Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
p. 1 FAINOR – FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE ROTEIRO DE ESTUDOS SOCIOLOGIA Prof. DSc. Zenildo Soares de Souza Júnior profzjr@hotmail.com p. 2 TEMA 1 - O QUE É A SOCIOLOGIA Introdução A sociologia consiste em uma ciência que estuda o comportamento humano em sociedade. Para isso, ela se dedica a observar e pesquisar as AÇÕES SOCIAIS, as INTERAÇÕES e as MUDANÇAS que ocorrem no ambiente social. Procura compreender A ESTRUTURA, o DESENVOLVIMENTO e as TRANSFORMAÇÕES sociais. O que designamos como SOCIEDADE, por sua vez, é definido como sendo um corpo orgânico estruturado em todos os níveis da vida social. Tem por base a reunião de indivíduos que vivem sob determinado sistema de produção, distribuição e consumo de recursos. Estes indivíduos se organizam sob um dado regime político, obedecendo a normas, leis e instituições consideradas necessárias para a conservação e reprodução do meio social como um todo. O que isso quer dizer é que os seres humanos são dependentes da vida em sociedade. De fato, sem ela até mesmo a existência física dos indivíduos está em perigo. Cada um de nós precisa do apoio e da contribuição de uma infinidade de outras pessoas para atender nossas necessidades mais básicas. Não podemos produzir nosso próprio alimento, construir nossos abrigos, as roupas e calçados que usamos, prover os recursos de comunicação, lazer, educação etc. Tudo isso é produzido socialmente, em redes enormes de relações que criam vínculos de reciprocidade entre os indivíduos, os grupos e os subgrupos de pessoas. É assim que a sociedade funciona. Ocorre que este corpo orgânico estruturado, que é a sociedade, não está isento de problemas e dificuldades constantes, que ameaçam sua sobrevivência e a viabilidade da vida coletiva. A utilidade da sociologia se torna evidente quando é preciso lidar com tais dificuldades. Como todos os que integram o grupo dependem de seu bom funcionamento, é preciso compreender a natureza dos problemas, suas causas e fatores determinantes. Mais importante ainda, é preciso oferecer ao debate público propostas de soluções. Sociologia e senso comum Como podemos perceber, dizer que a sociedade é um corpo ORGÂNICO significa que ela funciona de forma INTEGRADA. Para isso, os membros do corpo social precisam estabelecer relações uns com os outros. E essas relações precisam ser organizadas, mantidas e administradas de forma que todos possam entender e colocar em prática. Mas fazer isso não é simples. As pessoas conseguem compreender as relações entre si e com aqueles que lhes são próximos. No entanto, não é tão fácil entender os problemas sociais que afetam suas vidas, como esses problemas são gerados e quais os efeitos que têm sobre elas. Um exemplo: qualquer pessoa é capaz de entender o drama que atinge uma família quando um dos seus integrantes é atingido pelo desemprego. Por outro lado, é muito mais complexo entender as condições sociais que determinam a crise econômica que dá origem a esse desemprego em seu sentido mais amplo. Quais são suas causas? A perda de competitividade das empresas? Decisões equivocadas dos governantes? A concorrência? Mudanças no perfil do mercado? A maior parte das pessoas entende o mundo em função de aspectos que são familiares em sua própria vida: a família, os amigos, o trabalho etc. Chamamos esta capacidade de SENSO COMUM, uma forma de conhecimento tácito (não formalizado) sobre a vida cotidiana. É a habilidade que cada um tem de lidar com sua própria rotina, que permite viver em companhia de outras pessoas e interagir com elas. Mas a complexidade da vida social exige que sejamos capazes de desenvolver uma visão mais ampla sobre o que acontece conosco e as razões que nos levam a agir como agimos. Trata-se de questões muito mais difíceis do que aquelas que normalmente somos capazes de compreender. Precisamos ser capazes de buscar respostas, pois estas questões afetam a vida coletiva, afetam a sociedade como um todo. E para isso, não basta contar com o senso comum. Ele é útil e até indispensável, mas não é suficiente. p. 3 Acontece que muitas coisas que consideramos naturais, inevitáveis, boas ou verdadeiras podem não ser nada disso. A sociologia nos mostra que muito daquilo que consideramos normal é, na verdade, resultado de influências históricas e processos sociais difíceis de perceber. A perspectiva sociológica, então, permite entender as maneiras por meio das quais nossas vidas refletem a nossa experiência social. São maneiras sutis, que nem sempre conseguimos identificar no dia a dia, mas determinam muita coisa e devemos buscar compreendê-las. Existem pelo menos quatro diferenças fundamentais entre o senso comum e a visão sociológica sobre a vida em coletividade: a) A sociologia é uma CIÊNCIA, e por isso suas conclusões e afirmativas estão sujeitas a regras rigorosas para serem consideradas válidas. O discurso sociológico tem que diferenciar o que se sustenta em ideias não testadas daquilo que pode ser demonstrado por evidências verificáveis. Além disso, as afirmações científicas têm que se relacionar com outras afirmações relativas ao mesmo tópico, de forma fidedigna, confiável e dotada de utilidade prática; b) O saber sociológico se constrói a partir de estudos sobre um campo de observações muito grande. A experiência pessoal que serve de base para o senso comum não é capaz de tamanha abrangência e por isso não pode perceber claramente a complexa rede de dependência e interconexões que envolve a vida social; c) Cada pessoa tende a ver a si mesma como “autora” de suas ações e acredita que age movida por suas próprias intenções. Assim, tende a perceber o que acontece no mundo como resultado da ação proposital de alguém – julgando, por causa disso, que as coisas boas ou más são provocadas por intenções de pessoas de boa ou má vontade. A sociologia, porém, não se concentra nos atores individuais de ações isoladas. Procura entender as figurações para compreender o mundo humano, analisando as redes de interdependência para dar sentido à condição humana; d) A sociologia coloca em questão coisas que são, aparentemente, inquestionáveis. Com isso, pode abalar as “certezas” da vida, levando a refletir sobre o que pareceria familiar e comum, como os padrões “normais” e as condições sociais. É uma atitude oposta à do senso comum, que depende apenas da autoevidência de seu caráter. Isto é, que não questiona seus preceitos nem precisa da autoconfirmação na prática. Este caráter do senso comum deriva da rotina, da repetição frequente que acaba por dispensar a verificação de suas afirmativas. As pessoas se inclinam a aceitar, com a rotina, uma atitude fatalista, convencendo-se de que podem fazer pouco ou nada para alterar as condições em que vivem e sua forma de agir. O que é familiar se torna autoexplicativo. A sociologia, ciência do mundo moderno Não podemos falar, propriamente, de um conhecimento sociológico distanciado das condições em que funciona a sociedade contemporânea. Na verdade, a Sociologia foi concebida justamente por causa de crises e conflitos que caracterizaram o surgimento da modernidade, ao longo do século XIX. No final dos anos 1700, o mundo ocidental (representado na época, basicamente, pela Europa) entrou gradualmente em situação de tumulto. A principal razão para isso foram os efeitos cumulativos de dois grandes fenômenos históricos, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. A primeira afetou basicamente as condições POLÍTICAS da vida das sociedades europeias, levando ao fim as monarquias absolutas, estabelecendo o modelo de governo republicano e transformando a condição dos indivíduos componentes dos estados; eles deixaram de ser súditos e se tornaram cidadãos. Isso significava que as pessoas comunsse tornaram agentes políticos ativos. Passaram a ter direitos e não apenas deveres, e podiam influir nas decisões e políticas adotadas pelos governantes. Já a Revolução Industrial projetou consequências principalmente ECONÔMICAS. Começou na Inglaterra, por volta da década de 1720, com a introdução de novas técnicas de produção de mercadorias industrializadas, gerando também novas ideias e métodos mais eficientes de gestão dos assuntos econômicos. p. 4 Como resultado dessas duas revoluções, mudanças radicais ocorreram na Europa. A perda de poder político da aristocracia e do poder real significou a ascensão de uma nova classe dominante, a burguesia, ligada aos interesses econômicos identificados com o capitalismo industrial e com as formas republicanas de governo. Ao mesmo tempo, a concentração da produção de riquezas econômicas nas fábricas promoveu o êxodo rural levando milhões de pessoas a se deslocar dos campos para as cidades. Aqueles que antes viviam como camponeses passaram a sobreviver como trabalhadores industriais, formando a base do que o marxismo denominou de proletariado. No espaço de umas poucas décadas, portanto, tudo mudou. Marx, talvez o maior analista desse processo, resumiu essas mudanças drásticas com uma frase precisa, publicada no Manifesto do Partido Comunista: Segundo Marx, “Tudo que era sólido desmanchava no ar”. Essas transformações, contudo, não ocorreram sem traumas. Em pouco tempo, começaram a ocorrer conflitos, provocados essencialmente pelas péssimas condições de vida dos trabalhadores urbanizados, pela concentração da riqueza nas mãos da burguesia dona das indústrias, pela fragilidade dos modelos políticos e pela própria necessidade de ajuste às novas formas de organização da vida social. Logo surgiram pensadores preocupados em compreender esses problemas