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Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Denominação Direito Penal x Direito Criminal São sinônimos, portanto é possível a utilização das duas nomenclaturas, pois são universais. Entretanto, há inconvenientes existentes nas duas nomenclaturas, como, por exemplo, no Direito Criminal, em que ela abarca apenas uma das espécies de infrações penais existentes no Brasil. Assim, esta nomenclatura perdeu força no país, contudo outros Estados a usam. Nesse sentido, há duas espécies de infrações penais no Brasil: crimes (delito) e contravenções penais que tem como um exemplo o jogo do bicho. A nomenclatura “Direito Penal” também tem seus inconvenientes. A sanção penal clássica é, logicamente, a pena. Contudo, o problema é que existem pessoas que não têm a capacidade de receber penas, mas não podem deixar de ser sancionadas e, para isso, há as medidas de segurança destinadas aos incapacitados, como, por exemplo, o doente mental. Há também os menores de 18 anos que não se submetem ao Código Penal e sim ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Contudo, há um contra argumento para essa inconveniência: a regra geral é a pena, medida de segurança é a exceção á regra. Assim, apesar da discussão existente, a denominação “Direito Penal” é, ainda, a mais utilizada, inclusive pela própria Constituição Federal. OBS: Em outros países podem-se encontrar outras denominações, como, por exemplo, o Direito Repressivo, o Direito de Proteção aos Criminosos, o Direito Sancionador e o Direito da Defesa Social, cada um mais ou menos criticados. Conceito Conceito de Franz Von Liszt Para Liszt, o Direito Penal é o conjunto de prescrições emanadas do Estado que ligam o crime como um fato a uma pena como conseqüência, em uma relação direta “crime – conseqüência”. Para ele, ainda, o Direito Penal é Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 uma espada de duplo fio, pois é lesão de bens jurídicos para proteção de bens jurídicos, na medida em que o Direito Penal é violência que se pressupõe justa e necessária, a serviço do controle da violência. Conceito de Mezger Para Mezger, o Direito Criminal não muito difere do conceito de Liszt, na medida em que aquele denomina o Direito Penal como o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, ligando o delito, como pressuposto, a uma pena como consequência. A diferença básica é que Mezger traz o sistema de freios e contrapesos do Estado quando fala da regulação do poder punitivo deste, ou seja, diz quando o Estado pode punir alguém, pois ele também tem restrições. Conceito Thaís Bandeira Para ela, Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que limitam o poder punitivo do Estado, que se aplicam como consequência ao cometimento de um crime. Conceito de Wessels Dentre outros autores, Wessels é o que dá a definição mais completa, quando diz que o Direito Penal é a parte que determina os pressupostos da punibilidade, bem como os caracteres específicos da conduta punível, cominando determinadas penas e prevendo, a par de outras conseqüências jurídicas, especialmente medidas de segurança. *Código Penal é o conjunto de normas, condensadas num único diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, como também a criar normas de aplicação geral. Direito Penal Objetivo e Direito Penal Subjetivo O Direito Penal Objetivo é o conjunto de leis e outras normas jurídicas que definem os crimes e que cominam (prevêem) penas, ou seja, impõe ou Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 proíbe determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança. Portanto, são todas as normas que ganham vida no corpo da lei em vigor. Há no Direito Penal Objetivo o preceito primário, onde o legislador descreve uma conduta criminosa e o preceito secundário, que é a cominação de uma pena. Por exemplo: Art. 121 Matar alguém (preceito primário); Pena: reclusão de 6 a 20 anos (preceito secundário). Por seu turno, o Direito Penal Subjetivo é o direito de punir do Estado, ou seja, é a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisões condenatórias proferidas pelo Poder Judiciário. Vale lembrar que 99% dos casos são públicos, ou seja, quem julga é o Ministério Público, portanto, o Estado. Este está regado pelo Ius Accusatione, o direito de acusar, o Ius Puniendi, o direito de aplicar a pena e o Ius Exequendi, o direito de executar a pena. Assim, penal é um ramo do direito eminentemente público. Portanto, o Direito Penal Subjetivo é o próprio Ius Puniendi. Este, por sua vez, não se limita à execução da condenação do