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Estatuto do Índio - Lei 6.001/1973 Sumário 1.1 Por onde começar: advertências iniciais .......................................................................................................6 1.2 Histórico da questão indígena no Brasil ........................................................................................................7 1.3 Panorama do direito indigenista brasileiro no século XX ..............................................................................7 1.4 O integracionismo .........................................................................................................................................7 1.5 Quem é índio ................................................................................................................................................7 1.5 5 Aplicação da legislação brasileira aos índios. .............................................................................................8 1.6 6 A atuação de polícias estaduais em terras indígenas .................................................................................8 1.7 Os índios e as outras comunidades tradicionais ...........................................................................................8 2.1 1 Ainda sobre integracionismo: análise dos incisos do art. 2º ....................................................................10 2.2 O direito de participação ............................................................................................................................12 2.3 O direito de consulta...................................................................................................................................12 2.4 4 A incorporação da O direito de participação ...........................................................................................12 2.5 Desfazendo (mais) alguns mitos: prestações às comunidades indígenas ...................................................12 2.6 Monetarização da cultura indígena ............................................................................................................12 3. 1 Os índios e as comunidades .......................................................................................................................12 3.2 O autorreconhecimento .............................................................................................................................13 4.1 Critérios para a classificação dos povos indígenas ......................................................................................14 4.1.1 Classificação linguística ............................................................................................................................14 4.1.2 Classificação cultural ................................................................................................................................14 4.1.3 Classificação segundo o grau de integração ............................................................................................14 5.1 Direitos de nacionalidade ...........................................................................................................................15 5.2 Direitos relativos à cidadania ......................................................................................................................15 5.3 Proteção contra o preconceito étnico........................................................................................................15 5.4 4 A Declaração da ONU sobre o direito dos povos indígenas: direitos de cidadania protegidos internacionalmente ..........................................................................................................................................15 5.5 Condições para o exercício dos direitos civis .............................................................................................. 15 5.6 Direitos políticos ......................................................................................................................................... 15 6.1 Reconhecimento do direito indígena: produção de direito não estatal ..................................................... 16 7.1 Não recepção do regime tutelar ................................................................................................................. 16 7.2 Capacidade para estar em juízo .......................................................................................................................16 7.3 3 Intervenção do MP nas ações relativas a direitos indígenas ................................................................... 16 7.4 Capacidade civil .......................................................................................................................................... 16 8.Relações jurídicas entre índios e não-índios: aplicação da teoria do erro ..................................................... 17 9. Não recepcionado ........................................................................................................................................ 17 10. Não recepcionado ...................................................................................................................................... 17 11.1. Não recepcionado .................................................................................................................................... 18 11.2 Responsabilidade da FUNAI por atos praticados por índios ..................................................................... 18 12.1 Registro civil de índios .............................................................................................................................. 18 12.2 Problemas práticos do registro ................................................................................................................. 18 12.3 Requisitos do casamento indígena ........................................................................................................... 18 13. Registro administrativo de nascimentos e óbitos indígena ........................................................................ 19 14.1 Introdução ................................................................................................................................................ 19 14.2 O trabalho indígena na Convenção 107 da OIT ............................................................................................. 19 14.3 Igualdade no trabalho .............................................................................................................................. 20 14.4 O trabalho e as peculiaridades culturais................................................................................................... 20 15.1 Os vícios do contrato de trabalho celebrados com índios ........................................................................ 20 16.1 Interpretação conforme do dispositivo ......................................................................................................... 21 16.2 Contratos de trabalho por equipe ............................................................................................................ 21 16.3 Fiscalização das condições de trabalho indígena...................................................................................... 21 16.4 Concursos Públicos restritos a índios? ...................................................................................................... 22 16.5 O trabalho indígena e a Convenção 169 da OIT ............................................................................................ 22 17.1 Dimensões das terras indígenas no Brasil ................................................................................................ 25 17.2 O Conceito de território indígena .............................................................................................................25 17.3 O indigenato ............................................................................................................................................. 26 17.4 Proteção penal às terras indígenas ........................................................................................................... 26 17.5 Requisitos para o reconhecimento da terra indígena .............................................................................. 26 17.6 Terras indígenas são de propriedade da União ........................................................................................ 28 17.7 Normas internacionais sobre as terras indígenas ..................................................................................... 30 17.8 A virada do Supremo Tribunal Federal em relação às terras indígenas .................................................... 30 18.1 Nulidade dos negócios relativos a terras indígenas .................................................................................. 31 18.2 Imprestabilidade de títulos sobre terras indígenas .................................................................................. 