e apontar soluções para o que parecia ser uma crise social sem fim. Foi desse movimento que nasceu a sociologia. Os pioneiros Considera-se que o autor original da ideia foi um filósofo e polemista francês, Auguste Comte. Foi ele quem primeiro afirmou que o mundo europeu tinha ingressado em um novo modelo de vida em sociedade e que era preciso desenvolver uma forma de pensamento científico capaz de explicar tudo isso. Assim como muitos em sua época, Comte estava convencido de que através de métodos desenvolvidos pela ciência moderna era possível solucionar todos os problemas da Humanidade e construir um futuro de ordem que permitiria alcançar o progresso geral da sociedade. Essa ideologia se tornou conhecida como POSITIVISMO e foi muito influente em muitas áreas do pensamento social e político. A noção central do positivismo era a noção de CONSENSO: toda sociedade precisa reunir esforços e condutas em torno de alguns princípios fundamentais, que orientam seu funcionamento. Estes princípios, segundo Comte, deviam ser definidos não pela moral religiosa, os costumes ou crenças filosóficas, mas sim por critérios científicos, capazes de proporcionar certezas sobre a vida e sobre o que era adequado para a sociedade. Por causa disso, se diz que o positivismo era uma ideologia CIENTIFICISTA E AUTORITÁRIA, uma vez que considerava o INTERESSE COLETIVO superior às aspirações e crenças individuais. As três correntes da sociologia clássica DURKHEIM: A primeira corrente teórica a se desenvolver na Sociologia foi liderada por um admirador das ideias de Comte: o também francês Émile Durkheim foi o criador da SOCIOLOGIA POSITIVISTA ou FUCIONALISTA. A rigor, pode-se dizer que foi o primeiro a praticar a sociologia científica propriamente dita: na obra As Regras do Método Sociológico, Durkheim estabeleceu os princípios técnicos para o funcionamento da ciência. Coerente com a visão positivista, Durkheim concebia a sociedade sob o ponto de vista de sua própria reprodução. O elemento fundamental da vida coletiva eram os FATOS SOCIAIS, cujo papel é organizar o comportamento, as regras de conduta e as ideias – a MORAL SOCIAL e a CONSCIÊNCIA COLETIVA. Caso isso seja feito de maneira adequada, cada membro da coletividade cumpriria seu papel, fazendo com que o CORPO SOCIAL funcione adequadamente, beneficiando a todos. A abordagem funcionalista de Durkheim compreende a sociedade como um todo orgânico, comparável a um ser vivo; por esta razão, também é chamada de organicista. É uma visão tipicamente conservadora, pois entende que o papel dos fatos sociais é ESTABILIZAR E REPRODUZIR A SOCIEDADE. É coerente com uma visão otimista da nova ordem social produzida pelo capitalismo industrial, conduzido por métodos racionais e voltado para o crescimento da produção e o aumento da riqueza. Segundo esse ponto de vista, a sociedade em seu conjunto se beneficia com esse arranjo. p. 5 MARX: Enquanto os pontos de vista de Durkheim e dos positivistas eram favoráveis ao sistema capitalista, a visão defendida pelo alemão Karl Marx era exatamente o contrário. Marx considerava que o capitalismo era movido por uma lógica essencialmente perversa, pois se baseava na exploração do homem pelo homem. A produção de riquezas pela ordem capitalista era de fato muito grande, mas a distribuição dessas riquezas era injusta. As classes que controlavam os MEIOS DE PRODUÇÃO utilizavam-se do poder que tinham para dominar sobre as outras classes e, com isso, organizavam a sociedade de modo a proteger seus próprios interesses. Assim, enquanto os positivistas defendiam o consenso e a ordem como caminho para o bem comum, Marx e seus seguidores afirmavam o contrário: os benefícios do progresso econômico e científico somente seriam bem distribuídos se o capitalismo fosse destruído, uma vez que a exploração estava na própria natureza do sistema. A essência da vida social moderna não era a ordem racional, mas sim a LUTA DE CLASSES, que servia como motor da história. A destruição do capitalismo seria inevitável, devido à sua vocação de tornar os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Quando isso acontecesse, finalmente, seria estabelecida uma nova ordem social, baseada no SOCIALISMO, que não reconhece a propriedade privada e, sim, a posse coletiva dos meios de produção. Marx foi um grande pensador, refletindo sobre temas políticos, econômicos, filosóficos e jurídicos. Suas obras mais importantes foram o texto político Manifesto do Partido Comunista, de 1848, e O Capital, de fundo principalmente econômico, publicado como uma série de livros a partir de 1867 e que só terminou de ser editado já depois da morte de Marx. Devido a suas posições revolucionárias, a visão desenvolvida por Marx e pelos marxistas na sociologia se tornou conhecida como PERSPECTIVA DO CONFLITO, opondo-se à PERSPECTIVA DO CONSENSO dos positivistas. As duas correntes, contudo, apesar de divergirem profundamente na sua análise, concordavam em pelo menos um aspecto essencial: tanto positivistas quanto socialistas marxistas acreditavam na possibilidade de formação de uma sociedade estudada, organizada e gerenciada por meio de métodos científicos. Acreditavam, portanto, que a ciência era capaz de proporcionar caminhos para a paz e o bem-estar de todos. MAX WEBER: O também alemão Max Weber é considerado fundador da terceira corrente de pensamento da sociologia clássica, e sua divergência com Durkheim e Marx tem início exatamente nesse aspecto. Para Weber, a utilidade a sociologia não estava na possibilidade de conduzir a vida social de forma “científica”. Na verdade, Weber argumentava que os métodos típicos das ciências naturais (como a Física, a Biologia, a Química etc.) eram inadequados para analisar o comportamento humano em sociedade. Era preciso adotar outra atitude, visando compreender as ações praticadas pelas pessoas A PARTIR DE SEUS OBJETIVOS INDIVIDUAIS OU COLETIVOS. A sociologia compreensiva, inspirada nessas ideias, era, portanto,voltada para a interpretação, por parte do observador, das INTENÇÕES que movem os agentes sociais. Consequentemente, Weber estava mais interessado em definir métodos que permitissem entender os SIGNIFICADOS das ações – considerando, além do mais, que esses significados eram dados essencialmente pelos próprios agentes. Em outras palavras, a sociologia devia se voltar para entender questões como o sentido simbólico, os costumes sociais, os valores, tradições e os desejos expressos nas atitudes daqueles que praticam as ações. É possível concluir, assim, que a sociologia compreensiva de Weber tem uma atitude mais “neutra” diante do sistema capitalista, contrastando com o apoio concedido pela corrente positivista e com a crítica revolucionária do marxismo. Em linhas gerais, esses perfis servem para distinguir as três correntes fundamentais do socialismo clássico, influenciando o desenvolvimento posterior da ciência até os dias atuais. Tema 2 - A SOCIEDADE ATUAL Os estudos sociológicos são direcionados à compreensão do mundo contemporâneo. Nossa época é repleta de fenômenos sociais relevantes, alguns positivos, outros negativos, que afetam nossas vidas e nossas opiniões e influenciam as perspectivas que temos para o futuro. p. 6 Uma das características mais evidentes da sociedade contemporânea é a intensidade e abrangência e a rapidez com que ocorrem as mudanças sociais. Tem-se a impressão de que tudo está sempre se transformando, o que causa insegurança em muitas pessoas. Em grande parte, essa impressão é verdadeira. Nas sociedades humanas, em certo sentido, tudo muda, o tempo todo. O filósofo grego Heráclito foi um dos primeiros a perceber este fenômeno, cinco séculos antes de Cristo. Heráclito foi o autor de uma metáfora, falando do homem que entra duas vezes no rio. Na segunda vez que o faz, o rio não é mais o mesmo, pois as águas estão em constante movimento. E o próprio homem também já passou por mudanças. As transformações, portanto, são constantes e naturais. Mas muitas delas são difíceis de identificar, em termos de causas, importância e significado. A sociedade realmente se modifica quando ocorrem alterações na sua estrutura subjacente durante um certo período de tempo. Esta estrutura é formada pelas instituições básicas da vida social: a família, a religiosidade, os costumes, a vida econômica etc. Quando elas se modificam, a vida como um todo é afetada e muda também. Com o tempo, todas as pessoas conseguem perceber isso, embora as mudanças sejam variáveis em termos de ritmo e intensidade: algumas coisas permanecem estáveis ao mesmo tempo que outras se alteram. E as alterações também ocorrem em ritmos e intensidades distintos. É possível que alguns aspectos da vida se transformem rapidamente, outros de forma muito lenta. Algumas mudanças podem ser radicais, e outras, quase impossíveis de perceber. É por causa dessa diversidade de ritmos, alcance e abrangência que, até hoje, não existe uma teoria geral única sobre as mudanças sociais na sociedade moderna. Diferentes estudiosos apresentam as mais diversas explicações para o fenômeno. Apesar disso, sabemos que as mudanças são condicionadas por três tipos de elementos determinantes: os FATORES CULTURAIS, as INFLUÊNCIAS ECONÔMICAS e a ORGANIZAÇÃO POLÍTICA. São eles que formam a estrutura subjacente da sociedade. Quando se modificam, a sociedade, em alguma medida, se modifica também. As principais causas das mudanças sociais Se examinarmos o processo histórico que nos envolve, comparando com outros tempos, perceberemos as alterações que atingiram esses três grupos de elementos, dando as feições do que conhecemos como época