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Não publicado CONSTRUÇÕES SUSTENTÁVEIS: CONSIDERAÇÕES... Eloy Fassi Casagrande Jr. Lucimeire Pessoa de Lima Maclovia Corrêa da Silva Magali Tieppo Robaina RESUMO O artigo trata sobre questões relacionadas com o desenvolvimento sustentável no que se refere à construção de edificações e espaços urbanos. Inicia com a discussão sobre os problemas ambientais causados pelo modelo de desenvolvimento atual e traça um breve histórico sobre a evolução do conceito de sustentabilidade e suas implicações na área da construção civil, arquitetura e urbanismo. Relata os problemas ambientais causados pela construção das edificações e cidades e traz, em seguida, alguns exemplos de construções sustentáveis reconhecidos internacionalmente. A partir deste referencial propõe parâmetros no sentido de se alcançar a sustentabilidade no setor construtivo. Por último, discute questões econômicas, culturais, técnicas e educacionais que têm barrado o desenvolvimento sustentável na construção civil e no planejamento urbano. Palavras-chave: construções sustentáveis, parâmetros de sustentabilidade, comunicação interdisciplinar 1 DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE A manutenção de uma taxa de crescimento econômico como a da segunda metade do século XX, provavelmente terá conseqüências irreversíveis e desastrosas para o ambiente natural e para o ser humano. Mesmo que a espécie humana não desapareça, certamente o seu padrão de vida será modificado e talvez o número de seres humanos que habitam o planeta diminua dramaticamente. No século XX acelerou-se a velocidade de transformação do ambiente, possibilitada pela tecnologia moderna. Este ritmo de transformações reduzirá a décadas o tempo disponível para tratar dos problemas de degradação ambiental (HOBSBAWN, 1995, p.547). Concomitantemente ao progresso científico e econômico -inclusive por eles possibilitada - ocorreu uma explosão da população mundial: em apenas dois séculos o mundo ganhou mais de 5 bilhões de pessoas. Há que se considerar que o número de pessoas atuando no meio natural é substancialmente maior que em outras épocas históricas e que a forma de atuação desta população sobre o ambiente se dá de formas muito heterogêneas nas diferentes partes do globo. A tecnologia e a cultura exercem um papel fundamental na intensidade dos impactos ambientais, por determinarem os padrões de produção e consumo (LEFF, 2001, p. 297). A maior parte do globo terrestre compactua com valores elevados de consumo de mercadorias produzidas industrialmente em processos pouco sustentáveis. Os problemas ambientais a serem enfrentados pela humanidade atualmente podem ser resumidos na poluição generalizada em todos os meios e na escassez de energia e recursos. Estes problemas são causados pelo modelo de desenvolvimento atual que possui uma visão limitada dos impactos ambientais ocasionados pelas novas tecnologias. Até pouco tempo este modelo de desenvolvimento sequer era questionado, pois ainda não se percebia as dimensões dos problemas ocasionados por ele. 2 MUDANÇA DE PARADIGMA: O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Uma mudança de paradigma é pensada a partir do momento em que determinados atores começam a questionar os limites da racionalidade econômica. Este novo paradigma se baseou na construção de uma ética capaz de reorientar os valores e comportamentos para os objetivos de realização da sustentabilidade ecológica e da equidade social (LEFF, 1999, p. 112, 113). O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu na década de 70 e, na década de 80 aparece nos relatórios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Foi popularizado somente depois de 1987, pelo Relatório Brundtland, resultado da Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (UNCD) (STAHEL, 1998, p. 104). O conceito de desenvolvimento sustentável foi então posto como aquele que: (...) satisfaz às necessidades das gerações atuais, sem hipotecar a capacidade das gerações futuras de satisfazer às suas próprias (CASSA 2001, p. 22). BRÜSEKE (1998, p. 33) lista várias medidas sugeridas pelo Relatório Brundtland, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”, para serem adotadas em nível do Estado nacional, das quais escolheu-se para citação as