31 18.3 Proteção das terras indígenas contra o esbulho .......................................................................................31 18.4 Vedação de caça, pesca e extrativismo em áreas indígenas .....................................................................32 18.5 Da permissão da parceria agrícola e da inclusão na reforma agrária .......................................................32 19.1 Demarcação: aspectos introdutórios ........................................................................................................32 19.2 As dificuldades da demarcação .................................................................................................................33 19.3 Importância do processo de demarcação .................................................................................................33 19.4 Procedimento da demarcação ..................................................................................................................33 19.5 Natureza jurídica do procedimento demarcatório ...................................................................................34 19.6 Vedação ao interdito possessório contra a demarcação ..........................................................................35 19.7 Outras ações judiciais incabíveis para atacar a demarcação de terras indígenas .....................................35 19.8 Cabimento da ação popular ......................................................................................................................35 19.9 Competência da Justiça Federal ................................................................................................................35 19.10 Conflito federativo ..................................................................................................................................36 19.11 Vedação à concessão de medidas liminares em ação de impugnação à demarcação ............................36 19.12 Concessão de liminares em ação para exigir ato demarcatório .............................................................36 19.13 Segurança Nacional: demarcação em faixa de fronteira e intervenção da Polícia Federal e das Forças Armadas nas terras indígenas. ..........................................................................................................................36 19.14 Demarcação e produção agropecuária ...................................................................................................37 19.15 Demarcação e responsabilidade civil ......................................................................................................37 19.16 Prazo para conclusão da demarcação .....................................................................................................38 19.17 Demarcação e seus efeitos .....................................................................................................................38 19.18 ltimas terras indígenas demarcadas .......................................................................................................38 19.19 Possibilidade de demarcação determinada pelo Judiciário ....................................................................38 20.1 Defeito de técnica legislativa ....................................................................................................................39 20.2 Hipóteses de atuação emergencial, não de intervenção federal ..............................................................39 20.3 Vedação à remoção compulsória ..............................................................................................................39 20.4 Em síntese: hipóteses de intervenção relacionadas aos índios. ...............................................................39 21.1 Terras indígenas abandonadas .................................................................................................................40 22.1 Usufruto permanente das riquezas naturais ............................................................................................40 22.2 Competência para autorização de aproveitamento de recursos ..............................................................41 22.3 Garantias internacionais sobre os recursos naturais ................................................................................41 22.4 Inalienabilidade das terras indígenas ........................................................................................................41 23.1 Conceito de posse indígena e sua diferenciação da posse civil ................................................................42 24.1 Os limites do usufruto indígena e a questão ambiental ............................................................................42 24.2 O usufruto e o direito de ir e vir................................................................................................................42 25.1 Cárater originário da posse indígena ........................................................................................................43 26.1 Os limites do usufruto indígena e a questão ambiental ............................................................................43 24.1 Os limites do usufruto indígena e a questão ambiental ........................................................................... 44 28.1 Conceito de parque indígena .................................................................................................................... 44 29.1 Conceito de colônia agrícola indígena ...................................................................................................... 44 30.1 Conceito de território federal indígena .................................................................................................... 45 31.1 Regime jurídico único das terras indígenas .............................................................................................. 45 32.1 Aquisição de propriedade pelos índios e pelas comunidades .................................................................. 45 33.1 Usucapião especial indígena ..................................................................................................................... 45 35.1 Defesa dos direitos coletivos e individuais dos índios em juízo ................................................................ 46 35.2 Ilegalidade da Portaria AGU 839/2010: ausência de defesa adequada dos direitos individuais dos índios ......................................................................................................................................................................... 46 35.3 Superdefesacoletiva e ausência de defesa individual: a distorção da instituição defensoria pública... 46 35.4 Defesa dos índios em juízo pela defensoria pública ................................................................................. 46 36.1 Atribuições para o ajuizamento de ações em defesa da posse indígena .................................................. 47 37.1 Legitimidade para ajuizamento de ações por comunidades indígenas .................................................... 47 37.2 Prerrogativas processuais dos índios ........................................................................................................ 47 38.1 Impossibilidade de usucapião de terras indígenas ................................................................................... 47 38.2 Síntese ...................................................................................................................................................... 47 39.1 A propriedade indígena não se restringe às áreas demarcadas ............................................................... 54 41.1 Direito de organização interna das comunidades .................................................................................... 54 42.1 Arrolamento dos bens do patrimônio indígena ........................................................................................ 55 43.1 Administração de rendas da comunidade indígena .................................................................................. 55 44.1 O garimpo em áreas indígenas ................................................................................................................. 55 45.1 Exploração do subsolo em área indígena ................................................................................................. 56 46.1 Revogação tácita do dispositivo ..................................................................................................................... 56 47.1 A pluralidade cultural e linguística............................................................................................................ 56 47.2 O respeitos aos rituais .............................................................................................................................. 57 47.3 A absorção de novas tecnologias.............................................................................................................. 