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ASPECTOS PROCESSUAIS DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL João Paulo Santos Borba Advogado da União Em exercício na Consultoria Jurídica do Ministério da Educação Pós-graduando em Direito Civil RESUMO: O presente artigo trata de alguns dos diversos aspectos da reclamação constitucional como instrumento processual destinado a garantir a autoridade das decisões e a competência do Supremo Tribunal Federal. Objetiva-se abordar e esclarecer algumas das inúmeras questões processuais que envolvem a sua utilização. Ademais, foi realizada análise acerca do art. 103-A, § 3º, acrescentado pela Emenda Constitucional de n° 45/2004, que criou a súmula vinculante e incumbiu a reclamação constitucional como instrumento destinado a salvaguardar o seu cumprimento. Por fim, é argumentado acerca da sua importância como ferramenta processual apta a emprestar maior celeridade e eficiência na tutela do bem da vida que se pretende preservar. PALAVRAS-CHAVE: Reclamação Constitucional. Instrumento Processual. Competência. Autoridade das Decisões. Constituição Federal. Sumário: 1 Introdução; 2 Natureza jurídica da reclamação constitucional; 3 Decisões objeto da reclamação constitucional; 4 Controle das decisões judiciais ou dos atos administrativos que contrariarem súmula vinculante do STF; 5 Legitimidade ativa para a propositura da reclamação constitucional no STF; 6 Recursos cabíveis em sede de reclamação constitucional; 7 Conclusão; 8 Referências. 1 INTRODUÇÃO A reclamação constitucional encontra fundamento na Magna Carta de 1988, especificamente nos arts. 102, I, l, e 103-A, §3°, encontrando-se regulamentada pelos arts. 13 a 18 da Lei n° 8.038/90, e pelos arts. 156 a 162 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. O instituto em tela pode ser entendido como genuíno instrumento processual utilizado nas hipóteses de desobediência pelos órgãos administrativos ou de órgãos jurisdicionais das instâncias ordinárias - tribunais inferiores e juízes - das decisões ou súmulas proferidas pelo Pretório Excelso ou mesmo na situação de usurpação da competência do STF. Em outras palavras, a reclamação constitucional constitui o meio processual que deve ser manejado para garantir a competência jurisdicional da Excelsa Corte, indevidamente avançada, ou quando se objetiva fazer cumprir a decisão ou súmula editada pelo STF. Insta frisar que com o advento da Emenda Constitucional n° 45/2004, a qual acrescentou o art.103-A, §3º, à Magna Carta, e consagrou a súmula vinculante, no âmbito da competência do Supremo Tribunal, ficou consignado que a sua observância seria assegurada pelo instituto processual da reclamação (art. 103-A, § 3º). Registre-se, por necessário, que no tocante ao aspecto da preservação da competência do Supremo Tribunal Federal, há um desdobramento do seu âmbito de atuação em originária e recursal, estando a competência originária relacionada ao processamento e julgamento das hipóteses taxativamente previstas no art. 102, I, da Magna Carta. No que se refere à competência recursal do STF, esta se divide no julgamento dos recursos ordinários e extraordinários, interpostos nas situações expressamente estatuídas no art. 102, II e III da CF de 1988. É imperioso destacar que a utilização do instituto em questão encontra guarida em vários princípios fundamentais que norteiam todo sistema jurídico, notadamente, no principio da efetividade do processo, no principio da economia e da celeridade processual, haja vista que o manejo da reclamação constitucional nas hipóteses permitidas evita o caminho tortuoso, demorado e custoso dos recursos previstos na legislação vigente, e preserva a obediência às normas constitucionais e infraconstitucionais, bem como a entrega da tutela jurisdicional em tempo hábil. Nesse mesmo passo, cumpre destacar que a reclamação constitucional constitui meio idôneo a garantir a observância do princípio do juiz natural, porquanto objetiva que a atividade judicante seja exercida pelo juízo competente, previamente designado nos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, garantindo a jurisdição hígida e preservando, outrossim, as normas que tratam do exercício da função judicante pelos dos órgãos incumbidos de prestar a tutela jurisdicional. Ante o dito, afigura-se a reclamação constitucional como instrumento processual, cujo procedimento sumário especial, destina-se à salvaguarda da autoridade das decisões e da competência do Pretório Excelso, assim como da ordem constitucional como um todo, conforme exegese conferida no decisum proferido pelo Min. Gilmar Ferreira Mendes na reclamação n° 5470, publicada no DJ Nr. 42 do dia 10/03/2008. 