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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA THOMAS MARCELO FERNANDES HERNANDEZ MARKETING DE GUERRILHA E INTERVENÇÃO URBANA: A LUTA SIMBÓLICA POR ATENÇÃO NO ESPAÇO URBANO Palhoça 2008 2 THOMAS MARCELO FERNANDES HERNANDEZ MARKETING DE GUERRILHA E INTERVENÇÃO URBANA: A LUTA SIMBÓLICA POR ATENÇÃO NO ESPAÇO URBANO Monografia apresentada como requisito parcial da disciplina Projeto Experimental – Monografia para conclusão de curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda Orientadora: Ramayana Lira. Palhoça 2008 3 “Estou fazendo marcas negras sobre papel branco. Essas marcas são meus pensamentos e, mesmo não sabendo quem és nem quando estás lendo isto, de algum modo as linhas de nossas vidas se cruzam aqui, sobre este papel branco. Necessitamo-nos aqui, durante o tempo que duram estas breves frases. Não é acidental que estejas lendo isto. Estas palavras te esperavam.” Duane Michals 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente ao meu Deus maior, pai da humanidade, luz divina e eterna que me ilumina e me orienta na linha reta do caminho do infinito. Agradeço aos espíritos de luz, guias espirituais, índios e caboclos guerreiros que me protegeram até aqui, neste ponto da minha vida em que escrevo estas palavras. Agradeço a força e a firmeza e determinação que a doutrina da floresta me proporcionou, à Rainha e ao Príncipe. Agradeço a Jesus e a Maria santíssima. A Meu pai Juan Agustin Barria Hernandez que me deu todo o apoio para que eu concluísse os meus estudos desde pequeno, me dando toda segurança possível, e a cobrança necessária. ”Vai em frente filho”. A minha mãezinha querida Kélinha, que me deu a luz da idéia para o tema desta monografia quando eu estive confuso e não sabia por onde seguir. E também por me ajudar em toda a minha vida com todas as dificuldades, sempre me olhando, e até mesmo fazendo por mim quando fui fraco. Obrigado mãe. A minha irmã querida, Ana Farrah, linda e maravilhosa, um ser de luz que eu amo de coração, de uma inteligência cósmica e brilhante e que me ajudou muito para acelerar no inicio deste trabalho quando ainda estava se arrastando e sem rumo definido. E finalmente a minha noiva, alma gêmea e pequena Aliandra, Ali, que me apoiou desde quando a vi pela primeira vez. A melhor naturóloga da Terra, terapeuta e conselheira. Amo todos vocês. 5 RESUMO Este trabalho faz uma abordagem sobre a vida urbana, onde os cidadãos são submetidos aos excessos de um cenário poluído e massificado. Além disso, aborda as atuações e influências que o Marketing de Guerrilha e também a Intervenção Urbana podem exercer sobre o espaço urbano e conseqüentemente seus resultados sobre os moradores das metrópoles que estão imersos dentro deste contexto. Para facilitar o entendimento criou-se metaforicamente um cenário de batalha onde serão estudadas as possíveis lutas simbólicas destas duas vertentes em busca da atenção do público. Palavras-chave: Marketing de Guerrilha, Intervenção urbana, espaço urbano, luta simbólica, atenção. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Anúncio original da Motorola......................................................................10 Figura 2 - Anúncio da Motorola subvertido.................................................................10 Figura 3 – 1984 de Orwell..........................................................................................23 Figura 4 – Brazil o Filme.............................................................................................23 Figura 5 – Blade Runner............................................................................................23 Figura 6 – Síndrome de Stendhal...............................................................................30 Figura 7 – Jovens punks londrinos.............................................................................35 Figura 8 – Os 4P’s......................................................................................................44 Figura 9 – PR-Stunt....................................................................................................51 Figura 10 – Ambush...................................................................................................52 Figura 11 – Astroturfing..............................................................................................53 Figura 12 – Anti-Astroturfing.......................................................................................54 Figura 13 – Performance............................................................................................55 Figura 14 – Performance............................................................................................56 Figura 15 – Clientes evangelizados da Apple............................................................58 Figura 16 – Lambe-Lambe da Nokia..........................................................................58 Figura 17 – Invisível...................................................................................................60 Figura 18 – Arte Urbana.............................................................................................61 Figura 19 – Ossário....................................................................................................63 Figura 20 – Symbolyx.................................................................................................64 Figura 21 – Joey Chemo............................................................................................70 Figura 22 – Clubbing..................................................................................................72 Figura 23 – Free Hugs................................................................................................73 7 Figura 24 – Coca-Cola Flash Mob..............................................................................74 Figura 25 – Adesivos Fluorescentes..........................................................................76 Figura 26 – Flores de papel celofane.........................................................................76 Figura 27 – Por uma cidade sustentável....................................................................77 Figura 28 – Folhas de ouro........................................................................................77 Figura 29 – Siga sem pensar.....................................................................................78 Figura 30– Imagine.....................................................................................................78 Figura 31 – Rua Imagem Espaço...............................................................................79 Figura 32 – Interruptores para poste de luz...............................................................79 Figura 33 – Enxurrada de letras.................................................................................80 Figura 34 – Desenhando no vento.............................................................................80 Figura 35 – Fome e Miséria Internacional..................................................................81 Figura 36 – Vida x Propriedade..................................................................................82 Figura 37 – Odeio muito tudo isso..............................................................................83 Figura 38 - Propaganda Abusiva................................................................................84 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9 2 A ARENA DE BATALHA........................................................................................162.1 O ESPAÇO URBANO..........................................................................................16 2.2 MODO DE VIDA URBANO...................................................................................23 2.3 USOS E ABUSOS DO ESPAÇO URBANO.........................................................30 2.4 UM ESPAÇO DE LUTAS?...................................................................................38 3 MAREKTING DE GUERRILHA E INTERVENÇÃO URBANA...............................41 3.1 MARKETING TRADICIONAL ..............................................................................41 3.2 PRINCÍPIO DO MARKETING DE GUERRILHA..................................................45 3.3 FERRAMENTAS GUERRILHEIRAS....................................................................49 3.3.1 PR-Stunt...........................................................................................................49 3.3.2 Ambush ou Emboscada.................................................................................51 3.3.3 Astroturfing.....................................................................................................53 3.3.4 Performance....................................................................................................54 3.3.5 Buzz..................................................................................................................56 3.3.6 Invisível............................................................................................................59 3.3.7 Arte urbana......................................................................................................60 