58 47.4 O direito de consulta prévia em relação a políticas públicas .................................................................... 58 47.5 A consideração do direito indígena na aplicação do direito comum ........................................................ 58 47.6 O infanticídio indígena.............................................................................................................................. 58 48.1 Educação Indígena .................................................................................................................................... 60 48.2 Cotas para índios no ensino superior ....................................................................................................... 60 48.3 Exemplo de violação, pelo Poder Judiciário, dos direitos internacionalmente garantidos aos índios ... 60 49.1 O problema do ensino da língua portuguesa e da língua indígena ........................................................... 61 50.1 Não recepção do dispositivo .......................................................................................................................... 62 51.1 Direito de ser educado no seio da comunidade ....................................................................................... 62 54.1 Organização da saúde indígena no Brasil ................................................................................................. 62 54.2 Direito dos índios de terem acesso aos serviçoes de saúde estaduais e municipais ................................63 54.3 Complementaridade entre a medicina ocidental e a medicina tradicional ..............................................63 54.4 Atuação do MPF em matéria de saúde indígena ......................................................................................63 54.5 Amplitude dos direitos relacionados à saúde indígena ............................................................................64 54.6 Atendimento aos índios em contexto urbano .............................................................................................. 64 56.1 Aplicação diferenciada da lei penal ..........................................................................................................64 56.2 Aplicação de atenuante ............................................................................................................................65 56.3 Laudo antropológico .................................................................................................................................65 56.4 Regime de cumprimento de pena.............................................................................................................66 56.5 Inimputabilidade e erro de proibição .......................................................................................................67 56.6 Coletânea de jurisprudência sobre a aplicação do direito penal aos índios .............................................67 56.7 Análise crítica da jurisprudência ...............................................................................................................68 57.1 Aplicação do direito penal indígena ..........................................................................................................68 57.2 O reconhecimento do pluralismo jurídico no Brasil ..................................................................................... 68 58.1 Proteção penal da cultura indígena ..........................................................................................................69 58.2 Disseminação de bebidas alcoólicas .........................................................................................................69 58.3 Ofensas à cultura indígena ........................................................................................................................69 58.4 Causa especial de aumento de pena ........................................................................................................70 58.5 Competência criminal em matéria indígena .............................................................................................70 58.6 Competência cível em matéria indígena ...................................................................................................70 59.1 Causa especial de aumento de pena .........................................................................................................71 60.1 Isenção tributária em favor dos grupos indígenas ....................................................................................71 61.1 Impenhorabilidade do patrimônio indígena .............................................................................................71 62.1 Nulidade da ocupação de terras indígenas ...............................................................................................72 62.2 A nulidade de desocupações ilegítimas: omissão constitucional ............................................................. 72 62.3 Possibilidade de indenização por benfeitorias ..........................................................................................72 62.4 Prazo para a desocupação ........................................................................................................................72 63.1 Proibição de concessão de liminares sem a oitiva do Ministério Público Federal ....................................7365.1 O prazo de demarcação ............................................................................................................................73 1.1 Por onde começar: advertências iniciais A análise da questão indígena trafega por dois mundos distintos. Um deles, o da visão integracionista do indígena, que distingue três situações: a dos índios não integrados, a dos índios em vias de integração e a dos índios integrados à comunidade nacional. Neste, a condição de indígena é atribuída de forma heterônoma por aqueles que não fazem parte da comunidade. Isso faz com que a visão da situação indígena seja feita de maneira idealizada (índios em situação pré-colombiana, nus, inocentes, que não falam a língua portuguesa, que não consomem produtos industrializados). Outro mundo é o da Convenção 169 da OIT e da Declaração da ONU sobre os Direitos dos povos indígenas, documentos inovadores que têm como palavra de ordem a autodeterminação, que aceita que a cultura indígena, assim como a dos não-índios, sofreu modificações ao longo do tempo, sendo, portanto, mutável e dinâmica. Aqui, a condição indígena deriva do autorreconhecimento, é índio quem se reconhece como tal, não cabendo a quem não pertence à comunidade indígena rotulá-la como indígena ou não-indígena. Entre estes dois mundos está a Constituição de 1988, que avançou muito em relação ao mundo do Estatuto, mas ficou aquém do mundo da Convenção 169 e Declaração da ONU. No mundo do Estatuto ser índio era uma condição transitória que devia ser respeitada. Depois da Constituição se garante o direito de ser índio e de continuar a ser índio. A jurisprudência continua no primeiro mundo – do Estatuto, com alguns toques da Constituição, pois o aplica quase integralmente, inclusive com sua terminologia arcaica. O primeiro alerta para quem inicia os estudos se dirige para a questão da terminologia, pois devem ser evitadas expressões como silvícola, tribo, aldeia, integrado e não- integrado ou em vias de integração, sendo preferível índio ou indígena e comunidade indígena ou grupo indígena. O segundo alerta é de que a compreensão do assunto não pode se dar apenas pelo Estatuto, que pode ser considerado uma forma de se obter uma compreensão inadequada do assunto. Devemos buscar a compreensão do assunto na Constituição, na Convenção 169 e na Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional. Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei. 1.2 Histórico da questão indígena no Brasil Atualmente a população indígena é pequena no Brasil, o que decorre de sucessivos processos de exclusão, seja por meio da escravidão do indígena ou da mortandade. Além disso, o processo de expulsão de suas terras, que acontece até hoje, contribuiu para a redução da população indígena. 1.3 Panorama do direito indigenista brasileiro no século XX O Estatuto do Índio, embora tenha trazido importantes normas de proteção dos índios, não albergava o mais importante dos direitos, que é o direito de continuar existindo. 1.4 O integracionismo O objetivo estatal de integrar os índios à sociedade não-indígena, de forma progressiva e harmoniosa, estabelece o respeito à manutenção das comunidades indígenas, seus valores culturais, tradições e costumes apenas durante o processo de transição e integração dos índios. Embora o princípio integracionista fosse adotado pela legislação brasileira, sempre houve um questionamento, por parte de juristas e antropólogos, acerca de sua aplicação. Tais objeções, fortemente calcadas em posicionamentos internacionais, acabaram minando aplicação do princípio integracionista, o que viria a culminar em seu abandono e no reconhecimento da relatividade das culturas. “A partir da teoria da relatividade cultural, que mais tarde, durante a década de 1980, se impôs no Brasil, a diversidade é compreendida como um enriquecimento cultural”1 A nova ordem constitucional não busca assimilar os índios à cultura predominante entre os não-índios. Pelo contrário, reconhece e valoriza a diversidade cultural, pluralidade de etnias, devendo o art. 1º do Estatuto do índio ser tido como não recepcionado. 