2 NATUREZA JURÍDICA DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL Antes de adentrarmos no cerne da natureza jurídica da reclamação constitucional, é imperioso assinalar que a definição da sua natureza jurídica é de grande valia, uma vez que a tipificação do instituto em tela como de natureza recursal, correicional ou de ação autônoma encontra-se jungida à aplicabilidade ou não diversos institutos processuais correlatos, como a preclusão, a formação da coisa julgada formal e material, a legitimidade para seu manejo, a competência legiferante, dentre outros institutos jurídicos aplicáveis à espécie. O Pleno do STF pronunciou-se nos seguintes termos a acerca da natureza jurídica da reclamação constitucional. “A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no art.5°, inciso XXXIV da Constituição.”1 Destarte, considerando o entendimento da Excelsa Corte sobre a natureza jurídica, tem-se que a reclamação constitucional constitui instrumento de participação político fiscalizatório dos negócios do Estado e tem por finalidade a defesa da legalidade constitucional e do interesse público em geral.2 Nesse mesmo sentido vale trazer à liça o trecho do julgado, abaixo transcrito, proferido pelo Pleno do STF, em que resta evidenciado o posicionamento do 1 ADI 2212 / CE. Min. ELLEN GRACIE. Pleno, DJ 14-11-2003 PP-00011 2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2000, p.179. Pretório Excelso acerca da natureza correicional da reclamação: “A reclamação tem natureza de remédio processual correcional, de função corregedora.”3 Vale destacar que a Reclamação Constitucional não pode ser entendida como uma espécie de recurso, uma vez que os recursos são medidas típicas, nominadas e taxativas estabelecidas em lei, motivo pelo qual não se pode atribuir a natureza recursal à reclamação, tendo em vista a ausência de amparo legal nas normas que cuidam do sistema recursal pátrio. Ademais, em razão da finalidade de não impugnar a decisão judicial com o objetivo de reformar ou invalidar, mas tão somente fazer com que seja cumprida a decisão do STF sobre determinadas hipóteses, ou preservar a competência jurisdicional do Pretório Excelso,4 induz a intelecção da não configuração do caráter recursal a reclamação constitucional. Abonando o entendimento acima trilhado, cumpre colacionar os ensinamentos do Procurador da República e Professor Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, que assim disserta acerca da natureza jurídica da reclamação, ipsis verbis: [...] o recurso pressupõe alguns requisitos, o primeiro dos quais, o interesse de recorrer, corporificado na sucumbência. Recorre quem perdeu. Justamente ao contrário, reclama quem ganhou e vê que a decisão que o beneficiava não esta sendo cumprida. Ou quem não ganhou mas também não perdeu: apenas vê que a causa, que deveria estar sendo processada no Supremo ou num dos tribunais superiores a que a reclamação é deferida,o está sendo diante de outro juízo ou tribuna.5 Os dizeres do Ministro Nelson Hungria explicitam que a reclamação não pode ser rotulada como recurso, consoante os termos do voto proferido na Reclamação n° 141, de 1952, que assim asseverou: “[...] não se tratava de recurso, mas de simples representação, em que se pede ao STF que faça cumprir o seu julgado tal como nele se contêm.”6 Todavia, vale consignar que há entendimentos doutrinários diametralmente opostos ao do Supremo Tribunal Federal, não conferindo a natureza jurídica de instrumento correicional à reclamação constitucional, conforme se infere dos robustos argumentos ventilados pelo didático Marcelo Navarro Ribeiro Dantas em sua obra intitulada de A Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro. [...] mesmo quando não se especifica o que seja a reclamação, tem, como minoritairiíssimas exceções, deixado claro que medida administrativa ela não é , entre outras coisas, porque: a. reconhe-lhe o poder de produzir alterações em decisões tomadas em processos jurisdicionais, efeito que não podem ter, por certo, as medidas administrativas, sob pena de inconstitucionalidade, como ocorre como o uso recursal da correição parcial. b. aceita a reclamação para coibir desobediências - é possível, em hipótese, supor também, invasão de competências - que partam de entes de outros Poderes, o que demonstra não ser providência administrativa, pois os órgãos do Judiciário só podem exercer seu poder administrativo dentro da hierarquia interna de sua estrutura, sendo impensável, porque atentatório ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, que o fizesse contra atos dos demais. 