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28072014 LITERATURA DE TERROR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL 
 
 
 
 
LAINISTER DE OLIVEIRA ESTEVES 
 
 
 
 
 
 
LITERATURA NAS SOMBRAS: USOS DO HORROR 
NA FICÇÃO BRASILEIRA DO SÉCULO XIX 
 
 
 
 
ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA ANDREA DAHER 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
2014 
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LAINISTER DE OLIVEIRA ESTEVES 
 
 
 
 
 
 
LITERATURA NAS SOMBRAS: USOS DO HORROR NA FICÇÃO BRASILEIRA DO 
SÉCULO XIX 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao programa de Pós-
graduação em História Social da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro como requisito 
parcial para a obtenção do grau de doutor em 
História Social. 
 
 
 
 
 
 
ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA ANDREA DAHER 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2014 
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 Esteves, Lainister de Oliveira 
 Literatura nas sombras: usos do horror na ficção brasileira do século 
XIX 
 VIII, 250 f.: il.; 30 cm. 
 Orientador: Andrea Daher 
 Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de 
 Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2014.. 
 Referências: f. 236-249. 
 
1. Horror literário 2. Literatura brasileira 3. Nacionalismo 
literário – tese. I. Daher, Andrea. II. Universidade Federal 
do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 
Programa de Pós-Graduação em História Social. III. T. 
 
 
 
 
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LAINISTER DE OLIVEIRA ESTEVES 
 
 
LITERATURA NAS SOMBRAS: USOS DO HORROR NA FICÇÃO BRASILEIRA DO 
SÉCULO XIX 
 
 
Aprovada em 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
_____________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Andrea Daher (orientadora) 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
______________________________________________ 
Prof. Dr. Abel Barros Baptista 
Universidade Nova de Lisboa 
 
 
______________________________________________ 
Prof. Dr. Karl Erik Schollhammer 
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 
 
 
______________________________________________ 
Prof. Dr.ª Lucia Ricotta Vilela Pinto 
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 
 
 
 
 
______________________________________________ 
Prof. Dr.ª Maria Cristina Batalha 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
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AGRADECIMENTOS 
 
 
 
Ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro. 
 
À professora Andrea Daher, referência intelectual fundamental para minha formação ao longo 
dos anos. 
 
Ao professor Abel Barros Baptista pela acolhida em terras lusitanas e pelos valorosos 
comentários acerca do horror literário. 
 
Ao programa de bolsas do CNPq pelo suporte financeiro, sem o qual este trabalho não seria 
possível. 
 
Ao programa de bolsas da CAPES pela concessão da bolsa-sanduíche que possibilitou o 
estágio doutoral na Universidade Nova de Lisboa, fundamental para a realização deste 
projeto. 
 
À minha família pelo carinho e apoio incondicional. 
 
À minha esposa pelo companheirismo e dedicação. Por tudo, para sempre. 
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RESUMO 
 
O objetivo deste trabalho é analisar o horror na ficção brasileira do século XIX. Para 
identificar as diferentes formas de imaginação literária do horror presentes na literatura do 
período são analisadas obras publicadas em livros, jornais de grande circulação e periódicos 
acadêmicos. Para os propósitos aqui expressos, o horror não configura um gênero específico, 
é, primordialmente, um dispositivo que permite organizar textos diversos nos quais ele está 
presente e dos quais faz emanar determinado efeito. A investigação inicialmente toma como 
objeto a literatura gótica surgida na Europa do século XVIII: a transformação por ela efetuada 
nos hábitos de leitura e o lugar central que ocupa no debate estético romântico. A análise 
desse fenômeno permite estabelecer paralelos com a produção literária brasileira e entender 
de que forma a consagração do paradigma crítico realista levou o horror à condição de 
vertente literária desviante quando considerados os cânones literários brasileiros. 
 
 
Palavras-chave: gótico; romantismo; horror; literatura brasileira; nacionalismo literário. 
 
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ABSTRACT 
 
The aim of this work is to analyze the horror in the 19th century Brazilian fiction published in 
books, large circulation newspapers and academic journals. For the purposes here expressed, 
terror does not set a specific genre. It is a device that allows to organize various texts in which 
he is present and which makes emanate a specific effect of fear. The research initially takes 
the gothic literature that has emerged in Europe in the 18th century as object: the 
transformation it made in reading habits and the central place that occupies in romantic 
aesthetic. The analysis allows to draw parallels with the Brazilian literary production and to 
understand in what way the consecration of a realistic critical paradigm turn horror into minor 
literature in face of the Brazilian literary canon. 
 
Keywords: gothic; romanticism; horror; Brazilian literature; nationalism. 
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INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8 
 
 
1. DEFINIÇÕES DO HORROR LITERÁRIO 
 
1.1. A invenção do gótico moderno....................................................................................12 
1.2. A expansão do gótico no século XIX...........................................................................25 
1.3. Matrizes conceituais e modelos literários do horror....................................................39 
1.4.Variações em torno do horror e do fantástico...............................................................60 
 
 
2. O HORROR ACADÊMICO NA LITERATURA BRASILEIRA 
 
2.1. A modelização literária do terror.................................................................................71 
2.2. A dramatização literária de tipos românticos..............................................................90 
2.3. A proximidade do estranho: do interdito ao fantástico..............................................105 
 
 
3. O HORROR NAS CHAVES DA AMENIDADE E DA IRONIA 
 
3.1. A difusão do medo em jornais e folhetins..................................................................121 
3.2. Um terror de interesse doméstico...............................................................................131 
3.3. O irônico horror machadiano......................................................................................151 
 
 
4. A EXCEÇÃO DO HORROR EM CAUSOS, LENDAS E ROMANCES 
 
4.1. Autores menores........................................................................................................173 
4.2. Os alfarrábios de José de Alencar..............................................................................191 
4.3. As lendas e os causos de Bernardo Guimarães..........................................................200 
4.4. Aluísio Azevedo e o misterioso Victor Leal..............................................................211 
 
 
 
CONCLUSÃO.....................................................................................................................229 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................236
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8!
 
