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MA12 Matemática Discreta 2011

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MA 12 - Unidade 1
Nu´meros Naturais
Semana de 04/04 a 10/04
Os nu´meros e o espac¸o, juntamente com as figuras geome´tricas neste contidas, sa˜o os dois objetos
principais de estudo da Matema´tica.
Nesta disciplina, nos dedicaremos ao estudo dos nu´meros naturais e exploraremos algumas de suas
propriedades aritme´ticas; estudaremos certas func¸o˜es sobre eles definidas, os relacionaremos com o
processo de contagem dos elementos de determinados conjuntos, e faremos algumas aplicac¸o˜es, como,
por exemplo, a` Matema´tica Financeira e a` Probabilidade.
Os nu´meros naturais sa˜o os mais simples de todos os nu´meros e a partir deles e´ poss´ıvel construir
todos os outros nu´meros, mas essa construc¸a˜o escapa aos nossos objetivos aqui. Voceˆ vera´ na disciplina
MA11 uma descric¸a˜o dos nu´meros reais a partir da noc¸a˜o de medida de segmentos de reta.
Portanto, os nu´meros naturais podem ser considerados o in´ıcio de tudo. Para exprimir esta ide´ia,
o grande matema´tico do Se´culo 19 Leopold Kronecker (1823-1891) cunhou a seguinte ce´lebre frase:
Deus criou os nu´meros naturais. O resto e´ obra dos homens
A abordagem que adotaremos aqui sera´ a de enunciar os Axiomas de Peano, que sa˜o quatro
propriedades que caracterizam totalmente o conjunto dos nu´meros naturais. Isto quer dizer que, a
partir desses axiomas, podemos construir as suas operac¸o˜es e deduzir as suas propriedades. Em suma,
eles sintetizam tudo que pode ser feito com esses nu´meros.
O principal destaque desse conjunto de axiomas e´ o u´ltimo, o Axioma da Induc¸a˜o, que e´ essencial-
mente o Princ´ıpio de Induc¸a˜o Matema´tica, que desenvolveremos na pro´xima unidade. Esse Princ´ıpio e´
um poderoso instrumento para provar propriedades que dizem respeito aos nu´meros naturais como um
todo. Leia atentamente todos os trechos relacionados com este assunto, pois e´ a´ı que reside uma das
maiores sutilezas no trato desses nu´meros.
Nessa unidade, indicaremos ainda como, a partir do Axioma da Induc¸a˜o, podem ser constru´ıdas as
operac¸o˜es de adic¸a˜o e multiplicac¸a˜o nos naturais e como deduzir algumas de suas propriedades.
A unidade se encerra apresentando o Princ´ıpio da Boa-Ordenac¸a˜o dos naturais:
Todo subconjunto na˜o vazio do conjunto dos nu´meros naturais possui um menor elemento.
Este princ´ıpio e´ uma reformulac¸a˜o do Axioma da Induc¸a˜o (ao qual e´ equivalente). O Exerc´ıcio
3 propo˜e uma demonstrac¸a˜o do Princ´ıpio da Boa-Ordenac¸a˜o, usando o Axioma da Induc¸a˜o. Para
completar essa equivaleˆncia, tente provar o Axioma da Induc¸a˜o utilizando o Princ´ıpio da Boa-Ordenac¸a˜o
como hipo´tese.
O Princ´ıpio da Boa-Ordenac¸a˜o pode ser tambe´m usado, com muito proveito, como instrumento de
prova, como voceˆ podera´ observar no Exemplo 2 da presente unidade.
Nas pro´ximas unidades, teremos muitas oportunidades de utilizar o Princ´ıpio da Induc¸a˜o Matema´tica
para provar os mais variados resultados.
V´ıdeo relacionado:
PAPMEM - Livro A Matema´tica do Ensino Me´dio, Volume 1: Conjunto dos Nu´meros Naturais.
Prof. Elon Lages Lima, Janeiro 2010 - Volume 1.
(Prof. Elon, Julho 2007 - Volume 1)
MA12 - Unidade 1
Números Naturais
Semana de 04/04 a 10/04
�Deus criou os números naturais. O resto é obra dos homens.�
Leopold Kronecker
1 Introdução
Enquanto os conjuntos constituem um meio auxiliar, os números são
um dos dois objetos principais de que se ocupa a Matemática. (O
outro é o espaço, junto com as figuras geométricas nele contidas.)
Números são entes abstratos, desenvolvidos pelo homem como mo-
delos que permitem contar e medir, portanto avaliar as diferentes
quantidades de uma grandeza.
Os compêndios tradicionais dizem o seguinte:
2 MA12 - Unidade 1
�Número é o resultado da comparação entre uma grandeza e a
unidade. Se a grandeza é discreta, essa comparação chama-se uma
contagem e o resultado é um número inteiro; se a grandeza é contínua,
a comparação chama-se uma medição e o resultado é um número real.�
Nos padrões atuais de rigor matemático, o trecho acima não pode
ser considerado como uma definição matemática, pois faz uso de ideias
(como grandeza, unidade, discreta, contínua) e processos (como com-
paração) de significado não estabelecido. Entretanto, todas as palavras
que nela aparecem possuem um sentido bastante claro na linguagem
do dia-a-dia. Por isso, embora não sirva para demonstrar teoremas a
partir dela, a definição tradicional tem o grande mérito de nos revelar
para que servem e por qual motivo foram inventados os números. Isto
é muito mais do que se pode dizer sobre a definição que encontramos
no nosso dicionário mais conhecido e festejado, conforme reproduzimos
a seguir.
Número. [Do lat. numeru.] S.m. 1. Mat. O conjunto de todos
os conjuntos equivalentes a um conjunto dado.
Discutiremos este ponto logo mais, quando tratarmos de números
cardinais. No momento, parece oportuno fazer uma pequena pausa
para uma observação.
2 Comentário: Definições, Axiomas, etc.
Conforme dissemos no Capítulo 1, uma definição matemática é uma
convenção que consiste usar um nome, ou uma sentença breve, para
designar um objeto ou uma propriedade, cuja descrição normalmente
exigiria o emprego de uma sentença mais longa. Vejamos algumas
definições, como exemplo:
Números Naturais 3
• Ângulo é a figura formada por duas semi-retas que têm a mesma
origem.
• Primos entre si são dois ou mais números naturais cujo único
divisor comum é a unidade.
Mas nem sempre foi assim. Euclides, por exemplo, começa os
�Elementos� com uma série de definições, das quais selecionamos
as seguintes:
• Linha é um comprimento sem largura.
• Superfície é o que possui comprimento e largura somente.
• Quando uma reta corta outra formando ângulos adjacentes iguais,
cada um desses ângulos chama-se reto e as retas se dizem per-
pendiculares.
As definições de ângulo e de números primos entre si, dadas acima,
bem como as definições de ângulo reto e retas perpendiculares dadas
por Euclides, são corretas. Elas atendem aos padrões atuais de pre-
cisão e objetividade. Por outro lado, nas definições de linha e superfí-
cie, Euclides visa apenas oferecer ao seu leitor uma imagem intuitiva
desses conceitos. Elas podem servir para ilustrar o pensamento ge-
ométrico mas não são utilizáveis nos raciocínios matemáticos porque
são formuladas em termos vagos e imprecisos.
Na apresentação de uma teoria matemática, toda definição faz uso
de termos específicos, os quais foram definidos usando outros termos,
e assim sucessivamente. Este processo iterativo leva a três possibili-
dades:
a) Continua indefinidamente, cada definição dependendo de outras
anteriores, sem nunca chegar ao fim.
4 MA12 - Unidade 1
b) Conduz a uma circularidade, como nos dicionários. (Onde se
vê, por exemplo: compreender → perceber, perceber → entender e
entender → compreender.)
c) Termina numa palavra, ou num conjunto de palavras (de prefe-
rência dotadas de conotações intuitivas simples) que não são definidas,
isto é, que são tomadas como representativas de conceitos primitivos.
Exemplos: ponto, reta, conjunto.
Evidentemente, as alternativas a) e b) acima citadas não convêm
à Matemática. A alternativa c) é a adotada. Se prestarmos atenção,
veremos que foi assim que aprendemos a falar. Numerosas palavras
nos foram apresentadas sem definição e permanecem até hoje em nosso
vocabulário como conceitos primitivos, que aprendemos a usar por
imitação e experiência.
Para poder empregar os conceitos primitivos adequadamente, é ne-
cessário dispor de um conjunto de princípios ou regras que disciplinem
sua utilização e estabeleçam suas propriedades. Tais princípios são
chamados axiomas ou postulados. Assim como os conceitos primitivos
são objetos que não se definem, os axiomas são proposições
que não
se demonstram.
Uma vez feita a lista dos conceitos primitivos e enunciados os axi-
omas de uma teoria matemática, todas as demais noções devem ser
definidas e as afirmações seguintes devem ser demonstradas.
Nisto consiste o chamado método axiomático. As proposições a
serem demonstradas chamam-se teoremas e suas consequências imedi-
atas são denominadas corolários. Uma proposição auxiliar, usada na
demonstração de um teorema, é chamada um lema.
Números Naturais 5
Ser um axioma ou ser um teorema não é uma característica in-
trínseca de uma proposição. Dependendo da preferência de quem or-
ganiza a apresentação da teoria, uma determinada proposição pode
ser adotada como axioma ou então provada como teorema, a partir de
outra proposição que a substituiu na lista dos axiomas.
Na seção seguinte, veremos um resumo da teoria matemática dos
números naturais, onde os conceitos primitivos são �número natural�
e �sucessor� e os axiomas são os de Peano.
Do ponto de vista do ensino a nível do segundo grau, não tem cabi-
mento expor a Matemática sob forma axiomática. Mas é necessário
que o professor saiba que ela pode ser organizada sob a forma acima
delineada. Uma linha de equilíbrio a ser seguida na sala de aula deve
basear-se nos seguintes preceitos:
1. Nunca dar explicações falsas sob o pretexto de que os alunos
ainda não têm maturidade para entender a verdade. (Isto seria como
dizer a uma criança que os bebés são trazidos pela cegonha.) Exemplo:
�infinito é um número muito grande�. Para outro exemplo, vide RPM
29, págs. 13-19.
2. Não insistir em detalhes formais para justificar afirmações que,
além de verdadeiras, são intuitivamente óbvias e aceitas por todos
sem discussão nem dúvidas. Exemplo: o segmento de reta que une
um ponto interior a um ponto exterior de uma circunferência tem
exatamente um ponto em comum com essa circunferência.
Em contraposição, fatos importantes cuja veracidade não é evi-
dente, como o Teorema de Pitágoras ou a Fórmula de Euler para
poliedros convexos, devem ser demonstrados (até mesmo de várias
formas diferentes).
6 MA12 - Unidade 1
Excetuam-se, naturalmente, demonstrações longas, elaboradas ou
que façam uso de noções e resultados acima do alcance dos estudantes
desse nível (como o Teorema Fundamental da Álgebra, por exemplo).
Provar o óbvio transmite a falsa impressão de que a Matemática é
inútil. Por outro lado, usar argumentos elegantes e convincentes para
demonstrar resultados inesperados é uma maneira de exibir sua força e
sua beleza. As demonstrações, quando objetivas e bem apresentadas,
contribuem para desenvolver o raciocínio, o espírito crítico, a ma-
turidade e ajudam a entender o encadeamento lógico das proposições
matemáticas.