3 Rcl 872 AgR – SP. Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno; DJ 20-05-2005. 4 JR. NERY, Nelson . Princípios Fundamentais Teoria Geral dos Recursos. 4 ed. São Paulo RT, 1997, p.156. 5 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 2000. p.453. 6 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 604. A título ilustrativo impende demonstrar os argumentos da lavra do Júlio César Rossi, o qual confere a natureza híbrida (ação/pedido), a reclamação constitucional, estando demonstrado a controvérsia reinante acerca da natureza jurídica da reclamação: Dessa forma, afastada a natureza recursal, bem como reconhecendo sua índole eminentemente jurisdicional, é que consagramos a natureza da reclamação como sendo híbrida - ação/pedido. O expediente processual veiculado é manejado por meio de um pedido formulado diretamente ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça – típica ação, no bojo da qual o sujeito ativo demonstrará que a decisão exarada está em desacerto com a posição já firmada e consagrada em julgado emanado das sobreditas Cortes [...] Nessa perspectiva, a reclamação apresenta-se como sendo um meio de impugnação – incidental a uma contenda que se processa nas instâncias ordinárias - sem, entretanto, ter o condão de reformá-la, anulá-la ou invalidá-la.7 3 DECISÕES OBJETO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL O objeto da relação processual na reclamação é a tutela jurisdicional que nela se pede, e que obrigatoriamente só pode ser referente à preservação da competência ou da autoridade de julgado ou a observância da súmula vinculante do STF. Convém frisar que apenas na situação de desobediência à determinação contida na súmula ou no decisum proferidos pelo Pretório Excelso é que se pode indagar acerca da hipótese citada, conquanto, logicamente, a usurpação da competência do STF não se encontra correlacionada a autoridade de suas decisões. Dessa forma, tem-se que o instituto processual em questão, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, dar-se, na maioria das vezes, por conta do controle concentrado de constitucionalidade (Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental), ou seja, a reclamação constitucional visa garantir o império das decisões proferidas em sede de processo de natureza objetiva, o qual tem como peculiaridade a irradiação de efeito vinculante da decisão emanada e a eficácia erga omnes. Por outro giro verbal, os processos de natureza objetiva não têm outra finalidade senão a defesa da ordem jurídica contra atos incompatíveis com ordenamento, ou seja, perseguem interesses de natureza publicística, não se destinando a proteção de situações individuais ou de relações subjetivas ao passo que os processos de natureza subjetiva têm como peculiaridade a defesa direta do interesses subjetivos das partes que compõem a relação jurídica de direito material deduzida em juízo. Nesse contexto, é forçoso concluir que no processo objetivo não figuram partes, no sentido estritamente processual, mas entes legitimados a atuar institucionalmente, sem outro interesse que não o da preservação do ordenamento jurídico.8 7 ROSSI, Júlio Cessar. Revista Dialética de Processo Civil, n. 19, out. 2004, p.50 8 ZAVASCKI, Teori Albino. Procedimentos Especiais Cíveis e Legislação Extravagante. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 52. Evidenciando o entendimento uníssono do Pretório Excelso sobre a aplicabilidade do instituto da reclamação constitucional em sede de processo de natureza subjetiva, impende colacionar o seguinte julgado: Os julgamentos do STF, nos Conflitos de Jurisdição e nos Recursos Extraordinários, referidos na Reclamação, tem eficácia apenas inter partes, não erga omnes, por encerrarem, apenas, controle difuso (in concreto) de constitucionalidade. E como a Reclamante não foi parte em tais processos, não se pode valer do art.102, I, l, da CF, nem do art.156 do RISTF, para impedir a execução de outros julgados em que foi parte, e que sequer chegaram ao STF. A decisão proferida pela Corte, no julgamento de mérito de ação direta de inconstitucionalidade, esta, sim, tem eficácia erga omnes, por envolver o controle concentrado (in abstracto) de constitucionalidade, mas não comporta execução. E para