que mais se relacionam com a discussão sobre construções sustentáveis: • diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias que admitam o uso de fontes energéticas renováveis; • aumento da produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias ecologicamente adaptadas; • controle da urbanização selvagem e integração entre campo e cidades menores; • limitação do crescimento populacional. O Relatório Brundtland defendeu uma postura ambientalista moderada, enfraquecendo a visão ecologista dos partidos “verdes” que se popularizaram em todo o mundo na década de 1980 (ADAM, 2003). Em 1992, acontece no Rio a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), que ficou conhecida por ECO 92, onde se reuniram mais de 35 mil pessoas, sendo 106 chefes de governos (BRÜSEKE, 1998, p. 34). Segundo o IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), no processo preparatório da ECO 92, foi elaborado um documento, denominado Agenda 21, contendo as recomendações e referências específicas sobre como alcançar um desenvolvimento sustentável, que deveria ser implementado, até o século 21, pelos governos, agências de desenvolvimento e grupos setoriais, independente das áreas em que a atividade humana estivesse afetando a ordem do meio ambiente. Após a ECO 92, ganhou ênfase um movimento chamado “construção sustentável”, direcionado à produção de edificações mais seguras e saudáveis, fundamentado na: redução de poluição, economia de energia e água, minimização da liberação de materiais perigosos no ambiente e diminuição da pressão de consumo sobre matérias primas naturais. De acordo também com o IBAM, na Conferência da ONU sobre Assentamentos Humanos - Habitat II, ocorrida em Istambul, 1996, originou-se a “Agenda Habitat”, que indicou as principais estratégias de enfrentamento das questões urbanas ambientais. FRANCO (2002) afirma que embora o termo desenvolvimento sustentável seja muito empregado, pouco se tem feito em níveis político e econômico para a sua efetivação na esfera governamental. 3 OS PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO - ORDENAMENTO DO AMBIENTE CONSTRUÍDO As características naturais de uma região são influenciadas pelo processo de urbanização, alterando suas condições climáticas, seu relevo, seus recursos hídricos, sua cobertura vegetal, seus ecossistemas etc. Atualmente, a concentração urbana das grandes metrópoles excede os suportes naturais, ocasionando altas taxas de poluição sonora, do ar e da água (MOTA, 1999, p. 18). A temperatura do ar em áreas urbanas densamente construídas são mais altas do que as temperaturas nas áreas rurais. Este fenômeno é conhecido por ilha de calor. Esta elevação de temperatura nas áreas urbanas ocasiona sérios impactos nas demandas de eletricidade para o condicionamento de construções. A intensidade da ilha de calor é principalmente determinada através do balanço térmico de uma região urbana e pode resultar no aumento de até 10o C. (SANTAMOURIS, 1997, p. 15). O gasto de energia com sistemas de condicionamento de ar poderia ser otimizado com diretrizes urbanísticas adequadas que minimizassem o efeito de ilha de calor nas grandes cidades. É importante munir o conhecimento de soluções arquitetônicase urbanísticas que se mostrem sustentáveis no decorrer do tempo. É possível economizar energia mediante o emprego de materiais de construção menos consumidores e da realização de projetos arquitetônicos que utilizem iluminação e ventilação naturais, incluindo projetos paisagísticos que criem micro-climas mais amenos (CARVALHO ,1983, p. 7). Os projetos de arquitetura são pautados por grande empirismo nas respostas dadas às questões de conforto térmico, por vários motivos: não há legislação reguladora dos aspectos técnicos relativos ao conforto do edifício, tais como regulação de uso de materiais; inexistência de documentações técnicas que auxiliem no projeto; carência de currículos mais extensos para tratar as questões de conforto nas faculdades de arquitetura (TOLEDO, et al, 1993). Acrescenta-se a estes aspectos, um fator muito importante, o aspecto cultural: A urbanização mais ou menos desordenada de nossas cidades e a cultura consumista foram aos poucos modificando os ideais de conforto até chegar-se ao que, hoje em dia, vemos por aí: as casas são grandes caixas