3. Ter sempre em mente que, embora a Matemática possa ser
cultivada por si mesma, como um todo coerente, de elevado padrão
intelectual, formado por conceitos e proposições de natureza abstrata,
sua presença no currículo escolar não se deve apenas ao valor dos seus
métodos para a formação mental dos jovens.
A importância social da Matemática provém de que ela fornece
modelos para analisar situações da vida real. Assim, por exemplos,
conjuntos são o modelo para disciplinar o raciocínio lógico, números
naturais são o modelo para contagem e números reais são o modelo
para medida; funções afins servem de modelo para situações, como
o movimento uniforme, em que os acréscimos da função são propor-
cionais aos acréscimos da variável independente. E assim por diante.
Todos os tópicos deste livro são abordados sob o seguinte lema: a
Matemática fornece modelos abstratos para serem utilizados em situ-
ações concretas, do dia-a-dia e das Ciências. Para poder empregar
estes modelos é necessário verificar, em cada caso, que as hipóteses
que lhe servem de base são satisfeitas.
Números Naturais 7
3 O Conjunto dos Números Naturais
Lentamente, à medida em que se civilizava, a humanidade apoderou-
se desse modelo abstrato de contagem (um, dois, três, quatro, ...) que
são os números naturais. Foi uma evolução demorada. As tribos mais
rudimentares contam apenas um, dois, muitos. A língua inglesa ainda
guarda um resquício desse estágio na palavra thrice, que tanto pode
significar �três vezes� como �muito� ou �extremamente�.
As necessidades provocadas por um sistema social cada vez mais
complexo e as longas reflexões, possíveis graças à disponibilidade de
tempo trazida pelo progresso econômico, conduziram, através dos sécu-
los, ao aperfeiçoamento do extraordinário instrumento de avaliação
que é o conjunto dos números naturais.
Decorridos muitos milênios, podemos hoje descrever concisa e pre-
cisamente o conjunto N dos números naturais, valendo-nos da notável
síntese feita pelo matemático italiano Giuseppe Peano no limiar do
século 20.
N é um conjunto, cujos elementos são chamados números naturais.
A essência da caracterização de N reside na palavra �sucessor�. Intu-
itivamente, quando n, n′ ∈ N, dizer que n′ é o sucessor de n significa
que n′ vem logo depois de n, não havendo outros números naturais en-
tre n e n′. Evidentemente, esta explicação apenas substitui �sucessor�
por �logo depois�, portanto não é uma definição. O termo primitivo
�sucessor� não é definido explicitamente. Seu uso e suas propriedades
são regidos por algumas regras, abaixo enumeradas:
a) Todo número natural tem um único sucessor;
b) Números naturais diferentes têm sucessores diferentes;
c) Existe um único número natural, chamado um e representado
8 MA12 - Unidade 1
pelo símbolo 1, que não é sucessor de nenhum outro;
d) Seja X um conjunto de números naturais (isto é, X ⊂ N).
Se 1 ∈ X e se, além disso, o sucessor de todo elemento de X ainda
pertence a X, então X = N.
As afirmações a), b), c) e d) acima são conhecidas como os axiomas
de Peano. Tudo o que se sabe sobre os números naturais pode ser
demonstrado como consequência desses axiomas.
Um engenhoso processo, chamado sistema de numeração decima l,
permite representar todos os números naturais com o auxílio dos sím-
bolos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. Além disso, os primeiros números
naturais têm nomes: o sucessor do número um chama se �dois�, o
sucessor de dois chama-se �três�, etc. A partir de um certo ponto,
esses nomes tornam-se muito complicados, sendo preferível abrir mão
deles e designar os grandes números por sua representação decimal.
(Na realidade, os números muito grandes não possuem nomes. Por
exemplo, como se chamaria o número 101000?).
Deve ficar claro que o conjunto N = {1, 2, 3, . . .} dos números natu-
rais é uma sequência de objetos abstratos que, em princípio, são vazios
de significado. Cada um desses objetos (um número natural) possui
apenas um lugar determinado nesta sequência. Nenhuma outra pro-
priedade lhe serve de definição. Todo número tem um sucessor (único)
e, com exceção de 1, tem também um único antecessor (número do
qual é sucessor).
Vistos desta maneira, podemos dizer que os números naturais são
números ordinais : 1 é o primeiro, 2 é o segundo, etc.
Números Naturais 9
Um Pequeno Comentário Gramatical
Quando dizemos �o número um�, �o número dois� ou �o número três�,
as palavras �um�, �dois� e �três� são substantivos, pois são nomes de
objetos. Isto contrasta com o uso destas palavras em frases como �um
ano, dois meses e três dias�, onde elas aparecem para dar a ideia de
número cardinal, isto é, como resultados de contagens. Nesta frase,
�um�, �dois� e �três� não são substantivos. Pertencem a uma categoria
gramatical que, noutras línguas (como francês, inglês e alemão, por
exemplo) é chamada adjetivo numeral e que os gramáticos brasileiros
e portugueses, há um par de décadas, resolveram chamar de numeral
apenas. Este comentário visa
salientar a diferença entre os números
naturais, olhados como elementos do conjunto N, e o seu emprego
como números cardinais. Este segundo aspecto será abordado no capí-
tulo seguinte.
Recomendação
1. Não se deve dar muita importância à eterna questão de saber se 0
(zero) deve ou não ser incluído entre os números naturais. (Vide �Meu
Professor de Matemática�, pág. 150.) Praticamente todos os livros
de Matemática usados nas escolas brasileiras consideram 0 como o
primeiro número natural (consequentemente 1 é o segundo, 2 é o ter-
ceiro, etc). Como se viu acima, não adotamos esse ponto-de-vista.
Trata-se, evidentemente, de uma questão de preferência. Deve-se lem-
brar que o símbolo 0 (sob diferentes formas gráficas) foi empregado
inicialmente pelos maias, posteriormente pelos hindus, difundido pelos
árabes e adotado no ocidente, não como um número e sim como um
10 MA12 - Unidade 1
algarismo, com o utilíssimo objetivo de preencher uma casa decimal
vazia. (No caso dos maias, a base do sistema de numeração era 20, e
não 10.) De resto, a opção do número natural para iniciar a sequência
não se limita a escolher entre 0 e 1. Frequentemente esquecemos que,
do mesmo modo que conhecemos e usamos o zero mas começamos os
números naturais com 1, a Matemática grega, segundo apresentada
por Euclides, não considerava 1 como um número. Nos �Elementos�,
encontramos as seguintes definições:
�Unidade é aquilo pelo qual cada objeto é um. Número é uma
multitude de unidades�.
4 Destaque para o Axioma da Indução
O último dos axiomas de Peano é conhecido como o axioma da in-
dução. Ele é a base de um eficiente método de demonstração de
proposições referentes a números naturais (demonstrações por indução,
ou por recorrência). Enunciado sob a forma de propriedades em vez
de conjuntos, ele se formula assim:
Seja P (n) uma propriedade relativa ao número natural n. Supo-
nhamos que
i) P (1) é válida;
ii) Para todo n ∈ N, a validez de P (n) implica a validez de P (n′),
onde n′ é o sucessor de n.
Então P (n) é válida qualquer que seja o número natural n.
Com efeito, se chamarmos de X o conjunto dos números naturais
n para os quais P (n) é válida, veremos que 1 ∈ X em virtude de i)
e que n ∈ X ⇒ n′ ∈ X em virtude de ii). Logo, pelo axioma da
indução, concluímos que X = N.
Números Naturais 11
Recomendação
2. O axioma da indução é uma forma sagaz e operacional de dizer
que qualquer número natural n pode ser alcançado se partirmos de 1
e repetirmos suficientemente a operação de tomar o sucessor de um
número. Ele está presente (pelo menos de forma implícita) sempre que,
ao afirmarmos a veracidade de uma proposição referente aos números
naturais, verificamos que ela é verdadeira para n = 1, n = 2, n = 3
e dizemos �e assim por diante...�. Mas é preciso ter cuidado com
esta última frase. Ela pressupõe que P (n) ⇒ P (n′) para todo n ∈
N. No final deste capítulo, apresentamos como exercícios algumas
proposições demonstráveis por recorrência, bem como alguns curiosos
paradoxos que resultam do uso inadequado do axioma da indução.
5 Adição e Multiplicação
Entre os números naturais estão definidas duas operações fundamen-
tais: a adição, que aos números n, p ∈ N faz corresponder a soma
n+ p e a multiplicação, que lhes associa o produto np.
A soma n + p é o número natural que se obtém a partir de n
aplicando-se p vezes seguidas a operação de tomar o sucessor. Em
particular, n+1 é o sucessor de n, n+2 é o sucessor do sucessor de n,
etc. Por exemplo, tem-se 2+2 = 4 simplesmente porque 4 é o sucessor
do sucessor de 2.
De agora em diante, o sucessor do número natural n será designado
por n+ 1.
Quanto ao produto, põe-se n ·1 = n por definição e, quando p 6= 1,
np é a soma de p parcelas iguais a n.
12 MA12 - Unidade 1
Em última análise, a soma n + p e o produto np têm mesmo os
significados que lhes são atribuídos pelas explicações dadas acima.
Entretanto, até que saibamos utilizar os números naturais para efetuar
contagens, não tem sentido falar em �p vezes� e �p parcelas�. Por isso,
as operações fundamentais devem ser definidas por indução, como se
segue.
Adição: n+1 = sucessor de n e n+(p+1) = (n+p)+1 . Esta última
igualdade diz que se sabemos somar p a todos os números naturais n,
sabemos também somar p + 1: a soma n + (p + 1) é simplesmente o
sucessor (n + p) + 1 de n + p . O axioma da indução garante que a
soma n+ p está definida para quaisquer n, p ∈ N.
Multiplicação: n · 1 = n e n(p + 1) = np + n. Ou seja: mul-
tiplicar um número n por 1 não o altera. E se sabemos multiplicar
todos os números naturais n por p, sabemos também multiplicá-los
por p+1: basta tomar n(p+1) = np+n. Por indução, sabemos mul-
tiplicar todo n por qualquer p. Estas operações gozam das conhecidas
propriedades de associatividade, comutatividade e distributividade.
As demonstrações são feitas por indução. (Voltaremos ao assunto na
Unidade 5 de MA12, onde mais detalhes seão apresentados.)
6 Ordem Entre os Números Naturais
Nossa breve descrição do conjunto N dos números naturais termina
com a relação de ordem m < n.
Dados m, n ∈ N, diz-se que m é menor do que n, e escreve-se
m < n, para significar que existe algum p ∈ N tal que n = m + p.
(Isto quer dizer que n é o sucessor do sucessor... do sucessor de m, o
ato de tomar o sucessor sendo iterado p vezes.)
Números Naturais 13
A relação m < n tem as seguintes propriedades:
Transitividade: Se m < n e n < p então m < p.
Tricotomia: Dados m, n ∈ N, vale uma, e somente uma, das
alternativas: m = n, m < n ou n < m.
Monotonicidade: Se m < n então, para qualquer p ∈ N, tem-se
m+ p < n+ p e mp < np.
Boa-ordenação: Todo subconjunto não-vazio X ⊂ N possui um
menor elemento. Isto significa que existe um elemento m0 ∈ X que
é menor do que todos os demais elementos de X. A boa-ordenação
pode muitas vezes substituir com vantagem a indução como método
de prova de resultados referentes a números naturais.
São muito raros e pouco interessantes os exemplos de demonstração
por indução que podem ser dados sem usar as operações fundamentais
e as desigualdades. Por isso, somente agora apresentamos um deles,
seguido de uma demonstração por boa-ordenação.