3.4 CONCEITO DE INTERVENÇÃO URBANA..........................................................61 3.5 TÁTICAS INTERVENCIONISTAS........................................................................69 3.5.1 Culture Jamming/Adbusters.........................................................................69 3.5.2 Flash Mob........................................................................................................71 3.6 COLETIVOS DE ARTE........................................................................................75 3.6.1 Grupo Poro – interferências em arte............................................................75 3.6.2 Coletivo Esqueleto.........................................................................................82 3.7 A LUTA SIMBÓLICA POR ATENÇÃO.................................................................84 4 CONSIDRAÇÕES FINAIS......................................................................................87 5 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS.......................................................................89 9 1 INTRODUÇÃO Em uma sociedade moderna, onde existe uma imposição de escolhas pré- estabelecidas e onde as metrópoles representam um rico campo para comunicação pela variedade de espaços disponíveis, grandes centros urbanos tornam-se saturados de publicidade que atacam por todos os lados na tentativa de vender uma marca, idéia, produto ou serviço e ganhar mais um cliente. Dentro deste cenário surgem duas conseqüências opostas em sua essência: o marketing de guerrilha e a intervenção urbana. Este primeiro, como uma tentativa de mudar o quadro atual da saturação publicitária que não afeta mais da mesma forma inicial seu público alvo, como exemplo, as mídias convencionais televisão, rádio, outdoor entre outras. A saída do marketing de guerrilha é a surpresa, o ataque de maneira espontânea, sorrateira, sem que o seu alvo perceba sua aproximação. Utiliza-se de táticas guerrilheiras como agilidade, espreita e impacto, e geralmente atua na rua, numa tentativa de quebrar o cotidiano e rotina do seu “target”. Já a intervenção urbana segue por outro viés. Grupos denominados “coletivos de arte” também tentam vender, mas neste caso não um produto, e sim uma idéia, um conceito, um novo olhar para o cenário urbano opressivo. As ações de intervenção urbana podem ser políticas, estéticas, culturais ou sociais dependendo do conceito que leva cada grupo. O objetivo sempre será trazer um novo olhar, criar outras maneiras de percepção do meio urbano, e a reflexão sobre um sistema opressivo e alternativas de saída do mesmo. Alguns grupos de coletivos de arte utilizam-se de meios mais agressivos como, por exemplo, a aplicação do chamado “adbusting” onde subvertem anúncios e peças publicitárias com objetivo de criar uma interferência entre o emissor e o receptor, causando confusão na informação final. Esta ação é mais comum em grandes centros urbanos e geralmente tem um grande impacto sobre o observador. Pode ser evidente ou às vezes sutil como quando o observador não percebe ao primeiro olhar que algo não faz parte de determinada peça publicitária e somente dá-se conta que algo não está certo num segundo momento quando analisa mais minuciosamente o anúncio. 10 Figura 1: Anúncio original da Motorola Figura 2: Anúncio da Motorola subvertido Exemplo de intervenção aplicado no jornal the london paper onde a ação foi feita por uma pessoa que se identifica apenas como The Decapitator que corta a cabeça de pessoas ou personagens de maneira artística em diversos anúncios publicitários. A figura 1 mostra o anúncio original da Motorola onde o produto é o celular Razor que em inglês significa navalha, e o garoto propaganda é o jogador de futebol David Beckhan. 11 O texto cut through the noise também faz uma referência a cortar, onde “cut through” é uma expressão que significa ir além, mas no inglês remete também a corte. A figura 2 mostra o anúncio já subvertido no seu impresso final nas mãos do leitor, no qual o garoto propaganda - David Beckhan – tem a sua cabeça cortada, perdendo totalmente sua identidade. Ambos, o marketing de guerrilha e a intervenção urbana são semelhantes nos seus mecanismos de atingir o público: tentam de alguma forma surpreender rompendo com rotinas sociais e utilizam o impacto que causa estranhamento, que por sua vez gera curiosidade e ainda, mudam a experiência sensorial do observador. Apesar de suas semelhanças, os seus objetivos finais são completamente adversos. O marketing de guerrilha tenta dar continuidade ao processo de consumo. A intervenção urbana visa interromper este processo tentando dar uma possibilidade de reflexão para as pessoas, gerando uma contracorrente ao pensamento padronizado capitalista. Portanto, dentro deste cenário, que coloca a cidade como arena simbólica de uma batalha ideológica, ambos - marketing de guerrilha e intervenção urbana – acabariam por disputar a valiosa atenção de um público tão diversificado quanto o próprio espaço urbano pelo qual transitam? Se existe uma batalha ideológica sendo travada nas próprias ruas que passamos diariamente, onde um lado chama você para comprar e o outro chama você para pensar, então estamos inseridos nela. Podemos criticar e opinar, pois fazemos parte. Assim este trabalho visa “abrir as portas da percepção” para esta realidade tão difundida nos grandes centros urbanos de todo o país. No dia-a-dia de todos nós que vivemos dentro de uma sociedade urbanizada, há situações em que nos questionamos e que talvez até possamos mudar. Dentro de todo ser humano existe um “grito” de crítica, assim como este trabalho, que tenta realizar uma crítica construtiva que diz respeito a nós mesmos, como indivíduos e como sociedade, para que possamos refletir na tentativa de mudar algo em nós e nos outros ao nosso redor. Dentro deste contexto de luta e batalha, serão utilizados – metaforicamente - conceitos militarespara definição de algumas poucas partes de capítulos, de uma maneira crítica, com o objetivo de gerar um melhor entendimento de cada tópico aqui contido. Como exemplos: “a arena de batalha” para definir o cenário urbano e 12 “o alvo” para definir os públicos que o marketing de guerrilha e a intervenção urbana querem atingir. Esta monografia tem como objetivo geral analisar a possível busca do marketing de guerrilha e intervenção urbana pela atenção do público ocorrendo dentro do espaço urbano, e como objetivos específicos entender como se dá a comunicação dentro do espaço urbano onde informações de diversos tipos são compartilhadas, avaliar as estratégias e táticas utilizadas pelo marketing de guerrilha e da intervenção urbana para conquistar seu público e Identificar o público “alvo” das duas partes em questão. Para que se possa fazer uma análise futura, este trabalho partirá com as seguintes hipóteses auto-excludentes: • Há de fato uma luta simbólica ocorrendo dentro dos espaços urbanos por parte do marketing de guerrilha e da intervenção urbana em busca de atenção, gerando grande influência nas escolhas das pessoas. • Não há uma luta simbólica, mas apenas alternativas de escolhas onde a pessoa é livre para filtrar as informações e gerar uma opinião própria, independente de outras influências. • Há uma luta simbólica por atenção do público que ocorre raras vezes quando a idéia da intervenção é totalmente oposta à do marketing de guerrilha, gerando assim intervenções anti-propagandistas. Como metodologia que venha a incrementar as informações contidas no texto e acrescentar diferentes idéias, serão utilizados livros de diferentes autores sobre o tema escolhido, sites e blogs da internet especializados no assunto, artigos e monografias já realizadas sobre temas semelhantes. Também, para facilitar o entendimento de determinadas idéias e melhor exemplificação das ações que serão mostradas posteriormente, serão utilizadas imagens como apoio visual. A presente monografia se divide em quatro capítulos. O primeiro capítulo dará uma introdução geral sobre o espaço urbano, marketing de guerrilha e intervenção urbana. O segundo capitulo chamado “a arena de batalha” é subdividido em quatro subgrupos. O primeiro subgrupo chamado “o espaço urbano” falará como funciona este espaço, suas regras e normatizações e imposições sociais. 