1.5 Quem é índio “Índio é um membro de uma comunidade indígena. E comunidade indígena, nos termos da Constituição, é um grupo local pertencente a um povo que se considera segmento distinto da sociedade nacional, em virtude da consciências de sua continuidade histórica com sociedades pré-coloniais.”2 Em respeito ao princípio da autonomia, podem os índios, sem abrir da condição de ser índio, ter acesso a todos os bens oferecidos pela sociedade moderna, ou seja, o índio não deixa de ser índio por usar calça jeans, celular ou computador. 1.5 Aplicação da legislação brasileira aos índios. Nas situações em que a aplicação da legislação comum se mostrar incompatível ou injusta com os índios, em razão de suas peculiaridades culturais, as quais também são constitucionalmente protegidas, deverá o intérprete buscar um juízo de ponderação que impeça que os índios sofram prejuízos em razão de sua condição. Não se deve permitir que a incidência ‘fria’ da lei sirva como um mecanismo velado de destruição da cultura indígena. 1.6 A atuação de polícias estaduais em terras indígenas Mesmo em relação aos índios, a polícia militar estadual é quem tem a competência para exercício do policiamento ostensivo, relacionado a comunidades indígenas e, do mesmo modo, as infrações penais cometidas por ou contra índios serão investigadas pela polícia civil, se não forem atribuição da federal. A eventual defesa da impossibilidade da atuação das polícias estaduais em face dos índios em razão do despreparado desta para lidar com a cultura indígena não é um argumento jurídico, apenas um problema circunstancial. 1.7 Os índios e as outras comunidades tradicionais Há um conceito legal de comunidade tradicional, que tem como elemento de diferenciação cultural e social em relação à sociedade envolvente ou, como dia a Constituição, formas próprias de criar, fazer e viver (art. 216, II), o autorreconhecimento dessa condição, a transmissão dessa cultura de geração em geração pela via da tradição e o vínculo da comunidade com um território, um local geográfico intimamente vinculado à comunidade e sua cultura, sem o qual ela terá grandes dificuldades de se perpetuar. Índios e quilombolas são comunidades tradicionais, as únicas referidas na Constituição, mas existem outras como os grupos faxinais, as quebradeiras de coco babaçu, comunidades ribeirinhas, vazanteiras, geraizeiras, catingueiras, ciganos, seringueiros, castanheiros, dentre outras. A simples falta de referência constitucional não impede que essas comunidades, amoldando-se ao conceito antropológico já positivado, sejam reconhecidas como tradicionais. II - prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional; III - respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição; IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência; V - garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat , proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso; VI - respeitar,no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes; VII - executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas; VIII - utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento; IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes; X - garantir aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face da legislação lhes couberem. Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos: I - estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação; Parágrafo único. (Vetado). 2.1 Ainda sobre integracionismo: análise dos incisos do art. 2º Tudo aquilo que for previsto no sentido de proteger e reconhecer a cultura indígena deve ser aplicado não com vistas à assimilação, mas sim ao fortalecimento da identidade e à autodeterminação. 2.2 O direito de participação A Convenção 169 estatuiu diversos mecanismos que visam proteger e empodeirar as comunidades indígenas, possibilitando-lhes a participação nas decisões estatais, tanto legislativas quanto administrativas. 2.3 O direito de consulta A Convenção 169 também confere aos povos indígenas o direito de serem consultados acerca das decisões estatais que lhes afetem diretamente. 2.4 A incorporação da O direito de participação A Convenção 169 foi internalizada pelo Decreto 5.051 e possui status de norma supralegal, tendo em vista que é composta integralmente de normas de direitos humanos. 2.5 Desfazendo (mais) alguns mitos: prestações às comunidades indígenas O dever de atendimento às comunidades indígenas não é exclusivo da União. Ninguém deixa de ser cidadão por ser índio, o índio faz jus às mesmas prestações que estados e municípios disponibilizam aos cidadãos de maneira geral, além daquelas especificamente destinadas aos índios, essas sim, geralmente conduzidas pelo governo federal. Outro mito a ser afastado é de que as prestações destinadas às comunidades indígenas devem ter cunho assistencialista ou clientelista. 2.6 Monetarização da cultura indígena A disseminação do dinheiro no seio das comunidades mina um dos principais traços culturais característicos dos índios brasileiros, que é o trabalho e a produção comunitária dos bens necessários à vida. A posse de dinheiro gera a aquisição de bens externos ao grupo que, como são escassos, não são compartilhados por seus adquirentes com os demais membros. 3. 1 Os índios e as comunidades O que caracteriza o índio não é uma imagem concebida pela sociedade envolvente, mas Art. 3º Para os efeitos de lei, ficam estabelecidas as definições a seguir discriminadas: I - Índio ou Silvícola - É todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional; II - Comunidade Indígena ou Grupo Tribal - É um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados. o pertencimento a um grupo culturalmente diferenciado. Assim, o grau de contato com a sociedade envolvente não é relevante para a caracterização do índio, como faz parecer a disposição do Estatuto, desde que exista diferenciação cultural. A principal diferença entre o conceito da convenção e do estatuto é a introdução do autorreconhecimento como elemento fundamental de identificação dos grupos indígenas. 3.2 O autorreconhecimento ‘A antropologia chegou à conclusão que os grupos étnicos só podem ser caracterizados pela própria distinção que eles percebem entre eles próprios e os outros grupos com os quais interagem’3 Não são os fatores externos como a aparência física, o uso de indumentária característica ou a preservação de uma língua distinta que definem a identidade indígena. Ser índio é pertencer a um grupo que se vê como culturalmente distinto da sociedade dominante. Para Debora Duprat: ‘interdita-se ao legislador, ao administrador, ao juiz e a qualquer outro ator estranho ao grupo dizer o que este é de fato.’4 Daniel Sarmento, ‘na definição da identidade étnica, é essencial levar em conta as percepções dos próprios sujeitos que estão sendo identificados, sob pena de se chancelarem leitura etnocêntricas ou essencialista dos observadores externos provenientes de outra cultura, muitas vezes repletas de preconceito. A ideia básica, que pode ser reconduzida ao próprio princípio da dignidade da pessoa humana, é de que na definição da identidade, não há como ignorar a visão que o próprio sujeito de direito tem de si, sob pena de perpetrarem sérias arbitrariedades e violências, concretas ou simbólicas.’5 Em regra, o que deve ser entendido é que aquele que se afirma índio deve ser considerado como tal. Por exceção, poderia a própria comunidade à qual ele se diz pertencer, e ninguém mais, negar-lhe essa condição. Assim, a previsão do Estatuto do Índio de que índio é quem se identifica e é identificado como membro de um grupo indígena, não implica no estabelecimento de heterorreconhecimento, desde que a expressão ‘é identificado’ seja interpretada como ‘é identificado pelos demais membros do próprio grupo’ e não por terceiro, dadas a essencialidade, para a identidade indígena, do pertencimento a um dos diversos grupos étnicos que habitam o país. Admitir que o reconhecimento pela comunidade indígena integra o critério de autoidentificação do índio não implica aceitar que esse mesmo critério possa ser utilizado em relação aos negros, no que tange às políticas estabelecidas pelo Estatuo da Igualdade Racial. A possibilidade de se entender que a autoidentificação indígena é também integrada pelo reconhecimento pelo grupo não é extensível aos negros, pois não existe uma cultura negra diferenciada que possa ser caracterizada como ‘grupo’, legitimado a reconhecer ou não reconhecer integrantes. Além disso, devem ser afastadas duas ideias preconceituosas: a) a ideia de que a identidade indígena pode ser estabelecida de fora para dentro ou avaliado por quem não é índio; b) a ideia de que a identidade indígena esta subordinada a demonstrações exteriores de ‘exotismo’, de primitivismo, de total e completo distanciamento da cultura não-indígena, ou seja, a ideia de que o índio, para ser índio, deve corresponder à imagem quinhentista ou romantizada de índio, afinal, os índios, como qualquer comunidade étnica, não pararam no tempo. 