Exemplo 1. Queremos provar a validez, para todo número natural
n, da igualdade
P (n) : 1 + 3 + 5 + . . .+ (2n− 1) = n2
Usaremos indução. Para n = 1, P (1) se resume a afirmar que 1 = 1.
Supondo P (n) verdadeira para um certo valor de n, somamos 2n + 1
a ambos os membros da igualdade acima, obtendo
1 + 3 + 5 + . . .+ (2n− 1) + (2n+ 1) = n2 + 2n+ 1,
ou seja:
1 + 3 + 5 + . . .+ [2(n+ 1)− 1] = (n+ 1)2.
14 MA12 - Unidade 1
Mas esta última igualdade é P (n+1). Logo P (n)⇒ P (n+1). Assim,
P (n) vale para todo n ∈ N. Podemos então afirmar que a soma dos n
primeiros números ímpares é igual ao quadrado de n.
Exemplo 2. (Usando boa-ordenação.) Lembremos que um nú-
mero natural p chama-se primo quando não pode ser expresso como
produto p = mn de dois números naturais, a menos que um deles seja
igual a 1 (e o outro igual a p); isto equivale a dizer que os fatores m, n
não podem ser ambos menores do que p. Um resultado fundamental
em Aritmética diz que todo número natural é primo ou é um produto
de fatores primos. Provaremos isto por boa ordenação. Usaremos a
linguagem de conjuntos. Seja X o conjunto dos números naturais que
são primos ou produtos de fatores primos. Observemos que se m e n
pertencem a X então o produto mn pertence a X. Seja Y o comple-
mentar de X. Assim, Y é o conjunto dos números naturais que não
são primos nem são produtos de fatores primos. Queremos provar que
Y é vazio. Isto será feito por redução ao absurdo (como sempre se dá
nas demonstrações por boa-ordenação). Com efeito, se Y não fosse
vazio, haveria um menor elemento
a ∈ Y . Então todos os números
menores do que a pertenceriam a X. Como a não é primo, ter-se-ia
a = m · n, com m < a e n < a, logo m ∈ X e n ∈ X. Sendo assim,
mn ∈ X. Mas mn = a, o que daria a ∈ X, uma contradição. Segue-se
que Y = ∅ , concluindo a demonstração.
Exercícios
1. Dado o número natural a, seja Y ⊂ N um conjunto com as seguintes
propriedades: (1) a ∈ Y ; (2) n ∈ Y ⇒ n+1 ∈ Y . Prove que Y contém
Números Naturais 15
todos os números naturais maiores do que ou iguais a a. (Sugestão:
considere o conjunto X = Ia ∪ Y , onde Ia é o conjunto dos números
naturais 6 a, e prove, por indução, que X = N.)
2. Use o exercício anterior para provar que 2n + 1 6 2n para todo
n > 3 e, em seguida, que n2 < 2n para todo n > 5.
3. Complete os detalhes da seguinte demonstração do Princípio de
Boa Ordenação: Seja A ⊂ N um conjunto que não possui um menor
elemento. Considere o conjunto X formado pelos números naturais
n tais que 1, 2, ..., n não pertencem a A. Observe que 1 ∈ X e, além
disso, se n ∈ X então todos os elementos de A são > n + 1. Como
n + 1 não pode ser o menor elemento de A, conclua que n + 1 ∈ X.
Logo, por indução, segue-se que X = N. Portanto A é vazio.
4. Prove, por indução, que (n+ 1
n
)n
6 n
para todo n > 3 e conclua daí que a sequência
1,
√
2,
3
√
3,
4
√
4 . . .
é decrescente a partir do terceiro termo.
5. Prove, por indução, que
1 + 22 + 32 + · · ·+ n2 = n(n+ 1)(2n+ 1)
6
.
16 MA12 - Unidade 1
6. Critique a seguinte argumentação: Quer-se provar que todo número
natural é pequeno. Evidentemente, 1 é um número pequeno. Além
disso, se n for pequeno, n+1 também o será, pois não se torna grande
um número pequeno simplesmente somando-lhe uma unidade. Logo,
por indução, todo número natural é pequeno.
7. Use a distributividade para calcular (m+n)(1+1) de duas maneiras
diferentes e em seguida use a lei do corte para concluir que m + n =
n+m.
8. Seja X ⊂ N um conjunto não-vazio, com a seguinte propriedade:
para qualquer n ∈ N, se todos os números naturais menores do que
n pertencem a X então n ∈ X. Prove que X = N. (Sugestão: boa
ordenação.)
9. Seja P (n) uma propriedade relativa ao número natural n. Suponha
que P (1), P (2) são verdadeiras e que, para qualquer n ∈ N, a verdade
de P (n) e P (n+ 1) implica a verdade de P (n+ 2). Prove que P (n) é
verdadeira para todo n ∈ N.
10. Use indução para provar que
13 + 23 + 33 + · · ·+ n3 = 1
4
n2(n+ 1)2.
MA 12 - Unidade 2
Induc¸a˜o Matema´tica
Semana de 04/04 a 10/04
Esta unidade e´ dedicada a` utilizac¸a˜o do Axioma da Induc¸a˜o como te´cnica de demonstrac¸a˜o de
resultados que envolvem subconjuntos infinitos do conjunto dos nu´meros naturais (Veja o conceito de
conjunto infinito na Unidade 2 de MA11).
O resultado central desta unidade e´ o teorema ao qual damos o nome de Princ´ıpio de Induc¸a˜o
Matema´tica, que nada mais e´ do que uma reformulac¸a˜o do Axioma da Induc¸a˜o.
Lendo a presente unidade, pode parecer ao leitor que este teorema serve apenas para validar
fo´rmulas, dadas a priori, que envolvem nu´meros inteiros. Mas, no decorrer do curso, veremos que
a sua utilidade e´ bem mais abrangente.
A Induc¸a˜o Matema´tica nos coloca em contato direto com a noc¸a˜o, na˜o ta˜o intuitiva, de conjunto
infinito e por isso mesmo ela e´ sutil. Outra sutileza da Prova por Induc¸a˜o Matema´tica e´ a sua pro´pria
estrutura lo´gica, que apresenta ”uma implicac¸a˜o dentro de outra”:
P (n0) ∧ (P (k) =⇒ P (k + 1), ∀k ≥ n0) =⇒ P (n) ∀ n ∈ N.
Esta e´ sem du´vida uma dificuldade para a compreensa˜o do Princ´ıpio de Induc¸a˜o pelos estudantes.
Sobre este aspecto, leia com atenc¸a˜o o comenta´rio que se inicia no meio da Pa´gina 4 e se estende
a` Pa´gina 5 (ate´ antes do Exemplo 1). Preste tambe´m atenc¸a˜o nos Exemplos 1 e 2, cujos conteu´dos
sera˜o utilizados nas pro´ximas unidades.
Sobre os exerc´ıcios, recomendamos que resolva o maior nu´mero que puder deles a fim de adquirir
mais traquejo com as manipulac¸o˜es alge´bricas. Resolva, pelo menos, um item de cada um dos Problemas
1 e 2 e deˆ especial atenc¸a˜o ao Problema 4, onde se prova algo que na˜o e´ uma mera validac¸a˜o de uma
fo´rmula.
Esse to´pico, em geral, na˜o e´ apresentado no Ensino Me´dio, mas poderia ser abordado, especialmente
no seu aspecto mais lu´dico, que sera´ apresentado na pro´xima unidade. Os alunos participantes do
Programa de Iniciac¸a˜o Cient´ıfica (PIC) da OBMEP teˆm sido expostos a esse tipo de material e teˆm
mostrado grande interesse e curiosidade, ale´m de absorverem bem os conteu´dos, que va˜o praticamente
ate´ a nossa Unidade 5.
A presente unidade foi retirada do livro Induc¸a˜o Matema´tica de A. Hefez, Livro 4 do Programa de
Iniciac¸a˜o Cient´ıfica da OBMEP, que se encontra na ı´ntegra em:
http://www.obmep.org.br/export/sites/default/arquivos/apostilas_pic2008/Apostila4-Inducao.pdf
Desafio
a) Sejam A e B e dois conjuntos enumera´veis. Mostre que A ∪B e´ enumera´vel.
b) Seja {A1, . . . , An} uma fam´ılia finita de conjuntos enumera´veis. Use um argumento de induc¸a˜o
para mostrar que A1 ∪ · · · ∪ An e´ enumera´vel.
c) Com base no argumento do item anterior, e´ poss´ıvel concluir que, se {An ;n ∈ N} e´ uma fam´ılia
enumera´vel de conjuntos enumera´veis, enta˜o
⋃
n∈NAn e´ enumera´vel? Este resultado e´ verdadeiro?
Sugesta˜o: repita o argumento considerando fam´ılias de conjuntos finitos em lugar de enumera´veis.
V´ıdeo relacionado:
Aulas do Professor Augusto Ce´sar Morgado. Induc¸a˜o Matema´tica, julho 2004.
MA12 - Unidade 2
Indução Matemática
Semana de 04/04 a 10/04
Nesta unidade mostraremos como o Axioma da Indução, que foi apresen-
tado na Unidade 1 como um dos axiomas pilares dos números naturais, nos
fornece um poderoso instrumento para provar afirmações que envolvem esses
números.
Princípio de Indução Matemática
Recorde o Axioma (d) de Peano, apresentado na Unidade 1, cujo enunciado
reproduzimos a seguir.
Axioma da Indução: Dado um subconjunto X do conjunto dos números
naturais N, tal que 1 pertence a X e sempre que um número n pertence a
X, o número n+ 1 também pertence a X, tem-se que X = N.
Esse simples axioma nos fornece uma das mais poderosas técnicas de
demonstração em Matemática, a chamada Prova pelo Princípio de Indução
2 Unidade 2
Matemática, ou simplesmente Prova por Indução.
Suponha que seja dada uma sentença matemática P (n) que dependa de
uma variável natural n, a qual se torna verdadeira ou falsa toda vez que
substituirmos n por um número natural dado. Tais sentenças serão ditas
sentenças abertas definidas sobre o conjunto dos naturais.
A seguir damos alguns exemplos de sentenças abertas definidas sobre N:
a) P (n) : n é par.
É claro que a afirmação P (1) é falsa, pois ela diz que 1 é par; P (3), P (5)
e P (9) são falsas, pois afirmam, respectivamente, que 3, 5 e 9 são pares.
Por outro lado, é também claro que P (2), P (4), P (8) e P (22) são verda-
deiras, pois 2, 4, 8 e 22 são pares.
b) P (n) : n é múltiplo de 3.
Temos, por exemplo, que P (1), P (2), P (4) e P (5) são falsas, enquanto
P (3) e P (6) são verdadeiras.
c) P (n) : 1 + 3 + 5 + 7 + · · ·+ (2n− 1) = n2.
Temos que P (1), P (2), P (3), P (4), . . . , P (10) são verdadeiras.
Aqui sabemos precisamente o que significa a sentença aberta P (n), apesar
dos pontinhos na sua definição. Ela significa:
“A soma dos n primeiros números ímpares é igual a n2 ”.
Você consegue visualizar algum número natural m para o qual P (m) seja
falsa? Bem, após mais algumas tentativas, você se convencerá de que esta
fórmula tem grandes chances de ser verdadeira para todo número natural n;
ou seja, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.
d) P (n) : n2 − n+ 41 é um número primo, para todo n ∈ N.