13 O segundo subgrupo “modo de vida urbano” irá abordar os diversos comportamentos dos habitantes do espaço urbano e analisar o seu tempo, agilidade, pressa, e obrigações. O terceiro subgrupo deste segundo capítulo chamado “usos e abusos do espaço urbano” mostrará como pode ser utilizado o espaço urbano pelos seus habitantes, as maneiras aceitas e não aceitas de seu uso, e os abusos cometidos no mesmo. E no quarto e último subgrupo chamado “um espaço de lutas” haverá a introdução para capítulos posteriores, do que poderia ser uma luta simbólica pela atenção dos habitantes deste espaço urbanizado. Serão utilizadas as seguintes bibliografias para o segundo capítulo, entre outras: O artigo de Rachel Fontes Sondré chamado A comunicação na cidade: polifonia e produção de subjetividade no espaço urbano, que faz um cruzamento entre a já descrita polifonia e a subjetividade dentro de cenário urbano, tratando a polifonia não no seu sentido musical ou sonoro e sim como uma diversidade de símbolos e características da cidade. Ainda dentro deste mesmo contexto há o livro de Ana Fani Carlos chamado A cidade onde a autora explica como se constrói fisicamente e no imaginário coletivo a noção de espaço urbano, o que realmente é um centro urbano, suas possibilidades e defeitos, entre outras. A obra de Certeau A invenção do cotidiano 1: artes de fazer, que entra como referência dentro deste tópico pois traz diversos estudos sobre as maneiras de morar na cidade e sobre a antropologia do cotidiano. O livro de Eni P. Orlandi chamado Cidade atravessada: os sentidos públicos no espaço urbano, que traz diversos artigos de vários estudiosos e professores que abordam temas como conflitos das cidades, grupos urbanos, controle, entre outros temas. O terceiro capítulo chamado “marketing de guerrilha e intervenção urbana” vem subdividido em sete subgrupos. No primeiro subgrupo, chamado “marketing tradicional” será abordada a função do marketing como um todo, na sua essência. O segundo subgrupo deste capítulo chamado “princípio do marketing de guerrilha” mostrará a funcionalidade desta modalidade de marketing, seu surgimento no mundo e no Brasil. No terceiro subgrupo chamado “ferramentas guerrilheiras” serão apresentadas as ferramentas do marketing de guerrilha e suas funcionalidades e aplicações. 14 O quarto subgrupo denominado “conceitos de intervenção urbana” fará uma abordagem aos conceitos de intervenção, quais as ideologias existentes, os motivos e o porquê de se fazer a intervenção urbana. No quinto subgrupo, “táticas intervencionistas” serão mostradas as táticas de intervenção, como se dão efetivamente as ações em si, e mais especificamente algumas ferramentas de intervenção urbana como culture jamming, adbusters e flash mob, explicando suas funcionalidades e resultados. O sexto subgrupo chamado de “coletivos de arte” abordará os grupos de intervenção urbana de algumas partes do Brasil, como agem? o que fazem? e os conceitos que cada grupo leva. No sétimo subgrupo, “A luta simbólica por atenção” será feita uma critica sobre o desenvolvimento do trabalho como um todo. Para embasar o terceiro capítulo sobre o marketing de guerrilha e intervenção urbana, serão utilizadas as bibliografias descritas a seguir, entre outras: Marketing de Guerrilha: táticas e armas para obter grandes lucros com pequenas empresas, de Jay Conrad Levinson o precursor do marketing de guerrilha, o livro Marketing de guerrilha com armas online também de Jay Conrad Levinson onde aborda o cyber espaço como campo para ações do marketing de guerrilha e também o livro Marketing de Guerra 2 de Al Ries e Jack Trout, dois publicitários visionários que abordam o futuro do marketing. Não há muitas opções e variedades de bibliografias sobre o tema de intervenção urbana, e isto dificulta no estudo do mesmo, portanto serão abordados vários web sites especializados no assunto, e também alguns artigos. São alguns deles: o artigo de Henrique Moreira Mazetti chamado Intervenção urbana: representação e subjetivação na cidade, que faz uma análise das práticas intervencionistas de grupos contestatórios surgidos principalmente na Europa e Estados Unidos a partir da década de 90, que se distanciaram da política institucional para travarem sua luta no campo da cultura. Ainda para explanar sobre o mesmo tema será utilizado o site www.intervencaourbana.org que possui uma gama de informações sobre o assunto, o site www.adbusters.org, que se dedica a mostrar algumas ferramentas da intervenção urbana como o culture jamming e adbusting, ainda o texto Manifesto Internacional Situacionista, de Juan Fonseca, que faz uma crítica sobre as grandes instituições de poder, e o texto de Peter Pàl Pelpart chamado Biopolítica e biopotência no coração do império, que aborda a 15 alienação em que vivem as pessoas e também sobre instituições de poder como o Império. E finalmente no quarto e último capítulo serão expostas as considerações finais de todo o trabalho. Dentro de todo este contextode lutas simbólicas, e batalhas ideológicas cabe a seguir iniciar o segundo capítulo deste trabalho situando e ambientando os locais de atuação das ações aqui citadas, neste caso, “a arena de batalha”. 16 2 A ARENA DE BATALHA 2.1 O ESPAÇO URBANO Para Ana Fani Carlos (2005) há praticamente um consenso quando se tenta definir o que realmente é a cidade. A maioria dos próprios habitantes acredita que cidade são ruas, carros, prédios, congestionamento, multidão e poluição. Restringem a cidade a aspectos físicos, materiais e quantificáveis. Mas a cidade é muito mais que simples coisas materiais e visíveis, e o conceito de urbano vai muito além deste pensamento fechado de seus habitantes. Segundo a autora, existe uma preocupação em relação ao pensamento errôneo que em geral as pessoas têm de cidade como sendo “de um simples mapa aberto em uma prancheta”, e ignoram ou praticamente se recusam a tentar outras formas de se pensar e perceber a cidade (CARLOS, 2007, p.19). No trecho abaixo Carlos (2005, p. 27) descreve sobre a representação real da cidade: A cidade representa trabalho materializado; ao mesmo tempo em que representa uma determinada forma do processo de produção e reprodução de um sistema específico, portanto, cidade é também uma forma de apropriação do espaço urbano. As formas visíveis da cidade não são propriamente a cidade em si. Carlos (2005) afirma que prédios, casas, ruas, praças e viadutos são todos trabalhos materializados que foram concretizados em formas diferenciadas. Para que se concretize este trabalho, tal como a construção de casas, por exemplo, é necessário que haja uma base. Para Godóy (2004, p.30), esta base é a natureza e os movimentos de toda sociedade sobre a natureza tornam o espaço uma criação humana. A natureza é separada da sociedade, ela é a “base física sobre a qual o homem atua e produz o espaço geográfico”. Carlos (2005, p.32) afirma que o espaço urbano compreende aquilo que o homem cria e recria dentro da cidade e não é somente a existência real do espaço geográfico. É tudo ao redor, a relação do homem com a natureza, do homem com a 17 cidade, do homem com o homem. É a história que está em cada prédio antigo, em cada rua, em cada esquina. Segundo a autora “o espaço é, pois uma criação humana e sua produção coincide com o próprio modo pelo qual os homens produzem sua existência e a si mesmos”. Como exemplo para espaço urbano, pode-se imaginar um posto de gasolina com uma loja de conveniências que fica aberta 24hs por dia. Ali estacionam seguidamente diversos veículos para abastecer, mas também pode ser um ponto de encontro de jovens prontos para ir a alguma casa noturna. Ou seja, o posto e sua loja fazem parte do espaço urbano geográfico, pois se encontram em um ponto do mapa, são mensuráveis, e têm funções específicas, mas são também um lugar de troca de idéias, de comunicação, expressão e subjetivação. Muitas coisas podem ocorrer neste lugar durante qualquer hora do dia, possibilitando assim a construção do espaço. Abaixo Carlos (2005, p.28) explica como se dá a construção do espaço pelo homem: [...] ao produzir sua existência os homens produzem não só sua história, conhecimento, processo de humanização, mas também o espaço. Um espaço que, em última instância, é uma relação social que se materializa formalmente em algo passível de ser apreendido, entendido e aprofundado. Um produto concreto, a cidade, o campo, o território – nessa perspectiva o espaço, enquanto dimensão real que cabe intuir – colocam-se como elementos visíveis, representação de relações sociais reais que a sociedade é capaz de criar em cada momento do seu processo de desenvolvimento. Orlandi (2001, p.12) segue a mesma idéia que Ana Fani Carlos afirmando que o espaço urbano é como um espaço material, concreto e que funciona como um espaço para significação, mas que exige alguns “gestos de interpretação particulares”. É também um espaço simbólico construído pela história, “um espaço de sujeitos e significantes”. Não existe nada vazio na cidade. Tudo está completo e preenchido com o imaginário urbano. No trecho abaixo o autor revela seu pensamento do espaço urbano preenchido: Não restam espaços vazios na cidade, sua realidade estando toda ela preenchida pelo imaginário urbano. Os sentidos do “público” já estão desde sempre saturados pelo urbano de tal modo que a cidade é impedida de significar-se em seus não-sentidos, os que estariam por vir, as novas formas de relações sociais, em nossos termos, novas relações de sentidos. Sem espaço vazio, não há possível, não há falha, não há equívoco. Tudo se dá previamente, definitivamente projetado. O apagamento do social pelo urbano desfaz o político livrando a cidade à violência. Deixa-se de levar em conta os 18 modos sociais de produção de sentidos próprios à cidade. (ORLANDI, 2001, p.14) A metrópole, em conseqüência do processo de modernização e de progresso, está sempre em processo de reprodução do espaço, que nunca para, pois está sempre procurando o novo. Isso causa a perda de referenciais, “onde novas formas urbanas se constroem sobre outras”, alterando a sua morfologia e tornando assim a paisagem em constante mudança e transformação. A conseqüência disso é a perda de “referenciais individuais e coletivos que produzem a fragmentação do espaço” (CARLOS, 2007, p.13). Para