscando através de diversos textos demonstrar seu conceito, visando informar o porquê esses sujeitos são tão nocivos. Da mesma forma, será abordada a legislação aplicada aos criminosos portadores desse transtorno. E no quarto capítulo será relatado sobre o Sistema Criminal brasileiro, onde se buscará demonstrar as falhas do Estado em relação aos condenados que necessitam de tratamento judiciário especial. Além disso, será abordada a legislação vigente e projetos de lei que tratam do psicopata. O presente tema se faz de suma importância por ainda ser um tema pouco discutido dentro do Direito Penal, embora de grande impacto perante a sociedade em geral, desta forma tem-se como objetivo principal colocar em debate o transtorno de psicopatia no sistema criminal brasileiro, tendo em vista que estes ainda são na maioria das vezes ignorados pelo judiciário apesar da periculosidade que representam, tanto no meio social, como no meio penitenciário. 10 1. A CULPABILIDADE E OS TRANSTORNOS MENTAIS De modo a conceder amparo para a temática que será desenvolvida, indispensável que antes seja feita uma correlação entre a culpabilidade e os transtornos mentais. Nessa perspectiva, portanto, é que se desenvolvem as linhas subsequentes. 1.1 A RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE CULPABILIDADE E OS TRANSTORNOS MENTAIS Conforme entendimento predominante da doutrina, a culpabilidade é o terceiro elemento integrante do conceito analítico de crime, e segundo nos ensina Malcher (2008, p.3) “é o juízo de reprovação ou de censurabilidade que recai sobre a conduta típica e ilícita, através da qual será possível culpar e punir o agente pela prática de um crime”. Todo sujeito praticante de ilícito penal considerado culpável em nosso ordenamento jurídico sofrerá sanção como forma de repreensão de seu ato e prevenção para que não venha a repeti-lo. Todavia, tanto na esfera cível como na esfera penal a legislação pátria atual estabelece que são condições para a capacidade civil, bem como para a responsabilização criminal, a saúde mental e a maturidade psíquica. (MALCHER, 2008, p. 1). Portanto, caso o sujeito praticante do crime seja ao tempo de sua ação ou omissão portador de transtorno ou doença mental, a qual por eliminar sua capacidade intelectual o tornou incapaz de entender a ilicitude de seu ato ou ainda de determinar-se de acordo com este, não será culpável, todavia, será ele submetido à medida de segurança, cuja finalidade é curativa e preventiva Dessa forma, demonstrada a importância dos efeitos da culpabilidade acerca dos transtornos mentais, bem como de sua importância para o presente trabalho, necessária de faz uma análise mais profunda de seu conceito, bem como de seus requisitos. 11 Cabe ressaltar também, em um primeiro momento que, muito embora, atualmente, com o avanço da psicologia e da medicina não se use mais a expressão “desenvolvimento mental retardado” ao referir-se às pessoas com enfermidade mental, tal expressão ainda é adotada pelo Código Penal brasileiro, dessa forma, justifica-se o uso de tal expressão para esses casos no presente trabalho, preservando-se a disposição literal contida no Código Penal. 1.2 CONCEITO DE CULPABILIDADE: Segundo o doutrinador Fernando Capez (2015, p. 316) a culpabilidade é “a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal”. Em outras palavras, é o juízo de reprovação que se faz sobre o sujeito que vier a incorrer em um ilícito penal, tornando-lhe responsável por seus atos. Contudo, se retroagirmos no tempo veremos que tal conceito é produto de uma contínua evolução, a qual decorreu basicamente de quatro bases teóricas, quais sejam: teoria psicológica, teoria psicológica normativa, teoria normativa pura e teoria limitada da culpabilidade. A teoria psicológica surgiu no sistema naturalista ou causal da ação e refletia a situação dogmática da Alemanha por volta do ano de 1900 (CAPEZ, 2015, p. 323). Essa teoria tem como base a relação “psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito diante do fato cometido.” (JESUS, 1993, p. 401). Portanto, extrai-se do presente conceito que o ato típico e antijurídico praticado pelo sujeito somente será considerado infração penal caso a culpa ou o dolo se façam presentes, atrelando subjetivamente o fato ao indivíduo que o praticou. A teoria psicológica-normativa foi criada por Reinhard Frank por volta do ano de 1907, e teve como fundamento o artigo 54 do Código Penal alemão (DAMÁSIO, 1993, p. 402). Essa teoria fundamenta-se da seguinte maneira: “de mera relação psicológica entre o agente e o fato, a culpabilidade passou a constituir-se de um juízo de censura ou reprovação pessoal, com base em elementos psiconormativos.” (GRECO, 2012, p. 376). Assim, passaram a ser elementos da teoria psicológica-normativa a imputabilidade; dolo, culpa e a exigibilidade de conduta diversa. 12 A teoria normativa pura surgiu na década de 30 e teve Hartmann e Graf Zu Dohna como percursores e Welzel como seu grande defensor. (CAPEZ, 2015, p. 324). Essa teoria passou a tratar o dolo e a culpa como integrantes da conduta, e assim foi transcrita pelo magistério de Greco (2012, p. 377): (...) para que o agente pudesse ser punido pelo fato ilícito por ele cometido não bastava a presença dos elementos subjetivos (dolo e culpa), mas sim que, nas condições em que se encontrava, podia-se-lhe exigir uma conduta conforme o direito. O conceito de exigibilidade de conduta conforme a norma passou a refletir-se sobre toda a culpabilidade. A culpabilidade a partir de então passou a ser composta pelos seguintes elementos: potencial conhecimento de ilicitude, imputabilidade e exigibilidade deconduta diversa, transferindo o dolo e a culpa para a conduta. Welzel desenvolveu posteriormente a teoria limitada da culpabilidade. Tal teoria é o aperfeiçoamento da teoria anterior, sendo que Damásio, (1993, p. 405) explicou seus avanços da seguinte maneira: Para a teoria reinante, como o dolo é elemento da culpabilidade e possui feição psicológica, a consciência da ilicitude, elemento normativo do dolo, possui também natureza psicológica. Assim, sem real e atual conhecimento do injusto, inexiste dolo, subsistindo uma conduta culposa. Nos casos em que houver erro de situação de fato, ter-se-á o erro de tipo, sendo o dolo então excluído, afastando a tipicidade da conduta. Caso o erro venha a recair sobre a existência ou limites de uma causa de justificação, o erro será de proibição. Para a teoria limitada as discriminantes de que trata o artigo 20, parágrafo primeiro do Código Penal, quais sejam as discriminantes putativas fáticas, são tratadas como erro de tipo. Já as discriminantes putativas tratadas no artigo 21 do Código Penal, são consideradas como erro de proibição. É importante ressaltar que a teoria limitada da culpabilidade é a teoria adotada pelo atual Código Penal brasileiro. 