 
Introdução 
 
No artigo “Du fantastique en littérature”, publicado na Revue de Paris em 1830, 
Charles Nodier defende a imaginação fantástica como remédio necessário à razão moderna, 
uma forma de escapar do tédio que assolaria o homem contemporâneo. O fenômeno literário 
seria como uma força sinistra e maravilhosa, surgida quase como efeito colateral do 
pensamento iluminista, o outro lado do espelho de uma sociedade cética, contramão do 
esforço de superação da obscuridade. As paisagens do romance noir que reafirmam os 
mistérios da natureza dariam voz ao silêncio dos corações e aos segredos das mentes, em uma 
época em que os discursos buscam dar conta de territórios inexplorados para iluminar uma 
escuridão reinventada nas cores do romantismo. No jogo que propõe a ausência de regras 
como paradigma, a busca de uma representação íntegra do homem significará também a 
aproximação definitiva da literatura com o mal. 
No entanto, mesmo anunciada como extravasamento de poderes reprimidos, a ficção 
se consolida como triunfo da razão, monumento ao controle da capacidade de fabulação que, 
na chave do sublime, traduz o prazer como abalo das sensações. Estruturada como um 
laboratório de simulação no qual as sensibilidades são medidas nos limites do risco e da 
eficácia, a produção literária passa a se valer do horror como elemento crucial para a 
educação estética. A habilidade sensível, calculada segundo os parâmetros ideais da empatia, 
transforma-se também em referência de juízo moral, e o medo se converte em um dos elos 
fundamentais da relação entre a literatura e os modos de percepção. É de acordo com essa 
lógica que, a partir da segunda metade do século XVIII, com o advento dos romances góticos, 
o discurso ficcional passa a ser o lugar de produção e reprodução de um repertório de temas 
insólitos. Objeto da atenção erudita, o fantástico se multiplica na linguagem reproduzida 
como elemento transitório na busca do efeito de horror. A proliferação de histórias sinistras é 
parte fundamental da ressignificação do maravilhoso, que ao perder espaço como elemento de 
percepção da realidade, se redefine nos hábitos de leitura. O discurso ficcional passa a 
difundir os medos de um mundo imaginário refeito como “fenômeno de biblioteca”1. 
A ênfase na peripécia em detrimento da densidade da linguagem é a marca dos 
“fenômenos editoriais”. Novos casos, tramas e sensações implicam na secularização das 
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1 FOUCAULT, Michel. “Posfácio a Flaubert”. In: Estética: literatura e pintura; música e cinema. Rio 
de Janeiro: Forense Universitária, p. 80. 
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formas de imaginação. Como literatura cotidiana, esses dispositivos se multiplicam para 
comoção de um público interessado na experiência fugaz de um prazer que lembra a 
obscuridade para diminuí-la nos domínios de uma empatia controlada. Assim a tradução 
letrada do horror refaz o sentido do sobrenatural explicado pelo próprio registro ficcional 
reduzindo a fabulação às artimanhas de uma recém-construída autoridade autoral que 
evidencia a artificialidade do que propõe. 
Nos séculos XVIII e XIX as formas de imaginação literária do horror variam, o que 
torna difícil definir aquilo que seria chamado de “literatura de horror” no século XX. Apesar 
de não haver uma classificação precisa, as representações do estranho e a busca do efeito de 
horror são pontos comuns que permitem pensar a especificidade desse tipo de ficção. Nas 
representações de uma modernidade sombria veiculada a uma polissêmica taxonomia 
romântica essa ficção se popularizaria, o que atesta que, se o romantismo não inventou a 
perspectiva da afetação, converteu-se em sua forma moderna graças à reabilitação do debate 
acerca do sublime. A tentativa de buscar na estética o consolo para o esvaziamento da 
experiência que define o sublime, traduz a consciência da finitude como dramatização do 
insólito e ao mesmo tempo faz da originalidade o confronto imediato com a regularidade das 
formas clássicas. Nesse universo repleto de mistérios, as sombras oferecem a tonalidade ideal 
para que um “novo personagem” possa atuar. O homem integralmente representado com suas 
nuances de clareza e escuridão, e de beleza e fealdade ganha a cena sob o imperativo da 
complexidade dramática. O belo e o horrível se encontram quando a figura do homem íntegro 
surge como revelação do mal. 
Com o objetivo de rastrear as formas e os usos do horror na literatura brasileira 
oitocentista, analisam-se no primeiro capítulo textos considerados fundamentais para a 
definição da modernidade do horror. Por representar a contramão da razão iluminista, o gótico 
produzido majoritariamente na Europa e nos Estados Unidos assume o risco não só de insuflar 
os fantasmas de um mundo obscuro que supostamente teria ficado para trás como de revelar 
as tensões entre as formas de imaginação literária do horror. O problema que começa como 
risco de retorno da superstição se desdobra em tênue limite do bom gosto, argumento decisivo 
para o controle das motivações fantásticas. Além de possibilitar considerações mais amplas 
acerca das definições do horror como tema literário, a análise das circunstâncias de produção 
e consumo desses textos ajuda a entender a circulação deles no Brasil. 
Abordando mais especificamente o objeto deste estudo, o segundo capítulo trata da 
ficção veiculada prioritariamente em periódicos acadêmicos paulistas em meados do século 
XIX. Configurando um tipo particular de horror literário esses textos têm o cinismo como 
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tema central, o que os aproxima de uma linhagem romântica representada exemplarmente por 
Lorde Byron. Da eleição de uma tradição boêmia articulada na correspondência entre vida e 
obra, constrói-se um corpus macabro inserido diretamente nos debates em torno da definição 
dos rumos da literatura brasileira. O horror acadêmico exagera os temas românticos 
transformando autores-chave, como Álvares de Azevedo, em personagens de uma decadência 
moral que abalaria os valores da cultura ocidental. Em textos cuja circulação restrita 
possibilitou a consagração do excesso como marca identitária, a transgressão entre pares 
permite a exploração deliberada de um horror focado no dilema espiritual extravasado na 
violação dos corpos reiterando a relação entre deboche e representação da morte. 
No terceiro capítulo observa-se como o horror é difundido em jornais de grande 
circulação a partir da segunda metade do século XIX. Os contos macabros divididos em duas 
chaves analíticas distintas, a amenidade e a ironia, passam a fazer parte do cotidiano de 
leitores interessados em peripécias folhetinescas e em breves enredos insólitos. No horizonte 
da literatura amena, os mistérios são resolvidos como peças pregadas pelo narrador, o que 
evidencia uma relação de maior cumplicidade com o público, enquanto na lógica da ironia 
machadiana o narrador constrói os limites de sua narração como elemento de promoção do 
mistério. A proliferação dessas histórias depende da suavização dos temas românticos 
acadêmicos. Esses textos têm em vista um “leitor sentimental” que, afeito às matérias mais 
delicadas do romantismo, pretendem seduzir. Autor destacado na produção desses contos, 
Machado de Assis, leitor confesso de Edgar Allan Poe e de Ann Radcliffe, aparece como um 
dos mais constantes artífices do horror na literatura brasileira do período. 
No quarto e último capítulo são analisadas obras de maior fôlego, tanto de autores 
que não participam do cânone literário brasileiro quanto dos canônicos cujas obras “de 
horror” são menosprezadas pelas histórias literárias. A exclusão obedece ao paradigma 
nacional-realista que reserva ao horror o lugar
paralelo de vertente literária desviante. Essas 
obras seriam consideradas menores, seja pela falta de refinamento estético – traduzida 
geralmente como incapacidade de apreensão da realidade –, seja pela vocação para o simples 
entretenimento nas horas de ócio. A análise de alguns textos de José de Alencar, Bernardo 
Guimarães e Aluísio Azevedo, por exemplo, deixa claro que, a partir da segunda metade do 
século XIX, a “imaginação romântica” passa a representar o suposto desvio do realismo e é 
duramente criticada em defesa de projetos considerados mais condizentes com a verdadeira 
vocação da literatura brasileira, ou seja, a representação do nacional. 
O caráter abrangente deste estudo prioriza a relação entre os textos e não a análise 
pormenorizada das obras. O objetivo é identificar diferentes configurações do horror , assim 
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11!
como suas funções no campo literário brasileiro do século XIX. As composições são 
analisadas segundo a relação entre fabulação ficcional e projeto literário. Para os propósitos 
aqui expressos, o horror, também comumente expresso como terror, não configura um gênero 
específico que se poderia definir como gótico, grotesco, fantástico ou noir2. É pensado como 
dispositivo presente em diferentes textos que o conformam como efeito. Artifício 
historicamente datado aplicável a diferentes modelos narrativos, o horror se transformou em 
elemento-chave na produção e no consumo literários no Brasil a partir do século XIX. O 
esforço de interpretação das obras que o exploram pressupõe a tentativa de restituir as 
legibilidades passadas, e tal restituição, por sua vez, baseia-se no mapeamento dos problemas 
que estruturam essas obras, organizam-nas e lhes dão sentido no seu tempo. 
 
 
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2 A escolha do uso do termo “horror“,em detrimento de “terror”, se dá em função de sua maior 
ocorrência no debate literário e também por sua definição em língua portuguesa incluir, além dos sentimentos de 
pavor e repulsa, as sensações de incômodo e de receio. Todavia, em alguns casos, o termo “terror” também será 
utilizado para evitar a repetição excessiva de um mesmo termo. Em todo caso, há uma certa equivalência dos 
termos “horror” e “terror” e recorrência das imagens que os relacionam, por exemplo, às “trevas” ou às 
“sombras”. Esses termos encontram-se, muitas vezes, indiscriminadamente usados nos materiais estudados. Ao 
longo desta tese, em cada um dos casos em que houver especificidade de nomenclatura, ela será evidenciada na 
análise. 
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12!
 