Canclini (2003, p.285), estas transformações causadas pela expansão urbana, geram a chamada “hibridação cultural”, ou seja, onde antes havia concentrações fixas ou bem definidas em partes rurais, sem muita comunicação com demais grupos ou outras nações, agora existe uma mescla de culturas, que segundo ele é “renovada por uma constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação”. Um exemplo claro destas constantes transformações na paisagem urbana é o local onde se encontravam, antes de um atentado terrorista, os dois maiores e mais importantes prédios empresariais da America do Norte, o World Trade Center. Atualmente o local foi reformado e transformado, temporariamente, em um memorial das duas torres e é chamado de marco zero ou ground zero nos Estados Unidos. O marco zero aguarda a construção da chamada torre da liberdade, um arranha céu também empresarial que vai alcançar os 541 metros de altura – 160 vezes maior que o Empire State - ou 1776 pés de altura que faz alusão ao ano da independência dos Estados Unidos. Michel de Certeau (1994, p.169) em sua obra A invenção do cotidiano: Artes de fazer, fala sobre esta efemeridade da cidade moderna, dando como exemplo a cidade de Nova Iorque vista de cima: A gigantesca massa se imobiliza sob o olhar. Ela se modifica em texturologia onde coincidem os extremos da ambição e da degradação, as oposições brutais de raças estilos, os contrastes entre os prédios criados ontem, agora transformados em latas de lixo, e as irrupções urbanas do dia que barram o espaço. Diferente neste ponto de Roma, Nova Iorque nunca soube a arte de envelhecer curtindo todos os passados. Seu presente se inventa, de hora em hora, no ato de lançar o que adquiriu e desafiar o futuro. 19 O centro de toda essa transformação é o próprio centro das cidades. Oliveira (2006, p.1) afirma que para se entender o urbano é necessário analisar a sua centralidade, e todas as diversidades envolvidas. Ali, na centralidade, assimila-se mais facilmente a realidade urbana, pois tudo está aglutinado, reunido “em função das necessidades humanas”. Ainda sobreesta centralidade Lefebvre (1999, p.110 Apud OLIVEIRA, 2006, p. 1) completando a idéia escreve: A centralidade não é indiferente ao que ela reúne, ao contrário, pois ela exige um conteúdo. E, no entanto, não importa qual seja esse conteúdo. Amontoamento de objetos e de produtos nos entrepostos, montes de frutas nas praças de mercado, multidões, pessoas caminhando, pilhas de objetos variados, justapostos, superpostos, acumulados, eis o que constitui o urbano. O centro da cidade é como uma aglomeração e concentração. Para Carlos (2005, p.70) Esta aglomeração é o centro de toda produção do capital que circula, da mão-de-obra, da população e dos “bens de consumo coletivo”. A cidade então, como espaço da reprodução do capital tem de se configurar urbanamente de forma concentrada e aglomerada, pois possibilita “diminuir a distância entre processo de produção da mercadoria e seu processo de consumo” (CARLOS, 2005, p.73). Um bom exemplo disso é o bairro Santa Mônica, em Florianópolis, onde tudo ali é muito concentrado. Lojas de diversos tipos, supermercados, concessionárias, vídeo locadoras entre outras. Possui também um grande shopping-center com um supermercado acoplado. Ali dentro, estão aglutinados, caixas eletrônicos, para não haver motivo de ficar ou estar sem dinheiro, as praças de alimentação, com dezenas de opções de refeições, onde se compra a comida e já se consome ali mesmo e geralmente muito rapidamente, e o supermercado, que produz alguns de seus produtos dentro do próprio estabelecimento como pães, sanduíches e pizzas, e pode-se consumir em mezinhas propositalmente colocadas ali mesmo. Rachel Fontes Sondré (2006, p.3), no seu artigo Comunicação na cidade: polifonia e produção de subjetividade no espaço urbano, afirma que as cidades modernas, por se configurarem aglomeradas, se caracterizam como grandes campos de comunicação, pois nesta centralidade existe uma enorme quantidade de signos, imagens e informações que “são emitidos simultaneamente no espaço urbano” e comunicam algum fato, evento ou coisas do cotidiano de alguma maneira 20 ao passante. Para a autora a cidade é “polifônica”, pois destas comunicações emanam “vozes nem sempre consoantes” por todos os lados da cidade. Os processos de comunicação que atuam dentro do espaço urbano, influenciam a todos os que ali transitam, pois estão todos dividindo o mesmo espaço concentrado – observador e observado - e não há como escapar. São diferentes de outros meios de comunicação de massa, que precisam que o espectador queira interagir com eles, como por exemplo, pegar o controle remoto e ligar a televisão, ligar o rádio, ir ao cinema, acessar a internet. “A comunicação das ruas é quase um imperativo, pois não temos nenhum poder de decisão a respeito dos outdoors, cartazes, pichações e outros signos que nos interpelarão em nossos deslocamentos urbanos.” (SONDRÉ, 2006, p.2) Outro fator comunicacional são os espaços públicos que, ocupados por diversas pessoas, possibilitam o contato humano, gerando uma experiência de alteridade que é a dependência do “outro” para compreender e se relacionar em sociedade, criando subjetividades. A cidade nada mais é que “um rico cenário de abundantes fluxos e trocas simbólicas e comunicacionais” (SONDRÉ, 2006, p.2). A comunicação que se dá dentro da cidade é muito mais visual do que verbal. Segundo Sondré (2006) isto facilita o processo de compreensão das mensagens, adequando-se à velocidade deste meio tão veloz. Esta velocidade de fluxos intensos influencia diretamente as pessoas e sua maneira de viver dentro da urbe, contribuindo assim para o aceleramento do ritmo de vida natural do cidadão. Um exemplo desta comunicação fortemente visual são os painéis eletrônicos que funcionam como uma espécie de televisão gigante em grandes metrópoles como São Paulo. São posicionados geralmente na beira de avenidas de fluxos intensos e de alta velocidade. Nestes painéis a velocidade de informação é surpreendente, como se estivesse tentando passar o maior número de informações para o motorista no menor espaço de tempo. A cidade com seus signos e imagens emite mensagens de ordem para quem vive ali. Segundo Carlos (2007, p.37), existem diversas mensagens ditando regras a todo o momento: como se comportar dentro deste espaço, como se vestir, como comer, como viver e pensar. Estas ordens não seguem a mensagem verbal e sim visual e são “reduzidas a signos” para facilitar o processo de manipulação da consciência das pessoas tornando assim o processo mais cômodo. 21 Sobre este processo de manipulação através de signos, imagens e regras a autora escreve: O signo separando-se do significado torna-se objeto mágico, que penetra no sonho das pessoas manipulando-as, na medida em que fornecem um “outro sentido” à mercadoria. Com esse processo, assistimos à significação de uma nova ordem de troca (social), novas formas de uso dos lugares da cidade, um novo modelo de vida que se impõe pelo efêmero, em que a “imagem pela imagem” aparece enquanto reino do espetáculo e como simulacro. O novo engole as formas nas quais se escreve o passado e com ele seu estilo e, sem referencial, o mundo, na busca incessante do novo, se transforma no instantâneo. (CARLOS, 2007, p.37). Um exemplo que cabe bem aqui é fazer uma analogia desta sociedade real de controle, ou melhor, desta cidade distópica que é descrita por Carlos (2007), com o livro de George Orwell chamado 1984, onde na história existe um sistema totalitário – escondido de democracia - de controle intenso de seus habitantes que não permite que ninguém haja e nem sequer pense de forma diferente de como pensa o grande irmão que é quem dita as regras - de maneira bem visual com telões chamados de teletelas que transmitem e captam voz e imagem – e se faz presente a todo o momento. É através da teletela que o partido dominante controla seus membros. Envia e recebe informação a todo instante ao grande irmão, de todos os vigiados. Pode-se dizer que o mesmo ocorre na sociedade real, principalmente das grandes cidades, onde há um forte controle de seus habitantes, no qual tenta definir a maneira de pensar, agir, vestir, comer e sentir dos cidadãos através de um poder dominante que se utiliza de telas para manipular massas, como as televisões por exemplo. O grande irmão, chamado de Big Brother pode ser considerado o Estado, o centro do controle, o poder maior. Ele, é onipresente, está em todos os lugares, e ao mesmo tempo, nunca ninguém o viu de verdade. É uma liderança invisível. Outro filme que aborda um sistema distópico é o Brazil, o filme. Dirigido por Terry Gilliam, mostra um quadro surreal em que a tecnologia impera e todas as pessoas são monitoradas por um governo secreto totalitário que impede e proíbe que qualquer tipo de amor interfira na eficiência do sistema. A cidade caótica, com muita publicidade ao redor de estradas para encobrir a devastação do meio ambiente, e o lixo tóxico e radiativo que é jogado por ali. Também há canos que conectam toda a cidade e dentro dos próprios apartamentos, e por ali passam todas as informações que mais tarde são anunciados na televisão. 