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Gênese dos Direitos Humanos Volume I João Baptista Herkenhoff HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL DIREITOS HUMANOS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: UMA COLOCAÇÃO GLOBAL DO PROBLEMA, A TÍTULO DE CONCLUSÃO DESTA SINOPSE HISTÓRICA Nos países de Constituição flexível (a Inglaterra é o exemplo mais expressivo), sabe-se que não existe, a rigor, a supremacia de uma lei sobre outra. Um ato do Parlamento ordinário revogaria, na Inglaterra, o habeas-corpus, embora seja difícil conceber que a Inglaterra abrisse mão, por um ato legislativo, de oito séculos de cultura jurídica expressos nesse importante instituto do Direito. Nos países de Constituição rígida (o Brasil é tradicionalmente, um desses), a Constituição é a lei maior, Carta Magna, superior às demais leis. Lei que contraria a Constituição é inconstitucional. E entende-se por constitucional tudo que diz respeito aos limites e atribuições dos poderes políticos, bem como aos direitos políticos e individuais dos cidadãos. A primeira Constituição republicana (1891), ao tratar das reformas a ela própria, determinava que não podiam ser objeto de deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado (art. 90, 4º). A Constituição de 1934 distinguiu a emenda e revisão. Emenda era a alteração que não modificasse a estrutura política do Estado e a organização ou a competência dos poderes da soberania. Revisão era a alteração nesses pontos (art. 178). Não seriam admitidos, como objeto de deliberação, projetos tendentes a abolir a forma republicana federativa (art. 178, 5º). Na Constituição de 1946 novamente se estabeleceu que não seriam objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República. Dentro de um formalismo técnico. em países de Constituição rígida. constitucional é todo dispositivo constante da Constituição vigente. Não há que cuidar de Constituições antigas. Se se der, contudo. à tarefa hermenêutica uma maior abertura, se se adotar uma postura sociológica, passa a interessar, a meu ver, o exame de textos constitucionais revogados. Da mesma forma que a Constituição distingue preceitos constitucionais reformáveis e preceitos constitucionais irreformáveis, - penso que o cientista do Direito possa distinguir preceitos constitucionais meramente formais e preceitos constitucionais históricos ou solidificados. Por preceitos constitucionais meramente formais denomino aqueles que integram a Constituição vigente. Por preceitos constitucionais históricos ou solidificados designo aqueles que integram a verdadeira “Constituição” do pais. ou seja, preceitos que realmente orientaram e comandaram a estrutura política do Estado através do tempo. Quando os preceitos constitucionais formais afrontam preceitos constitucionais historicamente solidificados e vigoram por outorga. resulta dessa anomalia um divórcio entre o Estado (outorgante dos preceitos formais) e a Nação (detentora dos preceitos históricos solidificados). No Brasil. os preceitos constitucionais historicamente solidificados dão plena acolhida aos Direitos Humanos. Em outras palavras: numa visão científica e sociológica do Direito Constitucional, os Direitos Humanos. no Brasil. são “constitucionais E isto porque a tradição constitucional brasileira predominante aponta no sentido do respeito aos Direitos Humanos. Não obstante a luta, na história das idéias políticas no pais. entre o pensamento autoritário e o pensamento liberal, prevaleceu a orientação liberal nos grandes textos de afirmação do pensamento político e jurídico nacional. A afirmação de que os Direitos Humanos, como entendidos nos respectivos momentos históricos, foram consagrados nos grandes textos do pensamento político e jurídico nacional, não significa dizer que efetivamente houve a vigência dos Direitos Humanos no país. Sempre se assistiu a uma contradição lamentável. De um lado, a proclamação constitucional de direitos. De outro, o desrespeito amplo aos direitos proclamados. na vida concreta do povo. Entretanto, creio que as aspirações nacionais - e mais ainda as aspirações nacionais contemporâneas - apontam mio sentido de uma cultura dos Direitos Humanos. O período pré-constituinte, que o pais viveu entre 1985 e 1988, dá a tônica dessa realidade Nesse período todas as correntes de opinião puderam expressar-se livremente. Vimos que, em algumas questões. houve muita divergência de opiniões. Entretanto. conto constante, afirmou-se, nas múltiplas manifestações de vontade da sociedade civil organizada, tinia filosofia de acolhimento aos Direitos Humanos. Os valores que alimentam os Direitos Humanos podem ser identificados na grande maioria das emendas populares, bem como, nas sugestões formais e informais apresentadas aos constituintes durante todo o debate público. As emendas populares. patrocinadas. em sua maioria, por entidades do movimento popular, defenderam os mais importantes direitos humanos. A leitura do texto dessas emendas revela que os grandes temas que as inspiraram foram: os direitos do idoso, da criança, do adolescente, do deficiente, da mulher, dos trabalhadores, do consumidor, o exercício amplo da cidadania, a ação popular, o habeas-corpus, o habeas-data, a liberdade de manifestação do pensamento, a democratização dos meios de comunicação, a escola pública e o ensino público gratuito, a democracia racial, a ecologia, as populações indígenas, as minorias oprimidas, os direitos do preso etc. E se buscamos o contrário? Houve alguma expressiva parcela de opinião pública advogando a volta do arbítrio, a supressão de eleições, a elitização da cidadania, a democracia tutelada, o racismo, a tortura, as restrições à liberdade, a censura à imprensa, a redução de direitos do trabalhador, a discriminação da mulher? Certamente que não.
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