1. Definições do horror literário 
 
1.1. A invenção do gótico moderno 
 
The Castle of Otranto, romance de Horace Walpole publicado em 1764 sob o 
pseudônimo de Willian Marshal, pode ser considerado o marco inicial da dita literatura 
gótica. Já em 1796 T.J. Matthias, em The Pursuits of Literature, reconhecia a obra do escritor 
inglês como a origem de uma nova, popular e prodigiosa forma de escrita3. O romance trata 
da perseguição do príncipe Manfred a Isabella, com quem tenta perpetuar sua linhagem. Ela 
deveria se casar com Conrad, filho do príncipe, mas no dia do casamento o jovem morre, 
misteriosamente atingido por um capacete gigante. Manfred então percebe que uma antiga 
profecia se cumpriria e o castelo seria ocupado por outra família. Para não perder o trono, 
divorcia-se de sua esposa Hippolita e passa a perseguir Isabella. No final, a jovem se casa 
com o virtuoso Theodore, empregado de Manfred, que se revela o verdadeiro herdeiro do 
trono. Nesse quadro estão estabelecidos os elementos básicos da literatura gótica: um castelo 
mal assombrado; um vilão, uma bela e inocente vítima, e um herói. 
Os prefácios escritos por Walpole para as duas primeiras edições mereceram especial 
atenção da crítica. O primeiro, publicado na primeira edição do romance, é uma ficção que 
revela pretensões de autenticidade histórica. Nele o narrador se apresenta como William 
Marshal que diz transcresver uma história medieval italiana escrita por Onuphrio Muralto – 
cônego da igreja de São Nicolau situada em Otranto – na época das cruzadas e impressa em 
15294. O título impresso é The Castle of Otranto, a Story. 
O texto teria sido encontrado na biblioteca de uma tradicional família católica do 
norte da Inglaterra e impresso em Nápoles. Os acontecimentos extraordinários da trama são 
tratados como exemplo da mentalidade obscura das épocas mais sombrias do cristianismo, 
mas a linguagem não teria o que o autor do prefácio chama de “barbarismo”. O estilo, dotado 
de beleza e sutileza, seria “puramente italiano”. Para o prefaciador, as soluções dramáticas 
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3 A hipótese é sustentada, por exemplo, por críticos como H.P. Lovecraft (Supernatural Horror in 
Literature, cuja primeira versão foi publicada em 1927 na revista The Recluse); David Punther (The Literature of 
Terror: a History of Gothic Fictions from 1765 to the Present Day, 1980); E.J. Clery (The Rise of Supernatural 
Fiction, 1995); Maggie Kilgour (The Rise of Gothic Novel, 1995); Fred Botting (Gothic, 1996) e Andrew Smith 
(Gothic Literature, 2007). 
4 BOTTING, Fred. Gothic. New York: Routledge, 2010, p. 49. 
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oferecidas pelo autor não são muito relevantes, pois os leitores deveriam tratar a obra como 
simples entretenimento, como alusão a uma mentalidade graças à primazia da razão: 
“Miracles, visions, necromancy, dreams and other preternatural events, are exploded now 
even from romances.”5. 
O romance não faria muito sentido na ilustrada sociedade inglesa a não ser por sua 
aguçada precisão dramática capaz de envolver os leitores pelo vigor da trama. Ainda no 
prefácio, em um esforço de contextualização fictícia, Willian Marshal diminui a importância 
da fantasia, defendendo a obra do ponto de vista formal. O leitor seria atraído pela 
objetividade de uma narrativa que não perde o foco: a catástrofe eminente não seria permeada 
de frivolidades nem de descrições desnecessárias, pois tudo funcionaria de acordo com um 
mecanismo preciso: o horror. Ele seria a tecnologia literária responsável por manter o 
interesse, por capturar a mente pelo apelo das paixões suscitadas. Em um sistema de valores 
em que o fantástico e o miraculoso parecem ter perdido espaço para uma racionalidade 
esclarecida, The Castle of Otranto se apresenta como exercício lúdico da imaginação, em que 
a técnica propõe um olhar circunstancial para um tempo estranho. Dramatiza um mundo 
antigo, um passado remoto sem data expressa, retomado como alteridade confortável e deleite 
da imaginação segura. 
Reconhecendo que a moral da história poderia ser mais sofisticada, o autor, na figura 
de seu pseudônimo, afirma estar convicto de que a trama é composta de fatos reais, e as 
precisas descrições do castelo comprovariam que Onuphrio Muralto o conhecia pessoalmente. 
No entanto, a tarefa de descobrir a verdade por trás da misteriosa narrativa é atribuída a algum 
hipotético leitor curioso, interessado em provar a veracidade dos eventos narrados, o que 
torna o romance ainda mais interessante e comovente. O prefácio termina com uma irônica 
sugestão de pesquisa, e a suposta veracidade proposta a um público teoricamente incapaz de 
se impressionar com os eventos sobrenaturais narrados é apresentada como elemento 
persuasivo. Matreiramente, o fim do prefácio lança a semente da desconfiança sem se 
comprometer com a verossimilhança. O truque é ressaltar o ceticismo do público, anunciar 
aspectos absurdos da história para construir uma base legítima de negociação. Uma vez ciente 
de estar diante da mais absoluta fantasia, o leitor é convocado a imaginar as verdades que esse 
passado pode guardar. 
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5 WALPOLE, Horace. The Castle of Otranto. New York: Oxford University Press, 2008, p. 6. 
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A história inventada por Horace Walpole não durou muito, e o público passou a 
questionar sua real autoria. O reverendo William Mason – comentarista de um dos mais 
prestigiados periódicos ingleses da época, o Monthly Review, quando questionado por um 
leitor sobre a autoria da novela, riu afirmando que não poderia ter sido obra de um 
contemporâneo: “[…] could be so absurd as to think that anybody nowadays had imagination 
enough to invent such a story.”6 Posteriormente, o reverendo em carta a Horace Walpole, de 
quem era amigo pessoal, disse que ele próprio fora completamente enganado. Parecia mais 
fácil acreditar que o texto tinha sido encontrado nas ruínas de uma biblioteca abandonada do 
que supor que aquele tipo de fabulação fosse possível para um letrado do século XVIII. A 
confusão ajuda a explicar o sucesso do texto: sua inusitada capacidade de fantasiar abriria 
espaço para a exploração de temas considerados superados que ressurgiriam com força na 
cena literária. A imaginação fantástica traduzida em literatura ganha forma nos termos do 
gótico forjado na engenharia do horror. 
Na segunda edição, lançada em abril de 1765, apenas quatro meses depois da 
primeira, o adjetivo Gothic é acrescentado ao título que passa a ser The Castle of Otranto, a 
Gothic Story. No prefácio da nova edição a trama criada em torno da obra é desfeita. 
Escrevendo em terceira pessoa, Horace Walpole assume a autoria e justifica que a boa 
acolhida do público o forçava a dizer a verdade. Ele pede desculpas por ter se apresentado 
como William Marshal. Argumenta que o fez porque assim sua obra teria julgamento mais 
imparcial e, em caso de fracasso, seria esquecida. Revela que tentou mesclar dois tipos de 
romance: o antigo e o moderno. 
No primeiro prevaleceria a imaginação e a improbabilidade, e o segundo teria a 
imitação da natureza como pressuposto. Ainda de acordo com o escritor, a ausência da 
natureza como inspiração torna a motivação de heróis e heroínas pouco plausível, enquanto 
sua presença exclusiva sufoca a imaginação. Considerando as análises de Horace Walpole 
fica claro que The Castle of Otranto foi escrito para reavaliar os poderes e recursos da 
imaginação, travada pela preocupação excessiva com a representação da vida cotidiana. 
O autor deixa bastante claro que seu modelo de inspiração é a natureza: “My rule 
was nature”7, afirma Walpole. O modelo se traduziria na natureza sublime do vilão, em 
contraposição à ingenuidade da heroína, o que tornaria ainda mais execráveis as perversidades 
dele. As sensações impressas nos personagens deveriam refletir nos leitores. Fica clara a 
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6 WALPOLE, Horace, op. cit., p. XI. 
7 WALPOLE, Horace, op. cit., p. 10. 
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intenção de uma literatura de efeito que apela aos sentidos tratados como naturais. Essas 
diferentes sensações seriam a chave para fazer o leitor esperar pelo desenlace catastrófico. 
Suas emoções são manipuladas como exercício de espera para o ápice, e os afetos 
mobilizados pelas particularidades de caráter dos personagens que prendem a atenção e 
fomentam a expectativa durante os atos ordinários que conduzem a narrativa. 
O tipo de direcionamento dramático proposto é tributado a uma autoridade maior, 
Shakespeare, “the great master of nature”8, Walpole diz ter copiado o modelo shakespeariano 
e destacado o humor de suas peças como fonte de beleza. O crítico E.J. Clery vê claras 
semelhanças entre Macbeth e The Castle of Otranto. O motor dramático seria o mesmo: o 
sobrenatural atuando em nome da restituição de uma herança legítima. O sentido verdadeiro 
de posse seria expresso tanto no espaço físico quanto na restituição de uma linhagem 
ancestral.9 Ainda segundo o crítico, a conspiração do universo sobrenatural para a correção de 
equívocos gerados pelos crimes humanos marcaria as tramas. Mas a mensagem de Walpole 
não seria tão clara devido à ambivalência da profecia segundo a qual “the castle and lordship 
of Otranto should pass from the present family, whenever the real owner should grown too 
large to inhabit it”10. O uso da expressão whenever em vez de when leva a crer que a profecia 