22 Se para a época este quadro é “surreal”, pode-se dizer que praticamente tornou-se real nos tempos de hoje. A manipulação das pessoas através de um poder total e também com o auxílio da tecnologia é um fato. Segundo o professor titular de engenharia de software da Universidade Federal de Pernambuco Silvio Meira em seu artigoInformação, Google e o olho do grande irmão, a empresa Google tem um plano para praticamente “dominar o mundo”. Segundo ele, esta empresa tem informações de todos os tipos armazenadas em seus bancos de dados, e o objetivo é armazenar toda a informação do mundo e ter um perfil de todos os usuários, por motivos ainda desconhecidos. Também a globalização unida à tecnologia, que conecta a tudo e a todos, faz lembrar os canos que transmitem informações a todo instante no filme (Disponível em: http://mesquita.blog.br/o-olho-do-grande-irmao.) Também pode ser enfatizado aqui um filme de 1982 chamado Blade Runner. O longa metragem mostra uma sociedade no ano de 2019 em que se criam andróides ditos perfeitos, fortes, Inteligentes e ágeis que são chamados de replicantes e utilizados como escravos para explorar novos planetas. Um grupo de replicantes então provoca um motim em outro planeta, e são proibidos de voltar pra Terra. Alguns deles acabam voltando e um grupo – esquadrão de elite - chamado Blade Runner é encarregado de “removê-los”. Ao cruzar este filme de ficção com a realidade se vêem muitas semelhanças como, por exemplo, a fotografia do filme onde aparecem enormes cidades e megalópoles de uma enorme verticalização que confunde e (des) situa. Prédios imensos e muita poluição visual é uma forte crítica à sociedade atual real, com muitos pontos em comum. Ali não há uma centralidade, pois a cidade se torna tão complexa e emaranhada que tudo vira centro, assim como nas grandes metrópoles reais de hoje. A própria tecnologia robótica de hoje já se assimila com o filme. A NASA, por exemplo, criou diversos robôs – não andróides – para explorar outros planetas do sistema solar. 23 Figura 3: 1984 de Orwell Figura 4: Brazil o Filme Figura 5: Blade Runner Para uma melhor compreensão de como se dá esta manipulação através de signos comunicacionais dentro do espaço urbano, cabe agora verificar o modo de vida dos habitantes das cidades, como vivem, o que lhes afeta, o que fazem, seus processos de transformação e de re-apropriação do espaço. 2.2 MODO DE VIDA URBANO Dentro da metrópole, mais especificamente no centro da cidade, existe diariamente e ininterruptamente um enorme “vai e vem” de uma multidão de pessoas apressadas, correndo contra o tempo. Carlos (2005, p.20) afirma que “o mundo urbano não é homogêneo; há uma multiplicidade de atos, modos de vida, de relações.” Esta corrida contra o tempo geralmente se dá em função da busca por capital, e acúmulo financeiro, mas também por qualquer outro motivo que leve as pessoas ao deslocamento, seja fazer compras, lazer, visitas a parentes, amigos ou mesmo a trabalho. São milhares de carros, ônibus lotados, motos, passantes e toda uma diversidade de fluxos irrequietos para todos os lados da urbe. (CARLOS, 2005) Em grandes centros urbanos como São Paulo, por exemplo, é praticamente impossível encontrar uma grande avenida que não esteja abarrotada, de veículos, 24 pedestres e vendedores de todos os tipos a qualquer hora e dia da semana. A metrópole funciona 24hs. O tempo na cidade é o que define e “impõe” o ritmo urbano. O homem urbano vive de acordo com o tempo, e ele – o tempo – é quem dita as regras, e a pressa. Um operário só se diferencia de outro operário dentro deste contexto, pelo tempo de trabalho que cada um deles materializou em mercadorias. Aí há uma troca de valores, onde o valor econômico predomina e o mundo passa a ser o mundo das coisas e o homem é melhor se tiver mais coisas. Quem não tem, é visto com maus olhos perante a sociedade (CARLOS, 2005, p. 20 grifo nosso). No trecho a seguir Orlandi (2001, p.10) dá um exemplo desta exclusão de classes sociais dentro do contexto urbano: “Por exemplo, quando a classe média bloqueia ruas para as festinhas de seus filhos é ecologismo, está protegendo o espaço de circulação; quando é pobre, é vandalismo, é coisa de marginal, é desordem, impede o trânsito.” Da mesma forma, Carlos (2005, p.20) complementa a idéia de exclusão de classes sociais dentro deste cenário, mas com outra situação como no exemplo abaixo: Um homem bem vestido, descendo de um carro “do ano” na porta de um restaurante da moda será tratado de “doutor”. Um cidadão mal vestido, descendo do ônibus e parando na porta do mesmo restaurante, sem dúvida alguma, será visto com ressalvas. É quase um ladrão, em potencial. Isso mostra o quão importante se torna o “ter” ao invés do “ser” dentro da urbe. O homem passa a adquirir respeito e reconhecimento perante os demais através de uma “aparência produzida” dentro de valores que são urbanos, impostos pela sociedade urbana. Quanto mais trabalhar, consumir e produzir, mais status terá (CARLOS, 2005, p. 12). Até mesmo o chamado “tempo livre”, que seria o momento de lazer – momento de não trabalho - que o cidadão deveria de ter por direito torna-se uma extensão do trabalho, consumo e lucro. O tempo livre, às vezes, acaba virando motivo para estender o trabalho, como exemplo, os almoços de negócios, um jantar com reunião com colegas de trabalho, uma viagem de negócios, uma palestra, congresso ou simpósio para aumentar o currículo e conseqüentemente o lucro, a televisão que oferece diversos produtos para consumo. O tempo livre de classes menos 25 favorecidas tem ainda menos liberdade, pois tem de se preocupar com outros trabalhos ou mesmo procurar trabalhos (CANCLINI, 2003, p. 288). Segundo Everardo Rocha (2006, p.18) em seu livro Comunicação, cultura e consumo: novas sensibilidades nas culturas jovens, o consumo é inerente ao ser humano. Todos precisam de alguma forma consumir para poder viver, mas não da forma que se transformou na modernidade. Para ele o consumo tornou-se banal e estranho pois começa a haver uma simbiose entre o ser humano e o consumo de tão entranhado que está. Como exemplo, o autor mostra que já existem diversos casos de crianças nos Estados Unidos que ganharam nome de marcas produtos, para que possam receber status dentro da sociedade. Alguns nomes/marcas como Armani, Porsche, L’Oréal, Canon, ESPN, Chanel, Chevys, Cristal, Chivas Regall, Fanta e Pepsi. Quem dita como consumir e o que consumir são as formas de cultura de massa que se impregnam em “filmes, novelas, programas de auditório, shows, colunas sociais, cadernos jornalísticos, matérias de revistas e, sobretudo, a publicidade”. A publicidade é quem sustenta todas as outras formas de consumo e por isso a maior formadora de opinião (ROCHA, 2006, p.15). Para Sondré (2006) o capitalismo domina pelo desejo, e de maneira sutil, a dominação subjetiva se expande por toda sociedade. Este domínio se dá através de todos os meios de comunicação e também da cultura do consumo. A publicidade aqui é a principal ferramenta para dar continuidade e aumentar o processo consumista. Sobre esta dominação, que tem como principal ferramenta a publicidade como meio de emitir informações e mensagens aumentando o desejo, e conseqüentemente o consumo a autora explica: Uma estratégia que tem sido utilizada com eficiência pelo poder para investir no campo do desejo [...] é a publicidade. [...] os discursos, a estética, as imagens e os padrões de vida e beleza proclamados pelos anúncios que proliferam não apenas na paisagem urbana, como também no interior dos lares (via televisão, internet, mídia impressa ou mala direta) reafirmam os valores nos quais se apóia a ordem dominante e legitimam as relações de poder que a sustentam.Não há nada de novo nas mensagens publicitárias que se apossam dos espaços públicos, ao contrário, elas só fazem reproduzir e confirmar os discursos cantados por jingles e repetidos exaustivamente por garotos propaganda. As imagens e idéias que encontramos aí são as mesmas repetidas diariamente durante o intervalo dos telejornais ou pela mocinha da novela. [...] (SONDRÉ, 2006, p.12) 26 Já para Everardo Rocha, o consumo está diretamente ligado à busca por uma identidade dentro da sociedade moderna. Para serem diferentes das demais, as pessoas e principalmente jovens urbanos buscam consumir bens que lhes trarão um diferencial. A publicidade, e os meios de comunicação em geral, sabendo disso, fazem uma espécie de socialização do consumo, criando produtos ou serviços que se liguem a determinados grupos consumistas de maneira humanizada. “Os produtos ou serviços adquirem identidade diante de nossos olhos em razão do trânsito que possuem em inúmeras cenas que reproduzem a vida cotidiana” (EVERARDO, 2006, p.33). Segundo o autor, alguns exemplos destas cenas em que aparecem produtos em situações sociais com seres humanos, são novelas, filmes, e anúncios publicitários diversos. Nas novelas, há uma grande quantidade de cenas onde seres humanos fazem coisas iguais às da vida real, criando assim uma identificação com o espectador. É comum ver, nas novelas, o chamado merchandising, onde produtos são colocados de maneira explicita ou não em determinadas tomadas e cenas, interagindo com os seres humanos. A série de TV Malhação utiliza de forma explicita os produtos com seus personagens, seja um refrigerante ou um shampoo. Em filmes o mais comum é o merchandising colocado de uma maneira mais sutil, onde geralmente aparece apenas uma parte do produto, ou se vê algum anuncio em poucos segundos de vídeo. Nessa corrida contra o tempo por lucro e status, por valor econômico e valor simbólico, o habitante urbano tem de ser, consumir e produzir rápido e adaptar-se ao meio. “O andar apressado, o olhar distante e frio, um único pensamento: chegar depressa em algum lugar. São papéis que assumimos ou nos são impostos pela sociedade urbana de hoje.” (CARLOS, 2005, p. 19). O cidadão assim passa a dar valor somente para si próprio, esquecendo-se dos demais em função desta velocidade. Como exemplo desta distração e desprezo aos demais é comum observar que as pessoas na sua pressa diária, não dão a mínima importância para os moradores de rua, desabrigados e famintos, pedindo alguns centavos na rua para matar a fome ou alguma outra necessidade. O pensamento dos apressados fica focado no destino de sua rota dentro da cidade – futuro -, e o presente passa como imagens desfocadas e sem valor algum. 