agente que praticou o delito. A criação da infração penal também se molda a esse conceito. Assim, tanto o Poder Legislativo, quando cria as figuras típicas, como o Poder Judiciário, quando condena o agente, executando a sua decisão, exercem o Ius Puniendi. Para tanto, há dois tipos de Ius Puniendi, o positivo e o negativo. Este é a faculdade de derrogar (cessar ou modificar o efeito de uma lei) preceitos penais ou bem restringir o alcance das figuras delitivas, na qual essa função compete ao STF, quando declara a inconstitucionalidade da lei penal. Aquele, consiste no poder que tem o Estado não somente para criar os tipos penais, como também para executar suas decisões condenatórias. Direito Penal Comum, Direito Penal Complementar e Direito Penal Especial Direito Penal Comum Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 É o previsto no Código Penal, datado de 1940, havendo uma reforma em 1984. Assim, com o avanço da sociedade em termos tecnológicos, sociais e culturais, o Código Penal Comum já não conseguia mais prever todas as condutas da população. Com isso, surgiu o Direito Penal Complementar. Direito Penal Complementar É o conjunto de novas leis que surgiram após a criação do código, mas que também trazem condutas criminosas. Por exemplo: Lei 7716/89, Lei anti- racismo; Lei 11343/06, Lei de drogas; Lei 8137/90, Lei de tributos, etc. Direito Penal Especial Hoje há o Direito Penal Especial que consiste na criação de microssistemas penais que, além de prever novos crimes, prever também novas regras gerais e procedimentos. O nosso Código Penal é dividido em duas partes: a parte geral (arts. 1º ao 120), que abrange o regramento geral e os princípios; destinada à edição das normas que vão orientar o intérprete quando da verificação da ocorrência de determinada infração penal. Portanto, ocupa-se de regras que são aplicadas não só aos crimes previstos no próprio Código Penal, como também a toda legislação extravagante, ou seja, normas que não estão contidas no Código, mas que dispõe também de matérias penais, como, por exemplo, a conduta do agente (dolosa ou culposa), o tempo criminal, causas que excluem o crime, etc.; e a parte especial (arts. 121 a 361), que, embora contenha normas de conteúdo explicativo, é destinada, precipuamente, a definir os delitos e a cominas as penas; trata dos crimes que, com o avanço social, tornou-se insuficiente, precisando, assim, trazer novos crimes fora do Código Penal. Portanto, o Direito Especial é um “códigozinho” que abrange as duas partes, trazendo, também, questões interdisciplinares, bem como os procedimentos. Por exemplo: Lei 11340/06, Maria da Penha, que condensa leis civis, processuais e penais. Outros exemplos são o Estatuto do Idoso, o Estatuto do desarmamento, etc. Ou seja,tem muito mais do que só crimes. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 OBS: Quase sempre ao lado dos artigos encontram-se determinadas expressões que se destinam à sua maior inteligibilidade. Nesse contexto, o legislador nos informa, por meio da indicação marginal ou rubrica, que o artigo seria destinado a tratar da matéria já por ele anunciada. Caracteres do Direito Penal 1. Ramo do direito público Como já mencionado antes, o Direito Penal é um ramo do direito público, na medida em que toda vez em que há um crime, afeta toda a coletividade e não apenas os envolvidos. 2. Cultural-normativa Ciência do dever-ser 3. Histórico Vai sofrer modificações a partir das modificações sociais 4. Valorativo Determinadas condutas devem ser avaliadas no tempo e no espaço 5. Subsidiário Chamado a interferir sobre condutas que outros ramos do direito são incapazes de tutelas. É a ideia de que o Direito Penal seja a última instância do direito. 6. Sancionador Todas as condutas previstas no âmbito penal, a elas correspondem uma pena, ou seja, há sempre uma sanção. 7. Finalista Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Para as teorias legitimadoras (há as teorias deslegitimadoras), o Direito Penal cumpre a missão de proteger os bens jurídicos mais essenciais à coletividade. Finalidade do Direito Penal O Direito Penal tem como finalidade proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, ou, por Nilo Batista “a missão do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena”. Pena é o instrumento de coerção do Direito Penal. O Direito Penal vive em constante movimento, tentando adaptar-se às novas realidades sociais. Por conta disso, bens que antes eram considerados de extrema importância e, portanto, precisavam da especial atenção do Direito Penal, já não merecem ser protegidos por