seria cumprida de acordo com algumas condições que, não plenamente realizadas, levam 
parte do castelo a desabar. A formulação duvidosa, ainda segundo Clery, faria do romance 
uma versão mais liberal de Macbeth, tragédia na qual o peso do destino pode ser recalculado 
de acordo com as ações dos personagens e as circunstâncias11. 
A importância de Shakespeare, no entanto, ultrapassa a relação com uma obra 
específica. Ao citá-lo, Walpole ressalta a mistura de estilos, na qual a seriedade convive com 
o risível, e destaca o humor como elemento fundamental em Hamlet, por exemplo. Walpole 
critica Voltaire por afirmar que a bufonaria não poderia se misturar com a solenidade e 
confirma sua proposta de renovação do romance baseada na mescla de imaginação e 
observação da realidade e articulada na junção da comédia com a tragédia. Shekespeare é 
evocado também para legitimar o apelo à imaginação, sobretudo no que tange ao uso de 
dispositivos ligados ao sobrenatural. 
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8 WALPOLE, Horace, op. cit., p. 10. 
9 CLERY, E.J. The Rise of Supernatural Fiction: 1762-1800. Cambridge: Cambridge University Press, 
1999, p. 72. 
10 WALPOLE, Horace, op. cit., p. 17. 
11 O crítico afirma que o romance seria uma “Whig rewriting of Macbeth”, em alusão ao partido liberal 
inglês ao qual Horace Walpole era filiado. 
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16!
Reconhecendo que The Castle of Otranto talvez não estivesse à altura do projeto que 
o originou, diz que se trata de uma tentativa, do apontamento de um caminho, “a road for men 
of brighter talents”.12 A tarefa de realizar todo o potencial do que foi projetado caberia a 
outros escritores que trilhariam a estrada que ele, abrigado sob o cânone de Shakespeare – 
“the brightest genius this country at least has produced”–, acabara de pavimentar. Apesar de 
julgar ter criado um novo tipo de romance, Walpole se orgulha mais de ter imitado, ainda que 
de maneira precária, um grande gênio. Afirma também que sua contribuição seria a invenção 
de uma forma híbrida de composição romanesca, pois, no que tange ao jogo de contrastes e 
aos efeitos gerados no leitor, o mérito é de Shakespeare. 
Os prefácios das duas edições de The Castle of Otranto sugerem claramente modos 
diferentes de leitura para o romance: o primeiro tenta ludibriar o leitor levando-o a acreditar 
tratar-se de uma história fantástica narrada em um passado obscuro. O segundo diz se tratar de 
ficção tentando convencer o público de que isso não diminui a humanidade dos personagens. 
Também convida o leitor a analisar o modo como esses mesmos personagens reagem às 
situações miraculosas. Ou seja, mesmo em ambiente fantasioso, o que deve ser observado é a 
dimensão real dos personagens. A proposta é de uma leitura que considere as ações morais em 
situações inusitadas. O autor se diz orientado por uma “lei de probabilidade” que também 
orienta os personagens a agir da maneira mais verossímil possível: “to make them think, 
speak and act, as it might be supposed mere men and women would do in extraordinary 
positions.”13 
Fica estabelecido um critério de identificação: por mais extraordinária que a história 
possa parecer, por mais arquetípicos que os personagens possam soar, são homens e mulheres 
comuns que reagem diante do insólito. O clima de estranhamento criado na primeira edição 
com a alusão a um mundo desconhecido se faz agora com base na identificação. Onde havia 
uma alteridade
estranha e de alguma forma confortável, aparece a sugestão da solidariedade. 
A fantasia restrita ao campo da técnica literária transforma-se em mecanismo potente de 
exploração de dilemas morais e conflitos psicológicos. Revelado como artifício, o horror se 
potencializa pela empatia. 
A tentativa de acionar uma “lei de probabilidade” dentro dos “territórios sem 
fronteira da imaginação” não implica necessariamente uma concepção moralizante de 
literatura. E.J. Clery lembra que a defesa da imaginação e o uso que Walpole faz de 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
12 WALPOLE, Horace, op. cit., p. 9-10. 
13 WALPOLE, Horace, op. cit., p. 10. 
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17!
Shakespeare eram formas de atacar diretamente determinada estrutura crítica ortodoxa da 
época. Sua apologia da fabulação seria uma arma contra a redução da ficção a instrumento de 
formação moral: caberia ao novo romance criar “situações interessantes”, nas quais as reações 
poderiam ser observadas, investigadas, testadas sem maiores preocupações com soluções 
edificantes. Ainda segundo Clery, ao aliar imaginação e verossimilhança sem o peso da 
educação dos costumes, o romance teria descoberto um espaço no mercado que justificaria o 
sucesso da primeira edição14. 
Horace Walpole, aristocrata, liberal, membro do parlamento inglês, em carta 
direcionada ao amigo William Cole datada de 9 de março de 1765 conta um pouco do 
processo de escrita de The Castle of Otranto e se revela um admirador do universo gótico. Diz 
que a ideia lhe teria vindo em um sonho em que viu, no alto da escadaria de um antigo 
castelo, uma mão gigante coberta por uma armadura. O romance, que ficaria pronto em 
menos de dois meses, seria um ótimo refúgio das ideias políticas. Ainda sobre o sonho, diz 
não se surpreender: “A very natural dream for a head filled like mine with Gothic story.”15. O 
texto teria surgido de maneira espontânea para o autor e é tratado como uma tradução literária 
de sua imaginação. Sua produção é vasta, incluindo textos políticos, memórias e até um 
drama de horror que explora o tema do incesto, The Mysterious Mother, com uma primeira 
impressão particular feita em Strawberry Hill, sua residência em Twickenham, subúrbio de 
Londres, em 1768. 
O comentário sobre seu sonho evidencia a circulação de histórias góticas presentes 
não só na tradição oral como também em obras editadas. Longos poemas como Night 
Thoughts, de Edward Young, pubicado em 1742; e The Grave, de Robert Blair, em 1743, 
assim como a narrativa em prosa Meditations Among the Tombs, de 1745, de James Hervey, 
trazem o universo sombrio que serviria de base para a definição da estética gótica. Destaca-se 
ainda a publicação, em 1746, de Treatise on Vampires and Vevenants: the Phantom World, de 
Dom Augustine Calmet, como exemplo do interesse da literatura de língua inglesa pelo 
universo sobrenatural. 
Talvez ainda mais emblemáticos sejam os textos de Daniel Defoe publicados no 
Review, jornal fundado por ele em 1704 e escrito também por ele praticamente na íntegra. 
Seus textos analisavam questões políticas domésticas e internacionais, com destaque para as 
relações da Inglaterra com a França. Curiosa, no entanto, é a presença de histórias de 
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14 CLERY, E. J., op. cit., p. 65. 
15 WALPOLE, Horace, op. cit., p. VII. 
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fantasmas nas páginas do jornal. Dentre elas destaca-se “A True Relation of the Aparition of 
one Mrs. Veal”, escrita por Defoe e publicada anonimamente em 1705, que narra o encontro 
de Mrs. Bargrave com uma velha amiga, Mrs. Veal, depois da morte desta. A veracidade da 
história é garantida no prefácio: o autor diz que a história fora enviada por um juiz de paz a 
um amigo, que a redigiu em Londres. A confirmação viria da própria senhora Bargrave, que 
teria garantido ao juiz, “pessoa de mente sóbria e de grande compreensão”16, a veracidade do 
evento sobrenatural. Aparentemente o texto foi escrito como forma de defesa e propagação da 
obra The Christian’s Defense Against the Fears of Death, de Charles Drelincourt, datado de 
1651, leitura entusiasticamente recomendada por Mrs. Veal à sua amiga. A estratégia deu 
certo, e o texto de Defoe passou a ser editado como apêndice do livro de Drelincourt em suas 
várias edições a partir de 1707. 
A lição moral da história é adiantada no prefácio: diante da “prova documental” da 
existência de vida depois da morte, os homens deveriam se voltar para Deus a fim de salvar 
suas almas. Várias outras histórias de fantasmas aparecem no jornal. Elas são divididas em 
dois grupos: as que o autor diz serem relatos reais e as falsas, divertidas, entendidas como 
entretenimento. Nas do primeiro grupo, histórias permeadas de questões morais, o tom é mais 
grave; nas do segundo o ar é de anedota, e a sugestão de dúvida em relação à veracidade soa 
como mero artifício de sedução. A publicação desses textos satisfaz a demanda por leituras a 
respeito do sobrenatural, seja o relato verídico, seja a anedota declarada. A circulação no 
século XVIII de textos sobre fantasmas e eventos miraculosos ajuda a explicar a obra de 
Walpole. Tanto as imagens macabras difundidas, por exemplo, nos supracitados Night 
Thoughts e The Grave quanto o tom mais leve das histórias de Defoe são visíveis em The 
Castle of Otranto, produto de um tipo específico de imaginação destinado a um mercado que 
surgia. É notável a sintonia desse romance com os paradigmas críticos expostos em The 
Pleasure of Imagination de Joseph Addison, publicado em 1712, conjunto de ensaios que 
constitui uma defesa do uso deliberado da fantasia em literatura. 
Apesar da boa acolhida por parte do público, a obra não foi exatamente um sucesso 
de crítica. A revista Monthly Review, que no lançamento da primeira edição do romance de 
Walpole a ele se refere como “considerable entertainment” para os leitores capazes de digerir 
os absurdos da ficção gótica, muda o tom diante da segunda edição: 
 