27 A aceleração do tempo na cidade gera mudanças muito rápidas que podem ser comprovadas pela própria morfologia da cidade e modo de vida dos urbanos. Segundo Carlos (2007, p.13) os resultados são novos padrões de vida e novas formas de apropriação do espaço, tornando estas novas formas “cada vez mais mutantes em um tempo cada vez mais efêmero”. Um exemplo de um fator que influencia diretamente na vida do ser urbano é o surgimento de fast foods. O tempo também determina como comer e as redes de fast foods crescem na mesma velocidade da pressa de quem come. Comidas de alta caloria em pequenas quantidades, onde a moda é comer e ir embora, ou ir embora comendo no caso dos drive-thrus. Se o tempo, como ritmo urbano veloz, influencia até mesmo o que comer, este ritmo pode afetar psicologicamente a vida das pessoas. Sondré (2006, p.8) afirma que a grande velocidade destes fluxos comunicacionais e a “rápida convergência de imagens em mudança” em função do estímulo ao consumo, podem causar uma “intensificação de estímulos nervosos”, criando um fator psicológico próprio do metropolitano. Este fator psicológico é criado por tudo que compõe o espaço urbano, como exemplo cartazes, outdoors, letreiros, avenidas, ruas, casas, prédios, vitrines, lojas, graffites, pichações, e os próprios “contatos humanos”. Estes atuam como processos comunicacionais e podem afetar os cidadãos de infinitas formas gerando qualquer tipo de experiência subjetiva, podendo ou não ser criativa (SONDRÉ, 2006, p.9). Para a autora sair para as ruas e deixar o nosso ambiente familiar é uma experiência de aventura, é “estar sujeito aos fluxos, aos encontros que se dão ao acaso”. É “esbarrar” com pessoas estranhas e aprender e mudar com elas. Isso tudo se chama experiência de alteridade e ela pode ser muito criativa se utilizada de maneira subjetiva. Esta experiência pode ter duas situações, positiva ou negativa. O fator positivo para o indivíduo é que pode transformá-lo em um criador de subjetividades, modificando e recriando o ambiente ao seu redor (SONDRÉ, 2006, p. 8, p.9). Como exemplo o graffiti, que é uma arte feita geralmente nas próprias ruas – nos muros – com o uso do spray de diversas cores, possibilitando que todos os passantes possam vislumbrar a arte sem pagar ingresso para isso. O graffiti não faz distinção de classe social, e pode ser uma experiência transformadora para alguns. 28 O fator negativo da experiência de alteridade ocorre quando estes encontros urbanos com desconhecidos se dão de maneira violenta ou ameaçadora, e a aproximação em excesso não permitiria a experiência de criatividade. Um assalto, por exemplo, ou um estupro, são conseqüências negativas da alteridade. Isso tudo gera desconfiança e medo, e pode mudar a maneira de apropriação do espaço levando o indivíduo a se trancafiar dentro do ambiente familiar, e se distanciar do contato urbano, iniciando assim um contato virtual através da internet por exemplo. (SONDRÉ, 2006) A velocidade dos fluxos de comunicação que ligam as pessoas por uma rede virtual faz com que cada vez mais elas se isolem dos “lugares de realização da vida”, e também umas das outras. Complementando esta idéia Carlos (2007, p.13) descreve: A metrópole cortada por vias de transito rápido, baseada na circulação sobre pontes e viadutos cada vez mais modernos, representa o vazio no cheio, caracterizado pela tendência à impossibilidade do uso dos espaços públicos e, como conseqüência, pelo distanciamento do indivíduo em relação aos lugares de realização da vida. Com o aumento e crescimento das cidades, tornou-se comum e generalizado dizer que as megalópoles geram um anonimato em seus habitantes. Viver em uma grande cidade não geraria o anonimato, mas sim outra forma de sociabilizar como, por exemplo, com a própria família e outras formas de comunicação de maneira mais intima e confiável. Ele explica que os “grupos populares” realmente não saem muito de seus próprios espaços, mas isto não significa o anonimato extremo, apenas um isolamento do próprio espaço. “Para todos o rádio e a televisão, para alguns o computador conectado para serviços básicos, transmitem-lhes a informação e o entretenimento a domicílio.”(CANCLINI, 2003, p.286). Segundo Sondré (2006) outro fator negativo da experiência de alteridade que pode ocorrer é que as pessoas que vivem na metrópole e que enfrentam toda uma gama de estímulos visuais e sensoriais de diversos tipos, no seu cotidiano podem desenvolver “uma atitude blasé”, o que impediria esta pessoa de reagir a emoções novas. É o meio influenciando diretamente no emocional da pessoa, e conseqüentemente em sua saúde. Esta experiência negativa descrita por Sondré, também é abordada por outrosautores. Como exemplo, Rolnik (2001, p.25) afirma que há um excesso de tipos de 29 subjetividades ocorrendo no mundo. É a chamada “experiência de desestabilização”. Antigamente esta experiência era considerada uma doença mental e as pessoas tinham medo de não conseguir se enquadrar dentro de uma ordem considerada normal, medo de tornar-se louco. Hoje, no mundo contemporâneo, esta experiência de desestabilização está tão ampla e difundida que não é mais considerada doença e sim uma coisa normal. Ter stress vivendo dentro da metrópole é praticamente um pré-requisito. Tomar remédios para dores de cabeça, stress, fadiga entre outros se torna agora sinônimo de preocupação consigo mesmo, responsabilidade. Mas mesmo com algumas patologias serem consideradas normais ainda assim há fatores sociais e emocionais que podem desencadear problemas psíquicos e mentais. A preocupação demasiada com os fatores do mundo moderno, por exemplo, pode gerar doenças ditas “modernas” como a depressão e a síndrome do pânico onde a pessoa perde total controle sobre si mesma, gerando assim, segundo a autora, “um caos psíquico, moral, social, e antes de tudo orgânico”. Este caos interno seria um reflexo do caos externo que se encontra a sociedade moderna (ROLNIK, 2001, p.26). Ainda, segundo o site www.ocabulosodestino.net existe uma doença chamada “Síndrome de Stendhal” onde a pessoa é afetada de forma violenta pelo excesso de imagens, principalmente se tratando de excesso de obras de arte, que gera perda de referencial, perda de personalidade, amnésia, depressão, síndrome do pânico entre outras. A doença foi diagnosticada pela primeira vez em 1817, no artista chamado Marie Henri Beyle, conhecido como Stendhal, e teve seu ataque em um museu com diversas obras de arte em Florença. Cento e setenta e nove anos depois – em 1996 – o cineasta Dario Argento fez um filme sobre o tema, chamado “La Sindrome Di Stendhal”. 30 Figura 6: Síndrome de Stendhal (http://www.alnitak74.net/posters/S-T/La_Sindrome_Di_Stendhal.jpg - Acesso em 11 jun. 2008) 2.3 USOS E ABUSOS DO ESPAÇO URBANO Para se utilizar o espaço urbano existem regras a serem seguidas e cumpridas, sob pena de prisão, multa ou outras punições ao não se seguir a regra. Isso quer dizer que não há uma liberdade para o cidadão e sim uma aparente liberdade. Os movimentos e trajetórias dos transeuntes são controlados e vigiados por câmeras de segurança, e qualquer desvio de conduta reflete em uma punição. É o controle através do medo (CARLOS, 2007). Carlos (2007, p.30) descreve a seguir o que significa efetivamente usar o espaço urbano: [...] a cidade revela-se concretamente através do uso que dá sentido a vida, revelando o conteúdo da prática sócio-espacial. É pelo uso (como ato e atividade) que a vida se realiza e é também através uso que se constroem os “rastros” que dão sentido a ela, construindo os fundamentos que apóiam a construção da identidade revelada como atividade prática capaz de sustentar a memória. O espaço urbano representa, antes de mais nada, um uso, ou ainda, um valor de uso e desta maneira a vida se transforma, com a transformação dos lugares de realização de sua concretização, que a norma se impõe e que o Estado domina a sociedade, organizando, posto que normatiza os usos através dos interditos e das leis. 31 Ao caminhar dentro da cidade caminha-se de forma controlada. O sistema opressor permite livre acesso a alguns lugares e não a outros. O indivíduo é sujeitado a diversas placas de advertência como, por exemplo, “proibida a entrada”, “não permitida a passagem de estranhos”, pare, siga, entre outros. Para