a preservação de sua autoridade, nessa espécie de ação, o STF só excepcionalmente tem admitido reclamações, e apenas a quem tenha atuado no respectivo processo, não sendo esse o caso da Reclamante.9 Vale destacar que as decisões proferidas em sede de processo cautelar podem ser objeto de reclamação constitucional, não obstante a provisoriedade das medidas processuais em questão, consoante se infere dos termos do julgado da Excelsa Corte, in verbis: RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. AS DECISÕES PLENÁRIAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – QUE DEFEREM MEDIDA CAUTELAR EM SEDE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – REVESTEM-SE DE EFICÁCIA VINCULANTE.Os provimentos de natureza cautelar acham-se instrumentalmente destinados a conferir a efetividade ao julgamento final resultante do processo principal - assegurando, desse modo, ex ante, plena eficácia a tutela jurisdicional do Estado, inclusive no que concerne as decisões, que, fundadas no poder cautelar geral - inerente a qualquer órgão do poder judiciário - emergem do processo de controle normativo abstrato, instaurado mediante ajuizamento da pertinente ação declaratória de constitucionalidade.10 Frise-se também que é possível a utilização da reclamação para preservar a autoridade das decisões proferidas em sede de liminar11, conforme o julgamento proferido pelo STF nos autos da reclamação n° 1507-RJ. Ante o dito, fica clarividente que as decisões proferidas em sede de processo objetivo são dotadas de efeito vinculante, conferindo ao julgado uma forma obrigatória qualificada,com a conseqüência processual de assegurar, em caso de recalcitrância dos destinatários, a utilização de um mecanismo executivo próprio, qual seja, a reclamação constitucional para impor o seu cumprimento.12 Convém ponderar que é incabível o emprego do instrumento reclamatório em situações de alegado desrespeito a decisões que a Suprema Corte tenha proferido em sede de outra reclamação, uma vez que a reclamação não se reveste de idoneidade jurídico-processual, quando utilizada com o objetivo de fazer prevalecer a autoridade de decisões emanadas pelo STF em sede de outra reclamação.13 9 Rcl 447, Rel. Min Sydney Sanches, DJ 31-03-95. 10 Rcl 2570 MC-RS- Min. Celso de Melo, DJ 02-03-2004. 11 RCL (QO) n.1.507-RJ. Rel. Min Gilmar Mendes. DJ 25-04-2003 PP-00034 12 ZAVASCKI, op. cit. p. 66. 13 Rcl-AgR 5389 / PA Min. CÁRMEN LÚCIA DJ 19-12-2007 A relutância em dar efetivo cumprimento a determinação contida no bojo de decisão proferida por ocasião da reclamação constitucional deve ser resolvida na seara do procedimento de execução com a prática dos pertinentes atos coercitivos a serem adotados no exercício da atividade judicante. Em relação ao manejo do instituto em tela nas hipóteses de usurpação de competência, vale citar a hipótese denegação de seguimento de recurso de agravo de instrumento dirigido ao STF, tendo em vista que apenas compete ao tribunal a quo analisar os pressupostos de admissibilidade do recuso extraordinário, sendo obrigatória a remessa dos autos ao STF, porquanto o juízo de admissibilidade do recurso de agravo de instrumento é realizado exclusivamente pela Excelsa Corte. Com a finalidade de abonar os argumentos acima declinados, cumpre trazer à baila ementa de julgado do STF, in verbis: RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INADMITIDO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NEGADO SEGUIMENTO PELO PRESIDENTE DA TURMA RECURSAL CÍVEL. ANÁLISE DOS REQUISITOS DE CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO COMPETE AO TRIBUNAL 'AD QUEM'. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. PRECEDENTES. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.14 Vale esclarecer ainda que a reclamação constitucional não é a via processual adequada para impedir a produção de ato legislativo, cujo conteúdo de norma similar já foi declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso. Por outros dizeres, o instrumento processual em questão não tem o condão de tutelar o efeito vinculante de decisão do STF e nem de impedir que o órgão legislativo confeccione novo ato legislativo sobre matéria que já foi declarada inconstitucional pela Excelsa Corte, in litteris: O efeito vinculante e a eficácia contra todos (“erga omnes”), que qualificam os julgamentos que o Supremo Tribunal Federal profere em sede de controle normativo abstrato, incidem, unicamente, sobre os demais órgãos do Poder Judiciário e os do Poder Executivo, não