envidraçadas, em que se empilham dezenas de apartamentos. (...) E a criação desse conforto é feita artificialmente, por meio de onerosos sistemas de condicionamento de ar que consomem grandes quantidades de energia elétrica (CARVALHO,1983, p. 8). Mas, não é somente pela inadequação das legislações urbanísticas que as cidades apresentam tantos problemas. Muitas vezes, mesmo seguindo um planejamento, o crescimento das cidades continua desordenado. Maricato (2000, p. 124) diz que não é pela má qualidade dos planos urbanísticos que as cidades brasileiras crescem desordenadamente. O problema é que há uma distância grande entre a aprovação destes nas Câmaras Municipais e sua efetiva aplicação. Isto acontece porque existem muitos interesses tradicionais de políticas locais e grupos ligados ao governo influindo nestes processos. Por isso, é importante encontrar ferramentas de participação pública que garantam a aplicação dos resultados técnicos. No Brasil, representantes dos setores públicos e privados ainda carecem de um entendimento mais profundo das atitudes necessárias para reverter o processo de degradação ambiental. Embora centros de pesquisas produzam estudos no sentido de viabilizar processos para a produção de construções sustentáveis, são encontrados poucos exemplos de construções que realmente aplicaram os princípios da sustentabilidade. Neste sentido, os autores, MASCARÓ e MASCARÓ (2003) questionam sobre a disponibilidade exígua de mecanismos de efetivação dos avanços rumo ao desenvolvimento sustentável. Afirmam que existe grande variedade de idéias sustentáveis sendo colocadas em prática, mas que não estão pautadas em conceitos e formas de implementação claras, que poderiam garantir certo sucesso. 4 O CONSUMO DE RECURSOS NATURAIS E A GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL As construções estão presentes em todos os locais habitados pelo homem e são os bens de maiores dimensões físicos do globo, sendo grandes consumidoras de recursos naturais de qualquer economia (JOHN, 2000, p. 15). Segundo dados, de 1999, da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) a cadeia produtiva da construção civil é superior a 14,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Segundo JOHN (2000), o consumo de recursos naturais na construção civil em determinada região depende da quantidade de resíduos gerados, da vida útil das estruturas construídas, das necessidades de manutenção, das perdas incorporadas nos edifícios e das tecnologias empregadas. Para SJÖSTROM (apud JOHN, 2000, p.15) a construção civil consome entre 14% e 50% dos recursos naturais extraídos do planeta. Os resíduos da construção civil, conhecidos como entulho, incomodam em graus diferenciados dos outros tipos de resíduos sólidos por serem inertes, mas dado seu enorme volume, não podem ser esquecidos. Foram pesquisados os volumes de entulho no total de resíduos sólidos urbanos em oito cidades brasileiras, entre os anos 1995 e 1997, considerando-se apenas os depositados em aterros públicos, e suas proporções representaram mais do que 60% do total de resíduos sólidos em sete delas (PINTO, p.31, 1997). As atividades relacionadas com a construção civil possuem enorme impacto ambiental. O setor é o maior consumidor individual de recursos naturais, gera poluição, desperdiça energia para a produção e transporte de materiais e é responsável pelo grande acúmulo de entulho produzido nos canteiros de obra (JOHN, 2002). No entanto, pode haver uma contribuição significativa para a diminuição dos impactos ambientais através do uso de tecnologias construtivas mais sustentáveis, tais como: materiais feitos com matérias-primas que utilizem resíduos os mais diversos, inclusive os gerados na própria atividade construtiva; substituição de materiais naturais escassos ou poluentes; e utilização de compostos feitos a partir de elementos naturais. 