este sistema controlador, não interessa se o passante sabe ou não ler o aviso, mas sim elucidar-lo de que está “diante de uma ordem simbólica que se materializa ali”, colocando-o em seu lugar dentro deste espaço (SOUZA, 2001, p.71). Sobre este controle Canclini (2003, p.288) escreve: Em uma época em que a cidade, a esfera pública, é ocupada por agentes que calculam tecnicamente suas decisões e organizam tecnoburocraticamente o atendimento às demandas, segundo critérios de rentabilidade e eficiência, a subjetividade polêmica, ou simplesmente a subjetividade, recolhe-se ao âmbito privado. O mercado reorganiza o mundo público como palco do consumo e dramatização dos signos de status. As ruas tornam-se saturadas de carros, de pessoas apressadas para cumprir obrigações profissionais ou para desfrutar uma diversão programada, quase sempre conforme a renda econômica. Quando a ordem é dada através de um letreiro, placa, ou cartaz, o transeunte pode simplesmente passar sem ao menos olhar para o sinal, ou mesmo olhar, entender a mensagem de proibição e passar, desobedecendo a ordem, pois mesmo com as regras temos contudo a livre escolha (SOUZA, 2001). Como exemplo, pode-se imaginar uma pessoa no centro de uma cidade qualquer, que se depara – ao atravessar uma determinada avenida – com um semáforo fechado para pedestres. O pedestre pode olhar para os lados, verificar se não há perigo de atropelamento e passar. Neste caso o pedestre cometeu uma infração de acordo com a lei e poderá responder a esta transgressão juridicamente. Mas há os casos de interdição em que o pedestre não tem chance alguma em prosseguir seu andar, como exemplo, grades de ferro. Estas funcionam como uma barreira material, que atua diretamente no corpo do indivíduo impedindo-o de entrar em determinado lugar, tratando-o assim como suposto agressor, ou vítima. “Este é um dos efeitos da limitação do espaço público no percurso da mobilidade em território urbano”. Estas barreiras atuam de forma opressiva, e causa estranhamento no passante e até mesmo uma discriminação pois ele se sente “do lado de fora” ou excluído de alguma maneira. (SOUZA, 2001, p.72). Segundo Souza (2001, p.72): 32 O sujeito só se sabe livre em sua movimentação cotidiana ou dela destituído mediante o pedaço de terreno que lhe sobra para caminhar, ou mediante o tempo que tem de permanecer do lado de fora até que se abram os portões que detêm sua caminhada. Ai se encontra a fronteira do invisível entre o aberto e o fechado Carlos (2005) elucida que além de barreiras materiais, obviamente existem barreiras sociais de cunho econômico. Como exemplo, o fato do homem necessitar naturalmente de um espaço para habitar, dormir, comer, descansar e repor as energias, mas para poder habitar o solo urbano e ter as mínimas condições para as necessidades básicas humanas é preciso que se pague por ele, comprar ou alugar uma casa por exemplo. Do contrário terá de morar na rua ou de baixo de alguma ponte ou viaduto. Abaixo Carlos (2007, p.117) explica a idéia de Lefebvre sobre os direitos à cidade que o cidadão teria de ter: “Para Lefebvre o direito à cidade manifesta-se como a forma superior dos direitos, enquanto direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e à habitação [...]”. Há dentro do espaço urbano duas formas básicas de ocupação e uso, que são de lugares públicos e lugares privados. Os lugares públicos como o nome já diz são espaços destinados pelo governo para uso coletivo, de todos que queiram usufruir deste espaço. Os lugares privados são de uso particular, ou que nem todos podem ter acesso. Ambos os espaços têm regras a serem cumpridas definidas pela lei, mas há vezes em que ocorre uma flexibilidade de regras para com os espaços. Por exemplo, há alguns bares que possibilitam que o cliente sente-se na própria calçada, oque funciona como uma extensão do bar (MAGNANI, 2006). Magnani (2006, p.136) no trecho abaixo explica esta situação: Trata-se de uma prática que joga com a separação dentro e fora, público e privado: permite uma particular forma de desfrute que combina segurança e proximidade com os demais freqüentadores, intimidade do espaço fechado e a imprevisibilidade proporcionada pela movimentação da rua e da calçada. O freqüentador tem à sua disposição, portanto, três domínios: situado em um plano intermediário entre o dentro e o fora – ele está na calçada -, sente-se protegido pela ambiência do bar e pode apreciar o fluxo de passantes e da vida rotineira, que se desenrola na rua. 33 Esta situação acima seria uma exceção da regra, que impede que se avance para além de uma área demarcada pelo poder público, que determina o que é e o que não é área privada e área pública (MAGNANI, 2006). Esta separação de público e privado está diretamente associada com a história da língua portuguesa e também a história da cidade. Para exemplificar faz uma analogia com a definição de rua que está no dicionário Aurélio. A definição deste dicionário para rua é: “via pública para circulação urbana, total ou parcialmente ladeada de casas”. Aí, a palavra circulação remete à circulação de veículos, e movimentação contínua sem que se possa parar. Metafóricamente remete ao termo imperativo “circulando!” que é utilizado para dissolver alguma aglomeração de pessoas dentro do espaço público. Ainda, rua conforme a definição faz “oposição entre público e privado, entre casa e rua”, e metaforicamente o termo “ruão” remete a “ruaceiro”, “arruaça” que remete a desordens dentro deste espaço. Ou seja, na raiz da língua portuguesa já existe uma separação clara colocando o cidadão no seu lugar, explicando o que pode e o que não se pode utilizar do espaço público (NUNES, 2001, p.108). Esta exclusão que a própria cidade causa em seus habitantes, deixando-os do lado de fora de logradouros particulares, reprimindo sua caminhada cotidiana e controlando seus movimentos, gera uma fragmentação de grupos com ideais, ideologias, códigos de comunicação, indumentária, valores e costumes singulares. Estes grupos são denominados metaforicamente de tribos urbanas (MAGNANI, 1992). Há uma conotação de marginalização neste termo, por parte de um senso comum, onde as tribos urbanas significam problema. Para as pessoas, quem faz parte de uma tribo urbana, representa perigo, pois sai de um contexto de cidadão comum, um ser honesto e íntegro. Muitas vezes são ditos “selvagens”, quando denotam algum tipo de comportamento “agressivo, contestatário ou anti-social” como grupos de gangues, pichadores ou torcidas organizadas (MAGNANI, 1992). Mas mesmo que a pessoa não veja problema no termo, é comum generalizar as tribos urbanas como qualquer grupo de “patricinhas em um shopping, ou turma de manos em alguma estação de metrô”. (MAGNANI, 2006, p.131). Michel Maffesoli em seu artigo chamado A comunicação sem fim: Teoria pós- moderna da comunicação, explica que para que se possa compreender o fenômeno da comunicação é necessário se entender o aspecto tribal dos seres humanos. 34 Segundo ele, para que existam estas tribos faz-se necessário que elas “comunguem em torno de um totem”, ou seja, que tenham um gosto por algum elemento em comum, algo que agrade os integrantes da tribo. Estas tribos partilham das mesmas emoções e imagens, e tornam-se um grupo seleto e distinto dos demais grupos (MAFFESOLI, 2003, p.17). Ainda, o mesmo autor, em sua outra obra chamada A transfiguração do político: a tribalização do mundo, diz que o individualismo não faz mais sentido na modernidade. Para ele, a tribo é como um “estar-junto grupal que privilegia o todo em relação ao seus diversos componentes. [...] a cultura dos sentimentos, [...] torna essa grupalidade especialmente pertinente” (MAFFESOLI, 1997, p. 195). MAGNANI (1992, p.2) define no trecho abaixo o que são em primeira instância as tribos urbanas, de maneira básica: “[...] pequenos grupos bem delimitados, com regras e costumes particulares em contraste com o caráter homogêneo e massificado que comumente se atribui ao estilo de vida das grandes cidades.” Segundo o site spiner.com.br todos os movimentos de contracultura existentes são considerados tribos urbanas, mas nem todas as tribos urbanas são movimentos de contracultura. Alguns grupos que se caracterizam como essas tribos são: baladeiros, emos, headbangers/metaleiros, hippies, nerds, geeks, trekkers, otakus, patricinhas, punks, rockeiros e skinheads. Para Magnani (1992, p.3) as tribos urbanas são compostas de jovens que seguem o oposto das grandes instituições do estado, vão contra o sistema, e criam seus próprios códigos de comunicação, totalmente diferente dos códigos impostos pela sociedade. O termo “tribo” soa como “primitivo” que designa pequenos grupos que se utilizam de diversos signos para se diferenciar dos ditos “normais”, como por exemplo, tatuagens, cortes de cabelos não convencionais e coloridos, roupas coloridas ou pretas como os “darks”. 