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16 DAFOE, Daniel. Contos de fantasmas. Porto Alegre: L&PM Editores, 2001, p. 9. 
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19!
While we considered [The Castle of Otranto, a Gothic Story] 
we could readily excuse it is preposterous phenomena, and 
consider then as sacrifice to a gross and unenlightened age. – 
But when, as in this edition, [it] is declared to be a modern 
performance, that indulgence we offered to the foibles of a 
supposed antiquity, we can by no mean as extend to the 
singularity of a false tale in a cultivated period of learning. It is, 
indeed, more than strange that an Author, of a refined and 
polish genius, should be an advocate for re-establishing the 
barbarous superstitions of Gothic devilism! Incredulus odi, is, 
or ought to be a charm against all such infatuation.17 
 
A drástica mudança de posição se dá quando as iniciais H.W. indicam a autoria. O 
que era curiosidade histórica, artefato pitoresco, transforma-se em uma afronta aos valores 
modernos, ameaçadora apologia do barbarismo. Aceito como imagem de um tempo que se 
perdeu, superado pela ilustrada consciência racional, o romance é execrado como produto 
contemporâneo, tomado como incompreensível exercício de imaginação supersticiosa. Mas 
como um homem refinado e influente como Horace Walpole poderia se dedicar a propagar 
valores obscuros ultrapassados? A crítica fala em “restauração do pensamento bárbaro”, como 
se os fantasmas medievais pudessem ressurgir das sombras da razão ilustrada e desestabilizar 
o progresso espiritual conquistado com o cultivo da educação. Em sua primeira edição o 
romance é a imagem das trevas suplantadas, produto de um passado distante. Na segunda, 
quando se revela a invenção do
bárbaro e do obscuro pela imaginação moderna, passa a ser 
um problema. 
O livro é uma espécie de ameaça, como se pudesse, pela estranheza de seu 
anacronismo, perturbar o bom gosto e a ordem das coisas. O imperativo da descrença é 
convocado para expurgar essa extravagância da imaginação, repelida como se personificasse 
o mal. As cenas fantasmagóricas convivem com o padrão ideal de racionalidade apenas como 
mercadoria excêntrica, como artefato de um mercado de produtos exóticos. Reconhecido 
como artifício contemporâneo, cai em desgraça, e já não é um passatempo aceitável. O 
confronto crítico entre as duas edições abre espaço para reflexões acerca do estatuto da ficção 
e os limites da imaginação. Fica claro que nesse contexto o gótico é literariamente válido só 
como interesse de antiquário. É como se, ao sugerir uma leitura atualizada do universo 
sobrenatural e a observação realista de personagens humanos diante de situações fantásticas, 
Walpole propusesse algo que, para alguns críticos, afetava o bom senso. A investigação 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
17 Monthly Review, 32, maio de 1765, p. 394. (Apud. CLERY, E. J. The Rise of Supernatural Fiction: 
1762-1800, op. cit., p. 53.) 
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20!
racionalista do comportamento moral diante de fenômenos insólitos indicava a hipótese de 
imaginar as crendices do passado da perspectiva da aparentemente estabilizada racionalidade 
setecentista, o que poderia pôr em risco valores com os quais os comentaristas da Monthly 
Review não davam mostras de pretender negociar. 
Por vezes considerada “tediosa, artificial, melodramática”, banal e até mesmo 
medíocre, como afirma H.P. Lovecraft em seu famoso ensaio sobre horror sobrenatural, a 
obra transformou-se em um marco para a definição do gótico literário moderno, e várias 
edições com diferentes traduções circularam pelo mundo. A pesquisadora Sandra 
Vasconcelos chega a identificá-la como um dos romances ingleses que circularam no Brasil 
no século XIX.18 Comentando a emergência do romance histórico, Humberto de Campos 
destaca a importância de Walpole. O crítico afirma que Walter Scott é considerado o 
precursor, mas “antes dele já havia, sem dúvida, mesmo na Inglaterra, Horace Walpole, Clara 
Reeve, Ann Radcliffe, que são considerados, ali, os precursores do interesse pela vida e pelas 
coisas antigas”.19 O comentário feito no início do século XX atesta o impacto de um romance 
de imaginação do passado anterior à consolidação da cultura historicista do século XIX. 
Somente treze anos depois de sua primeira edição The Castle of Otranto teria uma 
sucessora à altura. Clara Reeve, em 1777, fez uma impressão particular de The Champion of 
Virtue. O livro seria reeditado e impresso no ano seguinte, pela editora londrina Dilly, com 
um novo título: The Old English Baron. A diferença de mais de uma década suscita questões 
acerca do desenvolvimento das propostas lançadas por The Castle of Otranto: apesar de seu 
considerável sucesso comercial, não ensejou de imediato novas obras do mesmo padrão. O 
prefácio da segunda edição, em que Reeve altera o título do livro além de assumir a autoria, 
oferece alguns indícios que ajudam a explicar a lacuna. A autora critica os excessos de 
Walpole; segundo ela, ao exagerar nos elementos sobrenaturais o romance deixa de afetar o 
leitor. A expectativa criada no suspense seria destruída pelas circunstâncias extremamente 
fantasiosas, e a leitura perderia o sentido: “[…] destroy the work of imagination, and, instead 
of attention, excite laughter.”20 A autora, no entanto, afirma que seu romance, que narra 
basicamente a retomada do castelo usurpado de Edmund Twyford pelo Lorde Fitz-Owen, 
descende de The Castle of Otranto. O caráter fantástico fora atenuado em The Old English 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
18 VASCONCELOS, Sandra. Romances ingleses em circulação no Brasil durante o século XIX. 
Disponível em: < http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sandra/sandralev.htm >. Acesso em: 20 maio 
2011. 
19 CAMPOS, Humberto de. Crítica: 3ª série. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935, p.198. 
20 REEVE, Clara. The Old English Baron: a Gothic Story. Oxford: Oxford University Press, 1977, p. 5. 
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21!
Baron em prol de uma narrativa mais realista baseada em virtudes morais. Uma estratégia 
para atrair a atenção do público e conseguir boa acolhida da crítica. 
Esse objetivo fica mais claro em um livro que Reeve escreveu em 1785, The 
Progress of Romance, no qual a autora demonstra ser uma atenta observadora do mercado 
literário. Ela concebe formas de adequar a imaginação aos padrões de gosto e tornar os 
romances economicamente viáveis. Reconhecendo que esses teriam caráter mais fabuloso em 
relação ao realismo das novelas, Reeve forja uma noção de modernidade literária e assim 
aprofunda as propostas de Walpole. Na mescla da fantasia com descrições verossímeis o 
fantástico é atenuado em nome do efeito de horror. A economia na máquina imaginativa é 
vista como fundamental para a potencialização do efeito dramático. Um único fantasma 
assombra sua trama e suas aparições são raras, pois com o horror dosado não dá espaço para o 
riso. A obra obteve críticas favoráveis, tanto da Critical Review quanto da Monthly Review, 
apesar de a última criticar a presença de fantasmas. 
O sucesso de The Progress of Romance se deveu em grande medida ao ajuste 
empreendido pela autora, que, certamente, levou em conta as pesadas críticas que The Castle 
of Otranto recebeu. Porém, novos problemas surgiriam com o êxito comercial. A revista 
Gentleman’s Magazine, por exemplo, sugere que a fantasia verossímil poderia ser perigosa 
para mentes despreparadas por não ser completamente absurda: “Some weak minds, perhaps, 
might be introduced to think them true or possible, and thereby be led into superstition.”21. A 
hipótese é reiterada no prefácio escrito para uma edição de 1810 em que a escritora Anna 
Laetitia Barbauld afirma que o absurdo cotidiano de Reeve se confunde com as crenças dos 
leitores. O lado perigoso da suavização se revela. Se as fantasias de Walpole são de mau 
gosto, a tentativa de aproximação com a realidade pode ser ainda mais nociva. O fantasma da 
superstição é ainda mais amedrontador em um contexto relativamente realista, e quando a 
fusão das duas formas de narrativa aparentam estar mais organicamente ligadas, surge o risco 
da crença sem controle, problema que Ann Radcliffe explorará em detalhes em suas obras. 
 A última década do século XVIII é considerada por críticos como Fred Botting, 
Andrew Smith e H.P. Lovecraft o apogeu do romance gótico, graças, sobretudo, ao sucesso de 
obras como The Mysteries of Udolpho, publicada em 179422. Este romance é, sem dúvida, o 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
21 CLERY, E. J., op. cit., p. 89. 
22 Em 1785 Sophia Lee publica The Recess – romance que gira em torno de Mary, irmã gêmea da rainha 
da Escócia. Na trama, habitações subterrâneas, perseguição a mulheres e ações comandadas pelo desejo sexual – 
nos moldes da obra de Clara Reeve, com apelo realista e poucos elementos sobrenaturais. 
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22!
mais famoso dos seis que Ann Radcliffe escreveu. Os demais são: The Castle of Athlin, 1789; 
A Sicilian Romance, 1790; The Romance of the Forest, 1792; The Italian, 1797; e Gaston de 
Blondeville, escrito em 1802 e publicado postumamente em 1826. A clássica narrativa gótica 
conta a história de Emily, jovem francesa que passa a morar no horripilante castelo do nobre 
Montoni após a morte de seus pais23. 
Um crítico do fim do século XVIII afirmou que The Mysteries of Udolpho seria o 
livro mais interessante da língua inglesa24. Sua atmosfera de suspense, que sugeria a presença
do sobrenatural e as descrições pitorescas que referendavam os debates em torno do sublime25 
fizeram dele um dos romances mais populares do fim do século XVIII. Sua publicação em si 
já foi um evento relevante. A editora G.G. and J. Robinson pagou a exuberante quantia de 500 
libras pelos direitos autorais – nessa época o pagamento a novelistas variava entre dez e vinte 
libras.26 O valor pago a Radcliffe transformou o romance em um acontecimento literário antes 
mesmo da publicação. Seus textos obtiveram boa acolhida crítica graças, sobretudo, ao apelo 
realista. William Enfeld escreveu na Monthly Review: 
 
Without introducing into her narrative anything really 
supernatural, Mrs. Radcliffe has contrived to produce as 
powerful an effect as if the invisible world had being obedient 
to her magic spell; the reader experience in perfection the 
strange luxury of artificial terror, without being obliged for a 
moment to hoodwink his reason, or yield to the weakness of 
superstitious credulity.27 
 