5 EXEMPLOS DE CONSTRUÇÕES SUSTENTÁVEIS No atual cenário mundial, é possível extrair alguns exemplos pontuais de atuações na área de construções sustentáveis. É importante frisar o caráter de exceção que tais práticas desempenham na arquitetura e no urbanismo. Alguns destes exemplos, reconhecidos internacionalmente, serão brevemente descritos, a seguir, para servir como repertório de discussão. As empresas do Northwest Eco-Building Guild e o Green Building Council produziram catálogos específicos para construção de eco-habitações, nos Estados Unidos e Canadá. Desenvolvidos em parceria com o Departamento de Energia norte-americano, fazem parte de programas especiais para a construção da casa verde e para projetos de desenvolvimento sustentável. Esta atuação pode ser qualificada como meramente informativa e de alcance regional, já que os catálogos produzidos serviam apenas para a construção de habitações sustentáveis no Canadá e nos EUA. Criação, por alguns profissionais, do conceito de Rua dos Verdes, em Seattle, para demonstrar o modelo de desenvolvimento ecologicamente responsável na construção civil, integrando o bairro, a rua, o sistema de circulação de pessoas, o sistema de transporte e as edificações, levando-se em consideração os materiais construtivos dessas construções. Este tipo de atuação engloba questões mais amplas, saindo da esfera construtiva do edifício e pensando a construção da cidade. As questões colocadas neste projeto podem ser generalizadas para outros locais do globo. Uma experiência piloto foi realizada pelo arquiteto Reimund Stewen, na cidade da Colônia, em Blumenberg, Alemanha. Consistiu em uma urbanização residencial ecológica, cujos princípios foram: uso econômico do solo, possibilidade de convivência de vários extratos sociais, auto-construção das moradias, utilização da energia solar, instalações hidráulicas ecologicamente apropriadas, emprego de estruturas e materiais de construção baseados nos princípios da construção biológica, redução de desperdícios domésticos através da separação e reciclagem, e adoção de hortas domésticas. Pode-se observar nesta atuação, grandes preocupações com a racionalização e conservação dos recursos naturais, incluindo matérias-primas e energia. Projeto da Vila Olímpica, em Sidney, na Austrália, elaborado pelo Greenpeace, em1992. Construções que utilizaram energia solar passiva, sistemas integrados de redução de dejetos comerciais e domésticos, utilização de materiais de construção ecologicamente apropriados e uso de sistemas inovadores de conservação de água. Destaca-se nesta atuação o caráter pontual das inovações propostas, parece não ter havido grande preocupação em inseri-las em um sistema que garantisse sua propagação em outros locais. Outro projeto de 140 residências, denominado Ecopovoado Amningerblick, foi desenvolvido na Áustria. Consistiu em uma engenhosa aplicação de eco-tecnologias, incluindo o uso de formas construtivas e materiais de construção ecologicamente apropriados, isolamento acústico do telhado de madeira com granulado e fibra de coco, projetado em duas águas, orientadas para o sul em função de coletores solares. Outra atuação que reflete um caráter pontual, pois ficou restrita à construção destas 140 residências. Proposta de Habitação Simbiótica elaborada para a cidade de Tóquio, no Japão. Modelo de construção sustentável, composto de diversos tipos de edifícios, visava à minimização do consumo de produtos naturais e energia e previa a reciclagem dos resíduos urbanos e do calor, consolidando as políticas de habitação e meio ambiente de forma integrada e equilibrada. Esta atuação se difere da anterior pelo seu caráter de aplicabilidade em toda a cidade de Tóquio, fazendo parte de uma política integrada, com a intenção de fazer repercutir os bons resultados em outros setores da economia. Construção da casa Z, em Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, feita com madeiras nobres da Amazônia e planejada em módulos pré-fabricados, permitindo montagem em um mês. A madeira utilizada foi resultado de um plano de manejo da floresta. Da mesma forma que a proposta anterior, a aplicabilidade é um dos resultados pretendidos neste contexto, por se preocupar com a produção em massa da habitação. O núcleo de Desenvolvimento e Pesquisa da UFSC, construiu um protótipo de habitação sustentável, com o objetivo de demonstrar a viabilidade de tecnologias e materiais alternativos para a habitação popular. A concepção de sustentabilidade estava na otimização das instalações elétricas para baixo consumo de energia, uso de painéis solares e fotovoltaicos, reutilização da água do lavatório e chuveiros, instalações para o reaproveitamento de água da chuva. Sistema