35 Figura 7: Jovens punks londrinos. Foto de Fernando Gabeira. (http://www.aguaforte.com/antropologia/magnani1.html - Acesso em 20 Abr. 2008) Há, no entanto, pessoas que vivem na dualidade de realidades. Por exemplo, pessoas que necessitam trabalhar em empregos ditos normais, como Office-boy durante o dia e a noite reúne-se com grupos góticos. Estas pessoas não se encaixam nas chamadas tribos urbanas (MAGNANI, 1992). Para que se possa definir como estes grupos utilizam o espaço urbano é preciso considerar primeiro, que os habitantes da cidade são “nômades” por assim dizer, ou seja, há uma grande mobilidade em seus atos e maneira de viver. (MAGNANI, 2006, p.132). Muitas vezes os jovens pertencentes às tribos urbanas seguem um circuito pré- definido dentro da cidade. Para melhor exemplificar este circuito será restringida neste momento, apenas a tribo dos straight edges. Este grupo tem características semelhantes ao grupo dos punks, tal qual sua maneira de se vestir – visual – e estilo musical, mas difere completamente em comportamentos alimentares, sexualidade e uso de drogas. São vegans – não se come qualquer tipo de carnes ou derivados -, não consomem nenhum tipo de droga e não toleram a promiscuidade sexual. Costumam dar festas chamadas “verduradas” que faz uma contraposição as festas denominadas “cervejadas” ou “churrascadas”. Nestas festas é comum que contratem alguns hare krishnas para a preparação da comida. 36 Mantese (2003, p.5, apud MAGNANI, 2006, p.138) explica no trecho a seguir sobre o circuito realizado pela tribo urbana dos straight edges: [...] a existência de um circuito freqüentado por straight edges, formado por restaurantes, sorveterias, lojas de disco [...], lojas de produtos vegetarianos, ‘vegans’, naturais e orgânicos, casas de show e centros de cultura e discussões anarquistas. Através da observação deste circuito foi possível notar que os straight edges acabam entrando em contato com outros grupos diversos: [...] hare krishnas, com ‘naturebas, com roqueiros em geral, com militantes anarquistas de diferentes gerações e orientações, entre outros. Assim como os straight edges tem seu próprio circuito de interação com outras tribos urbanas, de sociabilidade e trocas simbólicas, e seus próprios pontos de encontro como definido anteriormente, outros grupos detém outros circuitos, totalmentediferenciados destes, em outras localidades, fazendo trocas com outro tipo de tribos e gerando assim outros tipos de subjetividade. A tribo urbana dos pixadores se diferencia muito dos straight edges, por exemplo. Têm como objetivo se comunicar com grupos fechados ou gangues que “compartilham o mesmo código”, e não com a cidade inteira. Para isso utilizam assinaturas, riscos, e códigos praticamente indecifráveis para quem não faz parte do circuito destes grupos. Agem normalmente durante a noite quando há pouco movimento, pois suas ações são consideradas marginalizadas perante a sociedade, sob pena de resposta da lei, e atuam nas ruas utilizando diversos elementos para pichar como muros, postes, escadarias, chão, casas, prédios, bustos, entre outros (SONDRÉ, 2006, p.8). Magnani (2006, p.139) afirma que o circuito dos pichadores abrange um enorme espaço da cidade, e o grupo também conta com pontos de encontro – chamados de points - para uma espécie de reunião, trocando idéias antes de agir. Seus points, diferentemente dos straight edges, são escolhidos de maneira mais estratégica, para facilitar uma possível fuga da polícia. Estão diretamente relacionados com outras tribos urbanas como a dos skatistas e rappers. Mais uma vez é fácil observar a grande mobilidade que estes grupos necessitam, ou seja, comprovando seu nomadismo. Em Florianópolis, por exemplo, é fácil identificar diversas tribos urbanas e seus circuitos dentro da capital. Alguns exemplos: A tribo de emos – jovens que tem a música (hardcore emocional), as vestes, maquiagem, e cortes de cabelo como referencial em comum - que faz seu ponto de encontro inicial em frente ao BoB’s no 37 calçadão da rua Trajano. A tribo dos skatistas que se dividem no grupo que prefere a modalidade free style, ou street fazendo do seu circuito as próprias ruas, e os skatistas que preferem as pistas próprias para skate como é o caso em frente ao shopping Iguatemi no bairro Santa Mônica. Dentro do próprio shopping Iguatemi não é difícil encontrar tribos diferentes, como as denominadas patricinhas, ou simplesmente patys, no caso das meninas geralmente de classe média alta que fazem das compras no shopping center o seu principal lazer e relaxamento. E a tribo dos playboys, antigamente denominados mauricinhos, também na mesma faixa de idade e classe social das patys, e com os mesmos objetivos, acrescido geralmente de ostentação e status. Diferentemente dos grupos denominados tribos urbanas que fazem uso do espaço urbano de maneira singular e as vezes marginalizada, há outro tipo de grupo que de maneira legal ou oficial atua a céu aberto. Este grupo se denomina publicidade. Sondré (2006) diz que pode ou não ser nômade, pois depende de cada mídia exterior utilizada Busdoors, backbus, flyers, panfletos, folders, cartões e garotos propaganda, são alguns exemplos de mídias móveis, nômades, que circulam e abrangem uma grande parte do espaço urbano. Há no caso dos busdoors e backbus, uma estratégia em vigor onde a agência de propaganda seleciona um circuito pré- estabelecido escolhendo quais ônibus colocar o determinado anúncio, pois dependendo dos bairros onde este ônibus passa, vai influenciar determinados grupos de pessoas de interesse ou não da agência. Para (SONDRÉ, 2006, p.5) a publicidade ao ar livre conflita com o cidadão, e ainda polui o espaço urbano como descreve no trecho abaixo: Com suas cores, imagens e mensagens os diferentes tipos de mídia exterior gritam nas cidades suas marcas e produtos. Sua função é vender objetos, serviços, status e estilos de vida. Tarefa que cumprem ao estimular ou criar necessidades, seduzindo o cidadão e convidando-o ao consumo. Não gritam em uníssono, cada um anuncia seu reclame. Entretanto, a mensagem final, o grande refrão, diz a mesma coisa “Compre, tenha, seja”. Existe, portanto, uma enorme gama de estímulos variados dentro da cidade criados por grupos de diferentes segmentos – publicitários, ativistas, ideais - que podem estimular as pessoas que ali vivem a criar subjetividades e sociabilidades e transformam a paisagem urbana de maneira radical. O excesso, porém, destas 38 informações que ali são emitidas pode causar um conflito de informações, - a polifonia urbana - afetando as experiências sensoriais dos cidadãos e suas sensibilidades (SONDRÉ, 2006). 2.4 UM ESPAÇO DE LUTAS? Segundo Carlos (2005, p. 82) a construção do espaço já nasce contraditória, pois expressa-se em contrapontos como “riqueza e pobreza”, belo e feio. Isso quem cria é o próprio ser humano, que através da história faz modificações e recria o mundo. Este processo todo é contraditório porque o homem produz e reproduz “um mundo com o qual parece não se identificar”. Vive em função de acumulação e aumento do capital, tornando-se praticamente uma máquina de força de trabalho. Devido a estas contradições que aparecem dentro do espaço, é que se iniciam as lutas. Dentro da cidade há um enorme jogo de interesses que reduz o cidadão a um “usuário de serviços” – consumidor – inserido num espaço onde a vida comum é programada para que se torne controlada em todos os sentidos, principalmente no sentido de consumir (CARLOS, 2007, p.30). Sondré (2006, p.2) amplia a seguir a idéia da existência de lutas dentro do espaço urbano: É possível ir mais além e constatar a coexistência de vozes contraditórias dentro de um mesmo espaço urbano. Tendo em vista a convivência de tão variados elementos de comunicação na cidade é possível entender o fenômeno da comunicação urbana no contexto de uma luta simbólica não só pelo território da cidade como também na disputa de idéias e posições subjetivas que nela se geram. Estas vozes que estão por toda parte na urbe partem de diversas fontes, e não se caracterizam somente como sonora, mas todo tipo de informação volátil que paira ou atravessa a cidade. Como exemplo pode-se citar a arquitetura - prédios, casas, monumentos históricos, ruas, avenidas, shoppings, museus, praças etc. - a publicidade ao ar livre – outdoors, busdoors, backbus, placas, totens, garotos- propaganda, etc. – e a própria comunicação dos habitantes. (SONDRÉ, 2006). 39 Para o professor e Doutor Alberto Klein em seu artigo chamado A publicidade para além das imagens: O retorno ao paleolítico, as paisagens urbanas metropolitanas transformaram-se em “lugares de excesso”, onde todos os espaços urbanos estão ocupados por imagens e anúncios, que apelativamente buscam o olhar do passante com recursos que denomina de “titanismo midiático” como banners, outdoors, letreiros, painéis eletrônicos e “edifícios convertidos em anúncios”. As cidades tornam-se enormes “florestas publicitárias que, pelo gigantismo de suas imagens, não deixam pontos de fuga aos olhos humanos”, ou seja, não há como fugir (KLEIN, 2006, p.1). Todo este excesso de imagens e informação está causando uma crise comunicacional real onde os fatores se invertem. O excesso torna-se ausência, ou seja, de tanta imagem, de tanta informação, a pessoa acaba se saturando e não prestando atenção em nada, não vedo nada (KLEIN, 2006). O excesso não tem um bom retorno para quem recebe as informações, segundo o autor: “[...] o excesso de imagens midiáticas causa uma espécie de indiferenciação, uma vez que tudo quer se dar a ver, gerando, paradoxalmente, invisibilidade.” (KLEIN, 2006, p.2) Baudrillard (2001, p.72, apud KLEIN, 2006,
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