Novamente o que está em jogo é a ameaça da superstição. O crítico destaca o triunfo 
da técnica literária responsável pelos prazeres do terror artificial, contra a necessidade de 
apelo ao sobrenatural. A possibilidade de explicar sentimentos, sensações e medos de Emily 
pelas vias da razão, por intermédio de um narrador onisciente em terceira pessoa que permite 
acesso irrestrito ao universo imaginário da protagonista, garante a adequação aos valores de 
sua contemporaneidade. O leitor pode participar da trama em segurança pois sua imaginação 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
23 Lembramos que, em 1843, A Casa do Livro Azul, editora de Albino Jordão, oferece no Jornal do 
Commercio (RJ) versões em português de Udolfo para o público brasileiro. 
24 O comentário é transcrito por Jacqueline Howard na edição crítica do romance publicada em 2001 
pela Penguin Books. 
25 A análise do conceito de sublime e sua relação com a literatura gótica será feita mais adiante, quando 
tratarmos das matrizes conceituais do gênero. 
26 RADCLIFFE, Ann. The Mysteries of Udolpho. Introduction by Jacqueline Howard. New York: 
Penguin Books, 2001, p. VII. 
27 RADCLIFFE, Ann, op. cit., p. XV. 
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23!
estará controlada pela resposta racional que o crítico supõe evidente. Não será necessário 
enganar o bom senso ou se render às fraquezas da crendice. O romance funciona por si 
mesmo, suas estratégias de persuasão parecem fortes o suficiente para que tudo se mantenha 
no correto plano do artifício. Trata-se da apreciação lúdica de mistérios seguros; o medo é o 
resultado de experiências puramente textuais que não apelam ao perigoso e indesejado 
universo da superstição. Numerosas são as cenas em que Emily ou o narrador lembram a 
necessidade de lucidez e, dessa forma, estabelecem com o leitor um tipo de cumplicidade. Ele 
deve sentir o mesmo, participar do mistério sem abandonar a perspectiva racional. 
Apesar de David Durant afirmar que The Mysteries of Udolph é um romance de 
antieducação, unbuilding em que a protagonista se mantém a mesma, apesar das 
experiências28, é inegável a defesa de determinados códigos morais na trama. O mundo 
ameaçador põe em xeque os valores da heroína, que reafirma sua pureza de caráter no 
desfecho. As virtudes são realçadas, enquanto o leitor é conduzido por uma narrativa que não 
sugere grandes extravagâncias imaginativas. Porém, essa dupla articulação é, no mínimo, 
curiosa. Se a virtude triunfa sobre o vício, este permanece parte necessária do universo 
dramático, e se a imaginação precisa ser controlada é porque existe a possibilidade do 
desvario. A defesa da virtude não nega o aspecto sedutor do vício, e o controle racional não 
pode afastar completamente certo aspecto mágico da trama. A adequação do romance a 
determinado padrão de gosto não exclui o que supostamente deve ser combatido. Histórias 
como as de Radcliffe se tornam populares ao reforçar os paradoxos da segurança ficcional, tal 
como máquinas de simulação do medo que louvam a virtude divulgando o vício. 
Possivelmente o maior exemplo desse paradoxo da literatura gótica, The Monk, 
romance de Matthew Lewis publicado em 1796, que narra a decadência espiritual do monge 
Ambrosio, que, tentado por Matilda (mulher inspirada pelo demônio), deixa a condição de 
respeitado religioso para ser preso pela Inquisição depois de estuprar a irmã (Antonia) e matar 
a mãe (Elvira). Após libertá-lo da Inquisição, o demônio aparece para culpá-lo de todos os 
seus crimes e lembrá-lo de sua vaidade e luxúria. Ambrosio morre depois de cair de uma 
ribanceira. 
A obra divide os críticos. Samuel Taylor Coleridge declarou na Critical Review 
tratar-se de uma blasfêmia, de um romance perigoso que poderia gerar constrangimentos no 
universo doméstico: “If a parent saw in the hands of a son or daughter, he might reasonably 
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28 DURANT, David. “Ann Radcliffe and the Conservative Gothic”. In: Studies in English literature: 
1500-1900. Houston: Rice University Press 1989, vol. 22, p. 526. 
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24!
turn pale.” Por outro lado, um crítico da Monthly Mirror enfatiza a força controversa da obra 
e disse não se lembrar de ter lido nada tão intenso e interessante29. As questões morais 
definem os sentidos atribuídos ao romance. Sua primeira edição suscita debates em torno dos 
temas abordado, a exposição de crimes e vícios, e as questões propriamente estilísticas ficam 
em segundo plano. O texto de Lewis transformou-se no centro de uma grande discussão 
acerca de valores na qual as funções da literatura foram reavaliadas. 
A primeira edição foi publicada anonimamente, mas a segunda trouxe problemas 
para o autor. A assinatura aparece da seguinte forma: M.G. Lewis, Esq. M. P.30, ou seja, 
Lewis destaca sua recém-adquirida cadeira na Chamber of Commons, a Câmara Baixa do 
Parlamento da Grã-Bretanha. A revelação causou revolta em Coleridge, que afirmou ser 
assustador que um legislador tornasse pública uma obra de natureza tão controversa. Com o 
acirramento das críticas, Lewis, submetido a um tribunal, foi obrigado a recolher os 
exemplares restantes da terceira edição e a editar a quarta com corte das cenas descritivas de 
relações sexuais. 
Em 1797 a revista Monthy Mirror, em texto intitulado “Apology for The Monk”, 
defende a obra ao afirmar que haveria uma apologia dos valores morais na decadência do 
monge devasso. Sua estrutura, ainda que chocante, estaria a serviço da virtude: “This 
beautiful romance is well-calculated to support the cause of virtue.” 31 O contraponto 
demonstra as controversas relações entre moral e literatura. Defensores e detratores se valem 
das mesmas categorias e giram em torno dos mesmos temas. As disputas são positivas para o 
romance, pois servem como propaganda e aumentaram sua popularidade, o que redundou em 
numerosas edições do fim do século XVIII ao início do XIX. Walter Scott, por exemplo, 
chega a afirmar que o romance foi tão popular que teria “criado época” na literatura inglesa.32 
O lado sedutor da proibição ajuda a tornar a obra mais atraente, assim como o desfile 
de vícios, crimes e pecados, que dramatiza o outro lado do interesse pela conclusão 
supostamente virtuosa. Nesse aparente paradoxo, a produção ficcional aos poucos se afirma 
como espaço de representações amplas no qual o sobrenatural convive com os recorrentes 
delitos do corpo. O horror passa a ser tributário do caráter realista das descrições de sexo, 
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29 LEWIS, Matthew Gregory. The Monk. Introduction and notes by Emma McEvoy. New York: Oxford 
University Press, 2008, p. VII. 
30 Esq. é a abreviação de Esquire, pronome de tratamento
usado para designar homens de classe social 
elevada, e M.P. é a abreviação de Prime Minister (primeiro-ministro). 
31 LEWIS, Mathew, op. cit., p. X. 
32 SCOTT, Walter. Essay on Imitation of the Ancient Ballad. In: Minstrelsy of the Scottish border. 
Edinburgh: Blackwood, 1902, p. 33, vol. IV. 
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25!
tortura e morte. O corpo minuciosamente descrito, vítima das mais variadas formas de 
violência, aparece como o lugar privilegiado do medo. A decomposição física rivaliza com as 
aparições fantasmagóricas na composição da sinistra arquitetura dramática do gótico.33 
Além dos clássicos supracitados, a estética gótica se espalhou na última década do 
século XVIII em obras menos conhecidas, como Horrid Mysteries, lançado em 1796, do 
marquês Von Grosse, e Children of the Abbey, em 1798, de Regina Maria Roche. Ambas 
publicadas pela editora Minerva Press, também responsável por lançar escritoras como Eliza 
Parsons, Mary Meeke (conhecida pelo pseudônimo Gabrielli), Isabella Kelly, Elizabeth 
Bonhote e Anna Maria MacKenzie. E.J. Clery destaca a importância desse empreendimento 
dos sócios William Lane e Josiah Wedgwood, responsáveis pela massificação do gênero.34 A 
popularização da leitura, no entanto, veio acompanhada da má fama de editora de literatura 
menor, de textos menores cuja única ambição era suprir a demanda comercial por obras de 
leitura fácil. Lovecraft, por exemplo, trata esse período de difusão da literatura gótica como 
“uma terrível profusão de lixo literário”35. 
 