É fácil verificar que as sentenças P (1), P (2), P (3) são verdadeiras. Com
algum trabalho, é possível
ir além, verificando também que P (4), P (5), . . .,
P (35) são verdadeiras.
Portanto, é plausível que tenhamos encontrado um polinômio cujos valo-
res nos números inteiros sejam sempre números primos.
Indução Matemática 3
Mais alguns testes para confirmar a nossa suspeita? Lá vai, P (36), P (37),
P (38) e P (40) são verdadeiras.
Podemos parar por aqui e nos sentir felizes com a nossa descoberta? Bom,
para satisfazer os mais céticos, faremos só mais um teste com n = 41.
Note que 412 − 41 + 41 = 412 não é primo. Logo, para a nossa desilusão,
P (41) é falsa!
Para a sua informação, pode-se provar que não existe nenhum polinômio
em uma variável com coeficientes inteiros cujos valores nos naturais sejam
sempre números primos. Portanto, não havia a priori nenhuma chance de
P (n) ser verdadeira para todo número natural n.
Como provar então que uma sentença aberta definida sobre os naturais é
sempre verdadeira? Você há de convir que não seria possível testar, um por
um, todos os números naturais, pois eles são em número infinito. Portanto,
será preciso encontrar algum outro método.
Vamos a seguir expor a técnica da Prova por Indução, que resolverá esse
nosso problema.
Seja P (n) uma sentença aberta sobre os naturais, denotaremos por
V = {n ∈ N; P (n)},
o subconjunto dos elementos n ∈ N para os quais P (n) é verdadeira.
Se quisermos mostrar que uma sentença aberta P (n) é verdadeira para
todo n ∈ N, temos que mostrar que V = N. Isso pode ser feito usando o
Axioma da Indução, bastando, para isto, mostrar que 1 pertence a V e que
n+ 1 pertence a V , toda vez que n pertence a V .
Provamos, assim, o seguinte teorema:
4 Unidade 2
Teorema 1(Princípio de Indução Matemática) Seja P (n) uma sentença
aberta sobre N. Suponha que
(i) P (1) é verdadeira, e
(ii) qualquer que seja n ∈ N, sempre que P (n) é verdadeira, segue-se que
P (n+ 1) é verdadeira.
Então, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.
Vejamos como usar esse método para mostrar a validez, para todo natural
n, da fórmula
1 + 3 + · · ·+ (2n− 1) = n2.
Observe que P (1) é verdadeira, já que a fórmula é trivialmente válida
para n = 1. Suponha agora que, para algum n natural, P (n) seja verdadeira;
ou seja, que
1 + 3 + · · ·+ (2n− 1) = n2.
Queremos provar que P (n + 1) é verdadeira. Somando 2n + 1, que é o
próximo número ímpar após 2n − 1, a ambos os lados da igualdade acima,
obtemos a igualdade também verdadeira:
1 + 3 + · · ·+ (2n− 1) + (2n+ 1) = n2 + (2n+ 1) = (n+ 1)2.
Isso mostra que P (n + 1) é verdadeira, toda vez que P (n) é verdadeira.
Pelo Princípio de Indução Matemática, a fórmula é válida para todo número
natural n.
Você tem idéia de quando foi feita pela primeira vez a demonstração
acima? Bem, o primeiro registro que se tem é de 1575 e foi realizada por
Francesco Maurolycos.
Note que, na demonstração acima, poderia parecer que estamos usando
o fato de P (n) ser verdadeira para deduzir que P (n + 1) é verdadeira para
em seguida concluir que P (n) é verdadeira. O que está ocorrendo? Estamos
usando a tese para provar o teorema?
Indução Matemática 5
A resposta é não! Preste bem atenção, pois essa é a parte mais delicada
de toda a história.
Dado um número natural n, temos duas possibilidades:
(a) P (n) é verdadeira, ou (b) P (n) é falsa.
A hipótese (ii) do Teorema não exige em absoluto que assumamos P (n)
verdadeira para todo n ∈ N, podendo eventualmente ser falsa para algum
valor de n, ou mesmo para todos os valores de n. O que a hipótese (ii) exige é
que sempre que algum n pertença à categoria (a) acima, então n+1 também
pertença a essa mesma categoria; não exigindo nada quando n pertencer à
categoria (b).
Por exemplo, a sentença aberta P (n) : n = n+1 satisfaz (por vacuidade)
a hipótese (ii) do Teorema, já que nenhum n ∈ N pertence à categoria (a). O
que falha para que o Princípio de Indução nos garanta que P (n) é verdadeira
para todo n é que a hipótese (i) não é verificada, pois P (1) : 1 = 2 é falsa!
É preciso ter clareza que a Indução Matemática é diferente da indução
empírica das ciências naturais, em que é comum, após um certo número
de experimentos, necessariamente finito, enunciar leis gerais que governam
o fenômeno em estudo. Essas leis são tidas como verdades, até prova em
contrário. Na matemática, não há lugar para afirmações verdadeiras até
prova em contrário. A Prova por Indução Matemática trata de estabelecer
que determinada sentença aberta sobre os naturais é sempre verdadeira.
A indução empírica foi batizada, de modo irônico, pelo matemático, filó-
sofo e grande humanista inglês do século passado, Bertrand Russel (1872-
1970), de indução galinácea, com base na seguinte historinha:
Havia uma galinha nova no quintal de uma velha senhora. Diariamente,
ao entardecer, a boa senhora levava milho às galinhas. No primeiro dia, a
galinha, desconfiada, esperou que a senhora se retirasse para se alimentar.
No segundo dia, a galinha, prudentemente, foi se alimentando enquanto a
senhora se retirava. No nonagésimo dia, a galinha, cheia de intimidade,
já não fazia caso da velha senhora. No centésimo dia, ao se aproximar a
6 Unidade 2
senhora, a galinha, por indução, foi ao encontro dela para reclamar o seu
milho. Qual não foi a sua surpresa quando a senhora pegou-a pelo pescoço
com a intenção de pô-la na panela.
Exemplo 1. Queremos determinar uma fórmula para a soma dos n primei-
ros números naturais.
Conta-se a seguinte história sobre o matemático alemão Carl Friedrich
Gauss (1777-1855)1, quando ainda garoto. Na escola, o professor, para aqui-
etar a turma de Gauss, mandou os alunos calcularem a soma de todos os
números naturais de 1 a 100. Qual não foi a sua surpresa quando, pouco
tempo depois, o menino deu a resposta: 5050. Indagado como tinha des-
coberto tão rapidamente o resultado, Gauss, então, descreveu o método a
seguir.
Sendo
Sn = 1 + 2 + · · ·+ n,
o objetivo é encontrar uma fórmula fechada2 para Sn.
Somando a igualdade acima, membro a membro, com ela mesma, porém
com as parcelas do segundo membro em ordem invertida, temos que
Sn = 1 + 2 + · · · + n
Sn = n + (n− 1) + · · · + 1
2Sn = (n+ 1) + (n+ 1) + · · · + (n+ 1)
Daí segue-se que 2Sn = n(n+ 1) e, portanto,
Sn =
n(n+ 1)
2
.
Vamos ser críticos com relação à prova acima. Para a maioria das pes-
soas, essa prova parece impecável, mas se alguém nos perguntasse o que está
1Gauss é considerado um dos maiores gênios da matemática de todos os tempos.
2Uma fórmula fechada para Sn, a grosso modo, é uma função de n que permite calcular
diretamente os valores de Sn fazendo um número pequeno de contas.
Indução Matemática 7
escondido atrás dos pontinhos, talvez nos sentíssemos embaraçados. Tam-
bém, como ter absoluta certeza de que nada acontece fora do nosso controle,
exatamente na imensa região coberta pelos pontinhos?
Para não pairar nenhuma dúvida sobre o nosso resultado, vamos provar
a fórmula utilizando o Princípio de Indução Matemática.
Considere a sentença aberta sobre os naturais
P (n) : 1 + 2 + · · ·+ n = n(n+ 1)
2
. (1)
Note que
P (1) : 1 =
1(1 + 1)
2
é verdadeira.
Observe também que
P (n+ 1) : 1 + 2 + · · ·+ n+ (n+ 1) = (n+ 1)(n+ 2)
2
.
Agora, suponhamos que para algum n ∈ N, tenhamos P (n) verdadeira,
isto é, a fórmula (1) é válida para tal valor de n. Somando n+ 1 a ambos os
lados dessa igualdade, temos que é verdadeira a igualdade
1 + 2 + · · ·+ n+ (n+ 1) = n(n+ 1)
2
+ n+ 1 =
n(n+ 1) + 2(n+ 1)
2
=
(n+ 1)(n+ 2)
2
,
o que estabelece a veracidade de P (n+ 1).
Pelo Teorema, tem-se que a fórmula P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.
Exemplo 2. Queremos validar a fórmula
P (n) : 12 + 22 + · · ·+ n2 = n(n+ 1)(2n+ 1)
6
. (2)
Note que
P (1) : 12 =
1(1 + 1)(2 + 1)
6
é verdadeira.
8 Unidade 2
Suponha que, para algum n ∈ N, se tenha que P (n) é verdadeira, isto é,
(2) é válida. Somando (n+1)2 a ambos os lados da igualdade (2), temos que
12 + 22 + · · ·+ n2 + (n+ 1)2 = n(n+ 1)(2n+ 1)
6
+ (n+ 1)2 =
n(n+ 1)(2n+ 1) + 6(n+ 1)2
6
=
(n+ 1)[n(2n+ 1) + 6(n+ 1)]
6
=
(n+ 1)[(n+ 1) + 1][2(n+ 1) + 1]
6
,
estabelecendo assim a veracidade de P (n+ 1).
Portanto, a fórmula é válida para todo n ∈ N.
Exemplo 3. Vamos provar que é verdadeira, para todo n ∈ N, a fórmula:
P (n) :
1
1.2
+
1
2.3
+ · · ·+ 1
n(n+ 1)
=
n
n+ 1
. (3)
Observemos inicialmente que
P (1) :
1
1.2
=
1
1 + 1
é verdadeira.
Suponhamos que, para algum n, tem-se que P (n) é verdadeira, ou seja,
que a fórmula (3) seja verdadeira para esse valor de n. Somando a ambos os
lados dessa igualdade
1
(n+ 1)(n+ 2)
, temos que
1
1.2
+
1
2.3
+ · · ·+ 1
n(n+ 1)
+
1
(n+ 1)(n+ 2)
=
n
n+ 1
+
1
(n+ 1)(n+ 2)
=
n+ 1
n+ 2
,
mostrando, assim, que P (n+ 1) é verdadeira.
Portanto, pelo Princípio de Indução Matemática, temos que a fórmula
vale para todo n ∈ N.
Indução Matemática 9
Problemas
1 Demonstre, por indução, a validez das seguintes fórmulas:
a) 1− 22 + 32 − · · ·+ (−1)n−1n2 = (−1)n−1n(n+ 1)
2
.
b) 12 + 32 + · · ·+ (2n− 1)2 = 1
3
n(2n− 1)(2n+ 1).
c) 13 + 23 + · · ·+ n3 =
[
n(n+ 1)
2
]2
.