construtivo em blocos de concreto produzidos com adição de cinzas de termoelétrica e utilização de concreto alternativo, onde a brita foi substituída por pequenos pedaços de entulho de construção e demolição. Esta experiência refletiu preocupações abrangendo economia de energia e água e o uso de materiais adicionados de resíduos. A intenção desta pesquisa foi principalmente testar estes materiais novos. Experiências como esta não devem permanecer circunscritas ao meio acadêmico, com o perigo de se tornarem estéreis. Para que realmente possam atuar como transformadoras do paradigma construtivo atual, devem procurar formas de se inserir no mercado, tornando-se acessíveis a todas as pessoas que queiram construir com base em parâmetros ecológicos. O grupo de pesquisa em Edificações e Comunidades Sustentáveis do NORIE da UFRGS, busca alternativas menos impactantes para as propostas tradicionais de assentamentos populares. Considera que, durante o projeto e a implantação de unidades habitacionais, deve-se não somente levar em conta a unidade de moradia, mas o todo do qual esta unidade fará parte, assim como as relações estabelecidas entre esta unidade e o meio ambiente circundante. Atuações como esta, que interagem com a realidade, acabam sendo mais efetivas e transformadoras que atuações que ficam apenas no ambiente acadêmico. As relações com o meio são importantes, pois é dele que se tiram as respostas às questões de sustentabilidade. A sede do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA) em Piracicaba foi toda construída em madeira certificada, dos pilares de sustentação aos móveis e objetos de decoração. Projetada para garantir o máximo conforto térmico, sem precisar de ar condicionado ou ventilador, as paredes duplas mantêm o calor do lado de fora. Para isolar a madeira da umidade foi usado um impermeabilizante à base vegetal (mamona). Banheiro seco, com dois níveis: no térreo ficam a pia e o chuveiro, e toda água servida vai para um reservatório enterrado no chão, cercado por matéria orgânica, para onde a água segue depois de um período de decantação. No andar superior ficam os vasos sanitários, que terminam em câmaras de biodigestão. Depois de seis meses estes se transformam em adubo para plantas ornamentais. Tal projeto, muito interessante construtivamente, é outro exemplo de exceção construtiva que não procura formas de replicação dos resultados obtidos. Resumindo, todos estes projetos citados contribuem, de alguma forma, para a discussão de desdobradas possibilidades de atuação no sentido de alcançar patamares do desenvolvimento sustentável na construção das edificações e das cidades. Alguns parâmetros que vieram à tona com os exemplos anteriores, são listados a seguir: • Uso de materiais menos poluidores; • Desenvolvimento de materiais e tecnologias menos agressores do ambiente; • Reciclagem e reutilização de materiais e resíduos; • Consumo racional da água e energia; • Projetos urbanísticos mais integrados com a natureza; • Aproveitamento de fontes de energia alternativas, como a solar, a eólica e geotérmica; • Redução do uso de produtos químicos prejudiciais à saúde na produção de elementos construtivos; • Minimização do emprego de matérias-primas raras; • Readequação de sistemas construtivos tradicionais para as necessidades atuais; • Reaproveitamento da água de chuva. É necessário frisar que atuações que se preocupam com a divulgação de suas idéias, tornando-as públicas de alguma forma, são replicadas com mais eficiência em relação às soluções ambientais propostas para um contexto local. Contudo, apenas a publicização destas idéias não garantem que estas serão retrabalhadas, transformadas e multiplicadas. O fato é que a implementação dos parâmetros aqui discutidos se faz dentro de um sistema social repleto de conflitos e contradições, em que muitos interesses estão em jogo. As diversidades rodeiam as forças centrífugas e centrípetas e dão diferentes sentidos às categorias de pensamento no campo da pesquisa. 