ele hoje. A seleção dos bens jurídicos-penais Sendo a finalidade do Direito Penal a proteção de bens essenciais à vida em sociedade, cabe ao legislador fazer a sua seleção. E, portanto, este é um critério subjetivo. A primeira fonte de pesquisa está na Constituição, a qual abriga valores como a liberdade, segurança, bem-estar social, igualdade e justiça, os quais o Direito Penal não poderá virar-lhes as costas. As normas jurídico-penais não se limitam à definição de comportamentos delituosos, cominando-lhes as respectivas sanções. A Constituição Federal (principalmente) e o Código Penal definem as bases e os princípios que informam o Direito Penal, traçando-lhe o perfil, limites e contornos, ou seja, dão-lhe a conformação político-jurídica. As normas jurídico- penais propriamente ditas – previstas ou não num diploma penal -, ao tempo em que fundam e estruturam o poder punitivo do Estado, fixam os princípios e regras fundamentais que vão governas a intervenção jurídico-penal, criando, paralelamente, um sistema de garantias em face do exercício deste poder. Funções/Missões do Direito Penal Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Antes de tudo, é necessário trazer as funções e missões da própria pena para uma fundamentação mais apropriada ao estudo do Direito Penal. Nesse contexto, justificar o Direito Penal e a sua aplicação passa, primeiramente, por uma justificativa dos próprios fins da pena, sobretudo, da privação de liberdade. Desta forma, estudaremos as teorias legitimadoras que buscam reconhecer os fins da pena. São elas: as Teorias Absolutas, as Teorias Relativas e as Teorias Unificadoras. Teorias Absolutas São todas aquelas que entendem a pena como uma forma de retribuição, reprovação ou revanche pelo crime cometido. Nesse sentido, a justificativa da pena está em si mesma, representando um fim em si mesma. Traz, portanto, a ideia de retribuição, expressa no clássico ditado “olho por olho, dente por dente”. É a própria retribuição do que o sujeito fez de mal. Dessa forma, seu único objeto é o de punir o condenado, não se caracterizando, portanto, uma forma de ressocialização, muito menos de reparação do dano causado pelo delito. Nesse caso, a pena, em verdade, não tem finalidade, é um fim em si mesma. Essas teorias se separam em dois momentos, os quais foram dialogados por dois autores: Kant e Hegel. Kant traz a ideia do retributivismo moral, no qual entendia a pena como um “imperativo categórico”, pois alguém havia infringido princípios morais de Deus. Assim, para o mal do crime impõe-se o mal da pena, resultando na igualdade, na qual só esta traz a justiça. Assim, a teoria absoluta é uma maneira de demonstrar o poder do Estado, exercendo o jus puniendi. Vale lembrar que direito e moral eram uma coisa só. Dessa forma, o sujeito era punido por ser um pecador. Por seu turno, Hegel traz a ideia do retributivismo jurídico, no qual a retribuição representa uma reprovação do comportamento. O crime seria uma anulação do direito, enquanto a pena seria uma anulação do crime. Ou seja, a pena é a negação da negação do direito. Assim, a pena serve para a reafirmação do direito. Teorias Relativas Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 As Teorias Relativas entendem que a imposição da pena possui uma função de prevenção. Esta prevenção se dá para que o deliquente não venha a reincidir e para que a sociedade não cometa delitos. Ou seja, é uma prevenção para toda a sociedade não cometer delitos e para que o que já cometeu não torne a cometer, obstruindo, assim, a possibilidade de novas condutas criminosas. Esse fundamento é explicado em dois grupos: a prevenção geral, subdividida em positiva e negativa, e a prevenção especial, também subdividida nesses grupos. Prevenção geral É exercida sobre toda a sociedade que, em tese, é não deliquente. Dessa forma, o fim intimidativo da pena dirigi-se a todos os destinatários da lei penal, objetivando inibir as pessoas da prática penosa. “Em tese”, pois o Direito Penal é muito seletivo, na medida em que nem todo mundo que comete crime é pego pelo Direito Penal. Por exemplo: sonegação, aquisição de CD pirata, aborto, etc. Ou seja, é impossível atingir a todos. Como dito anteriormente, a prevenção geral é subdividida em positiva e negativa. Esta diz respeito à criação de leis penais, onde, através delas, o Estado tenta dissuadir e intimidar a população para que esta população não cometa crimes. Por exemplo: criação da Lei Maria da Penha com o intuito de intimidar os agressores às mulheres. Portanto, não é a dureza da pena, mas a certeza da punição. Já a positiva