2 Demonstre, por indução, a validez das seguintes fórmulas:
a)
1
1.3
+
1
3.5
+ · · ·+ 1
(2n− 1)(2n+ 1) =
n
2n+ 1
.
b)
1
1.4
+
1
4.7
+
1
7.10
+ · · ·+ 1
(3n− 2)(3n+ 1) =
n
3n+ 1
.
c)
1
1.5
+
1
5.9
+
1
9.13
+ · · ·+ 1
(4n− 3)(4n+ 1) =
n
4n+ 1
.
d)
1
1.2.3
+
1
2.3.4
+ · · ·+ 1
n(n+ 1)(n+ 2)
=
n(n+ 3)
4(n+ 1)(n+ 2)
.
e)
12
1.3
+
22
3.5
+ · · ·+ n
2
(2n− 1)(2n+ 1) =
n(n+ 1)
2(2n+ 1)
.
3 Demonstre, para n,m ∈ N, que vale a fórmula:
1 · 2 · · ·m+ 2 · 3 · · ·m(m+ 1) + · · ·+ n(n+ 1) · · · (n+m− 1) =
1
m+ 1
n(n+ 1) · · · (n+m).
Sugestão: Fixe m arbitrário e proceda por indução sobre n.
4 Mostre que a soma dos cubos de três números naturais consecutivos é
sempre divisível por 9.
Sugestão: Considere a sentença aberta
P (n) : n3 + (n+ 1)3 + (n+ 2)3 é divisível por 9,
e demonstre, por indução, que ela é verdadeira para todo n ∈ N.
MA 12 - Unidade 3
Definic¸a˜o por Recorreˆncia. Aplicac¸o˜es da Induc¸a˜o Matema´tica
Semana de 11/04 a 17/04
Descreveremos, nesta unidade, um modo importante atrave´s do Princ´ıpio de Induc¸a˜o de definir
certas sequeˆncias, conhecendo-se alguns de seus termos iniciais e dando uma lei que permite obter um
termo da sequeˆncia a partir de alguns dos termos anteriores a ele. Uma definic¸a˜o, usando este me´todo,
sera´ dita uma definic¸a˜o por recorreˆncia.
Va´rios objetos, por sua pro´pria natureza, prestam-se bem a serem definidos por esse me´todo.
Entre os objetos que sa˜o definidos por recorreˆncia nessa unidade esta˜o os somato´rios, as progresso˜es
aritme´ticas e geome´tricas, os fatoriais, as poteˆncias com expoentes naturais, e va´rios outros. Voltaremos
a tratar de recorreˆncias, fazendo um estudo mais sistema´tico delas, nas Unidades 8 e 9 de MA12.
Em seguida, no Teorema 1, e´ feita uma pequena generalizac¸a˜o do Princ´ıpio de Induc¸a˜o Matema´tica,
de modo a torna´-lo aplica´vel em situac¸o˜es em que uma propriedade vale para todos os nu´meros naturais
a partir de um determinado valor, na˜o necessariamente igual a 1. O Exemplo 5 e´ um caso t´ıpico, onde
e´ necessa´rio aplicar essa generalizac¸a˜o do Princ´ıpio de Induc¸a˜o Matema´tica.
No Exemplo 6, utilizamos o Princ´ıpio de Induc¸a˜o para descrever quais nu´meros naturais podem ser
escritos como soma de um mu´ltiplo de 3 e de um mu´ltiplo de 5. Isso e´ um caso particular de um tipo
importante de equac¸o˜es, chamadas de equac¸o˜es diofantinas.
Na segunda parte dessa unidade, sa˜o apresentadas algumas aplicac¸o˜es interessantes e lu´dicas do
Princ´ıpio de Induc¸a˜o Matema´tica. A primeira, a Torre de Hano´i, e´ um jogo interessante que se presta
bem a ser explorado em sala de aula (veja v´ıdeo associado a` Unidade 2) e que conduz a uma sequeˆncia
definida por recorreˆncia (de primeira ordem, conforme sera´ visto na Unidade 8). O segundo exemplo, o
Enigma do Cavalo de Alexandre, trata na realidade de um mau uso do Princ´ıpio de Induc¸a˜o e que leva
a uma conclusa˜o absurda, servindo para testar o entendimento do princ´ıpio. Na aplicac¸a˜o Descobrindo
a Moeda Falsa, o Princ´ıpio de Induc¸a˜o e´ utilizado para tratar um problema t´ıpico de pesagem. A Pizza
de Steiner e´ uma aplicac¸a˜o do Princ´ıpio de Induc¸a˜o a um problema de geometria. Finalmente, o u´ltimo
exemplo introduz a famosa sequeˆncia de Fibonacci como foi originalmente concebida: para resolver
um problema pra´tico de contagem de uma populac¸a˜o de coelhos. Esse e´ um t´ıpico caso de recorreˆncias
lineares de segunda ordem que sera˜o estudadas mais sistematicamente na Unidade 9.
MA12 - Unidade 3
Definição por Recorrência
Aplicações da Indução
Semana de 11/04 a 17/04
Esta unidade está dividida em duas partes. Na primeira, mostraremos como
definir objetos matemáticos por recorrência e na segunda, discutiremos al-
gumas aplicações lúdicas da indução. A noção de recorrência será retomada
mais sistematicamente nas Unidades 8 e 9 de MA12.
Definição por Recorrência
Recorde que fizemos objeções na unidade anterior ao uso dos pontinhos nas
demonstrações de algumas fórmulas; não que sejamos contra, eles ajudam
muito a representar situações em que há um número grande (eventualmente
infinito) de objetos a serem descritos e a visualizar propriedades desses ob-
jetos.
1
2 Unidade 3
Nesse curso, estamos tentando mostrar como se pode estabelecer um
maior padrão de rigor no tratamento de certos problemas matemáticos, mas
isso não deve ser tomado ao pé da letra. Certos argumentos informais, quando
acompanhados de um raciocínio correto, são corriqueiramente aceitos. Por
exemplo, o argumento utilizado por Gauss para somar os n primeiros números
naturais é perfeitamente aceitável. Portanto, um conselho: use o formalismo
para ajudar e não para atrapalhar; nunca deixe ele se sobrepor à criativi-
dade, pois, via de regra, primeiro vem a descoberta, e depois, a formalização.
Procure estimular sempre os seus alunos a serem criativos.
Voltemos agora ao problema que queremos abordar. O que realmente
significa uma expressão da forma
1 + 3 + 5 + · · ·+ (2n− 1),
que consideramos no início da unidade passada?
Apesar de intuirmos o que se quer dizer, isso formalmente ainda não faz
sentido, pois a operação de adição de números é definida para um par de
números, e aqui temos n números sendo somados de uma só vez, além do
�inconveniente� dos pontinhos, é claro. Para dar um sentido preciso a esse
tipo de expressão, vamos ver como a Indução Matemática pode nos ajudar.
Para definir uma expressão En, para todo número natural n, basta definir-
mos E1 e mostrar como obter sem ambiguidade En+1 a partir de En, para
todo n ∈ N.
Nesse caso, dizemos que En foi definido por recorrência.
Para continuarmos a nossa discussão, precisaremos de um conceito que
não introduzimos ainda, mas do qual você certamente já ouviu falar.
Você sabe o que é uma sequência? Certamente voc e já foi apresentado à
seguinte definição:
�Seja a1, a2, . . . , an, . . . uma sequência de números em que cada elemento
an, a partir do segundo, é igual ao anterior an−1 somado com um número
constante r.�
Isso é o que se chama de Progressão Aritmética.
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 3
Mas, o que é uma sequência em geral? Uma sequência, como sugere o
nome, é uma �coleção de elementos� ordenados de natureza qualquer. Na
verdade, trata-se apenas de elementos de um conjunto etiquetados com os
números naturais.
Etiquetar com os números naturais os elementos de um conjunto A, sig-
nifica dar uma função
a : N −→ A
n 7→ a(n)
A definção formal de uma sequência em um conjunto A é apenas uma
função a de N em A.
Como uma função é dada quando se conhece a imagem de todos os ele-
mentos do seu domínio, uma sequência a pode ser representada como
a(1), a(2), . . . , a(n), . . . ;
ou ainda, denotando a(n) por an, podemos representá-la por
(an) : a1, a2, . . . , an, . . .
Quando dissermos que um conjunto A possui uma adição ou uma multipli-
cação satisfazendo às leis básicas da aritmética, estaremos supondo que em A
está definida uma operação com propriedades semelhantes á correspondente
operação nos reais.
Exemplo 1. Seja (an) uma sequência de elementos de um conjunto munido
de uma adição sujeita às leis básicas da aritmética. Para dar sentido às somas
Sn = a1 + a2 + · · ·+ an,
basta definir recorrentemente Sn.
Pomos S1 = a1 e, supondo Sn definido, definimos
Sn+1 = Sn + an+1.
4 Unidade 3
Somas como Sn serão também denotadas com a notação de somatórios:
Sn =
n∑
i=1
ai,
que se lê como �somatório quando i varia de 1 até n de ai�.
Um conceito que se define naturalmente por recorrência é o fatorial de
um número natural.
Exemplo 2. Define-se o fatorial n! de um número natural n como:
1! = 1, e (n+ 1)! = n! · (n+ 1).
Outro conceito que, naturalmente, é definido por recorrência é o de po-
tência.
Exemplo 3. Seja a um elemento de um conjunto A munido de uma multi-
plicação sujeita às leis básicas da aritmética. Vamos definir as potências an,
com n ∈ N, por recorrência.
Ponhamos a1 = a. Supondo an definido, defina
an+1 = an · a.
Vamos estabelecer, por meio de indução, as propriedades usuais das
potências.
Proposição. Sejam a, b ∈ A e m,n ∈ N. Então,
(i) am · an = an+m.
(ii) (am)n = amn.
(iii) (a · b)n = an · bn.
Demonstração: Provaremos (i), deixando o restante como exercício.
Fixemos a ∈ A e m ∈ N, arbitrariamente. Demonstremos a propriedade
por indução sobre n.
Para n = 1, a propriedade é válida, pois, pelas definições,
am · a1 = am · a = am+1.
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 5
Por outro lado, supondo que am · an = am+n, temos que
am · an+1 = am · (an · a) = (am · an) · a = am+n · a = am+n+1.
Isso, pelo Princípio de Indução Matemática (Teorema da Unidade 2),
prova a nossa propriedade. 2
Exemplo 4. Utilizando a noção de potência e de suas propriedades, vamos
provar que 3 divide 5n + 2 · 11n, nos inteiros, para todo n ∈ N.
De fato, para n = 1, temos que 3 divide 51 + 2 · 111 = 27.
Suponha, agora, que, para algum n ≥ 1, saibamos que 3 divide 5n+2·11n.
Logo, existe um número inteiro a tal que
5n + 2 · 11n = 3a.
Mutiplicando por 5 ambos os lados da igualdade acima, temos
5 · 3a = 5n+1 + 5 · 2 · 11n = 5n+1 + 2 · 11 · 11n − 12 · 11n.
Daí segue a igualdade
5n+1 + 2 · 11n+1 = 5 · 3a+ 12 · 11n,
cujo segundo membro é divisível por 3, por ser igual a 3(5a+ 4 · 11n).
Assim, provamos que 3 divide 5n+1 + 2 · 11n+1, o que, pelo Princípio
de Indução Matemática (Teorema 1 da Unidade 2), acarreta que 3 divide
5n + 2 · 11n, para todo número natural n.
Pode ocorrer que uma determinada propriedade seja válida para todos os
números naturais a partir de um determinado valor a, mas não necessaria-
mente para valores menores. Como proceder nesses casos?
Por exemplo, como provar que a desigualdade 2n > n2 é verdadeira para
todo valor de n natural maior do que ou igual a 5?