4.1 Critérios para a classificação dos povos indígenas 4.1.1 assificação linguística Existem cerca de 180 línguas indígenas 4.1.2 assificação cultural [irrelevante] 4.1.3 assificação segundo o grau de integração A ideia de integração, também chamada de aculturação, encerra em si uma carga de preconceito, uma vez que é um critério elaborado pelo não-índio que, a partir da consideração de sua cultura como valiosa, classifica uma cultura a ela externa como mais ou menos aproximada e, em decorrência, melhor ou pior.Debora Duprat defende o “banimento definitivo das categorias positivadas no ordenamento jurídico pretérito no tratamento da questão indígena, de aculturados ou civilizados, seja porque a noção de cultura como totalidade, com perfeita coerência de crenças unívoca e homogeneamente partilhadas, é ultrapassada, seja porque, nas relações interétnicas, as situações de contato não significam o abandono dos códigos e valores que orientam cada grupo.”6 Embora de modo indevido, a jurisprudência utiliza cotidianamente o critério da integração que, portanto, precisa ser reconhecido pelo intérprete. Esse é um dos muitos pontos em que a atuação do MPF, a quem a Constituição atribui a defesa dos índios, diverge consideravelmente das decisões dos tribunais. 5.1 Direitos de nacionalidade O artigo 5º do Estatuo está de acordo com a Constituição e com a Declaração da ONU, Art 4º Os índios são considerados: I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional; II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura. TÍTULO II Dos Direitos Civis e Políticos CAPÍTULO I Dos Princípios Art. 5º Aplicam-se aos índios ou silvícolas as normas dos artigos 145 e 146, da Constituição Federal, relativas à nacionalidade e à cidadania. Parágrafo único. O exercício dos direitos civis e políticos pelo índio depende da verificação das condições especiais estabelecidas nesta Lei e na legislação pertinente. que asseguram que todos os indígenas tem direito a uma nacionalidade e também o direito de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena. 5.2 Direitos relativos à cidadania Os índios são cidadãos como todos os brasileiros e devem desfrutar de todos os direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal. 5.3 Proteção contra o preconceito étnico Os índios têm direito à igualdade racial e étnica (art. 5º, XLII, CF) e, nos termos das Leis 7.716/89 (define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) e 9.456/97, o preconceito relativo à etnia, religião ou procedência nacional constitui crime de racismo. 5.4 A Declaração da ONU sobre o direito dos povos indígenas: direitos de cidadania protegidos internacionalmente Os povos indígenas são iguais a todos os demais povo, no que se refere ao gozo de direitos, mas também o direito de serem diferentes em seus costumes. 5.5 Condições para o exercício dos direitos civis Os índios podem invocar seus direitos e cumprir suas obrigações na ordem civil independentemente de assistência, tutela ou de pedido de liberação do regime tutelar. Apenas os indígenas que mostrarem total incapacidade de compreensão da língua nacional, da cultural, e, por essa razão, revelem limitações que dificultem ou inviabilizem a prática doas atos civis e políticos, terão assistência do órgão competente, que é a FUNAI. 5.6 Direitos políticos Para ser eleitor o indígena, como qualquer brasileiro, deve alistar-se na Justiça Eleitoral e, para isso, deve cumprir alguns requisitos, como ser brasileiro e possuir idade mínima de 16 anos. Contudo, a exigência de comprovação do serviço militar ou prestação alternativa deve ser compreendida com ressalva, tendo em vista que o serviço militar é uma exigência alheia à cultura indígena, devendo, por isso, ser considerada uma faculdade, a ser exercida segundo a vontade do indígena. Isto porque a não prestação do serviço militar não torna o índio refratário (aquele que não se apresenta ao serviço militar obrigatório), não podendo, também, gerar punições ou restrições a direitos civis e políticos. Também não pode ser exigida a fluência na língua pátria para que o indígena possa se alistar como eleitor. (TSE – P.A. 23.274) 6.1 Reconhecimento do direito indígena: produção de direito não estatal Art. 6º Serão respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos, nas relações de família, na ordem de sucessão, no regime de propriedade e nos atos ou negócios realizados entre índios, salvo se optarem pela aplicação do direito comum. Parágrafo único. Aplicam-se as normas de direito comum às relações entre índios não integrados e pessoas estranhas à comunidade indígena, excetuados os que forem menos favoráveis a eles e ressalvado o disposto nesta Lei. A lei garante aos índios a vigência de seu próprio sistema de direito privado, constituindo um excelente exemplo de norma não emanada do Estado, mas por ele reconhecido como imperativo e vinculante 7.1 Não recepção do regime tutelar Com a promulgação da Constituição de 1988, superou-se a política integracionista, iniciando-se uma visão de respeito à cultura indígena, devendo ser conferido aos índios sua plena capacidade civil e processual. Por esse motivo deve ser considerado como não recepcionado o regime tutelar previsto no Estatuto do Índio, ainda que o Código Civil de 2002 tenha disposto que a capacidade do índio seja regulada por legislação especial. 7.2 Capacidade para estar em juízo O art. 232, da CF, assegura aos índios, suas comunidades e organizações a capacidade de ser partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa de seus direitos e interesses, e dispõe que a intervenção do MP deve ocorrer em todos os atos do processo. 7.3 Intervenção do MP nas ações relativas a direitos indígenas É nula decisão proferida em processo judicial sem prévia manifestação da FUNAI e do MPF. (TRF3 AG 2007030003222251) 7.4 Capacidade civil Por interpretação se conclui que os índios possuem plena capacidade civil, uma vez que a capacidade processual decorre da possibilidade de contrair direitos e assumir obrigações na ordem jurídica. 8. Relações jurídicas entre índios e não-índios: aplicação da teoria do erro A leitura que se pode realizar do art. 8º do Estatuto, em homenagem à proteção dos índios como cultura minoritária é que, apesar de plenamente capazes civilmente, os índios podem não compreender perfeitamente as normas da sociedade envolvente, e, por CAPÍTULO II Da Assistência ou Tutela Art. 7º Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito ao regime tutelar estabelecido nesta Lei. § 1º Ao regime tutelar estabelecido nesta Lei aplicam-se no que couber, os princípios e normas da tutela de direito comum, independendo, todavia, o exercício da tutela da especialização de bens imóveis em hipoteca legal, bem como da prestação de caução real ou fidejussória. § 2º Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de assistência aos silvícolas. Art. 8º São nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente. Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos. essa razão, não ter a adequada compreensão dos negócios jurídicos que celebra. Assim, é possível a declaração de nulidade de negócios jurídicos celebradosentre índios e não- índios quando se demonstrar que o ajuste decorreu de má-compreensão do índio relativamente ao conteúdo do ato. 9. Não recepcionado O art. 9º deve ser tido como não recepcionado por incompatibilidade com os arts. 231 e 232 da CF 10. Não recepcionado O art. 9º deve ser tido como não recepcionado por incompatibilidade com os arts. 231 e 232 da CF 11.1. Não recepcionado O art. 9º deve ser tido como não recepcionado por incompatibilidade com os arts. 231 e 232 da CF 11.2 Responsabilidade da FUNAI por atos praticados por índios Nem sempre adotando os melhores argumentos, pela referência irrefletida à tutela, pe certo que está firmado o entendimento jurisprudencial de que a FUNAI responder por danos causados por grupos indígenas, dentro ou fora de suas terras. Em se tratando de danos causados no exterior da terra indígena, todavia, srá necessário arguir se existe nexo de causalidade entre o dano causado e a identidade indígena, bem como se há Art. 9º Qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente a sua liberação do regime tutelar previsto nesta Lei, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisitos seguintes: I - idade mínima de 21 anos; II - conhecimento da língua portuguesa; III - habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional; IV - razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional. Parágrafo único. O Juiz decidirá após instrução sumária, ouvidos o órgão de assistência ao índio e o Ministério Público, transcrita a sentença concessiva no registro civil. Art. 10. Satisfeitos os requisitos do artigo anterior e a pedido escrito do interessado, o órgão de assistência poderá reconhecer ao índio, mediante declaração formal, a condição de integrado, cessando toda restrição à capacidade, desde que, homologado judicialmente o ato, seja inscrito no registro civil. Art. 11. Mediante decreto do Presidente da República, poderá ser declarada a emancipação da comunidade indígena e de seus membros, quanto ao regime tutelar estabelecido em lei, desde que requerida pela maioria dos membros do grupo e comprovada, em inquérito realizado pelo órgão federal competente, a sua plena integração na comunhão nacional. Parágrafo único. Para os efeitos do disposto neste artigo, exigir-se-á o preenchimento, pelos requerentes, dos requisitos estabelecidos no artigo 9º. omissão da FUNAI. Não há que se falar em responsabilização da FUNAI em razão de ato isolado, praticado por um índio, perfeitamente consciente da ilegalidade de sua conduta, sem qualquer referência à identidade ou à condição indígena. 