trata da conscientização da sociedade sobre a necessidade de tutelar e respeitar determinados bens jurídicos. Dessa forma, o Estado mostra para a sociedade essa proteção. Por exemplo: Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, a Lei Seca, etc. Entretanto, o aspecto positivo por si só não resolve, tendo, portanto, que agir em concomitância com o aspecto negativo. Prevenção especial A prevenção especial é exercida sobre o sujeito que já delinqüiu. Dessa forma, visa o autor do delito, de maneira que, afastado do meio livre, não torne a delinqüir e possa ser corrigido. Também é dividido no aspecto positivo e negativo, onde o positivo traz o conceito da ressocialização, que caracteriza o Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 atuar do Estado enquanto o agente executa a pena para que, ao seu término, o agente retorne à sociedade dissuadido da ideia de praticar novos crimes. Uma das formas para isso é a religião.Já o negativo traz a ideia da neutralização do delinqüente, já que a primeira coisa que ocorre com ele é a sua prisão. Assim, a pena privativa de liberdade cumpre o papel de afastar o sujeito da sociedade, neutralizando os efeitos do crime, no caso, para não cometer novos delitos. Há críticos do termo “ressocialização”, na medida em que não há como ser algo sociável se o sujeito encontra-se fora da sociedade. É, portanto, um bem dessocializador. Para tanto, esses críticos utilizam do termo “inserção social” e “reintegração”. OBS: Há críticas acerca da prevenção geral de que Estado algum pode sobreviver estruturando-se sob a égide do medo, na qual a intimidação é um meio de aplicação do direito penal. OBS²: Em ambas as teorias (absolutas e relativas), a pena é um mal necessário, mas na Teoria Preventiva, essa necessidade da pena não se baseia na ideia de realizar justiça, mas na função de inibir novos delitos. Teoria Dialética-unificadora Essa teoria foi proposta por Claus Roxin e propõe um diálogo entre as teorias absolutas e relativas, aproveitando todas as funções para a imposição da pena. Entretanto, Roxin indica que as funções são diferentes a depender do momento em que se enxerga a pena. Assim, Roxin diz que ninguém está errado, todas são aplicáveis, mas há, pelo menos, três momentos de pena: a pena cominada, a pena aplicada e a pena executada. A pena cominada configura-se na própria lei. Cumpre a função de prevenção geral, mostrando, portanto, uma proteção de bens jurídicos. Contudo, ela precisa ser proporcional para cumprir essa função. Nesse sentido, segue o raciocínio do princípio da proporcionalidade, o qual toda pena deve ter um mandado de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, compreendendo, assim, os princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade, tanto pra mais, quanto pra menos. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 O princípio da necessidade afirma que a pena só deve ocorrer em caso de efetiva necessidade para a segurança dos cidadãos. Nesse contexto, Montesquieu dizia que toda pena que não deriva da necessidade é tirânica. Portanto, a intervenção penal só deve ser utilizada em caso de fracasso de outras instâncias de prevenção e controle social, seguindo o princípio de mínima intervenção. O princípio da adequação afirma que a intervenção do direito penal há de pressupor uma relação lógica de adequação entre meio (direito penal) e fim (prevenção de delitos). Nesse sentido, o Estado só pode se valer de meios idôneos para a realização de seus fins constitucionais. “A pena só será justa quando for necessária para afastar os delitos sociais”. Portanto, não faz sentido reprimir os crimes sem vítima, como, por exemplo, no jogo do bicho. O princípio da proporcionalidade diz que o castigo deve variar de acordo com a gravidade do crime cometido. Para tanto, este princípio dota-se de tríplice dimensão: a proporcionaldiade abstrata ou legislativa, que trata da eleição das sanções mais apropriadas e a graduação dos castigos (responsabilidade do legislador); a proporcionalidade concreta ou judicial, que deve orientar o juiz, promovendo a individualização da pena conforme a culpabilidade do réu (responsabilidade do juiz); e, por fim, a proporcionalidade executória que diz respeito à individualização da pena durante a execução penal conforme o mérito do condenado (responsabilidade dos órgãos de execução penal). Dessa forma aparece a noção do limite da proporcionalidade entre o bem jurídico que se quer resguardar e a pena prevista, na qual o poder público sobre a liberdade do cidadão só é legítimo se cumprir esses princípios. Como já dito