13 1.3 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE A culpabilidade é composta por três elementos, são eles: imputabilidade; potencial consciência da ilicitude; exigibilidade de conduta diversa. Por imputabilidade, de acordo com Greco (2012, p. 385) entende-se “a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente”. Para que um sujeito possa ser considerado imputável diante do ilícito cometido, deverá ter ele condições físicas, psicológicas, e mentais para saber que o ato por ele cometido é um ilícito penal. O doutrinador Fernando Capez (2015, p. 326) ainda explica que, além de ter capacidade plena de entendimento, deve ter o sujeito total controle de seus atos. O Código Penal brasileiro não traz de forma expressa o conceito de imputabilidade. Todavia, trata de tal assunto de forma expressa no Título III, “Da Imputabilidade Penal”, em seus artigos 26, 27 e 28, estabelecendo quem serão os inimputáveis, assim entendidos: os que possuírem desenvolvimento mental incompleto ou retardado; os menores de 18 anos, e aqueles cujas condutas penalmente relevantes forem praticadas no contexto de embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Por sua vez, o segundo elemento do conceito de culpabilidade, qual seja a potencial consciência de ilicitude, se perfaz no sentido de que o sujeito “deverá conhecer o caráter ilícito, proibido, contrário ao ordenamento, daquilo que esta fazendo, ou pelo menos, caso não conheça, que tivesse a possibilidade de conhecê- lo” (RODRIGUES, 2012, p. 122). Dessa forma, para que se possa auferir a possibilidade da consciência do sujeito de que o ato por ele praticado é um injusto penal, é de suma importância que possua discernimento e íntegra sanidade mental. Ainda, com relação à exigibilidade de conduta diversa, para que haja reprovação, tornando o sujeito praticante do ilícito penal culpável, necessário se faz analisar se, ao tempo da ação ou omissão, era possível exigir um comportamento diverso daquele que o sujeito praticou. Caso o agente praticante do ilícito penal, mesmo tendo alternativa, decidiu por praticar o crime, vindo a violar o ordenamento jurídico, será ele considerado culpável, todavia, se não existisse a possibilidade no tempo da ação ou omissão do 14 sujeito tomar atitude diversa da por ele realizada afastar-se-á a culpabilidade do agente. (RODRIGUES, 2012, p. 124). Conforme aduz a lei penal brasileira, existe crime quando um fato for típico, antijurídico e culpável; ausente este penúltimo caractere, o fato é atípico. Quando há crime, necessária se faz a verificação da existência de culpabilidade, ou seja, é preciso que estejam presentes todos seus elementos, inexistindo algum deles, inexistirá a culpabilidade, não podendo haver aplicação de pena sobre o crime cometido. O Código Penal brasileiro traz expressamente as causas que excluem a culpabilidade. Conforme ensina Damásio (1993, p.421) essas causas, ao excluírem alguns dos elementos da culpabilidade, acabam por excluir ela própria. Dessa forma, embora exista o crime, não sendo culpado o sujeito, não receberá sanção penal. São causas excludentes de culpabilidade, de acordo com o Código Penal, o erro de proibição (artigo 21, caput); coação moral irresistível (artigo 22, 1ª parte); obediência hierárquica (artigo 22, 2ª parte); inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (artigo 26, caput); inimputabilidade por menoridade penal (artigo 27, sendo que essa causa está contida no “desenvolvimento mental incompleto”); inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (artigo 28, parágrafo 1º). Tendo em vista que as causas excludentes de culpabilidade – também chamadas de dirimentes – não são objeto pormenorizado desse estudo, deixa-se de analisá-las de forma mais aprofundada. 1.3.1 SEMI-IMPUTABILIDADE: IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA Existem alguns casos que o agente praticante do ilícito penal possui capacidade de compreensão de seu ato ou vontade apenas reduzidos, e não totalmente excluídos, nesses casos conforme nos ensina Claudia Silva (2012, p. 5): O agente tem alguma consciência da ilicitude de sua conduta, mas sua culpabilidade é diminuída em razão de suas condições pessoais, não tem a plenitude da capacidade intelectiva e volitiva, não tem supressão completa do juízo ético, e são em regra mais perigosos que os insanos. 15 Dessa forma, diferentemente da inimputabilidade onde o agente praticante do ilícito não possui qualquer compreensão de seu ato, ou ainda qualquer controle sob sua vontade, na semi-imputabilidade o agente terá parcela dessa capacidade de compreensão e vontade, ou seja, a imputabilidade será apenas reduzida e não excluída, assim persiste a culpabilidade do agente, todavia, as medidas a serem adotadas pelo juiz em sede de condenação divergirão daquelas aplicáveis aos considerados imputáveis. O artigo 26, parágrafo único, do Código Penal aborda sobre semi- imputabilidade da seguinte maneira: Art. 26 (...) Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Além da redução da pena, existem alguns casos que, conforme relata Nucci (2012), o agente poderá ser submetido à medida de segurança em vez de cumprir a pena privativa de liberdade, caso o perito constate a necessidade de tratamento curativo especial. Todavia, nos casos em que o semi-imputável for condenado a pena de prisão ou a medida de segurança a comprovação da semi-imputabilidade não poderá ser presumida, mas, será realizada mediante exame criminológico, conforme nos ensina Trindade (2009, p. 131, apud SILVA, 2012, p.5): (...) a semi-imputabilidade não exclui a culpabilidade, sendo tão somente uma causa especial de diminuição de pena (...). Dessa forma, havendo dúvida quanto à integridade psíquica do autor de um crime, deve-se realizar um exame, que se instrumentaliza através do incidente de insanidade mental, nos termos dos artigos 149 a 151 do Código de Processo Penal. Com a finalidade de demonstrar os critérios que serão utilizados para demonstrar a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente praticante do ilícito penal, criaram-se três sistemas, os quais são denominados de: sistema biológico, sistema psicológico e sistema biopsicológico.O doutrinador Mirabete (2002, p. 210) faz alusão aos três sistemas da seguinte maneira: o sistema biológico aduz que os inimputáveis seriam todos 16 aqueles que possuem anomalias psíquicas, não questionando se a anomalia tirou a inteligência do sujeito. O sistema psicológico apenas verifica as condições psicológicas do autor no momento em que ocorreu o fato, não importando se o sujeito é portador de alguma doença mental ou distúrbio psíquico patológico, esse sistema foi um sistema pouco científico e de difícil averiguação, restando falho. (Mirabete: 2002, p. 210). Diante do cometimento de um crime, para o sistema psicológico, não haverá qualquer indagação quanto à existência da doença mental no sujeito praticante do ilícito, o que se busca é apenas verificar se durante o ato, era ele, seja qual for a causa, incapaz de se posicionar em relação ao fato. O terceiro sistema, qual seja o sistema biopsicológico, é o sistema atualmente adotado no Brasil, e encontra-se estampado no artigo 26 do Código Penal. Conforme ensina Mirabete (2002, p. 210), esse sistema é uma combinação dos dois sistemas já supracitados. Para tal, primeiro verificar-se-á se o agente é doente mental ou possui desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso positivo, será aferido se ele tinha capacidade de entender o caráter ilícito do fato, e se era capaz de determinar-se com consciência a respeito desse. Não conseguindo ele essa determinação, será considerado inimputável. Nesse sentido também é importante demonstrar o opinião dos tribunais pátrios: STJ: “Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa” (HC 33.401-RJ, 5ª T., rel. Felix Fischer, 28.09.2004, v.c., DJ 03.11.2004, p.212)”. (Apud NUCCI, 2008, p.276) Por meio da perícia, a qual deverá necessariamente ser realizada por médico Psiquiátrico, irá se apurar o estado de sanidade do agente, para constatar, se o fator biológico influenciou no tempo da ação ou omissão da prática do ilícito penal, na capacidade do indivíduo em discernir sobre o ato por ele praticado. Assim, o perito apenas irá disponibilizar informações sobre a capacidade psíquica e jurídica do agente, sendo assim, caberá ao juiz sentenciante decidir sobre 17 a imputabilidade, semi-imputabilidade ou ainda inimputabilidade no momento da condenação. Passamos, doravante, ao estudo das sanções penais. 