contemporânea. Fatores culturais – Nas sociedades tradicionais (anteriores à organização capitalista), os hábitos e costumes eram suficientes para justificar muitas práticas sociais por meio da autoridade da tradição. Atualmente não é mais assim. Os modos de vida modernos estão organizados em bases “racionais”, refletindo a influência do conhecimento científico e da secularização. Isso deu origem a um pensamento crítico e inovador. Mudou muito a maneira como formamos e transmitimos nossas ideias e crenças coletivas. Como se modificou a forma “como pensamos”, alterou-se também o conteúdo das ideias. Conceitos relativamente recentes, como aperfeiçoamento pessoal, liberdade, igualdade e participação democrática são considerados muito importantes. Eles sugerem a revisão constante de modos de vida na busca do aperfeiçoamento humano. Embora tenham se desenvolvido inicialmente no Ocidente, tornaram-se genuinamente universais em sua aplicação, capazes de mobilizar processos de mudanças sociais e políticas, incluindo revoluções. Influências econômicas – O fenômeno histórico mais influente nas mudanças que levaram à formação da sociedade moderna foi a ascensão do capitalismo industrial. Assumindo a condição de ordem econômica mais importante da história, o capitalismo promoveu a reorganização de todas as atividades produtivas de acordo com sua lógica, baseada na produção em larga escala, no consumo, na livre iniciativa e na obtenção do lucro. Como sistema econômico, é diferente de tudo o que veio antes, envolvendo a expansão constante da produção e a acumulação constante de riquezas. O capitalismo estimula a revisão constante das tecnologias de produção, o que por sua vez alimenta o progresso científico. p. 7 Assim, a ciência e a tecnologia interferem na vida das pessoas, ultrapassando a esfera puramente econômica e redefinindo a vida de maneira global. Organização política –Nas sociedades tradicionais a mudança política se confinava às elites: uma família aristocrática substituía a outra, às vezes por meio da violência, enquanto para a maioria da população a vida continuava relativamente inalterada. Nos sistemas políticos modernos, ao contrário, as atividades de líderes políticos e de autoridades governamentais afetam constantemente a vida da população. Além disso, as decisões políticas promovem e direcionam a mudança social, graças a sua estreita ligação com o mundo econômico e cultural. Bauman e a Modernidade Líquida O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, recentemente falecido, ganhou notoriedade ao difundir o conceito de “liquidez” para descrever o mundo moderno e seus padrões de relacionamento social. Segundo Bauman, nossa época tem como característica a superação e abandono de referenciais morais, afastados para dar lugar à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade. O processo é semelhante àquele descrito por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista (1848), que descrevia um quadro semelhante produzido pela chegada do domínio da burguesia sobre o mundo ocidental. Na época, retirou-se o “velho” para abrir espaço ao “novo”, mas se mantiveram os fundamentos racionais e iluministas (como a liberdade política, a solidariedade de classe, a noção de igualdade como objetivo político etc.) A partir dos anos 1960, contudo, aquele movimento começou a ser substituído pelos primeiros elementos que ajudaram a formar o quadro atual. A MODERNIDADE LÍQUIDA faz com que os elementos da estrutura subjacente da sociedade (a família, a nacionalidade, as ideologias) deixam de ser vistos como referenciais. A vida passa a ser entendida como um projeto individual. O fator decisivo que conduz a isso é a crescente tendência ao consumo, que transforma as relações sociais (e a própria identidade das pessoas) em MERCADORIA. Os indivíduos se desligam de projetos coletivos, os mercados mundiais se expandem sem regulamentação, o espaço público se esvazia com a falta de modelos globais ou utopias dignas de adesão. Para construir sua vida e seinserir nas condições de classe e cidadania, as pessoas não podem mais contar com padrões de referência ou códigos sociais e culturais. Não existem mais lugares preestabelecidos no mundo em que elas possam se situar. Por isso, são obrigadas a lutar livremente, por sua conta e risco, para assumir um lugar numa sociedade cada vez mais seletiva tanto do ponto de vista econômico quanto social. Entre os sintomas deste quadro de coisas pode-se apontar, como exemplo, o aumento do desgaste nas relações de trabalho, quando proliferam os empregos temporários, jornadas parciais e vínculos diretos empregado-empregador (como no caso dos trabalhadores que são pessoas jurídicas). Nas relações pessoais, predominam as CONEXÕES (que Bauman descreve como relações frágeis), que têm duas características fundamentais: 1) interessam pela quantidade e não necessariamente pela qualidade; e 2) podem ser rompidas sem maiores perdas ou danos. Pode-se dizer que as relações frágeis simbolizadas pela conexão fazem com que os seres humanos sejam tratados como mercadorias, que podem ser “consumidas” e descartadas a qualquer momento. No mundo líquido, os sujeitos lidam com um mundo de consumo e opções. Mas isso não significa que seja um mundo objetivo e frio, pois ainda surgem frustrações e, com frequência, insegurança. Toda a referência do sujeito líquido é colocada nele mesmo, ele é o responsável pela construção e escolha das normas que vai seguir. Tudo é questão de escolher a melhor opção, com melhores vantagens e, se possível, nenhuma desvantagem. A mentalidade orientada pelos imperativos de consumo está por toda parte, conferindo validade (ou não) às p. 8 instituições e normas sociais e afetando todos os aspectos da vida, inclusive as emoções e a sexualidade. Como se formou o mundo em que vivemos: o fator decisivo A sociedade que conhecemos atualmente é, na verdade, um fenômeno relativamente recente. As linhas gerais que explicam seu funcionamento se estabeleceram a partir do final do século XVIII e início do século XIX, momento em que se definiu o que chamamos de era contemporânea. O marco mais importante deste momento foi a INDUSTRIALIZAÇÃO, termo que se refere ao surgimento da produção mecânica baseada no uso de recursos energéticos inanimados como o vapor e a eletricidade. Este fenômeno surgiu na Europa (principalmente na Grã- Bretanha, em meados do Século XVIII), mas seu desenvolvimento teve consequências que hoje se estendem pelo mundo inteiro. As sociedades industriais, também chamadas de “modernas” ou “desenvolvidas” são totalmente diferentes de qualquer tipo anterior de ordem social. Neste quadro, o fator decisivo é a importância central da TECNOLOGIA, cujo desenvolvimento é constante e está em constante expansão, ocupando todos os espaços da vida cotidiana. A tecnologia moderna transformou o modo de vida de uma grande proporção da população humana. Ela produz mais e mais rápido. Cria objetos que não poderiam ter sido produzidos pelos métodos artesanais do passado. Permitiu a criação de coisas que nem podiam ser imaginadas antes – a câmera fotográfica, o automóvel, o avião, os aparelhos eletrônicos do rádio ao computador, as usinas hidrelétricas e uma infinidade de outras coisas. Apesar de todo esse progresso e desenvolvimento tecnológico ser inegável, existe um lado negativo na modernização: a persistência (e o aumento) das desigualdades, a concentração de renda e a continuidade de bolsões de pobreza pelo mundo afora. Mesmo com todos os recursos atualmente disponíveis, as desigualdades globais demonstram que o desenvolvimento não é compartilhado de forma adequada. É possível que a causa fundamental para este cenário esteja ligada ao próprio ritmo das mudanças que criaram o mundo em que vivemos hoje. Modos de vida e instituições sociais modernos são radicalmente diferentes dos encontrados mesmo em um passado recente. Durante um período de apenas dois ou três séculos, a vida social foi arrancada da ordem social em que as pessoas tinham vivido por milhares de anos. Isso é decisivo para estabelecer e manter grandes desigualdades que têm efeito sobre o modo de vida das sociedades modernas. Podemos concluir, portanto, que a industrialização serviu de fator fundamental para as mudanças que deram forma à sociedade contemporânea. As diferenças são inúmeras e profundas, mas é possível perceber a extensão delas quando observamos os dois elementos centrais de qualquer sociedade: o modo de vida e o funcionamento das instituições sociais mais influentes e relevantes. 1: OS MODOS DE VIDA – Atualmente a maior parte dos empregos e funções produtivas se concentra em fábricas, lojas e escritórios. Isso é tanto CAUSA quanto CONSEQUÊNCIA da concentração urbana, promovida pela industrialização capitalista. Cerca de 90 % da população mundial vive nas cidades, onde as pessoas encontram seus empregos e as estruturas para atender suas necessidades básicas (saúde, educação, segurança etc.). Por outro lado, a vida nas cidades é sempre mais impessoal e anônima, afetada diretamente pelos interesses econômicos e as pressões da sociedade de consumo. 