Fazemos isso baseados na seguinte pequena generalização do Princípio de
Indução Matemática (Teorema 1 da Unidade 2):
6 Unidade 3
Teorema 2 Seja P (n) uma sentença aberta sobre N, e seja a ∈ N. Suponha
que
(i) P (a) é verdadeira, e
(ii) qualquer que seja n ∈ N, com n ≥ a, sempre que P (n) é verdadeira,
segue-se que P (n+ 1) é verdadeira.
Então, P (n) é verdadeira para todo número natural n ≥ a
Demonstração: Defina o conjunto
S = {m ∈ N; P (m+ a− 1) }.
Por (i) temos que 1 ∈ S. Por outro lado, se m ∈ S, temos que P (m+a−1)
é verdadeira. Logo, por (ii), P (m + 1 + a − 1) é verdadeira. Portanto,
m + 1 ∈ S. Em vista do Princípio de Indução Matemática (Teorema 1 da
Unidade 2), temos que S = N. Consequentemente, P (n) é verdadeira para
todo n ≥ a. 2
Exemplo 5. Vamos mostrar que a desigualdade na sentença aberta P (n) :
2n > n2 é verdadeira, para todo número natural n ≥ 5.
Note que P (1) : 21 > 12 é verdadeira, P (2) : 22 > 22 é falsa, P (3) : 23 > 32
é falsa e P (4) : 24 > 42 é falsa. Tudo isso não importa, pois queremos verificar
a veracidade dessa desigualdade para n ≥ 5.
De fato, temos que P (5) : 25 > 52 é verdadeira. Seja n ≥ 5 tal que
2n > n2. Multiplicando ambos os lados da desigualdade acima por 2, obtemos
2n+1 > 2n2. Note que 2n2 > (n + 1)2, se n ≥ 3, pois tal desigualdade é
equivalente a n(n − 2) > 1. Daí, deduzimos que 2n+1 > (n + 1)2, o que
significa que P (n + 1) é verdadeira, estabelecendo o resultado em vista do
Teorema 2.
Exemplo 6. Vamos mostrar que a sentença aberta:
P(n): A equação 3x+ 5y = n tem solução em (N ∪ {0})× (N ∪ {0}),
é verdadeira para todo n ≥ 8.
De fato, ela é verdadeira para n = 8, pois a equação 3x+ 5y = 8 admite
a solução (x, y) = (1, 1).
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 7
Suponha agora que a equação 3x+ 5y = n tenha uma solução (a, b) para
algum n ≥ 8; isto é, 3a + 5b = n. Note que, para qualquer solução (a, b),
devemos ter a ≥ 1 ou b ≥ 1.
Se b ≥ 1, observando que 3× 2− 5× 1 = 1, segue que
3(a+ 2) + 5(b− 1) = 3a+ 5b+ 3× 2− 5× 1 = 3a+ 5b+ 1 = n+ 1,
o que mostra que a equação 3x+ 5y = n+ 1 admite a solução (a+ 2, b− 1)
em (N ∪ {0})× (N ∪ {0}).
Se, por acaso, b = 0, então, a ≥ 3; usando a igualdade −3×3+5×2 = 1,
temos
3(a− 3) + 5× 2 = 3a− 3× 3 + 5× 2 = 3a+ 5b+ 1 = n+ 1,
o que mostra que a equação 3x+ 5y = n+ 1 admite a solução (a− 3, b+ 2)
em (N ∪ {0})× (N ∪ {0}).
Mostramos assim que, em qualquer caso, a equação 3x + 5y = n + 1
admite solução, sempre que a equação 3x+5y = n, para algum n ≥ 8, tenha
solução. Como o resultado vale para n = 8, segue a conclusão desejada pelo
Teorema 2.
Note que n0 = 8 é o menor valor de n para o qual a equação tem solução
para todo n ≥ n0.
Problemas
1 Mostre, por indução, a validez das seguintes fórmulas:
a) 1.20 + 2.21 + 3.22 + · · ·+ n.2n−1 = 1 + (n− 1)2n.
b)
(
1 +
1
1
)(
1 +
1
2
)2
· · ·
(
1 +
1
n− 1
)n−1
=
nn−1
(n− 1)! .
c) 1.1! + 2.2! + 3.3! + · · ·+ n.n! = (n+ 1)!− 1.
2 Sejam a e b números reais distintos. Mostre que, para todo n ∈ N, vale a
igualdade:
bn + abn−1 + a2bn−2 + · · ·+ an−1b+ an = b
n+1 − an+1
b− a .
8 Unidade 3
3 Se senα 6= 0, mostre que, para todo n ∈ N, vale a igualdade:
cosα · cos 2α · cos 22α · · · cos 2nα = sen 2
n+1α
2n+1 senα
Sugestão: Use a fórmula sen 2β = 2 sen β cos β.
4 Para todo n ∈ N, mostre que, nos inteiros,
a) 80 divide 34n − 1. b) 9 divide 4n + 6n− 1.
c) 8 divide 32n + 7. d) 9 divide n4n+1 − (n+ 1)4n + 1.
5 Mostre que
a) n! > 2n, se n ≥ 4.
b) n! > 3n, se n ≥ 7.
c) n! > 4n, se n ≥ 9.
6 Prove que, para todo n natural, vale a desigualdade:
1
2
· 3
4
· 5
6
· · · 2n− 1
2n
≤ 1√
3n+ 1
.
7 Mostre que o número de diagonais de um polígono convexo de n lados é
dado por
dn =
n(n− 3)
2
.
8 Mostre que n0 = 32 é o menor valor para o qual a equação 5x + 9y = n
possui solução em (N ∪ {0})2 para todo n ≥ n0.
Indução e Mundo Material
Nesta Seção, mostraremos algumas aplicações da indução matemática no
mundo material.
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 9
1 A Torre de Hanói
Você provavelmente já conhece esse jogo, pois trata-se de um jogo bas-
tante popular que pode ser facilmente fabricado ou ainda encontrado em lojas
de brinquedos de madeira.
O jogo é formado por n discos de diâmetros distintos com um furo no
seu centro e uma base onde estão fincadas três hastes. Numa das hastes,
estão enfiados os discos, de modo que nenhum disco esteja sobre um outro
de diâmetro menor (veja figura abaixo).
�� ���� ���� ���� ��
�� ��
O jogo consiste em transferir a pilha de discos para uma outra haste,
deslocando um disco de cada vez, de modo que, a cada passo, a regra acima
seja observada.
As perguntas naturais que surgem são as seguintes:
1. O jogo tem solução para cada n ∈ N?
2. Em caso afirmativo, qual é o número mínimo jn de movimentos para
resolver o problema com n discos?
Usando Indução Matemática, vamos ver que a resposta à primeira per-
gunta é afirmativa, qualquer que seja o valor de n. Em seguida, deduziremos
uma fórmula que nos fornecerá o número jn.
Considere a sentença aberta
P (n) : O jogo com n discos tem solução.
10 Unidade 3
Obviamente, P (1) é verdade. Suponha que P (n) seja verdadeiro, para
algum n; ou seja, que o jogo com n discos tem solução. Vamos provar que o
jogo com n+ 1 discos tem solução.
Para ver isso, resolva inicialmente o problema para os n discos superiores
da pilha, transferindo-os para uma das hastes livre (isso é possível, pois
estamos admitindo que o problema com n discos possua solução):
�� �� �� ���� ���� ���� ��
�� ��
Em seguida, transfira o disco que restou na pilha original (o maior dos
discos) para a haste vazia:
�� �� �� ���� ���� ���� ��
�� ��
Feito isto, resolva novamente o problema para os n discos que estão juntos,
transferindo-os para a haste que contém o maior dos discos:
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 11
�� ���� ���� ���� ��
�� ���� ��
Isso mostra que o problema com n + 1 discos também possui solução, e,
portanto, por Indução Matemática, que P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.
Para determinar uma fórmula para jn, veja que, para resolver o problema
para n+1 discos com o menor número de passos, temos, necessariamente, que
passar duas vezes pela solução mínima do problema com n discos. Temos,
então, que
jn+1 = 2jn + 1.
Obtemos, assim, uma sequência (jn) definida recorrentemente. Pode-se
mostrar, sem dificuldade, por indução, que seu termo geral é dado por
jn = 2
n − 1.
(Este tipo de sequências, as recorrências, será estudado de modo sistemático
nas Unidades U8 e U9.)
Esse jogo foi idealizado e publicado pelo matemático francês Edouard
Lucas, em 1882, que, para dar mais sabor à sua criação, inventou a seguinte
�lenda�:
Na origem do tempo, num templo oriental, Deus colocou 64 discos per-
furados de ouro puro ao redor de uma de três colunas de diamante e ordenou
a um grupo de sacerdotes que movessem os discos de uma coluna para outra,
respeitando as regras acima explicadas. Quando todos os 64 discos fossem
transferidos para uma outra coluna, o mundo acabaria.
Você não deve se preocupar com a iminência do fim do mundo, pois, se,
a cada segundo, um sacerdote movesse um disco, o tempo mínimo para que
12 Unidade 3
ocorresse a fatalidade seria de 264−1 segundos e isto daria, aproximadamente,
um bilhão de séculos!
2 O Enigma do Cavalo de Alexandre
Num mosaico romano, Bucéfalo, o cavalo de Alexandre, o Grande, é re-
presentado como um fogoso corcel cor de bronze. Nesse exemplo, vamos
�provar� que isso é uma falácia (uma grande mentira).
Inicialmente, �provaremos� que todos os cavalos têm mesma cor. De fato,
considere a sentença aberta:
P (n) : Num conjunto com n cavalos, todos têm a mesma cor.
Note que P (1) é obviamente verdadeira. Agora, suponha o resultado
válido para conjuntos contendo n cavalos. Considere um conjunto
C = {C1, C2, . . . , Cn, Cn+1}
com n+1 cavalos. Decompomos o conjunto C numa união de dois conjuntos:
C = C ′ ∪ C ′′ = {C1, . . . , Cn} ∪ {C2, . . . , Cn+1},
cada um dos quais contém n cavalos.
Pela hipótese indutiva, segue-se que os cavalos em C ′ têm mesma cor,
ocorrendo o mesmo para os cavalos em C ′′. Como
C2 ∈ C ′ ∩ C ′′,
segue-se que os cavalos de C ′ têm a mesma cor dos cavalos de C ′′, permitindo
assim concluir que todos os cavalos em C têm a mesma cor.
Assim, a nossa �demonstração� por indução está terminada, provando que
P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.
Agora, todo mundo sabe (você sabia?) que Marengo, o famoso cavalo de
Napoleão, era branco. Logo, Bucéfalo deveria ser branco.
Onde está o erro nessa prova? Para achá-lo, sugerimos que você tente
provar que, se P (1) é verdadeira, então P (2) é verdadeira.
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 13
Esse problema foi inventado pelo matemático húngaro George Polya (1887-
1985).
Problema 9 Ache o erro na �prova� do seguinte
�Teorema� Todos os números naturais são iguais.
Demonstração: Vamos provar o resultado mostrando que, para todo n ∈
N, é verdadeira a sentença aberta
P (n): dado n ∈ N, todos os número naturais menores ou iguais do que n
são iguais.
(i) P (1) é claramente verdadeira.
(ii) Suponha que P (n) seja verdadeira, logo n− 1 = n. Somando 1 a ambos
os lados dessa igualdade, obtemos n = n + 1. Como n era igual a todos os
naturais anteriores, segue que P (n+ 1) é verdadeira.