18 2. SANÇÕES PENAIS NO BRASIL De inicio, cumpre colacionar o que se entende por sanção penal. Nas palavras de Masson (2011, p. 537) “sanção penal é a resposta estatal, no exercício do ius puniendi e após o devido processo legal, ao responsável pela prática de um crime ou de uma contravenção penal”. Sanções penais, assim, são as consequências impostas por lei ao indivíduo cometedor de ato considerado ilícito, antijurídico e culpável, a serem variadas de acordo com a reprovabilidade de cada conduta em particular. A sanção penal comporta duas espécies, quais sejam: as penas e as medidas de segurança, as quais serão trabalhadas de forma mais específica a seguir, sendo que em um primeiro momento abordar-se-á as penas e posteriormente as medidas de segurança. 2.1 DAS PENAS Pena, segundo Rodrigues (2012, p. 169) “é toda sanção imposta pelo Estado, mediante a ação penal, a quem prática uma infração penal, como retribuição ao ato ilícito praticado e com o fim de evitar novos delitos”. Já para Luiz Vicente Cernicchiaro (1970, apud MIRABETE, 2002, p. 246): A pena pode ser encarada sobre três aspectos: substancialmente consiste na perde ou privação de exercício do direito relativo a um objeto jurídico; formalmente está vinculada ao princípio da reserva legal, e somente é aplicada pelo Poder Judiciário, respeitado o princípio do contraditório; e tecnologicamente mostra-se, concomitantemente, castigo e defesa social. Portanto, a pena é uma forma de repreensão imposta pelo Estado ao sujeito violador de uma norma penal incriminadora. No Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana acolhido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLVII, dispõe que são vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, as penas cruéis, os castigos corporais, os trabalhos forçados, os banimentos e a prisão perpétua. Existem diversas teorias as quais explicam as funções a serem desempenhadas pelas penas no ordenamento jurídico penal, contudo, por não ser 19 relevante ao presente trabalho as demais, apenas abordaremos a atualmente adotada no Brasil, quais sejam, as teorias mistas. As teorias mistas, explica Noronha (2002, p. 225), aduzem ter a pena não só caráter retribuitivo, mas também de reeducação do criminoso e a intimidação geral. Ou seja, ela irá coibir que o agente criminoso pratique novos delitos, e ainda, servirá como exemplo para os demais demonstrando que toda prática de um delito terá como consequência aplicação de sanção. As citadas teorias têm como respaldo o artigo 59 do Código Penal. Rogério Greco (2012, p. 474), nesse sentido, explica que “em razão da redação contida no artigo 59 do Código Penal, podemos concluir pela adoção, em nossa lei penal, de uma teoria mista ou unificadora da pena”. Descreve o caput do artigo 59 do Código Penal que: Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Nota-se que, ao final, o referido artigo une a necessidade de reprovação e de prevenção, conciliando as duas características da pena, sendo este o principal atributo dessas teorias. O que se tem modificado em relação à teoria mista quando da sua criação é no sentido de que, atualmente, tem-se buscado uma política criminal mais humanista, a qual tenha por objetivo demonstrar que a sociedade estará segura e defendida dos criminosos a medida que estes forem adaptados ao meio social. Importante também ressaltar que, atualmente, existem três espécies de pena, a saber: as penas privativas de liberdade, as penas restritivas e direito e a pena de multa, sendo que deverão ser analisadas sempre as particularidades do crime por meio do Código Penal para que se possa saber qual aplicação será adequada ao caso. 2.2 DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA As medidas de segurança são espécies de sanções penais aplicadas em alguns casos específicos de criminosos, dessa forma, para melhor compreensão das 20 diferenças destas para com as sanções de pena, far-se-á um comparativo entre ambas, e para tanto recorremos ao magistério de DOTTI (2005, p. 621): A pena pressupõe a culpabilidade; a medida de segurança pressupõe a periculosidade. A pena tem seus limites no mínimo e máximo predeterminados (CP artigos 53, 54, 55, 58 e 75); a medida de segurança tem o prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, porém o máximo da duração é indeterminado, perdurando a sua aplicação enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade (CP, art. 97, § 1º); a pena exige a individualização, atendendo às condições pessoais do agente e às circunstânciasdo fato (CP, arts. 59 e 60); a medida de segurança é generalizada à situação de periculosidade do agente, limitando-se a duas únicas espécies (internação e tratamento ambulatorial) (CP, art. 96). (DOTTI, 2005, p. 621) Para Rogério Greco (2012, p. 663) as medidas de segurança diferem das penas da seguinte forma: as penas serão aplicadas nos casos em que o sujeito praticante do ilícito penal for, em regra, imputável, e as medidas de segurança serão aplicadas quando presente a inimputabilidade do agente criminoso. Abordando de forma mais específica às medidas de segurança, conceitua o doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 580) que se tratam de um tipo de sanção penal, as quais são aplicadas como forma de prevenir ou evitar que o sujeito inimputável ou semi-imputável, demonstrada a periculosidade, venha a repetir infração penal cometida, recebendo tratamento adequado, sendo que essas possuem caráter curativo e preventivo. Já Francisco Assis Toledo (1994, p. 41) vê as medidas de segurança como possuidoras de um “caráter meramente curativo ou assistencial, estabelecidas em lei para os inimputáveis”. Dessa forma, concluímos que as medidas de segurança são diferentes das penas de prisão haja vista que se destinam cura ou tratamento do sujeito que praticou crime em razão de sua doença. Nesse sentido, aduz Mirabete (2005, p. 713): A medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal e, embora mantenha semelhança com a pena diminuindo um bem jurídico, visa precipuamente à prevenção, no sentido de preservar a sociedade de ação de delinquentes temíveis ou de pessoas portadoras de deficiências psíquicas, e de submetê-las a tratamento curativo. 21 Já para Damásio (1993, p. 475): Enquanto a pena é retributiva-preventiva, tendendo atualmente a readaptar socialmente o delinquente, a Medida de Segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais”. Portanto, as medidas de segurança serão aplicadas aos sujeitos descritos no artigo 26 do Código Penal: Art. 26. Ao portador de doença mental e aos casos em que o sujeito possuir desenvolvimento mental incompleto ou retardado, todavia, estes deverão ser plenamente incapazes de se posicionar e entender o caráter ilícito do fato criminoso. Com relação aos semi-imputáveis, ficará a critério do juiz se caberá aplicação da pena ou da medida de segurança, devendo ser analisado sempre o caso em específico. Existem atualmente duas espécies de medidas de segurança, as quais são descritas no artigo 96 do Código Penal: Art. 96. As medidas de segurança são: I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II – sujeição a tratamento ambulatorial. Dessa forma, o tratamento aplicado poderá ser dentro de unidade hospitalar ou por meio de tratamento ambulatorial. Nesse sentido, aduz Rogério Greco (2012, p. 665), que “as medidas de segurança podem ser detentivas (internação) ou restritivas (tratamento ambulatorial)”. Com relação ao prazo de duração das medidas de segurança, de acordo com o artigo 97, parágrafo primeiro do Código Penal, a internação ou o tratamento ambulatorial durará enquanto perdurar a periculosidade do sujeito. Em alguns casos, de acordo com tal artigo poderia ser aplicada medida de segurança até o falecimento do sujeito, se assim fosse necessário. Contudo, houve severas críticas pelos doutrinadores sobre essa interpretação, eis que, conforme relatam, caso a medida de segurança fosse 22 aplicada com prazo indeterminado, estaria ofendendo o princípio constitucional da vedação da perpetuidade da pena, descrito no artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b” da Constituição Federal do Brasil. Em consonância com isso, ressalta Zaffaroni (2011, p. 733) que: Esta consequência deve chamar a atenção dos intérpretes de qualquer lei penal, por menos que reflexionem sobre urna medida de segurança significar limitações da liberdade e restrições de direitos, talvez mais graves do que os dotados de conteúdo autenticamente punitivo. Se a Constituição Federal dispõe que não há penas perpétuas (art. 5.