12.1 Registro civil de índios O artigo traz a obrigatoriedade indeclinável de respeito à cultura indígena no momento do registro, sendo atendidas as peculiaridades no que tange ao nome, prenome e filiação. Não se pode exigir o registro com um nome não-indígena. 12.2 Problemas práticos do registro [irrelevante] 12.3 Requisitos do casamento indígena O entendimento mais simples é o de que o casamento indígena se equipara ao casamento religioso. O entendimento mais avançado e atento à norma constitucional é o de que o casamento indígena é passível de registro, na hipótese de o casamento ser realizado segundo o rito tradicional, devendo ser desprezadas as formalidades do Código. CAPÍTULO III Do Registro Civil Art. 12. Os nascimentos e óbitos, e os casamentos civis dos índios não integrados, serão registrados de acordo com a legislação comum, atendidas as peculiaridades de sua condição quanto à qualificação do nome, prenome e filiação. Parágrafo único. O registro civil será feito a pedido do interessado ou da autoridade administrativa competente. Art. 13. Haverá livros próprios, no órgão competente de assistência, para o registro administrativo de nascimentos e óbitos dos índios, da cessação de sua incapacidade e dos casamentos contraídos segundo os costumes tribais. 13. Registro administrativo de nascimentos e óbitos indígena [irrelevante] 14.1 Introdução Desde o ano de 1500, há uma relação de exploração e abuso, marcada pelo preconceito e pela incompreensão da diferença cultural. De acordo com Luís Fernando Villares, todo grupo social tem suas regras de distribuição de trabalho. Os indígenas também têm suas regras internas de atribuição de atividades laborais, conforme sua cultura. O que importa estudar, no entanto, são as normas externas, oriundas do grupo dominante, que se destinam a regular a situação do índio envolvido em uma relação trabalhista com um não-índio, o que, quase sempre, é de subordinação do índio a um empregador não-índio. Via de regra, a introdução do índio em uma relação de trabalho traz reflexos sérios, haja vista que a atividade, geralmente, é exercida fora da comunidade indígena, em contato com pessoas a ela alheias, contato com elementos culturais externos. Some-se a isso o fato de que a remuneração do trabalho introduz o elemento monetário antes ausente, o que implica na modificação da distribuição do poder. O trabalho indígena merece regulamentação especial pois o contato do mesmo em ambiente externo à sua comunidade tem forte potencial de desagregação cultural, posto que o retira da convivência de seus pares. 14.2 O trabalho indígena na Convenção 107 da OIT A Convenção n.º 107, da Organização Internacional do Trabalho, já revogada, foi a que primeiro regulamentou o trabalho do índio. Fora internalizada no direito brasileiro pelo Decreto 58.824, de 1966. A referida Convenção dispunha que o trabalhador indígena tinha que ser transformado em um “trabalhador em geral”, sem merecer qualquer tipo de proteção especial. A sua integração no mercado de trabalho era a principal pretensão do movimento integracionista. Buscava uma capacitação do indígena, por considerá-lo incapaz para o trabalho, esquecendo-se que o mesmo já estava capacitado para o trabalho do tipo e modo que a sua comunidade cultural considera que deva ser realizado. Parágrafo único. O registro administrativo constituirá, quando couber documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova. Capítulo IV – Das Condições de Trabalho Art. 14. Não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas e de previdência social. 14.3 Igualdade no trabalho O presente Estatuto e a Constituição de 1988 possuem disposições que se reportam ao princípio da igualdade, demonstrando preocupação com a não discriminação do índio que se engaje em uma relação de trabalho com um contratante não-índio. A título exemplificativo, o art. 7º, inc. XXX da Constituição, veda a discriminação salarial arbitrária. Nesse passo, é garantido ao trabalhador indígena, todos os direitos trabalhistas e previdenciários, o que será reforçado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas – que assegura que todos os povos indígenas e indivíduos têm o direito de desfrutar dos direitos trabalhistas estabelecidos internacional e nacionalmente aplicáveis. O Tribunal Superior do Trabalho reconhece aos índios o direito de igualdade de condições de trabalho. 14.4 O trabalho e as peculiaridades culturais Existe a possibilidade – não a obrigatoriedade – de adaptação às condições culturais do indígena. Em que pese haver um viés capitalista, na medida em que esta adaptação acaba sendo em benefício do tomador de serviços, eis que obtém melhores resultados conforme oferececondições com as quais os trabalhadores estão melhores habituados, tal dispositivo está em conformidade com os preceitos constitucionais dispostos nos artigos 5º, 193, 201 e 231. Ainda visando a adaptação, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, em seu art. 17, 2, dispôs: “Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, tomarão medidas específicas para proteger as crianças indígenas contra a exploração econômica e contra todo trabalho que possa resultar perigoso ou interferir na educação da criança, o que pode ser prejudicial para a saúde ou ao desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social da criança, tendo em conta sua especial vulnerabilidade e a importância da educação para o pleno exercício de seus direitos.” 15.1 Os vícios do contrato de trabalho celebrados com índios Em primeiro lugar, vale destacar que os índios mencionados no artigo em comento são os considerados isolados, ou seja, que vivem em grupos desconhecidos ou de que se tenham vagas informações, através de contatos eventuais, com não-índios. O objetivo da decretação da nulidade é impedir o recrutamento desses índios para o trabalho, pois constituiria um verdadeiro atentado à preservação de sua cultura. Art. 14 - Parágrafo único. É permitida a adaptação de condições de trabalho aos usos e costumes da comunidade a que pertencer o índio. Art. 15. Será nulo o contrato de trabalho ou de locação de serviços realizado com os índios de que trata o artigo 4°, I. Entretanto, a teor do art. 231, da CF, em uma leitura contextualizada, ainda que não se trate de índios isolados, se o indígena em questão não tiver capacidade de compreensão do contrato, também deverá ser reputado nulo, em observância à aplicação do instituto do “erro”, previsto no art. 138, do Código Civil. No entanto, mesmo sendo nulo tal contrato, ainda produzirá efeitos no que se refere às verbas rescisórias, indenizatórias, salariais e demais direitos trabalhistas, caso o trabalho tenha sido executado. 16.1 Interpretação conforme do dispositivo A incapacidade relativa dos índios não foi recepcionada pela Constituição vigente, assim tal dispositivo também não tem validade atualmente. Contudo, a FUNAI pode se fazer presente na análise previa do contrato a ser firmado entre o índio e não-índio, porém o fundamento não é a incapacidade, mas por medida de cautela. § 1º Será estimulada a realização de contratos por equipe, ou a domicílio, sob a orientação do órgão competente, de modo a favorecer a continuidade da via comunitária. 16.2 Contratos de trabalho por equipe A contratação por equipe tem o objetivo de permitir que vários índios ao trabalharem para o mesmo empregador possam conviver entre si, ao passo que a contratação a domicílio tenta viabilizar o trabalho do índio dentro da comunidade. Apesar de aparentar favorecer o indígena, trata com certa frivolidade a manutenção da cultura dos índios. Isso porque não é somente o estímulo da contratação coletiva de vários índios que os mantem na vivência comunitária, mas o fomento à cultura, educação, relações familiares e proteção às terras indígenas. 