6 BARREIRAS NA APLICAÇÃO DA CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL Estes possíveis parâmetros podem ser pontos de partida para prováveis desdobramentos que articulem modificações na estrutura social. Um grupo de pessoas e empresas, de forma ainda muito incipiente, representa força ativa, e a estratégia é generalizar os parâmetros de sustentabilidade para a produção das construções e cidades. Para superar as barreiras existentes entre o desenvolvimento de inovações tecnológicas e seus potenciais consumidores (proprietários, construtores, arquitetos), algumas questões precisam ser ponderadas. 6.1 Questões econômicas JOHN (2002) afirma que qualquer produto precisa ser adequado ao mercado. Em um setor conservador como o da construção civil, com pouca experiência em inovação tecnológica, a introdução de um novo produto no mercado necessita ser realizada de acordo com um plano previamente estudado e definido. A viabilidade financeira é certamente fundamental em todas as etapas de fabricação de um material ou edificação. Umametodologia específica para esse fim precisa ser desenvolvida. A importância desse aspecto seria facilmente percebida se fosse possível contabilizar produtos tecnicamente viáveis e plenamente desenvolvidos que nunca chegaram ao mercado. Quando se consegue um alto nível de integração do projeto, superando os limites profissionais tradicionais, com o planejamento cuidadoso, criam-se sinergias capazes tanto de reduzir o custo quanto de melhorar o desempenho. Embora muitos incorporadores suponham que as construções sustentáveis custem mais caro, o projeto bem elaborado pode diminuir os custos de construção, economizando sobretudo nos custos de infra-estrutura e usando técnicas passivas de aquecimento e refrigeração, que tornam desnecessários o equipamento mecânico mais caro (HAWKEN, LOVINS e LOVINS, 1999). Um aspecto a ser analisado, que faz parte do processo produtivo, é a distância da fonte de alguns materiais, que perdem seu caráter de sustentabilidade a partir de um raio de 100 km, tornando-se anti-econômicos com os altos custos do seu transporte (JOHN, 2002). Além disso, o fator tempo, o qual é monetarizado, não pode ser relegado a segundo plano nas avaliações. Existem também os interesses econômicos dos grandes conglomerados de materiais de construção que possuem uma rede de distribuição eficiente em todo o país e que podem impedir a entrada de novos produtos no mercado. A desconstrução desta lógica faz parte das estratégias que acompanham as mudanças. 6.2 Questões Culturais Os materiais de construção e a forma de emprego estão carregados de significações próprias, decorrentes dos processos históricos em que se inserem. Um exemplo é o uso da madeira ou do tijolo em construções populares no sul do país, onde o primeiro material é sinônimo de pobreza. Esta diferenciação pesa bastante num contexto de valores construídos dentro de relações capitalistas, onde o que importa é o “status econômico”. Sabe-se também que as casas feitas em terra crua ganharam vários adeptos nas últimas décadas, porém o preconceito no Brasil ainda é notório, possivelmente ocasionado pela desinformação técnica. A cultura do consumidor que se propõe a utilizar estas técnicas construtivas alternativas geralmente está baseada em valores holísticos e de valorização da natureza. É necessário que as vantagens destes tipos de construção sejam mais bem esclarecidas para serem aceitas pela população em geral. 6.3 Questões técnicas e educacionais Quando se opta por uma construção diferenciada e com materiais alternativos, também se depara com o problema técnico da falta de mão-de-obra qualificada para este tipo de demanda. Faltam metodologias específicas para orientar a execução, bem como corpo técnico capacitado. Estes fatores estão articulados com os diversos componentes das políticas governamentais para o ensino, seja ele profissionalizante ou não, tanto em nível médio, quanto superior. Além disso, ainda não existem, nos currículos das instituições de ensino de arquitetura e engenharia, matérias que tratem dos assuntos de sustentabilidade nas construções, e nem cursos que estariam teoricamente preparando mão-de-obra especializada. JOHN (2002) afirma que uma abordagem multidisciplinar, necessária ao desenvolvimento desses novos conhecimentos, vai requerer habilidades adicionais dos engenheiros e arquitetos para atuarem dentro das escolas e empresas. É necessária uma compreensão mínima e um entendimento da linguagem de outras disciplinas pertinentes ao processo de desenvolvimento do conhecimento para que construções sustentáveis aconteçam. 