°, XLVII, b), muito menos se pode aceitar a existência de perdas perpétuas de direitos formalmente penais. Em sentido contrário, o renomado doutrinador Bitencourt (2010, p. 785) aduz que, assim como as penas privativas de liberdade têm limite máximo para sua aplicação, sendo esse não superior a trinta anos, e as medidas de segurança devem obedecer ao mesmo preceito. É esse também o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme demonstra ementa a seguir exposta: Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. CUMPRIMENTO DA MEDIDA EM PRAZO SUPERIOR AO DA PENA MÁXIMA COMINADA AO DELITO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INÍCIO DO CUMPRIMENTO. MARCO INTERRUPTIVO. PRAZO MÁXIMO DA MEDIDA. 30 (TRINTA) ANOS. PRECEDENTES DO STF. DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA. ART. 5º DA LEI 10.216/2001. APLICABILIDADE. ALTA PROGRESSIVA DA MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO DE 6 (SEIS) MESES. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A prescrição da medida de segurança deve ser calculada pelo máximo da pena cominada ao delito cometido pelo agente, ocorrendo o marco interruptivo do prazo pelo início do cumprimento daquela, sendo certo que deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao período máximo de 30 (trinta) anos, conforme a jurisprudência pacificada do STF. Precedentes: RHC 100.383/AP, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgamento em 18/10/2011; HC 107.432/RS, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgamento em 24/5/2011; HC 97.621/RS, Relator Min. Com o advento da Lei 7.209/84 o sistema adotado em nosso ordenamento jurídico passou a ser o vicariante ou unitário das penas, no qual o condenado apenas cumprirá a pena propriamente dita ou então medida de segurança. Assim ao semi-imputável poderá ser aplicada ou a medida de segurança ou a pena, e aos imputáveis, apenas caberá pena. 23 Importante ressaltar que tanto na pena como na medida de segurança não poderá o condenado sofrer sanção superior a 30 anos. Nos últimos anos, surgiram algumas correntes contrárias à aplicação das medidas de segurança que exigem a internação do condenado. Isso porque, de acordo com Rogério Greco (2012, p. 667), em alguns casos o regime de internação vem a piorar a situação dos condenados submetidos à medida de segurança, o que justificou, portanto, a criação da Lei nº 10.216/2001, a qual versa sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial a saúde mental. Considerando, pois, que já definidas as sanções penais passíveis de aplicação nos casos dos semi-imputáveis, adentrar-se-á, nas linhas subsequentes, na análise da questão nodal deste trabalho. 24 3. PSICOPATA E O SISTEMA PRISIONAL A relação entre o psicopata e o sistema prisional é motivo de grande preocupação pelos doutrinadores contemporâneos. Nota-se a importância do auxílio de estudiosos acerca das psicopatologias para o Direito Penal devido ao fato de que, de acordo a capacidade psíquica do agente de entender o caráter ilícito do fato cometido, bem como se posicionar em relação a este, será ele considerado imputável, inimputável ou ainda semi-imputável sobre os delitos por ele cometidos. Diante de tal complexidade, e em face da relevância do tema, deu-se um enfoque principal ao estudo dos psicopatas criminosos que, apesar de entenderem o caráter ilícito do fato,não conseguem se posicionar em relação a este, pois apresentam em seu cérebro alterações em determinadas regiões, as quais vêm a interferir em comportamentos sociais mais complexos. Dessa forma, ante a periculosidade que tais sujeitos representam para a sociedade, se demonstrará nas linhas seguintes às consequências que a falta de tratamento jurídico-penal adequado pode acarretar. 3.1 CONCEITO DE PSICOPATIA Antes de adentrarmos especificadamente sobre as formas de tratamento jurídico-penal ao psicopata, relevante se faz informar quem são estes indivíduos, e como são vistos pelo direito penal. Segundo Nunes (2009, p.156): A psicopatia é identificada como perturbação caracterizada pela presença de um padrão comportamental que encerra a manifestação de “menosprezo e violação” dos direitos das outras pessoas, que se inicia na infância ou na adolescência, continuando na vida adulta. A psicopatia é um transtorno de personalidade que compromete o campo afetivo e emotivo do indivíduo. Para o portador desse transtorno, exercer um ato de crueldade contra terceiros que venham a cruzar seu caminho é algo natural, não vindo a lhe causar quaisquer vestígios de arrependimento. 25 Segundo a escritora Ana Beatriz Barbosa da Silva (2008, p. 37), pessoas portadoras da psicopatia são: (...) indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros “predadores sociais”, em cujas veias e artérias corre sangue gélido. Já Cleckley (1941, 1979 – reedição) apud Jorge Trindade (2009; p. 220) os caracteriza da seguinte maneira: Charme superficial e boa Inteligência; ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; ausência de manifestações psiconeuróticas; falta de confiabilidade; insinceridade; falta de remorso ou vergonha; comportamento anti-social e inadequadamente motivado; julgamento pobre e dificuldade para aprender com experiência; egocentricidade patológica e incapacidade para amar; pobreza geral nas relações afetivas; específica falta de insight; falta de responsividade na interpretação geral das relações interpessoais; comportamento fantástico com uso de bebidas; raramente suscetível ao suicídio; interpessoal, trivial e pobre integração da vida sexual; e falha para seguir planejamento vital. Tal transtorno não se faz raro em número de portadores, afirma Fernanda Salla que “segundo os especialistas, até três da população mundial é composta de psicopatas, sendo que eles reincidem na criminalidade três vezes mais que bandidos comuns” (SALLA, 2014, p. 1). Cabe aqui ressaltar que nem todos os psicopatas necessariamente são criminosos, porém, é certo que em sua maioridade apresentam comportamentos “corrompidos” aos olhos da sociedade. A psicopatia, de acordo com sua incidência, pode ser classificada em três níveis, sendo eles leve, moderado e severo. Portanto, nem todo psicopata necessariamente irá cometer crimes cruéis ao longo de sua vida, tais como assassinato, estupro, dentre outros. Alguns estão simplesmente infiltrados na sociedade sem ao menos serem notados, representados na figura de políticos, comerciantes bem sucedidos, diretores de grandes empresas, ou até mesmo de bom amigo, aplicando golpes fiscais, furtos, estelionatos, etc. Isso porque, segundo Ana Beatriz Barbosa da Silva (2008, p.159) seus cérebros, se comparados ao de uma pessoa normal, possuem uma debilidade em 26 relação à atividade da amígdala, conhecida como nosso “coração” cerebral, e o lobo frontal. No psicopata a realização das atividades cerebrais envolvendo essas regiões são de menor intensidade, incapacitando-lhes de possuir sentimentos bons. Conforme ensina o psicólogo Robert Hare, uma das maiores autoridades sobre o assunto, apud Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 40) a parte racional dos psicopatas é completamente perfeita, portanto eles são plenamente capazes de entender se suas ações configuram crime ou não, planejando sempre seus atos nos mínimos detalhes. A deficiência das pessoas portadoras do transtorno de psicopatia encontra-se no campo afetivo. Logo, entendemos que o maior problema do psicopata esta na questão de não