16.3 Fiscalização das condições de trabalho indígena Na realidade, todo e qualquer trabalho prestado por índio – seja ele não integrado ou não – merece fiscalização seja pelos órgãos trabalhistas, seja pela FUNAI, a fim de garantir que o trabalho não seja forma de exploração do índio. Portanto, compete ao Ministério Público do Trabalho ajuizar ações necessárias para garantir a defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho, de acordo com o art. 83, inc. V, da LC 75/93, além de promover as ações previstas na Constituição e demais leis trabalhistas, com o fim de assegurar os direitos dos indígenas, que decorrem da relação laboral. Art. 16. Os contratos de trabalho ou de locação de serviços realizados com indígenas em processo de integração ou habitantes de parques ou colônias agrícolas dependerão de prévia aprovação do órgão de proteção ao índio, obedecendo, quando necessário, a normas próprias. § 2º Em qualquer caso de prestação de serviços por indígenas não integrados, o órgão de proteção ao índio exercerá permanente fiscalização das condições de trabalho, denunciando os abusos e providenciando a aplicação das sanções cabíveis. A FUNAI, por seu turno, na condição de órgão responsável pela proteção e promoção dos povos indígenas, fiscaliza o cumprimento das normas que regulam o vínculo empregatício que envolva índios. Há, ainda, a Convenção n.º 169, da OIT, que dispõe que se deverá dar especial atenção à criação de serviços adequados de inspeção do trabalho nas regiões onde trabalhadores pertencentes aos povos indígenas exerçam atividades assalariadas. 16.4 Concursos Públicos restritos a índios? É constitucional restringir um concurso público a fim de que somente indígenas participem ou, ao menos, beneficiá-los de algum modo? Em uma leitura do parágrafo em estudo, não. A referida previsão seria restrita a determinar à FUNAI que admita, predominantemente, índios em seus quadros de livre nomeação, bem como invista na melhoria da educação indígena, de modo a permitir que os mesmos possam concorrer em igualdade de condições. Vale ressaltar que há recentes iniciativas de cotas étnicas em concursos públicos, destinadas a negros e índios, embora signifiquem vantagem, não dispensam o concurso público. O problema são os cargos públicos cuja atividade se dá no seio da comunidade indígena, como professores de escolas. Interpretando a questão a teor do art. 231, da CF, no sentido de que é norma especial em relação à exigência de concurso público universal, disposta no art. 37, II, dada a necessidade de resguardar a diversidade cultural e as tradições e culturas indígenas, é possível realizar um concurso público restrito a índios ou, ainda, a índios da mesma etnia. Isso porque tal ideia se coaduna com a noção de considerar “a natureza e peculiaridades do cargo”. Assim sendo, a melhor interpretação do parágrafo em estudo é a da possibilidade de realização de concursos públicos restritos a índios, ou de mesma etnia, a fim de garantir o desempenho de determinadas funções da atividade-fim da FUNAI. Entretanto, a Advocacia-Geral da União, ao analisar a possibilidade de instituição de cotas para índios em concurso para o preenchimento de 2.500 cargos do Ministério da Saúde, vinculados à Secretaria Especial de Saúde Indígena. Na Nota 480/2012, da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde, entendeu-se que haveria ofensa aos princípios da legalidade e da igualdade nessa pretensão. VITORELLI discorda da fundamentação do parecer, alegando que o parecer não se atentou às peculiaridades do caso, que envolvia questões indígenas, bem como que a discussão admitia o estabelecimento de cotas em cargos públicos por meio de lei, desconsiderando as implicações constitucionais no debate. 16.5 O trabalho indígena e a Convenção 169 da OIT A Convenção n.º 169, da OIT rompeu com o projeto integracionista, outrora vigente. Ela definiu, em primeiro lugar, que cabe aos próprios povos indígenas definir suas prioridades § 3º O órgão de assistência ao indígena propiciará o acesso, aos seus quadros, de índios integrados, estimulando a sua especialização indigenista. no processo de desenvolvimento. Vale dizer, os índios não precisam ser “museus-vivos” para que mantenham seus direitos, mas podem optar pelo desenvolvimento (avanço tecnológico), no modo e ritmo que quiser que ocorra, decidido pela própria comunidade. Em relação ao trabalho do índio, a Convenção trata nos artigos20 a 23. Confira-se: Artigo 20 1. Os governos deverão adotar, no âmbito da legislação nacional e em cooperação com os povos interessados, medidas especiais para garantir aos trabalhadores pertencentes a esses povos uma proteção eficaz em matéria de contratação e condições de emprego, na medida em que não estejam protegidas eficazmente pela legislação aplicável aos trabalhadores em geral. 2. Os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para evitar qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes ao povos interessados e os demais trabalhadores, especialmente quanto a: a) acesso ao emprego, inclusive aos empregos qualificados e às medidas de promoção e ascensão; b) remuneração igual por trabalho de igual valor; c) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, todos os benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados do emprego, bem como a habitação; d) direito de associação, direito a se dedicar livremente a todas as atividades sindicais para fins lícitos, e direito a celebrar convênios coletivos com empregadores ou com organizações patronais. 3. As medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que: a) os trabalhadores pertencentes aos povos interessados, inclusive os trabalhadores sazonais, eventuais e migrantes empregados na agricultura ou em outras atividades, bem como os empregados por empreiteiros de mão- de-obra, gozem da proteção conferida pela legislação e a prática nacionais a outros trabalhadores dessas categorias nos mesmos setores, e sejam plenamente informados dos seus direitos de acordo com a legislação trabalhista e dos recursos de que dispõem; b) os trabalhadores pertencentes a esses povos não estejam submetidos a condições de trabalho perigosas para sua saúde, em particular como conseqüência de sua exposição a pesticidas ou a outras substâncias tóxicas; c) os trabalhadores pertencentes a esses povos não sejam submetidos a sistemas de contratação coercitivos, incluindo-se todas as formas de servidão por dívidas; d) os trabalhadores pertencentes a esses povos gozem da igualdade de oportunidade e de tratamento para homens e mulheres no emprego e de proteção contra o acossamento sexual. 4. Dever-se-á dar especial atenção à criação de serviços adequados de inspeção do trabalho nas regiões donde trabalhadores pertencentes aos povos interessados exerçam atividades assalariadas, a fim de garantir o cumprimento das disposições desta parte da presente Convenção. O artigo acima visa adotar na legislação nacional e em cooperação com os povos interessados medidas especiais para garantir aos trabalhadores pertencentes aos povos indígenas uma proteção eficaz em matéria de contratação e condições de emprego. Assim, o governo deve garantir o acesso ao emprego, inclusive aos empregos qualificados, medidas de promoção e ascensão; remuneração igual por trabalho de igual valor; assistência médica e social; direitos de associação e especial atenção à criação de serviços adequados de inspeção do trabalho nas regiões em que indígenas exerçam suas atividades. Os demais artigos (21 a 23) dedicam-se a dispor sobre a formação profissional. Confiram- se: Artigo 21 Os membros dos povos interessados deverão poder dispor de meios de formação profissional pelo menos iguais àqueles dos demais cidadãos. Artigo 22 1. Deverão ser adotadas medidas para promover a participação voluntária de membros dos povos interessados em programas de formação profissional de aplicação geral. 2. Quando os programas de formação profissional de aplicação geral existentes não atendam as necessidades especiais dos povos interessados, os governos deverão assegurar, com a participação desses povos, que sejam colocados à disposição dos mesmos programas e meios especiais de formação. 3. Esses programas especiais de formação deverão estar baseado no entorno econômico, nas condições sociais e culturais e nas necessidades concretas dos povos interessados. Todo levantamento neste particular deverá ser realizado em cooperação com esses povos, os quais deverão ser consultados sobre a organização e o funcionamento de tais programas. Quando for possível, esses povos deverão assumir progressivamente a responsabilidade pela organização e o funcionamento de tais programas especiais de formação, se assim decidirem. Artigo 23 1. O artesanato, as indústrias rurais e comunitárias e as atividades tradicionais e relacionadas com a economia de subsistência dos povos interessados, tais como a caça, a pesca com armadilhas e a colheita, deverão ser reconhecidas como fatores importantes da manutenção de sua cultura e da sua autosuficiência e desenvolvimento econômico. Com a participação desses povos, e sempre que for adequado, os governos deverão zelar para que sejam fortalecidas e fomentadas essas atividades. 