2: AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS – A industrialização impulsionou os transportes e as comunicações, e isso foi decisivo para formar comunidades “nacionais” mais integradas. As sociedades industriais formaram os primeiros ESTADOS-NAÇÕES, comunidades políticas definidas por fronteiras claramente delimitadas. Os governos nacionais têm amplos poderes sobre muitos aspectos da vida dos cidadãos, criando leis que se aplicam a todos os que vivem p. 9 dentro de seus limites. Praticamente todas as sociedades do mundo atual são Estados- Nações. TTeemmaa 33 –– AApprreennddeennddoo aa vviivveerr eemm ssoocciieeddaaddee Os seres humanos são seres sociais. Na verdade, viver junto com os outros humanos é essencial para garantir a sobrevivência de nossa espécie. Sozinhos, somos vulneráveis e incapazes de dominar sobre os perigos e ameaças do mundo natural. A vida em coletividade, contudo, não é algo que se desenvolve automaticamente. Há muitas outras espécies de animais que também vivem em sociedade, mas no caso dos humanos é muito diferente. É preciso adaptar nossa conduta individual e ajustar nosso comportamento para tornar possível a convivência com os outros. Os padrões de comportamento O comportamento dos animais não humanos que vivem em sociedade apresenta certas semelhanças com o nosso. O que chamamos de PADRÕES DE COMPORTAMENTO são formas regulares de ação associadas a determinadas situações. Todas as espécies animais apresentam alguma forma de ações padronizadas de comportamento. Mas os padrões dos animais não humanos são substancialmente diferentes dos nossos. Formigas de uma mesma espécie, mas localizadas em lugares diferentes, por exemplo, vão se comportar da mesma maneira. O mesmo vale para abelhas, zebras ou peixes. Isso acontece porque os padrões que governam estes animais são constantes no tempo e no espaço. Já os padrões humanos são mutáveis. As atitudes do brasileiro na atualidade são diferentes daquelas de vinte ou trinta anos atrás. E não são iguais ao do homem francês, do homem japonês ou do homem australiano. Assim, enquanto os padrões de comportamento dos animais não humanos possuem um alto grau de estabilidade, os padrões humanos são extremamente flexíveis. Isso ocorre porque os padrões básicos de comportamento dos animais não humanos são transmitidos através da herança biológica, ou seja, decorrem da sua simples natureza. Já os padrões de comportamento humano são transmitidos e aprendidos por meio da comunicação simbólica. As padronizações predominantes do comportamento humano não estão nas condições biológicastípicas da nossa espécie. Eles são artificiais, criados pelo próprio homem, e são transmitidos através de estratégias que funcionam de acordo com os mecanismos desenvolvidos pela cultura de cada grupo social. Todas as sociedades possuem cultura, sejam elas rurais ou urbanas, simples ou complexas. Cada cultura e cada sociedade têm sua integridade própria, seu sistema de valores e costumes. Podemos definir “cultura” como tudo aquilo que é aprendido socialmente e compartilhado pelos membros de uma sociedade. A cultura se transmite de uma geração para outra: o indivíduo a recebe como parte de uma herança social e, por sua vez, pode introduzir mudanças que serão transmitidas às gerações futuras. A criança ainda pequena é cercada pelas influências do grupo onde nasceu: o modo de falar, a língua, o vestir, o modo de comer etc. À medida que cresce, vai aumentando esse fluxo de influências a partir desse mesmo grupo. Adquire novos hábitos e costumes e se integra de forma cada vez mais completa como membro dessa sociedade. Essa aquisição da cultura é exatamente o que denominamos de processo de socialização. A linguagem verbal é o mais importante instrumento de socialização. O símbolo verbal (a palavra) permite ao homem conduzir suas ações segundo situações, objetos e pessoas fisicamente distantes, assim como de acordo com acontecimentos passados ou hipoteticamente futuros. É por isso que o símbolo, sobretudo o símbolo verbal, é tão importante para o processo de socialização e, em consequência, para a continuidade dos sistemas sociais. A socialização e a capacidade de viver em grupo O homem não nasce social. Ele só desenvolve as características de comportamento tipicamente humanas através da socialização. Repetidas experiências têm demonstrado que, se submetidos a condições de isolamento, não somos capazes de desenvolver de forma p. 10 autônoma os traços de comportamento que nos caracterizam como propriamente HUMANOS. Pelo contrário, nesses casos o que se observa é uma tendência a realçar traços de comportamento tipicamente animais e instintivos, mesmo levando em conta que as habilidades potenciais dos seres humanos estejam presentes. A socialização, portanto, é o processo de desenvolvimento da capacidade de interagir com os demais membros do grupo social. Basicamente, trata-se de um processo simultâneo de “treinamento” e incorporação de regras e métodos que nos ensinam a criar e manter vínculos com aqueles que nos cercam. Ao longo deste processo, espera-se que as pessoas sejam capazes não apenas de apreender o sentido e o conteúdo das regras e normas sociais, mas também de incorporá-las de tal maneira a sua conduta que estas se transformem numa espécie de “segunda natureza” de cada um. Os sociólogos chamam esse processo de interiorização das regras sociais. As regras, por sua vez, não existem por acaso. Elas derivam de valores e práticas que o grupo social considera válidos e interessantes. À medida em que crescemos, estes valores e práticas são assimilados por nós, permitindo que tomemos parte de processos sociais em diferentes etapas e níveis. Dessa maneira, nos tornamos capazes de relacionamento com universos humanos cada vez maiores e mais diversificados. A socialização significa transmissão e assimilação de padrões de comportamento, normas, valores e crenças, bem como o desenvolvimento de atitudes e sentimentos coletivos pela comunicação simbólica. Socialização, portanto, é o mesmo que aprendizagem. Quando dizemos que alguém está sendo “educado” para alguma coisa, é o mesmo que dizer que está sendo socializado no sentido daquele objetivo. Ou então, quando consideramos alguém “mal- educado” isso significa que a socialização a que a pessoa foi submetida não foi eficiente o bastante. Dinâmica da socialização A socialização é mais intensa durante a infância e adolescência, mas na verdade trata-se de um processo permanente, porque ao longo da nossa vida ocorrem mudanças de grupos e de posições sociais. A cada mudança, precisamos aprender novos modos padronizados de agir e mesmo de pensar. Além disso, todas as sociedades estão sempre se modificando, e seus padrões de organização também mudam. Sociedades simples, como as sociedades indígenas, mudam lentamente; já as sociedades do tipo urbano-industrial se transformam com mais rapidez. De qualquer modo, seja qual for o tipo de sociedade, ela está sempre em mudança. Isso exige que o indivíduo se adapte ao ambiente social dinâmico, assimilando novos padrões de comportamento. A socialização permite que o indivíduo desenvolva sua personalidade, seja admitido na sociedade e ajude na continuidade dos sistemas sociais. Faz-se a distinção entre dois tipos de socialização: a primária e a secundária. Socialização primária: é a socialização que dá aos indivíduos padrões de comportamento básicos necessários a uma vida normal na sua sociedade; Socialização secundária: se refere à aprendizagem de padrões de comportamento especiais para determinadas posições e situações sociais. Se o indivíduo assume uma determinada profissão, é através da aprendizagem dos conhecimentos e das técnicas, bem como da assimilação dos padrões de comportamento próprios daquela ocupação que ele se submete à adaptação à nova posição e às situações sociais que daí decorrem. O casamento é outro exemplo que exige a socialização secundária. Principais agentes de socialização Entre os principais agentes de socialização estão a família, os pequenos grupos, a escola, os grupos de status, os meios de comunicação de massa e os grupos de referência. a) A família é o principal agente de socialização. É o agente básico e mais importante, no qual o indivíduo é influenciado em um primeiro momento, ao nascer, e mantém algum grau de influência por praticamente toda a vida. Os estilos de relacionamento na família variam em função da classe social, dos grupos culturais diversos, podem ser mais ou menos autoritários, mais ou menos permissivos, com alto ou baixo grau de indiferença. Os pais, de modo geral, socializam suas crianças com base no universo cultural que conhecem, em que foram p. 11 socializados e no qual estão adaptados. Assim, reproduzem para seus filhos os valores, normas e costumes por meio de um processo de transmissão cultural; b) Os pequenos grupos, o que pode incluir a família, são os principais agentes de socialização. São os chamados grupos primários. Constituem-se em poderoso agente de formação da personalidade, cuja força dificilmente pode ser rompida. Estabelecem relações estreitas de compromisso e solidariedade grupal, que fazem da convivência com o grupo uma experiência única de fortalecimento recíproco. Essa força tem sido utilizada para recuperar viciados em drogas e álcool, tornando o compromisso com o grupo mais forte do que o apelo do vício. Em alguns casos, os que frequentam o grupo por muito tempo passam a se vestir da mesma maneira, pentear-se e se comportar de forma semelhante uns aos outros. Essa característica é muito visível em adolescentes; c) A escola transmite, particularmente às crianças, a experiência de lidar com uma grande organização, onde as relações sociais são diferentes daquelas do núcleo familiar. Entram em contato com a burocracia, com regras aplicáveis a todos e com um ambiente no qual os indivíduos são reconhecidos por seu desempenho. Na escola, as relações informais e pessoais da família são substituídas por relações formais e impessoais. Nessa fase, os indivíduos podem entrar em contato com membros de subculturas existentes na sociedade, o