conseguirem se posicionar em relação às normas penais. Como sua deficiência encontra-se no campo dos afetos e das emoções, para eles tanto faz matar, estuprar, ferir, abraçar. Conforme nos ensina Jorge Trindade (2010, p. 174) tais sujeitos sentem-se ‘além’ das normas penais, o que vem a acarretar comportamentos totalmente ‘fora’ dos padrões de comportamento impostos pela sociedade. O que leva a maioria dos indivíduos normais, havendo exceções, a não praticarem crimes, tais como matar, roubar, violentar, dentre outros, é justamente a questão emotiva, a preocupação com a própria moral, a preocupação com terceiros, a preocupação com as consequências que esse ato irá lhe causar. Todos esses sentimentos encontram-se ausentes no sujeito portador da psicopatia. É importante salientar que muitos crimes cometidos por psicopatas têm mais relação com transgressões sociais do que com crimes hediondos. Contudo, conforme aborda Ana Beatriz Barbosa da Silva (2008, p. 129) existe uma fração de psicopatas que, por mais que minoritária, apresentam uma insensibilidade tamanha que são capazes de cometer atos inimagináveis. seus crimes não apresentam qualquer motivação compreensível, nem guardam uma relação direta com situações sociais ou pessoais. Outra característica que chama bastante atenção nos psicopatas, além de sua crueldade e frieza, é que estes não aprendem com a punição, dessa forma, a reincidência criminal dos psicopatas é extremamente maior do que nos casos de criminosos normais. Nesse sentido, cumprida a pena pelo psicopata e posto tal novamente em liberdade sem qualquer acompanhamento, certamente voltará a 27 cometer os mesmos crimes o qual levou-os a serem condenados anteriormente, buscando sempre novas vítimas, conforme segue: O Psicopata se preso, após cumprir sua pena reincidirá, cometerá os mesmos crimes de antes, pois é incapaz de aprender com punições ou experiências, não entende a punição como correção. A tríade funcional, prevenir, punir e ressocializar, não se efetiva, então, a reincidência de crimes cometidos é exorbitante, justamente por acharem que não estão fazendo nada de errado. (SILVA, 2012, p. 3). Em relação à imputabilidade e à exigibilidade de conduta diversa, a ideia de que os portadores do transtorno de psicopatia são possuidores de consciência da antijuricidade de seus atos é pacífica, eis que possuem tais indivíduos capacidade de conhecimento das normas que infringem. Todavia, não conseguem se posicionar em relação a estas, não se importando os atos que estão praticando são transgressões penais. Por tal fato, o psicopata para o direito penal é considerado como semi-imputável. 3.2 A LEGISLAÇÃO ATUAL BRASILEIRA APLICADA AOS PSICOPATAS A doutrina e a legislação brasileira, ao tratar do psicopata, dispõem de artigos e princípios aplicáveis quando esses são condenados por praticarem ilícito penal. Os princípios atuais aplicados em tais casos são: princípio da culpabilidade, princípio da individualização da pena e o princípio da humanidade das penas. O princípio da culpabilidade é de relevante importância, pois segundo Juan Cardoba Roda (1989, p.20 apud Greco, 2012, p. 90), tal princípio é “(...) correspondente ao critério regulador da pena, conforme o juízo de que a pena não deve ultrapassar marco fixado pela culpabilidade da respectiva conduta”.Esse princípio traz consigo a ideia de que o Estado deverá dar atenção especial na pessoa do criminoso, avaliando sempre a personalidade do condenado no momento da valoração da culpa deste, focando sempre no caso concreto. Com relação ao princípio da individualização da pena, esse preconiza que dentro da esfera do direito penal cada indivíduo que vier a ser condenado pela prática algum crime, terá o direito de ter sua pena individualizada, de acordo com a condição natural que cada um possui. 28 É o que aduz Guilherme de Souza Nucci (2007; p. 11): Trata-se do direito de todo acusado de obter, em caso de condenação, a pena justa, livre de qualquer padronização, decorrência natural da condição individualizada do ser humano, cada qual com vida e personalidade ímpares. Cuida-se de garantia das partes na relação processual contra o arbítrio excessivo ou mesmo abusivo do Estado-juiz. Tal princípio visa garantir uma condenação mais justa, a qual venha cumprir sua principal função, qual seja, a reintegração do preso para não reincidir, de forma a voltar ao convívio social normalmente, cabendo ao Estado, na pessoa do juiz, analisar sempre, as condições físicas e intelectuais de forma individual de cada condenado, tratando cada caso de forma particular a fim de fixar a melhor pena, bem como determinar a forma de sua execução. Sobre o princípio da individualização das penas, aborda o renomado doutrinador Rogério Greco (2012, p.76): Tendo o julgador chegado à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e culpável, dirá qual a infração penal praticada pelo agente e começará, agora, a individualizar a pena a ele correspondente. Inicialmente, fixará a pena base de acordo com o critério trifásico determinado pelo art. 68 do Código Penal, atendendo as chamadas circunstâncias judiciais; em seguida, levará em consideração as circunstâncias atenuantes e agravantes; por ultimo, as causas de diminuição e de aumento de pena. Todavia, a questão é extremamente complicada quando se trata de individualização da pena em sentenças aplicadas aos psicopatas criminosos, isso porque detectar o transtorno de personalidade psicopática em um sujeito é algo extremamente difícil, porquanto atualmente no Brasil não há um sistema eficaz para tal, e dessa forma muitos acabam sendo encarados como condenados comuns. O princípio da humanização da pena, de acordo com Cristiano Rodrigues (2012, p. 29) visa “proibir qualquer tipo de sanção que atente contra a dignidade da pessoa humana e que viole os Direitos Humanos Fundamentais”. O referido princípio abrange dois incisos do artigo 5º da Constituição Federal, sendo eles: o inciso XLVII, o qual veda a aplicação das penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, banimento e penas cruéis; e o inciso XLIX o qual assegura aos presos “o respeito à integridade física e moral”. 29 Transitada em julgado a sentença condenatória, garantida a aplicação dos princípios supracitados, nos casos em que for detectada a psicopatia por meio de exames criminológicos, seu portador poderá seguir dois caminhos, de acordo com Eduardo Szklarz (2009, p.3) poderá o juiz declará-lo como imputável, se observar que o sujeito possui consciência de seus atos, podendo ele ser punido como os demais criminosos comuns, ou poderá ser ele declarado semi-imputável, quando detectado que este não consegue controlar os seus atos por mais que tenha a consciência deles, caso em que lhe será reduzida a pena de um a dois terços, ou poderá ser aplicada medida de segurança. Nesse sentido, caberá ao juiz declarar o psicopata imputável ou semi-imputável, de acordo com seu entendimento. Opinião favorável no sentido de declarar o psicopata imputável é do estudioso Jorge Trindade (2009, p. 137), o qual entende que o psicopata possui plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato que pratica, portanto, deverá ser considerado imputável, a menos que “a capacidade cognitiva e a capacidade volitiva sejam, uma ou a outra, ou ambas, comprometidas por algum outro fator interveniente ou associado”, caso contrário, não caberia ao psicopata abrigo no artigo 26 do Código Penal, seja na forma de inimputável seja na forma de semi- imputabilidade. Entretanto, atualmente no Brasil a maioria dos julgados, quando se debruçam na análise do psicopata criminoso, tende a considerar o psicopata semi- imputável. Nesse sentido, segue abaixo alguns julgados: Capacidade diminuída dos psicopatas – TJSP: “Os psicopatas são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter criminoso do ato praticado, enquadrando-se, portanto, na hipótese do parágrafo único do art. 22 (art. 26 vigente) do CP (Redução facultativa da pena)”. (RT 550/303). No mesmo sentido, TACRSP:JTACRIM 85/541.