 
1.2. A expansão do gótico no século XIX 
 
No fim do século XVIII, a ficção gótica transforma-se em produto literário de largo 
consumo na Inglaterra. Alicerçado sobre algumas obras centrais multiplica-se reproduzindo 
os cenários sombrios de castelos e mosteiros propondo o confronto entre a virtude e o vício 
por meio de heroínas puras e vilões nefastos. O problema do sobrenatural continua em pauta, 
mas aparece em segundo plano, subjugado pela explicação racional ou diminuído em seu 
aspecto terrífico diante da exploração de uma crueldade mais humana. Perde importância 
como dispositivo literário e medida que a fabulação caminha para o triunfo realista e que as 
formas do horror passam a privilegiar dramas possíveis, segundo leituras arrazoadas da 
experiência. 
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33 The Italian, de Ann Radcliffe, foi interpretado como uma resposta ao trabalho de Matthew Lewis e à 
comoção por ele causada. O personagem principal é um monge marcado por um passado de crimes, mas o tom 
da trama é bem mais leve, sem tantas descrições de crimes ou atos sexuais. E como é comum nos livros da 
escritora, o sobrenatural é sobrepujado pela explicação racional dos eventos. A obra seria recebida como uma 
crítica aos supostos exageros cometidos em The Monk. 
34 CLERY, E. J., op. cit., p. 135. 
35 LOVECRAFT, H.P. O horror sobrenatural em literatura. São Paulo: Iluminuras, 2007, p. 41. 
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26!
É provável que a mais significativa obra gótica surgida após The Monk seja o 
clássico Frankenstein, or the Modern Prometheus, de Mary Shelley, publicado em 181836. O 
livro dedicado ao pai da escritora, William Godwin – autor de Political Justice, de 1793, e 
Caleb Wiliams, de 1794 –, conta a história de um ser com forma humana, criado com pedaços 
de cadáveres por Victor Frankenstein, um jovem médico suíço. Com inteligência plena e 
forma repulsiva o monstro é excluído da sociedade e, amargurado, passa a matar os amigos e 
familiares do médico. 
Walter Scott foi dos primeiros defensores do romance. Em 1818 escreveu na 
Blackwood’s Edinburgh Magazine que a obra recorria ao maravilhoso para questionar os 
limites do conhecimento e da imaginação humana. Já uma crítica anônima publicada na 
Edinburgh Magazine escocesa atentou para a nefasta influência de William Godwin e 
condenou a monstruosidade e a falta de piedade do texto, consequência da efervescência de 
ideias do período: “the wild and irregular theories of the age.”37. A visão sombria da natureza 
humana seria tributária da obra do pai da autora, para quem a opressão política era 
considerada o problema central das sociedades modernas. 
Nas primeiras linhas do prefácio da primeira edição, Mary Shelley demarca a 
verossimilhança da narrativa. Por mais absurda que pudesse parecer, de acordo com os 
estudos fisiológicos de cientistas como Dr. Darwin38, a trama poderia de fato acontecer. Ainda 
no prefácio se lê que mesmo em se tratando de uma obra de fantasia não seria possível tanta 
capacidade imaginativa; a imaginação da autora estaria fundada em reflexões mais sérias, em 
referências filosóficas organizadas e dramatizadas na composição do romance. Não se trataria 
simplesmente de uma trama de horrores sobrenaturais; o objetivo não seria contar uma 
história de fantasmas, mas oferecer uma narrativa ilusória que desse ensejo a uma análise das 
paixões humanas. O extraordinário estaria a serviço da exploração profunda de sentimentos e 
da busca pela verdade das paixões que eventos ordinários não poderiam revelar. A atenção 
volta-se para os princípios da natureza humana: “I have thus endeavoured to preserve the truth 
of the elementary principles of human nature”39, afirma Mary Shelley categoricamente. 
A proposta estaria vinculada a uma tradição de uso da imaginação com foco na 
investigação do que seria humanamente essencial. Nesse sentido, Homero e Shakespeare 
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36 A primeira edição foi publicada anonimamente. É costume considerar a terceira edição revisada, de 
1831, como definitiva. 
37 BOTTING, Fred, op. cit., p. 101. 
38 A autora refere-se ao médico clínico Erasmus Darwin, avô do naturalista inglês Charles Darwin. 
39 SHELLEY, Mary. Frankenstein, or the Modern Prometheus. London: Guild Publishing, 1980, p. 7. 
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aparecem como criadores de sofisticadas combinações de sentimentos que resultaram em 
obras poéticas de alto nível: “The Iliad, the Tragic Poetry of Greece – Shakespeare, in The 
Tempest and Midsummer Midnight’s Dream – and most specially Milton, in Paradise lost.”40 
Apesar do elenco de referências, o romance surgiria de uma situação trivial. Em uma 
temporada em Genebra, a autora e alguns amigos entediados com o mau tempo começaram a 
contar histórias germânicas de fantasmas e decidiram escrever contos de horror.41 
Lembrando que a conduta moral e as opiniões dos personagens não condiziam 
necessariamente com as suas, a autora mostrou preocupação com o impacto do texto nos 
leitores. E como forma de evitar a agitação que outros romances góticos vinham causando, 
procurou compor sua trama de maneira amena e com ênfase em valores inquestionáveis: 
“domestic affection, and excellence of universal virtue.”42 De fato, as críticas visavam muito 
mais as divergências científicas e filosóficas do que qualquer traço de imoralidade. A 
crueldade de algumas passagens, sobretudo das que tratam do isolamento da criatura e seus 
atos criminosos, não soaram tão agressivas quando comparadas as descrições sexuais de 
outras obras contemporâneas. 
No prefácio da edição de 1831 Mary Shelley se atém mais detalhadamente à origem 
da obra: fruto de um sonho. Depois de ouvir Byron e Percy Shelley conversarem sobre as 
experiências de Dr. Darwin que provariam a possibilidade de geração espontânea da vida43, 
Mary Shelley vai se deitar e não consegue dormir com a imaginação povoada por imagens 
extraordinárias. Com os olhos fechados, tem a clara visão mental de um artista que consegue 
dar vida a uma invenção que passa a atormentá-lo. O roteiro estava montado e Mary Shelley 
teriam assim, diante de si, a história de fantasmas que estava procurando: “I have found it! 
What terrified me
will terrify others; and I need only describe the spectre which had haunted 
my midnight pillow!”44 O objetivo central da obra se torna bastante claro: a trama é composta 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
40 SHELLEY, Mary, op. cit., p. 7. 
41 Trata-se do conhecido encontro de Mary Shelley com o poeta Percy Shelley, marido dela, John 
Polidore, autor daquela que é considerada a primeira história moderna de vampiros, e Lorde Byron na residência 
deste em Genebra. No prefácio da edição de 1831 a autora, por sugestão dos editores, oferece mais detalhes 
desse evento que motivou o romance. 
42 SHELLEY, Mary, op. cit., p. 8. 
43 A autora conta que teria silenciosamente ouvido os dois conversarem sobre uma experiência do 
médico inglês em que um tipo de macarrão (vermicelli) guardado em um pote de vidro teria ganhado vida. 
Desmond King-Hele, biógrafo de Erasmus Darwin (Erasmus Darwin: A Life of Unequalled Achievement), 
comenta que em sua obra The tTemple of Nature (1803) o cientista realmente fala de uma massa feita de farinha 
e água que parece ganhar vida. Comenta ainda um tipo de protozoário (vorticelli) que teria voltado à vida depois 
de drenado. A semelhança fonética poderia ter gerado a confusão relatada no prefácio. 
44 SHELLEY, Mary, op. cit., p. 14. 
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basicamente de cartas e mensagens soltas que se agrupam e montam um quebra-cabeça cuja 
intenção é causar medo. O propósito de analisar as paixões do ponto de vista de situações 
insólitas se articula ao foco definitivo do efeito de horror. O medo literário, artificialmente 
construído com recursos de simulação do risco, nunca sai do horizonte. O sonho transformado 
em literatura aponta para o privilégio de um tipo declarado de fantasia que se baseia em teses, 
mas que reafirma sua autonomia. Apresentar um sonho como matéria-prima literária é uma 
forma de demarcar o aspecto misterioso e lúdico da ficção que tornou Frankenstein 
mundialmente famoso. 
Por vezes considerado o último dos romances a reunir todos os elementos que 
caracterizam a estética gótica, Melmoth, the Wanderer, de Charles Robert Maturin, publicado 
em 1820, é a mais famosa obra do escritor irlandês, autor de diversas novelas e de dramas, 
como Bertram, de 1816.45 Na dedicatória de um de seus trabalhos mais conhecidos, The 
Milesian Chief, descreve seu talento para o gótico como a capacidade de pintar quadros 
escuros e fúnebres, aprofundando a tristeza humana até o limite: “Painting life in extremes, 
and representing those struggles of passion when the soul trembles on the verge of the 
unlawful and unhallowed.”46 Analisando seu romance anterior, Fatal Revenge (1807) – 
inicialmente publicado sob o pseudônimo Dennis Jasper Murphy – , Maturin diz tratar-se da 
exploração de um lado esquecido do homem. A ênfase na origem da maldade reaparece em 
Melmoth, e se os temas ainda são igrejas em ruínas, paisagens sombrias e famílias marcadas 
por heranças macabras47, o acento definitivamente recai, como já indicavam as obras de 
Radcliffe e Mary Shelley, nos aspectos psicológicos do horror. 
Em carta endereçada a Walter Scott datada de 1813, sobre uma obra nunca 
concluída, Charles Robert Maturin comenta que usaria todos seus recursos “diabólicos” para 
“get the possession of the Magic Lamp with its slaves from the Conjuror Lewis himself”.48 
Na introdução de uma edição feita em 2000 de Melmoth, the Wanderer, o crítico Victor Sage 
afirma que a metáfora literária seria uma referência a Matthew Lewis e ao sucesso comercial 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
45 Lembramos que o título da peça reaparece em Noite na taverna, de Álvares de Azevedo, como nome 
do segundo personagem a narrar sua história. 
46 MATURIN, Charles Robert. The Milesian Chief. London: B. Clark, 1812, p. IX. 
47 A história narra a trajetória de Melmoth, um homem que, após vender sua alma ao diabo em troca de 
conhecimento e poder, vaga pelo mundo espalhando sofrimento. Sua vida é contada com base nos relatos dos 
vários personagens que o conheceram ao longo dos séculos. O autor, que era pastor protestante, cita no prefácio 
que a obra teria sido inspirada em um de seus sermões em que afirma o desejo humano de salvação apesar dos 
erros e pecados cometidos ao longo da vida. 
48 MATURIN, Charles Robert. Melmoth, the Wanderer. Introduction by Victor Sage. London: Penguim 
Books, 2000, p. VII. 
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de The Monk. A lâmpada mágica seria justamente a fórmula que atrairia os leitores, 
identificados na frase como os escravos. A jocosa referência ao mercado editorial indica o 
projeto de escrever um best-seller. Quase três décadas mais tarde Maturin investiria nos 
mesmos princípios do polêmico texto de Lewis. Cinco anos depois, quando começa a escrever 
sua obra-prima, a ideia de fazer um romance cujo destino do protagonista se dá pela relação 
com o demônio se fortalece. 
Fausto, de Goethe, cuja primeira versão é publicada em 1806, entra novamente na 
ordem do dia em 1813 com a repercussão da versão em inglês do artigo De L’Allemagne, de 
Mme. de Staël, que ressalta a importância do poema. E, segundo o próprio Goethe, esse texto 
teria derrubado a muralha do antigo preconceito dos ingleses contra a literatura alemã. Some-
se ao artigo o lançamento, em 1818, de Frankenstein, com seus dilemas sobre o 
conhecimento, e os numerosos ensaios e críticas sobre Goethe publicados ao longo de 1819 
pela revista Blackwood. O cenário estava pronto para lançamento de Melmoth, the Wanderer, 
que Victor Sage chamou de romance derradeiro do gótico.49 
Maturin conseguiu reunir na mesma narrativa elementos sublimes, grotescos e 
cômicos e transformar-se em referência para muitos escritores. Em 1821 seu romance é 
traduzido na França e o sucesso pode ser medido, sobretudo, pela profusão de novos 
romances escritos a partir da década de 1830. Honoré de Balzac escreve uma paródia, 
Melmoth reconcilié, em 1835, e no prefácio indica o impacto da obra do escritor irlandês e a 
compara, em termos de força e influência literária, a Fausto, de Goethe.50 No entanto, talvez 
tenha sido Charles Baudelaire, em um conjunto de ensaios intitulado Réflexions sur quelques-
uns de mes contemporains publicado no segundo volume de suas obras completas, de 1868, 
quem atribui maior importância ao romance: ele o situa como um dos pontos centrais da 
modernidade literária: 
 