7 CONSIDERAÇÕES... As metas para se atingir um desenvolvimento sustentável na construção civil, ainda que na contramão das tendências, sempre que estiverem levando em conta fatores sociais, econômicos e políticos, todos interligados entre si, podem possibilitar o traçado de diagnósticos e prognósticos que induzam mudanças de paradigmas no modo de viver, no modo de construir, e na apropriação de novas técnicas e materiais. O “ponto de mutação” encontra-se no modo de encarar os problemas e conflitos existentes nas situações socioeconômicas. Uma vez projetados e desenvolvidos parâmetros e propostas sustentáveis que elucidem os mecanismos do processo de revolução tecnológica dentro do meio ambiente, resta o trabalho de firmá-los como política nacional. Dentre as diversas maneiras de concretizar as metas, uma delas seria acelerar este processo por meio da criação de leis que incentivem a construção sustentável, através de isenção de impostos ou linhas de financiamento especiais. Contudo, sem uma mudança profunda nos valores éticos atuais não se pode esperar uma difusão muito grande de construções sustentáveis. Os locais onde as pessoas moram, trabalham, estudam ou se divertem refletem os valores da sociedade em que estão inseridos. A reflexão em torno das práticas sociais num contexto urbano marcado pela degradação permanente do meio ambiente construído e do seu ecossistema maior não pode prescindir nem da análise dos determinantes do processo, nem dos atores envolvidos e das formas de organização social que potencializam novos desdobramentos e alternativas de ação numa perspectiva de sustentabilidade. (JACOBI, 2000) O conceito de sustentabilidade, e as preocupações que envolvem o debate teórico, reúnem uma diversidade de novos sentidos para as inter-relações de temas como qualidade de vida, justiça social, equilíbrio ambiental e desenvolvimento tecnológico, que demandam um pensamento conjunto que não ofereça resistências a paradigmas novos, e respeite o suporte natural (CHOGAN, apud JACOBI, 2000). Assiste-se, atualmente, às primeiras experiências de construções sustentáveis, ainda incipientes para abranger as grandes vertentes simbólicas e práticas capazes de se transporem para contextos mais globais. Contudo, elas se apresentam como uma porta de entrada para a discussão de propostas e projetos, justamente por serem pioneiros neste processo de mudança de atitudes sociais e ecológicas. Muitos deles, inclusive, alcançaram altos graus de qualidade ambiental, e carecem de estudos, por colocarem em primeiro plano os parâmetros de sustentabilidade para as construções civis. Este artigo procurou apresentar uma contribuição a divulgação de alguns princípios que regulam o discurso do desenvolvimento sustentável. Persistem ambigüidades e hesitações que se contrapõem aos ensinamentos de uma práxis ambientalista voltada para uma melhor qualidade de vida humana no globo, hoje e no futuro. A intenção foi alcançar mais adeptos para a filosofia da sustentabilidade, estimulando a capacidade de diálogo interdisciplinar dentro da atual esfera de valores da vida social. A renovação do pensamento científico, através da criação de uma estrutura curricular multidisciplinar, se manifesta como subsídio para uma compreensão mais crítica das relações que elaboram as regras que configuram o modelo capitalista neoliberal. No meio acadêmico, ele ainda circula como uma forma de fornecer respostas e de refutar conjecturas para as questões do desenvolvimento socioeconômico sem a degradação do meio ambiente. 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São Paulo, SP, 1993 RESUMO 1 DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE 2 MUDANÇA DE PARADIGMA: O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 3 OS PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO - ORDENAMENTO DO AMBIENTE CONSTRUÍDO 4 O CONSUMO DE RECURSOS NATURAIS E A GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL 5 EXEMPLOS DE CONSTRUÇÕES SUSTENTÁVEIS 6 BARREIRAS NA APLICAÇÃO DA CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL 6.1 Questões econômicas 6.2 Questões Culturais 6.3 Questões técnicas e educacionais 7 CONSIDERAÇÕES... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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