2. A pedido dos povos interessados, deverá facilitar-se aos mesmos, quando for possível, assistência técnica e financeira apropriada que leve em conta as técnicas tradicionais e as características culturais desses povos e a importância do desenvolvimento sustentado e equitativo. 17.1 Dimensões das terras indígenas no Brasil As terras ocupadas pelos índios já são constitucionalmente reservadas a eles desde a Constituição de 1934. O texto da Constituição atual dispõe que as terras tradicionalmente ocupadas lhes são destinadas de modo permanente e exclusivo, assim como o usufruto de seus recursos naturais, com o objetivo de garantir o exercício de seus direitos e manter vivos sua cultura. Vale ressaltar que os índios detêm apenas a posse, eis que a propriedade é da União, nos termos do art. 20, inc. XI, da CF. Em 2012 foi realizado um levantamento pela FUNAI, o qual constatou a existência de 688 terras indígenas, sendo que 417 delas estão na Amazônia. Do total, 421 áreas já estão homologadas e registradas no Cadastro de registro imobiliário ou Superintendência do Patrimônio da União. 17.2 O Conceito de território indígena Com vistas a compreender o conceito de territórios indígenas, há que se entender o conceito antropológico de território para os grupos étnicos. De acordo com tal conceito, há diferença entre terra e território. Terra é referente ao processo político-jurídico, conduzido sob a égide do Estado, enquanto que território diz respeito à construção e vivência, culturalmente variável, de relação entre uma sociedade específica e sua base territorial. Assim, não existe um conceito de território indígena que sirva para todas as comunidades, porém algumas características comuns, tais como: a territorialização envolve a criação de uma unidade sociocultural, estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora, construção mecanismos políticos, redefinição do controle social sobre os recursos ambientais e a elaboração da cultura e da relação com o passado. TÍTULO III Das Terras dos Índios CAPÍTULO I Das Disposições Gerais Art. 17. Reputam-se terras indígenas: I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição; II - as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título; III - as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas. A relação do índio com a terra não se equivale a de um agricultor, é importante esclarecer que é uma relação de vida, de cultura, que acarreta agricultura extensiva, na coleta dos frutos da terra e no respeito. Inclusive, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas dispõe, no art. 25, que: “Os povos indígenas têm direito a manter e fortalecer sua própria relaçãoespiritual com as terras, territórios, águas, mares costeiros e outros recursos que tradicionalmente tem possuído ou ocupado e utilizado de outra forma e a assumir as responsabilidades que a esse respeito os incumbem para com as gerações vindouras”. O maior problema enfrentado com relação ao território indígena é que, com vistas a garantir seus direitos, é necessária a reserva de uma dimensão territorial considerável, o que não é compreendido pelo Poder Judiciário, pois não raras vezes expulsa os índios de suas terras, por considerar terra improdutiva. No ano de 2012, um litígio no Mato Grosso do Sul, envolvendo os índios Guarani-Kaiowá, os quais, após serem expulsos judicialmente de seu território, declararam que seria melhor decretar seu extermínio, fato que foi encarado como ameaça de suicídio coletivo 17.3 O indigenato O indigenato é um título congênito, fonte primária, na medida em que nasce com o próprio índio. Tal instituto está previsto no art. 231, da Constituição, eis que reconheceu o direito dos índios de terem a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Assim, o referido instituto não depende de legitimação, não depende de titulação, foge às órbitas do Direito Civil, posto que é intrínseco à condição de índio. Já foi perguntado em prova discursiva sobre o indigenato, no 21º CPR. No livro coordenado por Bruno Calabrich “Questões discursivas do Ministério Público Federal: provas dos concursos para Procurador da República respondidas por procuradores da República, há uma resposta para a questão. 17.4 Proteção penal às terras indígenas A Lei n.º 4947/66, no art. 20, previu como crime a invasão, com intenção de ocupar as terras da União, Estados e Municípios, cominando pena de detenção de seis meses a três anos. 17.5 Requisitos para o reconhecimento da terra indígena Os direitos reconhecidos aos índios, por força do art. 231, da CF, bem como de seus parágrafos, o faz porque “o território indígena é o suporte material para as relações sociais, a cultura, as tradições e as crenças de cada comunidade indígena. A garantia da posse das terras indígenas tem valor de sobrevivência física e cultura de cada povo” (Villares, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, 2009. 22ed. P.97). Conforme já mencionado, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rio e dos lagos nelas existentes. É seu habitat natural. Para que as terras sejam reconhecidas como tradicionalmente ocupadas, além do vínculo físico da ocupação, necessita da relação entre as terras e os usos, costumes e tradições dos povos, eis que a principal questão das terras indígenas é a defesa da integridade cultural. Ainda que os mesmos sejam expulsos de suas terras, não se descaracteriza a natureza de terra tradicionalmente ocupada. No Caso Raposa Serra do Sol, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou sobre tal conceituação: Somente o "território" enquanto categoria jurídico-política é que se põe como o preciso âmbito espacial de incidência de uma dada Ordem Jurídica soberana, ou autônoma. O substantivo "terras" é termo que assume compostura nitidamente sócio-cultural, e não política. A Constituição teve o cuidado de não falar em territórios indígenas, mas, tão-só, em "terras indígenas". A traduzir que os "grupos", "organizações", "populações" ou "comunidades" indígenas não constituem pessoa federada. Não formam circunscrição ou instância espacial que se orne de dimensão política. Daí não se reconhecer a qualquer das organizações sociais indígenas, ao conjunto delas, ou à sua base peculiarmente antropológica a dimensão de instância transnacional. Pelo que nenhuma das comunidades indígenas brasileiras detém estatura normativa para comparecer perante a Ordem Jurídica Internacional como "Nação", "País", "Pátria", "território nacional" ou "povo" independente. Sendo de fácil percepção que todas as vezes em que a Constituição de 1988 tratou de "nacionalidade" e dos demais vocábulos aspeados (País, Pátria, território nacional e povo) foi para se referir ao Brasil por inteiro. (...) Áreas indígenas são demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar" e ainda aquelas que se revelarem "necessárias à reprodução física e cultural" de cada qual das comunidades étnico-indígenas, "segundo seus usos, costumes e tradições" (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não- índios). (...) A Constituição de 1988 faz dos usos, costumes e tradições indígenas o engate lógico para a compreensão, entre outras, das semânticas da posse, da permanência, da habitação, da produção econômica e da reprodução física e cultural das etnias nativas. O próprio conceito do chamado "princípio da proporcionalidade", quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo peculiarmente extensivo. (Pet 3.388, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 19/03/2009, Plenário, DJe: 1º/07/2010). Com vistas a delimitar a expressão “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, o STF editou a súmula 650: “Os incisos I e XI do art. 20 da CF não alcançam as terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”, sob a justificativa de que, em algum momento da história nacional, todas as terras já estiveram sob a posse indígena. Sobre o assunto, DÉBORAH DUPRAT pondera: O requisito da imemorialidade, no entanto, de há muito foi abandonado. A uma, por sua impossibilidade lógica. O processo dito como colonizador avançou sobre esses territórios, descaracterizando-os. É um truísmo dizer- se que não há como recuperar Copacabana para os índios. A duas, porque esse mesmo processo promoveu deslocamentos constantes, e a territorialização desses povos teve que ser constantemente redefinida. E, a três, porque estamos a tratar de populações que existem no presente, com perspectivas de vida atuais e futuras, e que não podem ser condenadas a um imobilismo do passado. (...) Daí porque a definição do que sejam terras tradicionalmente ocupadas, por cada grupo, passa por um estudo antropológico que, para além da história, revele a tradição que é permanentemente reatualizada e que dessa forma se faz presente na memória coletiva. Ainda sobre a conceituação, o Decreto n.º 6040/2007, traz algumas definições em seu art. 3º. Confira-se: I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição; II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; 17.6 Terras indígenas são de propriedade da União De acordo com o art. 20, da CF, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são de propriedade da
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