Beethoven a commencé à remuer les mondes de mélancolie et 
de désespoir incurable amassés comme des nuages dans le ciel 
intérieur de l’homme. Maturin dans le roman, Byron dans la 
poésie, Poe dans la poésie et dans le roman analytique, l’un 
malgré sa prolixité et son verbiage, si détestablement imités par 
Alfred de Musset; l’autre, malgré son irritant concision, ont 
admirablement exprimé la partie blasphématoire de la passion; 
ils ont projeté des rayons splendides, éblouissants, sur le 
Lucifer latent qui est installé dans tout cœur humain. Je veux 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
49 MATURIN, Charles Robert, op. cit., p. VIII. 
50 BALZAC, Honoré de. Contes étranges et fantastiques. Paris: Édition 1, 1999. 
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dire que l’art moderne a une tendance essentiellement 
démoniaque.51 
 
O romance de Maturin teria essa “essência diabólica” que caracterizaria a concepção 
moderna de literatura de Baudelaire. Figurando no céu interior do homem, o demônio não 
seria uma figura arquetípica, uma representação do mal como entidade externa, alteridade 
fantasiosa que assustaria à distancia. Ele surge como parte constituinte da ideia de 
humanidade, alojado na arte e no coração. Para conhecê-lo seria preciso investigar a escuridão 
dos sentimentos; representá-lo significaria um aprofundamento da capacidade mimética da 
literatura –
a imagem buscada já não está na superfície. É preciso falar do indizível traduzindo 
em texto o mundo insólito do silêncio. 
O que pode ser identificado no romance de Maturin como exploração dos horrores 
psicológicos também define a obra de E.T.A. Hoffmann. Constantemente apontada como 
referência por autores como Théophile Gautier e Edgar Allan Poe, a obra do escritor alemão 
seria fundamental para o desenvolvimento da literatura de horror com traços fantásticos em 
países como a França e os Estados Unidos. Die Elixiere des Teufels (Os elixires do diabo), 
publicado em 1818, narra a trajetória do monge capuchinho Medardus, homem de grande 
habilidade retórica que, ao perder a capacidade de falar, é tentado a beber um elixir elaborado 
pelo demônio. A partir de então se vê preso em um ciclo de horrores e transgressões de toda 
ordem. As características do personagem de Hoffmann remetem claramente ao monge 
Ambrosio, personagem criado por Matthew Lewis em The Monk, o que indica a influência da 
literatura inglesa na configuração do lado mais sombrio do romantismo alemão. 
O gótico de Hoffmann é exemplarmente expresso na coletânea Nachtstücke (Peças 
noturnas), de 1817, com histórias de tom macabro nas quais aparece o problema da 
ambiguidade. O sobrenatural e o horror psicológico funcionam simultaneamente e criam uma 
atmosfera de incerteza quanto à origem do mal. Nesse sentido são particularmente tensos os 
contos “Der Sandmann” (“O homem da areia”); “Das Majorat”; “Der Unheimliche Gast”; 
“Die Bergwerke zu Falun”; “Die Automata” e “Das Fräulein von Scuderi”52. O primeiro, 
“Der Sandmann”, que se tornaria um clássico, conta a história de Nathanael, atormentado por 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
51 BAUDELAIRE, Charles. Réflexions sur quelques-uns de mes contemporains. In: L’art romantique. 
Paris: Michel Lévy Frères, Libraires Éditeurs, 1868, p. 374. 
52 Por não conhecermos tradução em português dos referidos contos, exceção feita a “O homem da 
areia”, que possui inúmeras traduções, optamos por manter os títulos originais apresentando-os na ordem em que 
aparecem na tradução em inglês: “The Entail”; “The Uncanny Guest”; “The Mines of Falun”; “The Automata” e 
“Mademoiselle de Scuderi”. Esses contos podem ser encontrados em: The Best Tales of E.T.A. Hoffmann, 
editado por E.F. Bleiler. New York: Dover Books, 1967. 
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acreditar que o misterioso Coppelius estaria constantemente tentando usurpar seus olhos. 
Assim como “Die Automata”, conto aborda o tema do autômato. “Das Majorat” é um história 
mais longa, parecida com “The Fall of the House of Usher”, de Edgar Allan Poe. “Die 
Bergwerke zu Falun” é sobre um cadáver encontrado em uma mina na Suécia (a trama faz 
referência a um romance de 1801 da escritora inglesa Anna Maria Mackenzie, Swedish 
Mysteries, or Hero of the Mines). Já “Das Fräulein von Scuderi” é a história de uma onda de 
crimes ocorridos em Paris na época de Luís XIV. Uma década antes de Edgar Allan Poe, 
Hoffmann já construía um protótipo das histórias de investigação policial. 
Segundo o crítico italiano Remo Ceserani, os textos de Hoffmann conheceram 
notável popularidade em boa parte da Europa no início do século XIX, com destaque para “O 
homem da areia”53, graças à aguçada capacidade de representação da realidade do escritor 
alemão. A multiplicidade dos pontos de vista traria a dimensão do contraditório em uma 
dramaticidade estruturalmente complexa, capaz de entrelaçar as possibilidades do real e do 
imaginário.54 Em Hoffmann a imaginação se coloca a serviço da investigação dos limites da 
consciência, e os cenários raramente estão estabilizados. O que se vê pode ser tanto resultado 
de imaginação fantástica, produto de confusões psíquicas ou imagem do sobrenatural 
propriamente dito. Na fusão das possíveis perspectivas confundidas, instala-se o mistério 
necessário para o efeito terrífico. Vagando em espaço indefinido seus dramas se fortalecem. 
Sua repercussão na França deve-se a Loève-Veimars, responsável pela tradução e 
divulgação de sua obra. Ele pedia a amigos jornalistas que escrevessem avaliações dos textos 
de Hoffmann que apareceram em jornais como Le Courrier, Le Temps e Le Globe55. As 
primeiras traduções, de 1828, caem no gosto de jovens escritores como Théophile Gautier, 
que, a partir de 1830, começa a se tornar conhecido por suas narrativas fantásticas. Dizendo-
se diretamente influenciado pelo escritor alemão, passa a defendê-lo nos jornais e revistas nas 
quais publicava seus contos e críticas, como a Revue des Deux mondes, La Revue de Paris, 
L’Artiste e Le Salmigondes.56 Para ele Hoffmann traria para a literatura forças ocultas, 
loucuras, visões e influências malignas dificilmente representáveis. O sobrenatural e o 
extraordinário seriam descobertos e apresentados na lógica do cotidiano, o fantástico flertaria 
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
53 Uma observação mais detalhada do conto será feita no quarto tópico com base na análise da 
repercussão do texto “Das Unheimlich”, famosa interpretação do texto de Hoffmann de autoria de Freud. 
54 CESERANI, Remo. O fantástico. Curitiba: Editora UFPR, 2006, p.13. 
55 CASTEX, Pierre Georges. Le conte fantastique en France de Nodier à Maupassant. Paris: Librarie 
José Corti, 1951. 
56 BATALHA, Maria Cristina. “A literatura fantástica e a cena do romantismo francês.” In: Vertentes 
teóricas e ficcionais do insólito. Flávio Garcia e Maria Cristina Batalha. (Orgs.). Rio de Janeiro: Caetés, 2012. 
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com o possível, seria verossímil como distúrbio.57 Os dramas do horror humanizado poderiam 
fazer conviver imaginação fantástica com intenções realistas. 
Em sua primeira novela, Gautier evidencia a filiação. La Cafetière, publicada em 
1831, traz a articulação entre vida real e vida imaginada, exterior e interior, em uma trama 
típica dos desenlaces misteriosos do roman noir. Os problemas da representação são trazidos 
à cena no contraste entre a esfera íntima e a suposta objetividade do mundo real. O 
protagonista Théodore, seduzido pela bela Angéla, não consegue determinar as bases das 
experiências vividas com a jovem: o encontro, a dança, tudo se perde no emaranhado de suas 
confusões mentais. Ao descobrir que sua amada havia morrido dois anos antes de conhecê-la, 
sente se perder no vazio, rompendo qualquer sensação de segurança em relação ao mundo.58 
Em “La morte amoureuse”, conto publicado entre 23 e 26 de junho de 1836 na revista literária 
Chronique de Paris, Gautier explora os limites do real e do imaginário da perspectiva do 
onírico. O amor de Romuald, religioso que questiona seus votos pela vampira e cortesã 
Clarimonde, é vivido na forma típica do duplo. O personagem experimenta uma vida religiosa 
pela manhã e devassa à noite, enquanto sonha. A narrativa que aparentemente separa sonho de 
realidade se confunde quando a vida onírica de Romuald reaparece para lembrá-lo de seu 
infortúnio.59 
O questionamento desses limites marcaria boa parte da produção inicial do escritor 
francês. O religioso vítima de tentações, a mulher fatal desenhada como vampira, os conflitos 
entre a moral e o desejo reaparecem sem lugar definido. Entre sonhos, delírios e tentativas de 
resgate da realidade, o horror paira entre a crença e a descrença. Segundo o crítico Jean 
Gaudon, esse conflito marcaria a obra de Théophile Gautier até meados do século XIX.60 
Ainda segundo o ele, é a violência do retorno ao real que redime os protagonistas 
recolocando-os parcialmente no caminho da salvação. O processo se dá como um assassinato, 
uma morte em vida. No caso de Romuald, luto duplo por uma mulher duplamente morta.61 
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57 Ver GAUTIER,

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