se estendendo, porém, em tema de produção normativa, ao legislador, que pode, em conseqüência, dispor, em novo ato legislativo, sobre a mesma matéria versada em legislação anteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo, ainda que no âmbito de processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, sem que tal conduta importe em desrespeito à autoridade das decisões do STF.15 Por fim, é necessário destacar que a utilização da medida jurídico-processual deve ser manejada antes do trânsito em julgado da decisão que será impugnada, uma vez que não se pode emprestar a reclamação constitucional a função de sucedâneo processual da ação rescisória, consoante o posicionamento remansoso da Excelsa Corte, consoante os termos da Súmula de nº 368 do STF. 4 CONTROLE DAS DECISÕES JUDICIAIS OU DOS ATOS ADMINISTRATIVOS QUE CONTRARIAREM SÚMULA VINCULANTE DO STF Conforme já foi dito alhures, a Emenda Constitucional de n° 45/2004 consagrou a súmula vinculante no âmbito da competência do Supremo Tribunal e incumbiu a reclamação constitucional como instrumento apto a preservar o seu fiel cumprimento (art. 103-A, § 3º). 14 Rcl 1574 / ES. Rel. Min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, DJ 13-06-2003 15 RCl 5442, Min. Celso de Mello, DJ 06-09-2007. A Lei n° 11.417/06 regulamentou o citado dispositivo constitucional textualizando que é suscetível a utilização da reclamação constitucional para impugnar ato administrativo e decisão judicial que contrariar a intelecção jurisprudencial que embasou a edição da súmula vinculante ou mesmo que indevidamente aplicá-la. O caput do art. 7° da Lei n° 11.417/06 é de uma clareza singular ao textualizar que o ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. Nesse diapasão, a reclamação constitucional surge no ordenamento jurídico como meio idôneo a impugnar decisão judicial ou ato administrativo que não observe o entendimento sumulado da Excelsa Corte, exteriorizada por meio de súmula editada na conformidade da legislação que lhe confere efeito erga omnes, inclusive com observância obrigatória pelos órgãos que compõem o Poder Judiciário e todas as esferas da administração pública. Por fim, a inserção desse novo procedimento no processo civil pátrio tem o condão de emprestar maior agilidade na tramitação de demandas repetitivas, cuja quaestio iuris já foi objeto de apreciação meritória pelo STF, impedindo por conseqüência a procrastinação da resolução da lide em decorrência da utilização de recursos meramente protelatórios, uma vez que já houve a sedimentação da orientação fixada pela Corte Superior acerca de determinada matéria. 5 LEGITIMIDADE ATIVA PARA O MANEJO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL NO STF No que tange a legitimidade ad causam, o Supremo Tribunal Federal somente admitia o manejo da reclamação fundamentada em desrespeito à autoridade das suas decisões, tomadas no bojo de ação de controle concentrado pelos próprios legitimados ou co-legitimados que haviam inaugurado o processo de natureza objetiva,16 ou seja, apenas os entes taxativamente estatuídos no art. 103 da Magna Carta detinham legitimidade ativa para a propositura da reclamação constitucional. Todavia, hodiernamente, o Pretório Excelso, alterando o posicionamento acima exposto, confere legitimidade ad causam para apresentar a reclamação constitucional a todos que demonstrarem prejuízo advindo da não observância das decisões emanadas do STF.17 O julgado abaixo transcrito ilustra o posicionamento hodierno do STF acerca da legitimidade ad causam no que tange ao manejo da reclamação constitucional: Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como a Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do Conceito de parte interessada (lei n° 8038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado. Apreciado o mérito da ADI 1662-SP (DJ de 30.08.01), está o município legitimado para propor reclamação.18 16 ROSSI, Júlio Cesar, op. Cit., p.52 17 AgR - QO n° 1.880-6-SP, Rel. Min. Maurício Correa, DJ 19-03-2004. 