que vai aprofundar sua socialização, consolidando sua personalidade tanto social quanto individual. d) Os grupos de status aumentam sua importância para o processo de socialização com o aumento da idade. No grupode jovens, os indivíduos têm a oportunidade de testar o que aprenderam com os adultos, tendo o apoio do grupo para desenvolver outros valores e normas alternativas. Mais tarde, na fase adulta, os grupos de status (faixa de renda, de consumo etc.) farão parte de sua existência como forma de atuar na sociedade mais geral. Nesses grupos, o indivíduo aprenderá gestos, gosto por determinadas leituras, um linguajar próprio, um tipo de consumo e assim por diante. e) Os grupos de referência são usados como modelo de comportamento e atitudes ao longo de toda a vida do indivíduo e podem ter papel positivo ou negativo. São geralmente artistas, figuras populares, celebridades etc. Os meios de comunicação de massa, principalmente a TV, o cinema e a Internet, são agentes de socialização relativamente novos. Influenciam o comportamento, principalmente da juventude, incentivando novos hábitos, modismos e atitudes em relação a determinados grupos sociais. Para melhor desempenharem seus papéis na mídia, atores baseiam-se em estereótipos de grupos sociais e tendem a acentuar suas características. Assim, esses veículos de comunicação tornam-se também meios de consolidação de imagens distorcidas da realidade: os estereótipos. TEMA 4 – A SOCIALIZAÇÃO E A IDENTIDADE PESSOAL À medida em que cresce e aprende novas coisas, cada indivíduo adquire uma personalidade própria, que o diferenciará dos demais e ao mesmo tempo o identificará com o seu grupo social. Existem elementos comuns na experiência de todas as pessoas, mas mesmo assim cada uma delas continuará sendo única. Desse modo, cada pessoa é socializada de tal modo que sua personalidade é, ao mesmo tempo, parecida com as dos outros em sua sociedade e, em outro sentido, possui também diferenças que a tornam única. Como a socialização ajuda a formar a personalidade “Personalidade” significa a soma das tendências de comportamento do indivíduo e que o tornam distinto dos demais em sua atuação cotidiana. Há diversos fatores que concorrem para o desenvolvimento da personalidade; no entanto, todos, de uma forma direta ou indireta, p. 12 constituem parte da experiência social e cultural do indivíduo e integram seu processo de socialização. São fatores que influenciam o desenvolvimento da personalidade: a) A herança biológica: o ser humano tem um conjunto de necessidades biológicas comuns. Para satisfazer essas necessidades, os homens interagem com outros indivíduos de várias maneiras, o que provocará comportamentos que o diferenciarão de outras pessoas. Boa parte dessas interações é condicionada por características que chegam como herança de seus antepassados, como o temperamento. A herança biológica, portanto, induz a diferentes interações com o outro, o que provoca modificações em nosso comportamento em determinado grupo social. b) O ambiente físico: o comportamento dos indivíduos sofre influência do ambiente físico e muitas vezes está diretamente associado a nossa herança biológica. Em ambientes frios somos induzidos a utilizar muita roupa, o que pode influenciar nosso relacionamento com os outros. Ao mesmo tempo desenvolveremos preocupações com a segurança, com o dia de amanhã, a provisão de alimentos etc. Essas atitudes provocadas pelo ambiente físico causam mudanças no comportamento humano. c) A cultura da qual o indivíduo faz parte: Cada cultura adota determinadas normas no cuidado das crianças, a fim de desenvolver certos traços de personalidade, ou alguns deles. Numa sociedade na qual a força física tem importância, por exemplo, desde cedo os meninos são submetidos a testes e treinamentos para desenvolver a coragem e o vigor. Assim, o indivíduo vai adquirir algumas características que são comuns a todos os outros que fazem parte de seu grupo. d) A história da vida do indivíduo ou sua experiência biológica e psicossocial única: cada pessoa tem experiências psicossociais e biológicas absolutamente diferentes de qualquer outro indivíduo. É praticamente impossível reproduzir em dois indivíduos a mesma experiência de vida. A história pessoal e única desenvolve em cada pessoa tendências de comportamento que em seu conjunto formam um ser único. Cada indivíduo, portanto, tem uma personalidade única, que não pode ser imitada de nenhum modo, pois é impossível reproduzir as condições em que se desenvolveu. Personalidade social A personalidade social é formada pelo indivíduo através da combinação de suas características individuais com as regras de integração à sociedade que ele aprende no processo de socialização. Assim, com o tempo ele passa a ser parte integrante do corpo social de forma mais ou menos autônoma, e é avaliado pelos demais membros do grupo o tempo todo. As outras pessoas vão interagir com ela de acordo com o que consideram que seja sua personalidade social, seja ela aprovada ou considerada indesejável. Cada indivíduo desenvolve uma “personalidade normal” que é produzida pela experiência total de sua vida e é aceita pelos demais membros da sociedade. A personalidade considerada normal difere muito de uma sociedade para outra e dentro de uma mesma sociedade podem existir várias “personalidades normais”, em função das culturas existentes. Nas sociedades mais simples existe uma maior uniformidade da personalidade. Nas mais complexas, ocorre uma variação muito grande, embora haja traços gerais que identificam o indivíduo com o grupo ao qual ele pertence. Além disso, há variações profundas provocadas pela diversidade cultural. O patológico de uma sociedade pode ser o normal em outra, e vice-versa. Logo, o normal e o patológico são definidos pela sociedade e são variáveis. Em sociedades complexas e heterogêneas, diferentes subculturas podem se formar, cultivando traços próprios de “normalidade” – por exemplo, as regiões brasileiras, com seus diferentes costumes, sotaques e tradições. p. 13 Existe certo número de relações entre a estrutura da personalidade do indivíduo e a estrutura da sociedade à qual pertence. Essa relação é funcional, de modo a permitir que os indivíduos participem normalmente da vida em sua sociedade. Papel social A sociedade estabelece que, quando a pessoa dispõe de uma personalidade social formada, ela deve assumir um PAPEL em meio a seu grupo. Geralmente esse momento chega com a idade adulta (que pode ser definida por critérios que não sejam, propriamente, cronológicos; existem culturas que estabelecem “ritos de passagem” para reconhecer um jovem como adulto mesmo que ele tenha pouca idade). Um papel social é um conjunto de direitos, obrigações e expectativas culturalmente definidos que acompanham um status (posição social) na sociedade. É o comportamento social esperado de uma pessoa que detém certo status. A cada status corresponde um determinado papel social. Cada pessoa pode ter inúmeros status aos quais correspondem papéis apropriados. Do mesmo modo que um ator em uma peça de teatro, o indivíduo que ocupa determinada posição social terá que atuar de acordo com o status que ocupa; nesse sentido, podemos falar dele como um ator social. Assim como no teatro, na vida real há bons e maus atores, aqueles que desempenham seus papéis de forma adequada ou não. Há bons e maus professores, médicos, pais, filhos etc. A existência do status pressupõe um determinado papel, que deve ser cumprido por quem ocupa esse status. De acordo com o status do indivíduo na sociedade, as pessoas sabem o que esperar ou exigir dele. Caso não cumpra seu papel, a sociedade possui meios de puni-lo. É importante assinalar que um mesmo indivíduo ocupa vários status diferentes ao mesmo tempo. Ele pode ser simultaneamente professor, marido, sócio de um clube, vizinho,pai etc. E um único status estabelece várias relações diferentes, que podem ser coletivamente reconhecidas como um jogo de papéis. Assim, espera-se que um professor desempenhe seu papel com os estudantes, colegas, outros membros da universidade e assim por diante. Em grande medida, a socialização consiste no aprendizado de papéis. As pessoas precisam aprender a desempenhar o papel que seu status lhe determina – o estudante, o membro de uma associação, o filho, o cidadão etc. A aprendizagem dos papéis envolve pelo menos dois aspectos: aprendemos a cumprir os deveres e reivindicar os privilégios do papel; e adquirimos as atitudes, sentimentos e expectativas apropriados ao papel. Os processos sociais básicos O indivíduo socializado, que desenvolveu uma personalidade social e passou a ocupar um determinado status e desempenhar o papel correspondente está apto a participar dos processos sociais que constituem o ambiente da sua cultura. Denominamos “processos sociais” a interação repetitiva de padrões de comportamento comumente encontrados na vida social. São as diversas maneiras pelas quais os indivíduos e os grupos se relacionam, estabelecendo assim as relações sociais. Os principais processos sociais básicos são: Cooperação; competição; conflito; acomodação; assimilação. Vejamos como eles são definidos. a) COOPERAÇÃO – consiste sempre em uma ação comum para realizar determinado fim. Ou seja, é um modo de interação em que diferentes indivíduos ou grupos trabalham juntos para um fim comum. Um mutirão de limpeza, um estudante emprestar ao outro uma caneta, recolher alimentos para a população pobre, formar uma comissão para angariar fundos para a formatura na faculdade e tantos outros são exemplos de cooperação. A divisão social do trabalho