Portanto, P (n) é vedadeira para todo n ∈ N .
3 Descobrindo a Moeda Falsa
Têm-se 3n moedas de ouro, sendo uma delas falsa, com peso menor do
que as demais. Dispõe-se de uma balança de dois pratos, sem nenhum peso.
Vamos mostrar, por indução sobre n, que é possível achar a moeda falsa com
n pesagens.
Para n = 1, isso é fácil de ver, pois, dadas as três moedas, basta pôr
uma moeda em cada prato da balança e descobre-se imediatamente qual é a
moeda falsa.
Suponha, agora, que o resultado seja válido para algum valor de n e que
se tenha que achar a moeda falsa dentre 3n+1 moedas dadas. Separemos
as 3n+1 moedas em 3 grupos de 3n moedas cada. Coloca-se um grupo de 3n
moedas em cada prato da balança. Assim, poderemos descobrir em que grupo
de 3n moedas encontra-se a moeda falsa. Agora, pela hipótese de indução,
descobre-se a moeda falsa com n pesagens, que, junto com a pesagem já
efetuada, perfazem o total de n+ 1 pesagens.
14 Unidade 3
4 A Pizza de Steiner
O grande geômetra alemão Jacob Steiner (1796-1863) propôs e resolveu,
em 1826, o seguinte problema:
Qual é o maior número de partes em que se pode dividir o plano com n
cortes retos?
Pensando o plano como se fosse uma grande pizza, temos uma explicação
para o nome do problema.
Denotando o número máximo de pedaços com n cortes por pn, vamos
provar por indução a fórmula:
pn =
n(n+ 1)
2
+ 1.
Para n = 1, ou seja, com apenas um corte, é claro que só podemos obter
dois pedaços. Portanto, a fórmula está correta, pois
p1 =
1(1 + 1)
2
+ 1 = 2.
Admitamos agora que, para algum valor de n, a fórmula para pn esteja
correta. Vamos mostrar que a fórmula para pn+1 também está correta.
Suponhamos que, com n cortes, obtivemos o número máximo n(n+1)/2+
1 de pedaços e queremos fazer mais um corte, de modo a obter o maior número
possível de pedaços.
Vamos conseguir isso se o (n + 1)-ésimo corte encontrar cada um dos n
cortes anteriores em pontos que não são de interseção de dois cortes (faça
um desenho para se convencer disso).
Por outro lado, se o (n+ 1)-ésimo corte encontra todos os n cortes ante-
riores, ele produz n + 1 novos pedaços: o corte começa em um determinado
pedaço e, ao encontrar o primeiro corte, ele separa em dois o pedaço em que
está, entrando em outro pedaço. Ao encontrar o segundo corte, ele separa
em dois o pedaço em que está, entrando em outro pedaço, e assim sucessi-
vamente, até encontrar o n-ésimo corte separando o último pedaço em que
entrar em dois. Assim, são obtidos n+1 pedaços a mais dos que já existiam;
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 15
logo,
pn+1 = pn + n+ 1 =
n(n+ 1)
2
+ 1 + n+ 1 =
(n+ 1)(n+ 2)
2
+ 1,
mostrando que a fórmula está correta para n + 1 cortes. O resultado segue
então do Princípio de Indução Matemática (Teorema 1 da Unidade 2).
Problema 10 (O queijo de Steiner) Para fazer a sua pizza, Steiner teve
que cortar, primeiro, o queijo. Imaginando que o espaço é um enorme queijo,
você seria capaz de achar uma fórmula para o número máximo de pedaços
que poderíamos obter ao cortá-lo por n planos?
5 Os Coelhos de Fibonacci
Trata-se do seguinte problema proposto e resolvido pelo matemático ita-
liano Leonardo de Pisa em seu livro Liber Abacci, de 1202:
Quot paria coniculorum in uno anno ex uno pario germinentur.
Como não se ensina mais latim nas escolas, aí vai uma explicação: um
casal de coelhos recém-nascidos foi posto num lugar cercado. Determinar
quantos casais de coelhos ter-se-ão após um ano, supondo que, a cada mês,
um casal de coelhos produz outro casal e que um casal começa a procriar
dois meses após o seu nascimento.
Leonardo apresenta a seguinte solução:
16 Unidade 3
mês
número de casais
do mês anterior
número de casais
recém-nascidos
total
1
0
0 1 1
2
0
1 0 1
3
0
1 1 2
4
0
2 1 3
5
0
3 2 5
6
0
5 3 8
7
0
8 5 13
8
0
13 8 21
9
0
21 13 34
10
0
34 21 55
11
0
55 34 89
12
0
89 55 144
Portanto, o número de casais de coelhos em um determinado mês é igual
ao número total de casais do mês anterior acrescido do número de casais
nascidos no mês em curso, que é igual ao número total de casais do mês
anterior ao anterior.
Se denotarmos o número de coelhos existentes no n-ésimo mês por un,
temos, então, que
un = un−1 + un−2, u1 = u2 = 1.
Essas relações definem, por recorrência, uma sequência de números na-
turais, chamada de sequência de Fibonacci, cujos elementos, chamados de
números de Fibonacci, possuem propriedades aritméticas notáveis, que ainda
hoje são objeto de investigação.
Uma recorrência
1
do tipo
xn = xn−1 + xn−2 (1)
1
Uma recorrência é uma fórmula que define um elemento de uma sequência a partir de
termos anteriores.
Definição por Recorrência e Aplicações da Indução 17
só permite determinar o elemento xn se conhecermos os elementos anteriores
xn−1 e xn−2, que, para serem calculados, necessitam do conhecimento dos
dois elementos anteriores, e assim por diante. Fica, portanto, univocamente
definida a sequência quando são dados x1 e x2. A sequência de Fibonacci
corresponde à recorrência (1), onde x1 = x2 = 1.
Quando é dada uma recorrência, um problema importante é determinar
uma fórmula fechada para o termo geral da sequência, isto é, uma fórmula
que não recorre aos termos anteriores. No caso da sequência de Fibonacci,
existe uma tal fórmula, chamada fórmula de Binet, que apresentamos a seguir
e que será demonstrada em um contexto mais geral na Unidade 9.
Para todo n ∈ N, tem-se que
un =
(
1+
√
5
2
)n
−
(
1−√5
2
)n
√
5
É notável que seja necessário recorrer a fórmulas envolvendo números
irracionais para representar os elementos da sequência de Fibonacci, que
são números naturais. Mais notável, ainda, é que o número
1+
√
5
2
seja a
propoção áurea ϕ que aparece nas artes, e que 1−
√
5
2
seja o simétrico de seu
inverso −ϕ−1. Intrigante essa inesperada relação entre criar coelhos e a divina
proporção, não?
Leonardo de Pisa (1170-1250), filho de Bonacci, e por isso apelidado Fi-
bonacci, teve um papel fundamental no desenvolvimento da Matemática no
Ocidente. Em 1202, publicou o livro Liber Abacci, que continha grande parte
do conhecimento sobre números e álgebra da época. Esta obra foi responsável
pela introdução na Europa do sistema de numeração indo-arábico e pelo pos-
terior desenvolvimento da álgebra e da aritmética no mundo ocidental.
Problemas
11 Mostre que a sequência de Fibonacci satisfaz às seguintes identidades:
18 Unidade 3
a) u1 + u2 + · · ·+ un = un+2 − 1.
b) u1 + u3 + · · ·+ u2n−1 = u2n.
c) u2 + u4 + · · ·+ u2n = u2n+1 − 1.
d) u21 + u
2
2 + · · ·+ u2n = unun+1.
12 Sabendo que q =
1 +
√
5
2
é raiz da equação x2 = x + 1, mostre que
qn = unq + un−1.
13 Prove que
u3 + u6 + u9 + · · ·+ u3n = u3n+2 − 1
2
.
14 Dada a recorrência an+2 = 2an+1 + an, com a1 = 1 e a2 = 3, você
conseguiria achar uma fórmula para an? Esse tipo de questão será resolvido
na Unidade 9.
15 Mostre que a recorrência vn = 3vn−1 − 2vn−2, v0 = 2 e v1 = 3 tem por
solução vn = 2
n + 1.
MA 12 - Unidade 4
Somato´rios e Binoˆmio de Newton
Semana de 11/04 a 17/04
Descreveremos, nesta unidade, te´cnicas para se calcular alguns tipos de somas. No in´ıcio da unidade,
e´ lanc¸ado o desafio de calcular a seguinte soma:
Sn = 1× 2 + 2× 3 + 3× 4 + · · ·+ n× (n+ 1).
Calcular uma soma como a acima significa encontrar uma fo´rmula em func¸a˜o de n para Sn que
seja facilmente calcula´vel ao substituir n por um nu´mero natural dado.
Essa soma, como tantas outras, sa˜o dif´ıceis de serem calculadas sem utilizar as propriedades dos
somato´rios. No entanto, com um pouco de conhecimento sobre somato´rios, essas somas sa˜o reduzidas
a algo facilmente calcula´vel. Em seguida, mostramos como e´ poss´ıvel lidar com somas do tipo:
1p + 2p + · · ·+ np,
onde p e n sa˜o nu´meros naturais dados.
O segundo assunto dessa unidade e´ o Binoˆmio de Newton, estudado do ponto de vista alge´brico,
sem levarmos em considerac¸a˜o a sua relac¸a˜o com a Combinato´ria, tratamento esse que sera´ dado na
Unidade 16 de MA12.
Quanto aos problemas, tente resolver o maior nu´mero que puder. Observe que o Problema 5
generaliza algumas somas que apareceram anteriormente.
MA12 - Unidade 4
Somatórios e Binômio de Newton
Semana de 11/04 a 17/04
Nesta unidade introduziremos a notação de somatório, mostrando como a
sua manipulação pode sistematizar e facilitar o cálculo de somas. Dada a
importância de efetuar somas de elementos de várias sequências, esse assunto
será retomado em outras unidades. Outro assunto abordado nesta unidade,
que de certa forma se relaciona com somatórios, é a fórmula do binômio de
Newton, que será apresentada aqui de modo puramente algébrico, deixando
o estudo de suas relações com a Combinatória para a Unidade 16 de MA12.
Somatórios
Vamos recordar a noção de somatório que introduzimos na Unidade 2.
Seja A um conjunto com duas operações satisfazendo às leis básicas da
aritmética.
Se (an) é uma sequência em A, definimos o somatório dos seus n primeiros
1
2 Unidade 4
termos como sendo
n∑
i=1
ai = a1 + a2 + · · ·+ an.
Para apreciar o poder do que iremos apresentar, tente, neste exato mo-
mento, calcular a soma:
1 · 2 + 2 · 3 + 3 · 4 + · · ·+ n(n+ 1).
Se conseguiu, parabéns! Se não conseguiu, não desanime, pois, com os
instrumentos de que você dispõe até o momento, o problema é difícil. Vere-
mos adiante como isso vai se transformar, como num passe de mágica, em
algo fácil de calcular.
Provaremos a seguir alguns resultados bem simples sobre somatórios que
irão nos ajudar a resolver este e muitos outros problemas do mesmo tipo.
Proposição 1 Sejam (ai), (bi) duas sequências de elementos do conjunto A
e seja c ∈ A. Então,
(i)
n∑
i=1
(ai + bi) =
n∑
i=1
ai +
n∑
i=1
bi.
(ii)
n∑
i=1
c · ai = c ·
n∑
i=1
ai.