anteriormente, a pena aplicada é a pena descrita na sentença. É o momento em que o juiz tem que reprovar o comportamento, tendo, portanto, função de reprovação. Para essa função, há o limite da culpabilidade do indivíduo, que se configura na reprovação individual para aquele comportamento, jamais coletivo. Ou seja, segue a linha do princípio da culpabilidade que diz que nenhuma pessoa pode ser responsabilizada por fato Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 de terceiros. Assim, a responsabilidade penal é sempre pessoal, não cabendo a responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva. Por fim, a pena executada é aquela que está efetivamente sendo cumprida. Tem a função de prevenção especial, no sentido de neutralização e, ao mesmo tempo, ressocialização. Para esta, o limite aparece como o princípio da humanidade das penas, tendo, portanto, algumas penas que são vedadas a aplicação, como, por exemplo, a pena de morte, a pena de trabalho forçado, a pena de banimento, etc. O princípio da humanidade diz que, por mais grave que seja o crime, o infrator não perde a condição jurídica de sujeito de direito, não podendo adotar penas que inviabilize a reinserção social ou que submeta o infrator a um sofrimento excessivo, desumano ou degradante. Nesse sentido, a pena que priva a liberdade deve evitar, o quanto possível, os efeitos negativos e dessocializadores, próprios da pena de prisão. Por conta disso, a execução de penas em condições degradantes em presídios é ofensiva a este princípio, podendo dar ensejo à concessão de habeas corpus, à liberdade do paciente ante a omissão da autoridade responsável, etc. Vale lembrar que a teoria unificadora é a teoria adotada pelo nosso Código Penal, previsto no Art. 59, no qual diz que penas devem ser suficientes para prevenção e reprovação. Teorias deslegitimadoras Há algumas críticas ao modelo atual que é importante serem ressaltadas aqui. A primeira delas é a de que a simples previsão em lei de comportamentos criminosos não consegue dissuadir as pessoas da prática criminosa. Ex: consumo de drogas não é diminuído por conta da lei. Ou seja, a previsão da lei por si só não consegue dissuadir o ilícito, sendo, portanto, a melhor fiscalização um mecanismo mais efetivo para tal objetivo. Dessa forma, é possível concluir que o Direito Penal cumpre uma função simbólica, ou seja, ele apenas aparenta segurança à sociedade. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Uma segunda crítica ao modelo atual é que o encarceramento, por si só, é dessocializador, pois leva o sujeito a abandonar certas práticas sociais, fazendo parte de uma subcultura. Por exemplo: o sujeito, na cadeia, deixa de comer com garfo e faca, deixa de escovar os dentes com escovas convencionais, não possuem um vaso sanitário convencional, ou seja, o sujeito se passa muito tempo sob costumes anti sociais, dificultando a sua adequação aos padrões sociais. Além dessas críticas, há outras, como, por exemplo: • As condições insalubres do sistema prisional, gerando uma massa carcerária com doenças crônicas como a tuberculose, o que pode acarretar o surto dessa doença pela cidade; • O efeito dessocializador do cárcere, devido ao baixo número de atividades de educação e trabalho, desenvolvidos entre os presos; • Direito Penal acaba cumprindo apenas a função retributiva, já que não exerce a função de prevenção geral e especial; • Os crimes que são dados como realidade não condizem com os números oficiais, havendo as cifras ocultas, que representa uma enorme quantidade no âmbito da criminalidade, pois o número de crimes reais não condiz com o número de crimes oficiais, ou seja o Direito Penal não alcança toda a prática criminosa; • Existe um extremo desacredito da sociedade no Direito Penal e na persecução penal; a própria sociedade já busca os seus mecanismos de lidarcom o crime e os seus efeitos; • O Direito Penal não se preocupa com a resolução do conflito e sim com a punição do infrator: com a persecução penal não se busca a reparação do dano à vítima, seja ele patrimonial ou de outra natureza. O Direito Penal não tem estrutura para o acolhimento da vítima. Exemplo: sala reservada para aguardar a audiência, elevadores distintos para a vítima e réu solto, etc. Minimalismo penal Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 O minimalismo penal é uma das teorias deslegitimadoras que prega uma redução drástica da atuação do Direito Penal, devendo, este ramo, ser encarado, de fato, como última ratio, ou seja, última instância de controle. Assim, o minimalismo penal visa enxugar o Direito