18 Rcl 1.880-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19-03-2004 6 RECURSOS CABÍVEIS EM SEDE DE RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL No que tange aos meios utilizados para impugnar a decisão proferida em julgamento da reclamação constitucional, vale aduzir que apenas são aplicáveis o agravo regimental, na hipótese das decisões monocráticas proferidas pelos relatores, e também é possível a interposição dos embargos de declaração.Insta destacar que o art. 161 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF permite ao relator, quando a questão em debate for objeto de entendimento uníssono do próprio tribunal, julgar a reclamação apresentada, privilegiando, assim, a celeridade e a economia processual. Já o agravo regimental constitui o meio processual hábil a impugnar decisão monocrática proferida pelo relator em sede reclamação constitucional. A ementa da decisão demonstra o posicionamento do STF acerca da admissibilidade do recurso de agravo regimental como meio de impugnação das decisões monocráticas proferidas em reclamação constitucional: Agravo Regimental em Reclamação. 2. Decisão que negou seguimento à reclamação e julgou prejudicado o agravo regimental interposto em face de decisão que deferiu medida liminar. 3. Pagamento de reajuste de vencimentos com base na conversão de URV em Real. 4. Perda superveniente do objeto da reclamação que tem por parâmetro a ADC 4/DF, quando a decisão que concedeu tutela antecipada for substituída por sentença de mérito. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.19 No tocante a admissibilidade dos embargos de declaração como recurso cabível do decisum que julga o instrumento jurídico processual em epígrafe, cumpre trazer à liça os ensinamentos da lavra do Professor Alexandre Freitas Câmara, ficando evidenciado o cabimento do recurso acima aludido como remédio voluntário idôneo apto a ensejar o esclarecimento ou a integração da decisão judicial proferida, ipsis verbis: Os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer provimento judicial de conteúdo decisório: sentenças, acórdãos e, apesar do silencio da lei, decisões interlocutórias. Buscam, como se verifica pela leitura do art. 535 do CPC, impugnar decisão judicial eivada de obscuridade, contradição ou omissão.20 Por fim, é imperioso destacar que no tocante aos recursos internos, não há que se indagar acerca da interposição em embargos de infringentes e nem de divergência como meio de impugnação das decisões proferidas em sede reclamação constitucional, porquanto os embargos infringentes não são admitidos, tanto em razão da Súmula de n° 368 do STF, como também em face da ausência de previsão no RISTF (art.330), entre as matérias julgadas pelo Pleno, que ensejam essa espécie recursal ao passo que os embargos de divergência não são cabíveis pelo simplório fato do julgamento da reclamação ser realizado pelo próprio Pleno e não por Turma.21 19 Rcl-AgR 1192 / DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 20 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil. 9 ed. vol. II,. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p.117. 21 DANTAS, op. cit., p. 488. 7 CONCLUSÃO Face aos argumentos fáticos e jurídicos acima declinados tem-se que a reclamação constitucional no âmbito do STF é o instrumento processual hábil a garantir a competência jurisdicional, a autoridade das decisões proferidas e a fiel observância às súmulas com efeito vinculante proferidas pela Corte Excelsa, permitindo a salvaguarda da ordem constitucional como um todo. Ademais, o manejo do instrumento processual em tela permite evitar a delonga advinda do exaurimento do sistema recursal pátrio, emprestando assim maior celeridade e eficiência na tutela do bem da vida que se visa proteger. Portanto, a reclamação constitucional afigura-se como meio processual vocacionado no atual cenário jurídico à defesa de interesses jurídicos de índole objetiva e subjetiva, uma vez que a ampla legitimidade conferida para o seu manejo permite que qualquer jurisdicionado lesado possa utilizar a reclamação constitucional para tutelar pretensão com fulcro em decisão judicial ou súmula vinculante proferida pelo STF, bastando tão somente a configuração da pertinência temática entre a quaestio iuris apresentada e o objeto da decisão proferida na ação paradigma. 8 REFERÊNCIAS CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9. ed. vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 9 ed, 2004. DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 2000. JR. NERY, Nelson. Princípios Fundamentais Teoria Geral dos Recursos. São Paulo: RT, 1997. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2000. PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas. São Paulo: RT, 2002. ROSSI, Júlio Cessar. Revista Dialética de Processo Civil, n. 19, out. 2004. ZAVASCKI, Teori Albino. Procedimentos Especiais Cíveis e Legislação Extravagante. São Paulo: Saraiva, 2003.
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