(iii)
n∑
i=1
(ai+1 − ai) = an+1 − a1.
(iv)
n∑
i=1
c = nc
Demonstração: (i) O que significa a soma
∑n
i=1 (ai + bi)? Significa que
estamos somando os n primeiros termos da nova sequência (ci), onde, para
cada i ∈ N, define-se ci = ai + bi.
Provemos o resultado por indução sobre n. Para n = 1, temos que
1∑
i=1
(ai + bi) = a1 + b1 =
1∑
i=1
ai +
1∑
i=1
bi,
Somatórios e Binômio de Newton 3
mostrando que a fórmula é válida nesse
caso.
Suponha a fórmula válida para algum número natural n. Temos então
que ∑n+1
i=1 (ai + bi) =
∑n
i=1(ai + bi) + (an+1 + bn+1) =∑n
i=1 ai +
∑n
i=1 bi + (an+1 + bn+1) =∑n
i=1 ai + an+1 +
∑n
i=1 bi + bn+1 =
∑n+1
i=1 ai +
∑n+1
i=1 bi,
mostrando assim que a fórmula é válida para n+1. Por Indução Matemática,
temos que a fórmula é válida para todo n ∈ N.
(ii) A prova também se faz por indução e a deixamos como exercício.
(iii) Vamos provar, também por indução sobre n, esta fórmula. Para n = 1,
temos que
1∑
i=1
(ai+1 − ai) = a2 − a1,
o que mostra a validez da fórmula neste caso.
Suponhamos que a fórmula seja válida para um número natural n. Logo,
n+1∑
i=1
(ai+1 − ai) =
n∑
i=1
(ai+1 − ai) + (an+2 − an+1) =
an+1 − a1 + an+2 − an+1 = an+2 − a1,
mostrando que a fórmula vale para n+ 1 e, portanto, vale para todo n ∈ N.
(iv) O somatório
∑n
i=1 c representa a soma de n parcelas iguais a c, e, por-
tanto, é igual a nc. 2
Vejamos agora, com alguns exemplos, como podemos tirar partido deste
resultado.
Exemplo 1. Vamos ao desafio, que lançamos acima, de calcular a soma:
Sn = 1 · 2 + 2 · 3 + 3 · 4 + · · ·+ n(n+ 1).
4 Unidade 4
Com a notação de somatório, podemos escrever
Sn =
n∑
i=1
i(i+ 1).
Ora, aplicando o item (i) da proposição acima, temos
Sn =
∑n
i=1 i(i+ 1). =
∑n
i=1 i
2 +
∑n
i=1 i =
(12 + 22 + · · ·+ n2) + (1 + 2 + · · ·+ n),
somas estas que já calculamos nos Exemplos 1 e 2 da Unidade 2. Portanto,
temos que
Sn =
n(n+ 1)(2n+ 1)
6
+
n(n+ 1)
2
=
n(n+ 1)(n+ 2)
3
.
A fórmula do item (iii) da Proposição 1, chamada de soma telescópica,
nos fornece um método para calcular termos gerais de certas recorrências e
somas, como veremos nos dois exemplos a seguir.
Exemplo 2. Vamos deduzir a expressão do termo geral da recorrência da
Pizza de Steiner:
pn+1 = pn + n+ 1, p1 = 2.
A expressão acima pode ser escrita do seguinte modo:
pi+1 − pi = i+ 1.
Tomando somatórios de ambos os lados, obtemos
n−1∑
i=1
(pi+1 − pi) =
n−1∑
i=1
(i+ 1).
O primeiro membro da igualdade acima é uma soma telescópica e vale
pn − p1, enquanto o segundo membro é por nós conhecido e vale (n− 1)n
2
+
n− 1. Portanto, temos que
pn =
(n− 1)n
2
+ n− 1 + 2 = n(n+ 1)
2
+ 1.
Somatórios e Binômio de Newton 5
Exemplo 3. Seja i ∈ N e considere a seguinte identidade1:
(i+ 1)4 = i4 + 4i3 + 6i2 + 4i+ 1.
Daí, segue-se que
(i+ 1)4 − i4 = 4i3 + 6i2 + 4i+ 1.
Tomando os somatórios de ambos os membros da igualdade acima e no-
tando que o lado esquerdo é uma soma telescópica, obtemos
(n+ 1)4 − 1 =
n∑
i=1
[(i+ 1)4 − i4] =
n∑
i=1
(4i3 + 6i2 + 4i+ 1).
Usando agora as propriedades (i) e (ii) dos somatórios enunciados na
Proposição 1 e as fórmulas obtidas nos Exemplos 1 e 2, da Unidade 2, obtemos
(n+ 1)4 − 1 =∑ni=1(4i3 + 6i2 + 4i+ 1) =
4
∑n
i=1 i
3 + 6
∑n
i=1 i
2 + 4
∑n
i=1 i+ n =
4
∑n
i=1 i
3 + n(n+ 1)(2n+ 1) + 2n(n+ 1) + n.
Daí, segue-se que
∑n
i=1 i
3 =
(n+ 1)4 − 1− n(n+ 1)(2n+ 1)− 2n(n+ 1)− n
4
=
n4 + 2n3 + n2
4
=
[
n(n+ 1)
2
]2
.
Obtemos, assim, a fórmula do Problema 1 (c), Unidade 1:
13 + 23 + · · ·+ n3 =
[
n(n+ 1)
2
]2
.
1
Esta identidade, que pode ser verificada diretamente, é um caso particular da fórmula
do binômio de Newton, que estudaremos em geral na próxima seção.
6 Unidade 4
É possível generalizar este procedimento para obter fórmulas recorrentes
para as somas
1p + 2p + · · ·+ np,
quando p varia nos naturais (veja Problema 2).
Problemas
1 Calcule fórmulas fechadas para as seguintes somas:
a) 1 + (1 + 2) + (1 + 2 + 3) + · · ·+ (1 + 2 + · · ·+ n).
b) 1 · 2 · 3 + 2 · 3 · 4 + 3 · 4 · 5 + · · ·+ n(n+ 1)(n+ 2).
c) 1 · 3 + 3 · 5 + 5 · 7 + · · ·+ (2n− 1)(2n+ 1).
d) 1 + (1 + 22) + (1 + 22 + 32) + · · ·+ (1 + 22 + 32 + · · ·+ n2).
e) 12 + 32 + 52 + · · ·+ (2n− 1)2.
f) 13 + 33 + · · ·+ (2n− 1)3.
2 a) Considere, para i ∈ N, a seguinte identidade:
(i+ 1)5 − i5 = 5i4 + 10i3 + 10i2 + 5i+ 1.
Efetue o somatório de ambos os lados para i variando de 1 até n. Utilizando
problemas anteriormente resolvidos, determine uma fórmula para
∑n
i=1 i
4
.
b) Pense em um modo de calcular
∑n
i=1 i
5
. Mostre como isto pode ser gene-
ralizado.
3 Demonstre a Propriedade (ii) na Proposição 1.
4 Prove as desigualdades:
2(
√
n+ 1− 1) < 1 + 1√
2
+
1√
3
+ · · ·+ 1√
n
< 2
√
n.
Somatórios e Binômio de Newton 7
Sugestão: Mostre inicialmente que
2
√
n+ 1− 2√n < 1√
n
< 2
√
n− 2√n− 1
e em seguida use somas telescópicas.
5 Seja a1, a2, . . . , an+1 uma P.A. com de razão r. Calcule a soma
Sn =
1
a1a2
+
1
a2a3
+ · · ·+ 1
anan+1
.
Sugestão: Mostre inicialmente que
1
aiai+1
= −1
r
[
1
ai+1
− 1
ai
]
.
Tome o somatório, para i variando de 1 até n, em ambos o lados da igualdade
acima e note que o somatório do lado direito é um múltiplo de uma soma
telescópica. Conclua que
Sn = −1
r
[
1
an+1
− 1
a1
]
=
n
a1an+1
.
Binômio de Newton
Considere a expressão (1 + X)n, onde X é uma indeterminada e n é um
número natural. É claro que o desenvolvimento dessa potência é um polinômio
de grau n em X, cujos coeficientes são números naturais (você pode provar
esta afirmação por indução sobre n):
(1 +X)n = a0 + a1X + a2X
2 + · · ·+ an−1Xn−1 + anXn.
Os coeficientes ai, i = 0, . . . , n, serão chamados de números binomiais
e denotados pelos símbolos ai =
(
n
i
)
(usa-se indiferentemente também a
notação Cin). Se i > n, é cômodo definir
(
n
i
)
= 0.
8 Unidade 4
Observe que, tomando X = 1 no desenvolvimento de (1 +X)n, obtemos
a seguinte identidade:
2n =
(
n
0
)
+
(
n
1
)
+ · · ·+
(
n
n
)
.
Queremos determinar fórmulas explícitas para esses números binomiais.
Como os coeficientes do termo independente de X, do termo em X e do
termo em Xn no desenvolvimento de (1 + X)n são, respectivamente, 1, n e
1, temos que (
n
0
)
= 1,
(
n
1
)
= n e
(
n
n
)
= 1
Lema 1 (Relação de Stifel) Para todo n ∈ N e todo i ∈ N com 0 ≤ i ≤ n,
tem-se que (
n
i
)
+
(
n
i+ 1
)
=
(
n+ 1
i+ 1
)
.
Demonstração: Para i = n, a relação acima é trivialmente verificada.
Para 0 ≤ i < n, as relações decorrem, imediatamente, das seguintes igual-
dades: (
n+ 1
0
)
+
(
n+ 1
1
)
X + · · ·+
(
n+ 1
n
)
Xn +
(
n+ 1
n+ 1
)
Xn+1 =
(1 +X)n+1 = (1 +X)
[(
n
0
)
+
(
n
1
)
X + · · ·+
(
n
n− 1
)
Xn−1 +
(
n
n
)
Xn
]
=
(
n
0
)
+
[(
n
0
)
+
(
n
1
)]
X + · · ·+
[(
n
n− 1
)
+
(
n
n
)]
Xn +
(
n
n
)
Xn+1.
2
Lema 2 Para todos n, i ∈ N, com 1 ≤ i ≤ n, tem-se que
i!
(
n
i
)
= n(n− 1) · · · (n− i+ 1).
Somatórios e Binômio de Newton 9
Demonstração: Vamos provar isto por indução sobre n. A igualdade é
trivialmente verificada para n = 1. Suponha que as igualdades sejam válidas
para algum n ∈ N e todo i com 1 ≤ i ≤ n. Pela relação de Stifel, temos,
para i ≤ n, que
i!
(
n+ 1
i
)
= i(i− 1)!
(
n
i− 1
)
+ i!
(
n
i
)
=
in(n− 1) · · · (n− i+ 2) + n(n− 1) · · · (n− i+ 1) =
n(n− 1) · · · (n− i+ 2)(i+ n− i+ 1) =
(n+ 1)n(n− 1) · · · (n+ 1− i+ 1),
o que prova a igualdade para n + 1 e para todo i com 1 ≤ i ≤ n. Uma
verificação direta mostra que a fórmula também vale para i = n+1. Portanto,
a igualdade vale para todo n e todo i com 1 ≤ i ≤ n. 2
Segue-se do Lema 2 que, para n, i ∈ N, com 1 ≤ i ≤ n, vale a seguinte
fórmula para os coeficientes binomiais:(
n
i
)
=
n(n− 1) · · · (n− i+ 1)
i!
=
n!
i!(n− i)! .
Note que os termos extremos nas igualdades acima têm

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