(MIRABETE, 2000 apud TRINDADE, BEHEREGARAY e CUNEA, 2009, p. 138) E ainda: Capacidade diminuída da personalidade psicopática – TJSP “Personalidade psicopática não significa, necessariamente, que o agente sofra de moléstia mental, embora coloque na região fronteiriça de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais” (RT 495/304). TJMT: “A personalidade não se inclui na categoria das moléstias mentais, acarretadoras da irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco das perturbações da saúde mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena”. (RT 462/409/10). No mesmo sentido, TJ:RT 405/133,442/412,570/319). (MIRABETE, 2000 apud TRINDADE, BEHEREGARAY e CUNEA, 2009, p. 138) 30 Portanto, no caso de psicopatia, o juiz irá proferir sentença condenatória com base no artigo 387 do Código de Processo Penal, tendo ele a opção de reduzir a pena de um a dois terços, ou ainda, caso seja necessário, a pena poderá ser substituída por tratamento ambulatorial ou internação de acordo com artigo 98 do Código Penal, conforme segue: Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. Cabe ressaltar que, conforme vimos, com a adoção do sistema vicariante, somente poderá ser aplicada a pena ou a medida de segurança, não podendo cumular ambas as sanções. 3.3 A IMPORTÂNCIA DO EXAME CRIMINOLÓGICO PARA A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA Conforme já relatado, o juiz poderá, nos casos em que detectada a psicopatia, seguir dois caminhos, quais sejam: aplicar medidas de segurança, aonde o portador do transtorno receberá o devido tratamento psiquiátrico e psicológico, ou condena-lo à pena privativa de liberdade. Retrata o artigo 5º da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização de execução penal”. Uma forma de se obter uma individualização da pena mais eficaz é através da realização de exame criminológico, o qual segundo Bitencourt, (2012, p. 459) “é a pesquisa dos antecedentes pessoais, familiares, sociais, psíquicos e psicológicos do condenado, para obtenção de dados que possam revelar a sua personalidade”. O referido exame será realizado mediante auxílio de médicos Psiquiatras e Psicólogos. A realização do exame criminológico será obrigatória nos casos em que a pena foi privativa de liberdade, e o indivíduo já ingressar em regime de cumprimento de pena fechado, conforme aduz o artigo 34 do Código Penal e o artigo 8º, caput, da 31 Lei de Execuções Penais, a seguir expostos: Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológicode classificação para individualização da execução. § 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno. § 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena. § 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas. Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. Portanto, em decorrência desses dispositivos legais entende-se que caberá a realização dos exames criminológicos no início da execução penal, visando assim à devida individualização da pena de acordo com a necessidade de cada sujeito. Inicialmente, quando promulgada a lei 7.210/84 os exames criminológicos eram também obrigatórios para os casos de progressão de regime de acordo com o artigo 112. Contudo, com o advento da lei 10.792/03, a qual gerou grandes alterações na Lei de Execuções Penais e deu nova redação ao referido artigo, excluiu-se a obrigatoriedade desses exames para tais casos, ficando a critério do juiz sua utilização. Em relação à progressão de regime, bem como ao livramento condicional, o exame criminológico se faz essencial para avaliar se o sujeito está preparado para a vida social. Existem alguns casos, como por exemplo, os de sujeitos portadores de psicopatia, nos quais para que haja a completa convicção de que o sujeito é portador do transtorno haverá a necessidade de estudos mais aprofundados, eis que conforme já demonstrado, os psicopatas são completamente manipuladores e hábeis enganadores, portanto, não caberá a estes um mero atestado de bom comportamento carcerário, ou uma simples análise do crime cometido, eis que para eles fácil será enganar a autoridade judiciária devido ao autopoder de persuasão que possuem. De acordo com isso, Mirabete (1987, p. 294): Não basta o bom comportamento carcerário para preencher o requisito subjetivo indispensável à progressão. Bom comportamento não se confunde 32 com aptidão ou adaptação do condenado e muito menos serve como índice fiel de sua readaptação social. Cláudio Th. Leotta de Araújo e Marco Antônio de Menezes (2009, p. 3 apud Nucci 2014, p.254), aduzem: Por uma questão de justiça, respeito à Democracia e com vistas à recuperação do sentenciado, a execução da pena deve ser individualizada e a Constituição brasileira, conquanto tenha sido promulgada depois da lei supracitada, cobra essa individualização, mercê de seu art. 5.º, inciso XLVI. Ou seja, o legislador sabia, tinha consciência de que, para criminosos diferentes, execuções de penas também diferentes, e o elemento orientador dessa individualização é o exame criminológico, já que não se dispõe de outro meio. Dessa forma, nota-se que, para que o princípio da individualização da pena seja devidamente observado e empregado aos condenados, se faz necessária à realização de exames adequados, haja vista que somente por meio destes ter-se-á uma análise mais exata a respeito da capacidade psíquica do condenado, levando em consideração seus aspectos físicos, psicológicos e morais, demonstrando qual a melhor sanção cabível para a reeducação do indivíduo, bem como para que a ressocialização deste possa ser possível. 3.4 RISCOS SOCIAIS PERANTE A FALTA DE TRATAMENTO ADEQUADO E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL DO PSICOPATA Apesar de existirem leis que versem sobre formas de se obter uma execução penal mais humanitária, isso ainda é bastante utópico no Brasil. De acordo com especialistas1, cerca de 98% da população carcerária jamais passou por qualquer tipo de exame criminológico, e cumprem suas penas em cadeias públicas ou em presídios locais, dividindo celas com os demais carcerários sem qualquer tipo de classificação. Quanto à aplicação de pena aos psicopatas, no Brasil, diferentemente de países como Canadá, por exemplo, não há a existência de prisões especiais para 1 Entrevista feita em 11/10/2013 pelo Jornal Repórter Brasil. Disponível em <http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/galeria/videos/2013/10/maioria-de-condenados-no-brasil- nao-passam-por-exame>. Acesso em 14 de abril de 2016. 33 referidos criminosos, sendo que estes ao serem condenados em pena privativa de liberdade permanecem detidos com os demais presos comuns. Os psicopatas, segundo especialistas, atualmente correspondem cerca de 20% da população carcerária. O maior problema que isso gera é que psicopatas quando postos em celas com demais presos, devido a sua personalidade dominante, conseguem manipulá-los da maneira que querem para benefício próprio, e assim passam a liderar rebeliões, pioram a convivência nas cadeias e ainda passam a realizar novos crimes. Presos considerados psicopatas também podem se aproveitar de estarem em cadeias comuns para conseguir a liberdade por bom comportamento, oque fara com que retornem a sociedade ainda mais cedo, colocando em risco a vida de outras pessoas devida reincidência ser quase certa. Nesse sentido, Ronaldo França (2002; p.51) aduz: Estudos realizados nos Estados Unidos e no Canadá estimam que a incidência de psicopatas entre a população carcerária chegue a 20%. Sua presença na prisão não passa despercebida. Eles têm o perfil adequado para se tornar os chefões da cadeia e os líderes de rebeliões. Podem transformar os outros 80% dos presos em massa de manobra. ‘Além de recriarem o inferno na cadeia, atrapalham a ressocialização dos detentos que podem ser recuperáveis’, afirma a psiquiatra forense Hilda Morana. ‘É esse um dos principais motivos de o Brasil ter uma taxa de reincidência de crimes tão alta, na casa dos 70%’. A ausência de capacidade de aprendizado com as punições sofridas por seus crimes cometidos é outro fator que chama bastante atenção, pois, ante a isso, a reincidência criminal nos casos de portadores de psicopatia é consideravelmente maior que nos casos de criminosos comuns. Dessa forma, nota-se que a prisão comum, além de ser prejudicial ao próprio psicopata, eis que terá ele meios de continuar realizando seus atos de crueldade, será prejudicial ao restante da sociedade carcerária, tendo em vista o caos que as pessoas portadoras do transtorno poderão gerar no ambiente carcerário. Além disso, ainda vê-se a falta de estruturas adequadas e de profissionais realmente habilitados para lidar com tais indivíduos. 