Penal, garantindo-o como última esfera de atuação. Portanto, todos os crimes sem violência e grave ameaça deveriam ser tirados do código penal, como, por exemplo, furto, estelionato, crimes contra a honra, etc. Abolicionismo penal Na teoria do abolicionismo penal, Niklas Luhman reconhece que, ainda que haja uma retração do Direito Penal, seus problemas não estarão resolvidos e que é necessário um modelo alternativo para resolver o conflito. Assim, o minimalismo penal seria apenas o primeiro passo para que a sociedade passe a conviver sem o Direito Penal. Modelos alternativos Há alguns modelos alternativos para a implantação do Direito Penal, como, por exemplo, a implantação das penas alternativas, que substitui a pena privativa de liberdade. O que seriam essas penas alternativas? A prestação de serviços comunitários, prestações pecuniárias, restrição de direitos, etc. No Brasil são cabíveis para crimes sem violência ou grave ameaça, com condenações menores ou iguais a quatro anos. Outra alternativa é o APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). É um modelo de parceria entre o Estado e instituições sem fins lucrativos para acolhimento do preso durante o cumprimento de pena. Esse modelo mantém a pena privativa de liberdade, mas permite a participação da sociedade no processo de ressocialização. A ideia é ser um sistema prisional pequeno, em que a própria sociedade conhece os sujeitos que estão ali, não havendo muro, caracterizando por uma autoresponsabilidade do preso. Todos trabalham e todos estudam. Um último modelo alternativo é a Justiça Restaurativa. Ela se baseia na mediação de conflitos com a participação da comunidade. A ideia é que autor e Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 vítima expunham seus pontos de vista sobre o delito e que juntos encontrem um modelo de solução. Para que aconteça a justiça restaurativa, é necessário que haja alguns critérios: 1. Voluntariedade: vítima e autor devem estar dispostos a participar dos círculos de mediação; 2. Ausência de prazos: não há prazos definidos para esse círculo de mediação; 3. Ausência de penalidades pré-definidas: cada situação será algo específico. 4. Se baseia no senso de arrependimento do infrator: o infrator concorda com a penalidade que está sofrendo; 5. Os depoimentos não podem ser levados à justiça tradicional, caso a mediação seja frustrada. A Justiça Restaurativa apresenta alguns objetivos: ➢ Autorresponsabilização: o Direito Penal não trabalha cmo a autorresponsabilização, o Estado que vai dizer se o sujeito é ou não inocente, dentro das provas do processo. ➢ O Direito Penal tradicional impõe a pena ainda que o sujeito negue a ocorrência do crime ou a sua autoria, basta apenas que os fatos estejam provados no processo. A justiça restaurativa parte da ideia de que o delinqüente confesse a prática criminosa e concorde com a imposição de uma sanção. Ou seja, voluntariedade. ➢ Reparação do dano como segundo objetivo: o Direito Penal tradicional se preocupa com a imposição de penas, mas não ampara a vítima. A justiça restaurativa tem como objetivo a resolução do conflito, em que a vítima terá o seu dano reparado, seja economicamente, moralmente ou outros mecanismos criados para o caso concreto. ➢ Evitar a reincidência, a partir do processo de aceitação da sanção; Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 ➢ Reflexão e pacificação social: a justiça restaurativa é um resgate da cultura africana, ou seja, quando a comunidade aceita aquela pena, há uma sensação de paz, assim como acontecia na cultura africana. Vale lembrar que só temos a justiça restaurativa nos juizados, com crimes de até dois anos, como, por exemplo, crimes contra a honra, danos e ameaças. Antimovimentos O antimovimento surgiu nos anos 80, nos EUA, encabeçado pelo prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giulliani. Sua ideia parte do “fixing broken Windows”, o qual pregava que a partir da contensão de pequenos crimes, evita-se crimes maiores. Foi realizado um experimento, onde foi colocado um veículo íntegro durante 15 dias em um bairro popular e violento de Nova Iorque. Ao final desse prazo, nada havia acontecido ao carro. Em seguida, repetiram a mesma experiência, sendo que desta vez com uma janela quebrada e o carro foi completamente saqueado. A partir dessa experiência, concluiu-se que deve haver uma intervenção máxima do Direito Penal, atuando sobre mínimas condutas, pois, com isso, se evitam grandes crimes. Por exemplo: prostituição, que não é crime, atrai bebida que atrai drogas. Por seu turno, a mendicância, que não é crime, atrai