que as diferentes sociedades estabelecem é uma maneira importante de cooperação. p. 14 Assim, cada indivíduo ou grupo realiza um trabalho diferente para a manutenção da sociedade como um todo. Há pessoas ou grupos que fabricam roupas; outros, alimentos; outros são encarregados de fornecer a energia elétrica; outros transportam pessoas; outros são responsáveis pela transmissão formal da cultura etc. A maioria dos indivíduos pode não perceber isso, mas está envolvido em redes de cooperação o tempo inteiro dentro de sua sociedade. b) COMPETIÇÃO – É um processo social que ocorre com os indivíduos ou grupos sociais e que consiste na disputa, consciente ou inconsciente, por bens e vantagens sociais limitadas em número e oportunidades (bens escassos). Os indivíduos ou grupos podem competir por alimentos, dinheiro, empregos, prestígio, afeto de outras pessoas, ou por uma infinidade de motivos. Na sociedade capitalista, os indivíduos são estimulados a competir em todas as suas atividades, seja no emprego, no lazer, na escola etc. Assim, no capitalismo a competição é um processo permanente. De modo geral, a competição apresenta utilidade para a sociedade ou para determinados grupos sociais quando é regulada de algum modo, seja formal (por leis, regulamentos, decretos) ou informalmente (pelos costumes, tradições etc.). Campeonatos esportivos, o vestibular, a disputa comercial entre as nações, a concorrência entre empresas pelo mercado são formas de competição. Nessas condições, a competição é um fenômeno positivo. c) CONFLITO – O conflito ocorre quando pessoas ou grupos procuram recompensa pela eliminação ou enfraquecimento dos competidores. Ao contrário da competição, envolve uma atitude de hostilidade deliberada que se transforma em rivalidade extremada e emocional. Em sua forma mais radical, o conflito leva à eliminação total dos oponentes. Os indivíduos ou grupos em conflito têm consciência de suas divergências, existindo entre eles críticas fortemente carregadas de emoção, muitas vezes o ódio, e apresentam como primeiro impulso a destruição do adversário. O conflito pode levar a um alto grau de tensão social entre os indivíduos ou grupos. Por isso a sociedade desenvolve mecanismos para prevenir ou fazer cessar os conflitos. Os conflitos podem ser de vários tipos: raciais, econômicos, religiosos etc. O conflito pode assumir várias formas, como o litígio, o duelo, a sabotagem, a revolução e a guerra. d) ACOMODAÇÃO – A acomodação é o processo pelo qual o indivíduo ou grupos se ajustam a uma situação conflituosa sem terem admitido mudanças importantes nos motivos que deram origem ao conflito. Consiste em criar acordos temporários entre os oponentes. A acomodação pode ter vida curta ou durar até séculos. Os indivíduos ou grupos antes em conflito aceitam uma determinada situação, permitindo acabar com o quadro de conflito, embora não mudem suas atitudes, pensamentos ou sentimentos. A acomodação não elimina o conflito, apenas encobre ou permite diminuir sua intensidade. A acomodação, portanto, é o ajustamento aparente, superficial e quase sempre precário dos que estiveram em conflito e pode apresentar vários graus: coerção, tolerância, compromisso ou conciliação. e) ASSIMILAÇÃO – A assimilação é um processo longo e complexo, que implica que os indivíduos ou grupos alterem profundamente suas maneiras de pensar, sentir e agir. p. 15 Garante uma solução permanente para os conflitos, além de possibilitar uma difusão cultural mútua, pela qual os grupos e as pessoas passam a partilhar uma cultura comum. Em relação ao conflito, podemos dizer que, se a acomodação o diminui, a assimilação praticamente o faz desaparecer. A assimilação é o processo que surge se a acomodação teve êxito e perdurou, o que acabará afetando, além do comportamento exterior, os hábitos e costumes daqueles que se acomodaram. Por ser um processo profundo e durável, os valores e as atitudes são partilhados por pessoas ou grupos que eram diferentes e se tornam semelhantes. Quando ocorre uma assimilação de elementos culturais de um grupo por parte de outro e vice-versa, denominamos esse processo de “aculturação”. Quando acontece uma modificação na fé religiosa ou nos ideais políticos de alguém, dizemos que houve uma “conversão”. O melhor exemplo de assimilação é o que ocorreu com diversas correntes imigratórias no Brasil, as quais se identificaram de tal modo com a nova cultura que passaram a fazer parte dela. Tema 5 - ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL CONCEITO O termo Estratificação social significa a divisão da sociedade em camadas (ou seja, estratos, de onde o termo estratificação). Estas camadas são distribuídas de maneira tal que seus ocupantes têm acesso desigual às oportunidades sociais e recompensas. Com isso, forma-se o que conhecemos como HIERARQUIA SOCIAL, que é, portanto, constituída pela superposição de estratos e camadas sociais. A estratificação está na base de toda forma de desigualdade existente nas sociedades. As pessoas que ocupam diferentes estratos podem ter suas oportunidades limitadas e enfrentar diferentes níveis de dificuldade para obter o necessário para seu sustento ou realizar seus projetos de vida. Todas as formas de organização social conhecidas até o presente se organizam de acordo com algum tipo de estratificação. Jamais existiu nenhuma sociedade onde a igualdade dos seus membros fosse absoluta. Os diferentes modelos de ordem social conhecidos são determinados pelas classes ou categorias que ocupam posições diferentes a hierarquia. Diversos fatores levam à estratificação. Na sua maioria, são causas sociais como a competição, o conflito, a divisão do trabalho e a especialização, condições quase sempre relacionadas à economia. Mas são importantes também os fatores biológicos, como o sexo, a idade, a raça e a etnia. A estratificação socialestá diretamente ligada à existência de BARREIRAS SOCIAIS. Elas podem ser definidas como sendo todos os elementos culturais que se destinam a impossibilitar ou dificultar o acesso de um indivíduo a um grupo ou camada social. São, portanto, obstáculos que os indivíduos precisam superar para poder fazer parte de certos segmentos que eles desejam ou necessitam. Um mero diploma, por exemplo, pode constituir uma barreira, se o objetivo da pessoa é exercer certa atividade profissional. Existem, no entanto, barreiras sociais ilegítimas, como os preconceitos, a discriminação ou a segregação, que arbitrariamente servem para excluir as pessoas em função do interesse de outras, que dispõem de maior poder e controle que elas. A QUESTÃO DA IGUALDADE SOCIAL Se a desigualdade entre os indivíduos é antiga, é também verdade que houve muitas tentativas de remover essa desigualdade como forma de alcançar a justiça. Desde a Antiguidade existem ideias voltadas para isso. Veja-se, por exemplo, as ideias do filósofo Platão na obra A República, no século IV antes de Cristo. No período contemporâneo foram feitas várias tentativas de criar sociedades igualitárias. Os esforços mais notórios foram feitos por p. 16 comunistas, anarquistas e socialistas, que chegaram a organizar regimes e controlar o governo de países importantes durante o Século XX. Mas estes esforços nunca conseguiram verdadeiramente atingir seu objetivo de acabar com as diferenças sociais. O problema principal era que o sentido que conferiam à condição IGUALITÁRIA era equivalente a uma SOCIEDADE DE IGUAIS. Ou seja, as diferenças entre os indivíduos seriam desconsideradas, e todos seriam tratados como equivalentes. Essa intenção, no entanto, era voltada para uma REALIDADE IDEALIZADA. Não levava em conta a complexidade da sociedade humana em termos reais. Por isso se entende que eram utopias irrealizáveis e a ideia da igualdade geral não foi plenamente bem-sucedida em nenhum lugar do mundo. Com o tempo, todas as fórmulas acabaram em fracasso, levando ao aumento da pobreza, à corrupção desenfreada, à violência política e a diversas formas de tirania. Hoje entendemos que as diferenças individuais permitem aos homens avançar na busca de suprir suas necessidades, valendo-se de suas capacidades e habilidades de trabalho, inventividade e senso de progresso pessoal. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que não somos condicionados apenas por necessidades básicas, como alimentação, vestuário e abrigo. Também buscamos outros tipos de necessidade, de cunho estético, artístico, etc. Compreende-se assim que a diferenciação social sempre vai existir, pois existem pessoas que têm afinidades diferentes com certos níveis de hierarquia social. Essencialmente, o que se busca atualmente é atingir dois objetivos básicos: - Obter e assegurar direitos iguais para todos, independentemente da condição social, sexual, de raça, de etnia etc.; - Atender as necessidades básicas de alimentação, moradia, saúde, bem-estar social etc. indistintamente para todos os membros da sociedade, sem distinção. Esses dois elementos devem integrar os direitos fundamentais da existência humana e contar com a garantia de toda a sociedade, sob a responsabilidade do Estado, encarregado da organização de políticas com esse propósito. O objetivo passou a ser a obtenção da EQUIDADE SOCIAL. É com ela que procuramos combater a desigualdade e buscamos fazer com que o princípio de sociedade igualitária se refira a IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, sem qualquer tipo de discriminação. A ideia de equidade, portanto, leva em conta que as pessoas são diferentes umas das outras e seus objetivos são diversos. Assim, não se procura assegurar os mesmos resultados, mas sim que todos possam ter a chance de buscar a própria felicidade, em seus próprios termos e sem discriminações. DESIGUALDADE DE RAÇA E ETNIA Entre os fatores que influenciam a desigualdade social estão as divisões por critérios de raça e etnia, e os comportamentos derivados dessas condições. Estas duas condições têm em comum a característica de que são utilizadas para identificar os agrupamentos humanos a partir de suas características EXTERNAS. À exceção deste detalhe, no entanto, existem diferenças fundamentais entre as duas. Quando nos referimos às formas culturais, através de modo de vida, de falar, hábitos e costumes, o critério diz respeito à ETNIA; já quando se trata de especificações físicas/hereditárias, através de cor da pele, formato dos olhos, do nariz, da boca, porte físico etc. o critério se relaciona à RAÇA. Quando nos referimos a etnia, estamos falando de um grupo que obtém sua identidade a partir de critérios culturais. Trata-se, portanto, de características adquiridas, que servem para reafirmar os laços comuns entre os indivíduos – por exemplo, a partir da crença de um ancestral ou de uma história comum. Em alguns casos, isso é motivo de orgulho e de reconhecimento, quando as pessoas fazem questão de expressar seus laços com aquele grupo. Em outras situações pode acontecer o contrário; os indivíduos podem se sentir p. 17 compelidos a esconder sua origem étnica, temendo sofrer com o preconceito ou desvantagens sociais. Já a ideia de raça é de caráter biológico. Os indivíduos são classificados em função de seu aspecto físico, a partir de particularidades como cor da pele, formato dos olhos ou tipo de cabelo. Não se trata de condições adquiridas, pois estas características são transferidas por hereditariedade. Por outro lado, a atribuição de qualidades específicas aos membros de determinada raça são totalmente arbitrários e não têm fundamento científico. Ao longo do tempo, a divisão da humanidade em raças é o traço mais comum, levando muitos grupos humanos a sofrer com prejuízos morais e materiais, exploração e violência. A crença nesta divisão serviu de base para alguns dos mais graves conflitos que marcaram a história humana e sobrevive em discursos discriminatórios, sectários e racistas. Hoje sabemos positivamente que não existe uma raça pura. As características físicas que diferenciam certos grupos humanos não são suficientes para estabelecer a existência de raças em termos efetivos. O conceito de raça só tem sentido sob a perspectiva social. Isto é, como referência na qual as pessoas acreditam e que as faz sentir-se de determinada maneira. Na realidade, todos os seres humanos têm uma origem comum. As diferenças visíveis resultam apenas das adaptações ocorridas ao longo do tempo. Atitudes mais frequentes relacionadas às diferenças Apesar de todo o histórico de discriminações e injustiças associado às classificações por etnia ou raça, ainda hoje as diferenças visíveis levam as pessoas a assumirem determinados comportamentos que tomam esses fatores como referência. Alguns dos elementos mais frequentes são examinados a seguir: a) Minorias e grupos minoritários - Grupo minoritário é um conjunto de pessoas que, por suas características físicas ou culturais, diferenciam-se dos outros membros da sociedade em que vivem e recebem um tratamento diferenciado e desigual. Do ponto de vista sociológico, grupo minoritário é aquele dominado por outro grupo. Grupos minoritários podem ser diferenciados por tipo de orientação sexual, cor da pele, nacionalidade, religião etc. Independentemente de seu número, os integrantes de um grupo minoritário terão um poder relativo menor em comparação com o grupo majoritário para ter acesso a direitos de ocupação do mercado de trabalho, expressão cultural ou política. O critério de definição está diretamente relacionado com poder, autoridade ou influência, e não deriva necessariamente da quantidade. Podemos definirportanto que minoria é um grupo subordinado cujos membros possuem menos controle ou poder sobre suas próprias vidas do que os membros do grupo dominante têm sobre eles. b) Preconceito e discriminação - Preconceito consiste em uma atitude, ideia, pensamento ou opinião desfavorável que um indivíduo ou grupo manifesta em relação a outros indivíduos ou grupos. Sempre está baseado em um prejulgamento emotivo e sem fundamento. É uma atitude negativa em que as pessoas são julgadas com base em um estereótipo preconcebido ou uma generalização. O preconceito é uma tendência de comportamento, não envolvendo necessariamente uma ação em si. Já a discriminação é algo diferente e mais grave: trata-se de uma ação deliberada e intencional de tratar um grupo social de maneira injusta e desigual. O preconceito não pode ser controlado por vias legais, mas a discriminação, como manifestação pública de preconceito, é passível de controle pelo aparato jurídico do Estado. O preconceito se torna um problema quando um prejulgamento se torna imutável mesmo depois que fatos mostram que ele está incorreto. Prejulgamentos contra minorias étnicas e raciais são sempre atitudes aprendidas, não se desenvolvem espontaneamente. É o mesmo que dizer: as pessoas aprendem a ser preconceituosas. p. 18 c) RACISMO - O racismo é uma ideologia baseada na crença de que características herdadas, como a cor da pele, são um sinal de inferioridade que justifica um tratamento discriminatório das pessoas com essa herança. Preconceito e discriminação levam muitas pessoas pertencentes a minorias a ser excluídas dos direitos e privilégios que os demais membros da sociedade possuem, restringindo sua participação e integração como cidadãos de pleno direito. Tema 6 – POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL A pobreza é um fenômeno praticamente universal. Todas as sociedades enfrentam este problema, em algum grau, mesmo quando seus governantes não admitem isso publicamente. De forma sintética, a pobreza pode ser entendida em vários sentidos, mas os principais são traduzidos como formas específicas de carência, isto é: 1 – Carência básica, que é aquela que envolve as necessidades da vida cotidiana; alimentação, vestuário, moradia, assistência à saúde, segurança etc. É a forma mais comum de compreensão do fenômeno, e equivale a classificar a pobreza como a falta de bens e serviços essenciais à vida das pessoas. 2 – Carência econômica, que está diretamente associada ao rendimento ou à riqueza que a pessoa possui – embora isso não precise ser necessariamente traduzido em termos monetários; 3 – Carência Social, que se traduz pela exclusão social e/ou dependência em relação a outras pessoas, entidades ou o Estado. Quem são os pobres A face da pobreza é diversa e está em constante mutação. Por isso, é difícil apresentar um perfil definido sobre os “pobres”. O que sabemos é que pessoas de certos grupos sociais são mais prováveis de serem pobres do que outros, incluindo crianças, idosos, mulheres e minorias étnicas. Em particular, pessoas que vivem em situação de desvantagem ou são discriminadas em outros aspectos da vida têm maior chance de serem pobres. É o caso dos imigrantes em vários países da Europa e nos Estados Unidos, por exemplo. Eles não apenas estão em maior risco de pobreza, como também enfrentam um maior risco de serem explorados no trabalho. No Brasil, o crescimento econômico dos últimos 20 anos tem levado ao surgimento desse problema, já que o país passou a ser procurado como refúgio por pessoas que fogem da miséria ou da violência em seus próprios países, como haitianos, bolivianos e refugiados vindos da África e do Oriente Médio. Outro fator importante na definição da condição dos pobres se relaciona à capacidade das pessoas de participar do mercado de trabalho atual, com suas exigências cada vez maiores em termos de qualificação e treinamento especializado. Pessoas cuja formação acadêmica é insuficiente podem estar condenadas a se manter em patamares inferiores de rendimento, por não serem absorvidas nas atividades mais valorizadas. Para elas restarão apenas as funções subalternas e inferiores, com menores salários, menor prestígio social e riscos de instabilidade, como desemprego e a falta de condições de segurança profissional de longo prazo. Como se mede a pobreza Os sociólogos e pesquisadores têm favorecido duas abordagens diferentes da pobreza: pobreza absoluta e pobreza relativa. O conceito de pobreza absoluta baseia-se na ideia de subsistência – as condições básicas que devem ser cumpridas para sustentar uma existência fisicamente saudável. Diz-se que as pessoas que não têm esses requisitos fundamentais para a existência humana – como alimentos, abrigo e roupas suficientes – vivem em situações de pobreza. O conceito de pobreza absoluta é considerado universalmente aplicável. Acredita-se que os padrões para a p. 19 subsistência humana sejam mais ou menos os mesmos para todas as pessoas de idade e físico equivalentes, independentes de onde vivem. Qualquer indivíduo, em qualquer parte do mundo, pode ser considerado em situação de pobreza se ficar abaixo desse padrão universal. Um dos critérios para estabelecer esse padrão é fixando uma renda mínima diária para cada pessoa. Este valor deve ser calculado levando em conta a necessidade de obter aqueles recursos mencionados acima. Assim, considera-se que o valor mínimo seja de um dólar (US$ 1) por dia, e calcula-se a proporção de pessoas que vivem com esse valor em uma determinada sociedade. Em 2007, segundo a ONU, no Quênia havia 22,8 % da população vivendo nesse patamar; em Moçambique eram 36,2 %; na Namíbia, 34,9 %; em Ruanda, 60,3 % e na Nigéria, 70,8 %. Outro