34 Portanto, tanto as penas quanto as medidas de segurança tem servido principalmente como forma de proteção da sociedade, eis que, não sendo possível curar a psicopatia, faz-se importante, como forma de proteção social, isolar esses indivíduos buscando inibir o cometimento de novos crimes, ainda que as penas e medidas se mostrem falhas com relação às suas outras finalidades, em especial no que se refere à ressocialização. Um exemplo da importância de proteção à sociedade, e que revela a falta de estrutura em relação à eficácia dos exames aplicados no Brasil é o caso do “Chico Picadinho”. Francisco da Costa Rocha, no ano de 1966, matou e esquartejou a bailaria Margareth Suida no próprio apartamento, localizado no centro de São Paulo, recebendo uma pena de 18 anos de reclusão por homicídio qualificado e mais dois anos e meio de prisão por destruição de cadáver. Oito anos após ter cometido o crime, Chico foi liberado da prisão por bom comportamento, sendo que em seu parecer para a concessão de liberdade constatou apenas “personalidade com distúrbio profundamente neurótico”, não sendo diagnosticadaa psicopatia. Dois anos após ser solto, Francisco veio a matar Ângela de Souza Silva, com a mesma crueldade que havida cometido no crime anterior. Aí se demonstra também o problema em relação ao prazo para findar a medida de segurança, eis que atualmente tem-se o entendimento de não mais ser perpétuo, conforme relata Claudia Silva (2012): Em nossa Constituição não é permitido a pena de morte, e nem penas de caráter perpétuo, a pena máxima estabelecida em nosso Código Penal é de 30 anos, tendo ainda a progressão de regime e, após, o livramento condicional, se cumprido sucessivamente um sexto da pena, e um terço de pena. Se tratando das medidas de segurança, estas que, pela lei, poderiam ser cumpridas indefinidamente, já tiveram seu caráter restrito pela jurisprudência, não importando a periculosidade do agente, ele deve ser libertado depois de 30 anos, como ocorre na pena. Sobre isso indaga-se: e nos casos de psicopatia em que não há cura do indivíduo, como ficará o indivíduo psicopata em relação a sua reinserção na sociedade, mesmo se sabendo de sua provável reincidência? Verifica-se, portanto, os riscos presentes na sociedade ante a presença de psicopatas, sendo que urgente se faz a necessidade do legislador encontrar 35 soluções alternativas a fim de evitar que tais sujeitos retornem à sociedade e venham a cometer os mesmos crimes, se não piores, contra novas vítimas, destruindo novas vidas e a tranquila convivência social. 36 4. SISTEMA CRIMINAL Os artigos 41, 42, e 88 da Lei de Execução Penal abrangem os direitos dos apenados e internados, conforme segue: Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. Art. 42 - Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança, no que couber, o disposto nesta Seção. Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados). Todavia, o que se vê no Brasil é que as instituições carcerárias têm sido alvo de grande abandono e desleixo do Estado. Silva (2012, p. 17) faz a seguinte alusão sobre tal fato: A triste história do sistema prisional brasileiro tem-se mostrado uma forma de massacre sofisticado. O indivíduo preso apresenta rompimento com vínculos sociais em várias dimensões, sendo aprofundado e agravado pelo sistema prisional, através das inúmeras deficiências existentes, como a 37 superlotação, a ociosidade, o uso de drogas, a disseminação de doenças, sem falarmos na violência utilizada em nome da manutenção e da ordem. Não há humanização no tratamento do encarcerado, sendo que a maioria de seus direitos estabelecidos em lei são totalmente ignorados, não há investimentos em recursos humanos a fim de especializar os profissionais da área para que o tratamento a ser oferecido para o condenado venha cumprir com finalidade ao qual foi proposto, seja ele retribuitivo, ressociativo ou ainda curativo. Importante também salientar que existem reclusos que demandariam de uma assistência diferenciada dos demais presos, devido aos riscos por eles causados serem consideravelmente maiores do que os demais. Dessa forma, mesmo necessitando de um tratamento diferenciado, qual seja uma internação mais severa, continuam circulando normalmente dentro dos presídios, e por não terem controle sobre seus atos tornam o local extremamente perigoso aos demais, exemplo disso, conforme fora alardeado nas linhas anteriores são os psicopatas. Nos embargos de declaração n. 700575715072, o desembargador Nereu José Giacomolli demonstrou a precariedade do sistema penitenciário brasileiro da seguinte maneira: O número de presos no Brasil ultrapassa a cifra dos 500.000 e, destes, mais de 60% não possui o ensino fundamental completo. Ademais, estatísticas informam que em torno de 20% são psicopatas. Esses são os incluídos no sistema, justamente os excluídos da cidadania. Ademais, os presídios, verdadeiras masmorras medievais, em sua grande parte, precisam ser pelo menos, “visitados” para que se verifique a situação precária. Nota-se assim a precariedade do tratamento que estes vêm recebendo do Judiciário, sendo que tais, simplesmente, são encarcerados com demais presos comuns, sem receber qualquer tratamento necessário. Moreira (2008, p.1) demonstra tal problema da seguinte forma: No Brasil, os condenados por qualquer crime são vistos pelo Estado da mesma forma que um passageiro de um avião vê a floresta abaixo, ou seja, de modo absolutamente homogêneo. O princípio da individualização da pena é frequentemente esquecido nas penitenciárias, sendo comum o tratamento igualitário de pessoas com personalidades e condutas absolutamente díspares. Raras são as iniciativas dos “biólogos”, que se dão 2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração nº 70057571507, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, PR, 8 de maio de 2014. Disponível em: <http://tj- rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/125118493/embargos-de-declaracao-ed-7005757150 7-rs/inteiro-teor- 125118505>. Acesso em: 12 de junho de 2016. 38 ao trabalho de analisar as diferenças entre cada um dos habitantes dessa “floresta”. Se de um lado não existe no Brasil nenhum meio legal de se verificar a psicopatia no agente criminoso, por outro não há atualmente nenhuma lei que aluda tal verificação, sendo que a última lei promulgada dando atenção específica ao psicopata foi na década de 30, contudo, nunca foi observada. Com relação à legislação, a primeira lei promulgada acerca do psicopata foi em 1927, o Decreto Lei n. 17.805 estabeleceu a diferença entre psicopata alienado ou não, sendo que o não alienado referia-se aos casos menos gravosos, já os alienados, referiam-se aqueles casos mais perigosos. Nos casos de alienação, a internação era obrigatória. Em 1934, Getúlio Vargas editou o Decreto Lei n. 24.559, o qual revogou o anterior, retirando do ordenamento jurídico o termo alienado, passando a referir-se apenasao psicopata, tornando o termo mais amplo. (MACEDO, 2006, p. 4). Por meio de tal decreto, entendeu-se que a internação compulsória deveria ser a regra, sendo a exceção o tratamento em domicílio. Posteriormente a promulgação da lei mencionada, não há qualquer portaria, lei ou decreto que trate a respeito do psicopata, mesmo que não diretamente. A Lei de Execuções penais apenas trás alguns dispositivos que tratam sobre exames criminológicos (artigo 8º e 96º), mas em nada relata sobre a psicopatia. Atualmente, há um projeto de lei de número 6.858/2010, proposto pelo Deputado Federal Marcelo Itagiba, que prevê alteração da Lei de Execuções Penais, tendo como finalidade a criação de uma comissão técnica independente da administração prisional a qual em conjunto com isso, prevê a execução da pena do condenado com transtorno psicopático. Tal projeto de lei está para votação desde o mês de março de 2010. O Deputado justificou o presente projeto abordando acerca de que pessoas portadoras de psicopatia devem cumprir suas penas em separado dos demais presos tidos como normais. Também, outro projeto de lei que aborda o psicopata criminoso, é o projeto de lei número 3/2007, proposto pelo Deputado Federal Carlos Lapa, onde em tal prevê a criação de medida de segurança perpétua para os casos de psicopatas que cometem assassinatos em série. Justifica-o que essa medida de faz necessária tendo em vista que esses sujeitos são incuráveis, incorrigíveis e extremamente 39 cruéis em seus atos criminosos, sendo que possuem inteligência acima do normal. Assim, estando tais sujeitos entre a normalidade e a loucura, não pode ser considerados nem um nem outro, devendo ser isolados da sociedade. Em 2001, foi promulgada a Lei 10.216, conhecida como “Reforma Psiquiátrica brasileira” e decorrente dos movimentos antimanicomiais. A referida lei tem como objetivo principal restringir o máximo possível a possibilidade do sujeito portador de transtorno mental permanecer internado em hospital em caso de aplicação das medidas de segurança. Isso porque, hodiernamente, tem-se buscado arduamente melhoria das condições de tratamento oferecidas pelo Estado às pessoas portadoras de transtornos mentais, buscando um tratamento mais humanitário, eis que a exclusão de tais sujeitos do convívio social e o confinamento em hospitais psiquiátricos apenas os torna cada vez mais incapacitados para o convívio social. Segundo Pereira e Pereira (2013, p. 14), tem “a Lei 10.216/01, esse fito de combater as práticas de tortura, maus-tratos e esquecimento que operavam (e ainda operam) nesse sistema”. A luta pelo fim das internações compulsórias é uma causa nobre, todavia, quando se trata do psicopata, essa situação torna-se extremamente complexa. Os transgressores portadores da psicopatia, quando submetidos a medidas de segurança, acabam passando os restos de suas vidas trancafiados em hospitais de custódia. De acordo com Pereira (2011, p. 226): A política de saúde mental instituída pela Lei n. 10. 216 de 2001, embora frutuosa na campanha pela humanização dos que padecem de transtorno mental, ainda apresenta inúmeros desafios na garantia do direito fundamental a saúde, dentre eles, expugnar do esquecimento o psicopata e tratá-lo com as especificidades que o caso demanda, considerando individualmente cada pessoa, como um ser detentor de dignidade, cidadania e titularidade de direitos, fugindo do ranço do sistema imposto pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal. Ante as alterações propostas pela Lei da Reforma Psiquiátrica, paira a dúvida, em meio a Luta Antimanicomial o que fazer com o psicopata? Pereira e Pereira (2013, p. 49) propõe que seja realizada uma nova interpretação e aplicação do modelo atualmente proposto pela referida lei a fim de que o tratamento dado aos portadores de psicopatia, sobretudo no que tange ao aspecto terapêutico, mas 40 também no que diz respeito ao aspecto punitivo e prisional possam sofrer melhorias que levem a uma maior eficiência. Com relação às medidas de segurança, ao se tratar de psicopatia, essas perdem seu caráter curativo, pois, conforme fora abordado o transtorno psicopático não possui cura, logo tais medidas são aplicadas apenas como forma de proteção à sociedade, retirando o sujeito psicopata do convívio social, de modo que este não venha mais a causar nenhum mal para vida de outras pessoas. Atingido o prazo máximo da sanção imposta, certamente o psicopata ainda encontrar-se-á inapto para o convívio social ante a incurabilidade do transtorno que possui, dessa forma, uma solução encontrada foi a interdição civil, a qual tem sido implantada pelos tribunais para aqueles casos em que restou comprovada a extrema periculosidade do agente e o mal que este certamente iria causar para a sociedade ante seu retorno. (NUCCI, 2012, p. 539) Sobre tal solução, Nucci (2012, p. 539) faz a seguinte abordagem: A solução encontrada nesse caso, pelo menos, foi tecnicamente correta, embora o lugar onde ele esteja internado não poderia ser exatamente o mesmo onde passou os últimos 30 anos da sanção penal. Se assim for, de nada adiantou substituir a pena, que foi extinta pela interdição civil. Enfim, nota-se a incapacidade do sistema criminal para lidar com criminosos psicopatas, uma vez que as medidas tomadas até o presente momento apenas serviram como forma de “remendar” o problema, e não resolvê-lo, pois é visto que os psicopatas precisam de um tratamento jurídico-penal especial com relação aos demais criminosos, o que tem sido claramente negligenciado pelo Estado. 41 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho acadêmico, por tudo o que foi exposto, buscou demonstrar a importância da culpabilidade como um dos elementos analíticos do crime, demonstrando a evolução de seu conceito por meio de suas teorias, de modo a conceder suporte ao tema abordado, eis que, se fez necessário para o bom desenvolvimento do presente trabalho demonstrar a relação entre a culpabilidade e os transtornos mentais. Conforme foi exposto, nos casos em que o agente praticante do ilícito penal for, ao tempo da ação ou omissão portador de doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, terá a culpabilidade reduzida ou excluída, fator esse que influenciará diretamente na sanção. Entende-se por sanção penal a resposta oferecida aos agentes praticantes de atos ilícitos, antijurídicos e culpáveis, sendo estes três os requisitos necessários para configurar a culpabilidade. Dessa forma, sendo a inimputabilidade uma das causas de excludente da culpabilidade, ao agente considerado inimputável apenas caberá medida de segurança, a qual tem caráter curativo, tendo em vista que excluída a culpabilidade inexistirá o crime, o que faz com que nos casos de pessoas portadoras de doenças mentais, em regra, não possa ser aplicada pena de prisão. Aos portadores de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, caberá análise mais profunda do caso em específico, podendo o juiz declará-los inimputáveis ou semi-imputáveis. Nos casos de semi-imputabilidade, caberá tanto pena de prisão como medida de segurança a depender do caso em concreto. Nesse sentido, para que reste comprovada a inimputabilidade ou semi- imputabilidade do agente, o Direito Penal necessitará da ajuda da Psicologia Jurídica e da Psiquiatria Forense, haja vista que em alguns casos, a ausência da capacidade psíquica ou a sua redução somente poderá ser constatada por intermédio de exames criminológicos, os quais serão realizados por médicos e psicólogos. Nota-se desta maneira, a importância do auxílio dos profissionais da área da Psicologia e da Medicina para o Direito, tendo em vista que necessário se faz conhecer a capacidade
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