critério universal considera qual a proporção da riqueza nacional que é apropriada pelos 20 % mais pobres da população. O ideal é que esse número seja o mais alto possível. Mas também segundo os dados de 2007, os 20 % mais pobres ficavam apenas com 5,1 % da riqueza; em Moçambique eram 5,4 %; na China, 4,3 %; e no Brasil, naquele ano, os 20 % mais pobres ficavam com apenas 2,8 % da riqueza. Segundo o Banco Mundial, o número de pessoas no mundo vivendo em situação de pobreza absoluta alcança cerca de 1 bilhão e 100 milhões de indivíduos. Pobreza relativa - Nem todos os estudiosos concordam que seja possível identificar esse padrão universal de pobreza absoluta. Preferem usar o conceito de pobreza relativa, associando a pobreza com o padrão de vida geral que predomina em uma determinada sociedade. Acreditam que a pobreza é definida culturalmente e não pode ser medida segundo padrões universais. As necessidades humanas não são iguais em toda parte e coisas que são consideradas essenciais em uma sociedade podem ser vistas como luxo em outras. Explicando a pobreza As explicações sobre a pobreza podem ser agrupadas em duas categorias principais: a) As teorias que consideram os indivíduos pobres responsáveis por sua própria pobreza (culpa das vítimas); b) As teorias que consideram que a pobreza é produzida e reproduzida por forças estruturais da sociedade (culpa do sistema). A abordagem que responsabiliza os pobres tem uma longa história. Já no século XIX existia a crença de que a pobreza era resultado da inadequação ou da patologia dos indivíduos. Os pobres eram considerados pessoas incapazes de ter sucesso, por inabilidade, falta de motivação, fraqueza física ou moral, falta de motivação ou capacidade abaixo da média. A posição social era vista como reflexo do talento e esforço da pessoa. Aqueles que mereciam vencer venciam, enquanto outros menos capazes estavam fadados ao fracasso. Com isso, a existência de “vencedores” e “perdedores”era considerada um fato da vida. Essas visões que explicavam a pobreza como falha dos indivíduos perderam popularidade na metade do século XX, para voltar a se fortalecer a partir das décadas de 1970 e 1980. A ênfase política no empreendedorismo e na ambição individual recompensava aqueles que “venciam” na sociedade e responsabilizava os que não venciam pelas circunstâncias em que se encontravam. As explicações para a pobreza eram procuradas muitas vezes nos estilos de vida dos pobres, juntamente com as atitudes e perspectivas decorrentes. Uma versão influente dessa tese foi defendida pelo sociólogo norte-americano Charles Murray, que apontou a existência de uma cultura da dependência. Trata-se de pessoas pobres que dependem da assistência social do governo, em vez de entrarem para o mercado de trabalho. Segundo esse ponto de vista, o crescimento do estado de bem-estar social criou uma subcultura que acaba com a ambição pessoal e a capacidade de lutar por si mesmo. Em vez de olhar para o futuro e tentar alcançar uma vida melhor, aqueles que dependem da assistência social contentam-se em aceitar p. 20 donativos. É muito diferente de pessoas que são pobres “sem culpa”, como viúvas, órfãos ou deficientes, por exemplo. Os pobres “culpados” são aqueles que não têm incentivo para trabalhar, porque acreditam que o Estado fará por eles tudo aquilo de que necessitam. A segunda abordagem (a culpa é do sistema) explica a pobreza a partir de processos sociais mais amplos, que geram condições de pobreza difíceis para os indivíduos superarem. Forças estruturais dentro da sociedade (classe, gênero, etnia, posição ocupacional, nível educacional etc.,) moldam a maneira como os recursos são distribuídos. Os defensores desse ponto de vista afirmam que a falta de ambição entre os pobres (a cultura da dependência) é, na verdade, consequência de suas situações limitadas, e não a causa dessas situações. Aponta-se por exemplo a ligação entre a pobreza e a desigualdade social. Os extremos de riqueza e de pobreza, criados pela desigualdade, são desumanizantes: a pobreza extrema faz com que a vida se limite apenas à subsistência, enquanto a riqueza extrema leva os indivíduos ao desperdício e ao abuso. A chave para resolver o problema da pobreza, então, seria reduzir a desigualdade social estrutural, e não apenas culpar os indivíduos por sua situação. Reduzir a pobreza não é apenas mudar as perspectivas individuais: exige políticas públicas visando a distribuição de renda e recursos de forma mais igualitária na sociedade. Subsídios para creches e escolas públicas de qualidade, salários mínimos e níveis de renda garantidos para as famílias são exemplos de políticas que buscam remediar certas desigualdades sociais arraigadas. Pobreza e mobilidade social Uma visão comum da pobreza é de que ela é uma condição permanente. Mas ser pobre não significa necessariamente estar preso à pobreza. Uma proporção substancial de pessoas pobres, em um ou outro momento, teve condições de vida superiores, ou pode-se esperar que saiam da pobreza em algum momento do futuro. Pesquisas demonstram um grau significativo de mobilidade nos dois sentidos: um número surpreendente de pessoas consegue escapar da pobreza e, ao mesmo tempo, um número maior do que se pensava vive em pobreza em algum ponto de suas vidas. Embora existam desafios e obstáculos no caminho daqueles que saem da pobreza, as pesquisas mostram que os movimentos de entrada e saída da pobreza são mais fluidos do que se pensava. A pobreza não é apenas o resultado de forças sociais que atuam sobre uma população passiva. Mesmo indivíduos em situações graves de desvantagem podem usar oportunidades para melhorar sua posição, não devemos subestimar o poder das pessoas em promover mudanças. As políticas sociais podem desempenhar um papel importante e maximizar a ação potencial de indivíduos e comunidades em situação de desvantagem social. Exclusão social A ideia de exclusão social se tornou bastante diluída nos últimos anos, porque tem sido muito usada por políticos de várias maneiras para justificar suas iniciativas e isso fez o significado do termo tornar-se menos claro. De modo geral, exclusão social refere-se a maneiras em que os indivíduos podem ser separados do desenvolvimento pleno na sociedade mais ampla. Pessoas que vivem em moradias degradadas, ou frequentam escolas pobres e têm poucas oportunidades de emprego podem ter menos chances de melhorar suas condições de vida do que as que são oferecidas à maioria das pessoas na sociedade. O conceito de exclusão social, portanto, implica em seu oposto – a inclusão social. Para definir quem são os excluídos é preciso estabelecer os critérios que definem quem está incluído e, automaticamente, sabemos quem não está. Na agenda política moderna, muitas tentativas e propostas de fomento à inclusão se tornaram obrigatórias, como é o caso das políticas de transferência de renda. Estas ideias e os programas associados a elas fazem parte do conceito de welfare state, que pode ser definido genericamente como “Estado de bem-estar social”. p. 21 Há ainda algumas considerações sobre a noção de exclusão social. Uma delas é a necessidade de esclarecer que nem sempre se trata de uma condição involuntária. Ela também pode ocorrer quando pessoas excluem a si próprias de alguns aspectos da sociedade vigente. Os indivíduos podem abandonar o ensino formal, rejeitar uma oportunidade de emprego e se tornarem economicamente inativos, ou absterem-se de votar em eleições. Outro aspecto importante é que a exclusão deve ser considerada levando em conta a interação entre a agência e a responsabilidade humanas, por um lado, e o papel das forças sociais em determinar as circunstâncias das pessoas, por outro lado. Ou seja, ela quase sempre é o resultado da ação combinada de forças sociais e das próprias atitudes dos indivíduos diante de situações específicas. Finalmente, deve-se notar que a exclusão é um conceito mais amplo do que o de pobreza. Existem muitos fatores que impedem ou dificultam às pessoas e grupos o acesso às mesmas oportunidades que são abertas à maioria da população. Existem quatro dimensões da exclusão social: Pobreza (exclusão de recursos ou da renda adequada); exclusão do mercado de trabalho; exclusão de serviços e exclusão de relações sociais. É geralmente pela combinação dessas dimensões, em graus variados, que se caracteriza a situação específica de alguém ser reconhecido como EXCLUÍDO. Criminalidade e exclusão social Em muitas sociedades industrializadas, existem fortes ligações entre a criminalidade e a exclusão social. As taxas de criminalidade podem estar refletindo o fato de que um número cada vez maior de pessoas não se sente valorizado nas sociedades em que vivem. A população que se encontra socialmente excluída muitas vezes não consegue alcançar, por meios legítimos, os padrões de vida econômica e consumo que são valorizados na sociedade. Uma das dimensões mais problemáticas dessa conexão entre a exclusão social e a criminalidade é que os canais legítimos de mudança são trocados por canais ilegais. O crime é favorecido em relação a outros meios. Pesquisadores apontam vários fatores para indicar a relação entre exclusão social e criminalidade. Jovens que crescem sozinhos, sem a orientação e o apoio adequado da população adulta, por exemplo. Outro fator é a atração sedutora do mercado e dos bens de consumo, em contraste com a redução de oportunidades no mercado de trabalho que afetam muitos jovens. TEMA 7 - SEXUALIDADE E GÊNERO As ideias sobre a sexualidade têm passado por mudanças dramáticas. Nas últimas décadas, nos países ocidentais,
Compartilhar