o furto, que atrai o roubo e atrai as drogas. O pensador Günther Jakobs trouxe o conceito do “Direito Penal do inimigo”. Ele diz que inimigos são aqueles que rompem o contrato social e, portanto, para ele, não deve ser aplicado o Direito Penal tradicional, mas sim o de guerra. Para ele, o Direito Penal protege apenas o contrato social, pois quando vamos para a justiça, já perdemos a honra, o patrimônio ou a vida. Atualmente são considerados inimigos: ▪ Criminosos econômicos Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 ▪ Terroristas ▪ Crime organizado ▪ Tráfico de drogas ▪ Criminosos sexuais A pena privativa de liberdade terá duas funções no Direito Penal do inimigo: 1. Prevenção especial negativa (neutralização); 2. Função simbólica: demonstração do poder do Estado. Vai pregar penas privativas de liberdade mais longas. Princípios do Direito Penal O Direito Penal apresenta alguns princípios relacionados às suas missões. Aqui, trata-se das missões relacionados ao Direito Penal como um todo e não somente da pena. São eles: Exclusiva proteção de bens jurídicos: o Direito Penal brasileiro adotou a corrente defendida por Claus Roxin no sentido de entender que o Direito Penal serve para a proteção dos bens mais essenciais à sociedade, que são os bens jurídicos penais. Estes são encontrados na Constituição, que serve como fonte para o reconhecimento desses bens jurídicos penais e, também, como limitação ao poder de punir do Estado. Ou seja, a Constituição Federal serve para o cidadão e também para o infrator, representando uma faca de dois gumes. Há duas correntes antagônicas entre si: o funcionalismo teológico- racional, que está ligado à exclusiva proteção de bens jurídicos (corrente vigente no Brasil) e o funcionalismo sistêmico. Funcionalismo Teológico-racional O funcionalismo teológico-racional é pregado por Roxin, a qual esta corrente, adotada no Brasil, enxerga o Direito Penal com a missão de proteger bens jurídicos. Mas o que representa a proteção de bens jurídicos? Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.21. A existência de um bem jurídico fundamenta a decisão política de criação de novos tipos penais. Nesse contexto, limita o legislador, pois é necessário um fundamento para criar tipos penais. A Constituição, portanto, reconhece a dinâmica social, em tese, sendo a fundamentação para a criação de tipos penais, de acordo com as necessidades sociais previstas na CF/88; 2. A existência dos bens jurídicos penais possui também uma função sistematizadora, pois o legislador irá agrupar os crimes de acordo com os bens jurídicos que eles protegem. Por exemplo: aborto e homicídio está ligado ao bem jurídico vida; calúnia e injúria à honra; roubo e furto ao patrimônio, etc. Dessa forma, é uma maneira de sistematizar o Direito Penal, mas não é muito relevante; 3. Função interpretativa do Código Penal. O sujeito só pode responder por dois crimes em situação de violação a mais de um bem jurídico penal, para evitar a dupla punição pelo mesmo fato. Essa dupla punição pelo mesmo fato está expresso como “bis in idem”. Por exemplo: a fé pública. Caracteriza-se pela credibilidade nos papeis (dinheiro, documentos). Imagine que alguém comete o crime de falsificação de moeda. O caput do art. 289 do Código Penal prever o crime de falsificar como um crime e o artigo 289, parágrafo primeiro, prever o crime de circular o dinheiro falsificado como outro crime. Contudo, o sujeito responderá apenas por um crime, pois é o mesmo bem jurídico. De modo oposto, se um sujeito mata duas pessoas, ele será julgado pelos dois crimes, já que são dois bens jurídicos tratando de um mesmo tema: a vida; 4. Função processual. A depender do bem jurídico tutelado, o tipo de ação penal se modifica e a competência para o julgamento também. Ex: homicídio, diz respeito à vida, e é público. Já a injúria, que diz respeito à honra, é privado; 5. Função limitadora do bem jurídico. Uma vez que, para criação de tipos penais, o legislador precisa reconhecer os bens Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 jurídicos mais relevantes e respeitar os limites impostos pela Constituição Federal. Funcionalismo Sistêmico O funcionalismo sistêmico foi teorizado por Günther Jakobs, o qual diz que a noção de bem jurídico é muito ampla, o que poderia levar a uma “espiritualização” do conceito, ou seja, tudo cabe no conceito de bem jurídico, deixando a sociedade sem limites ao poder de punir do Estado. Muito ampla no sentido de que dá para fundamentar as coisas mais absurdas, como, por exemplo, o Nazismo, o qual colocou a raça ariana como um bem jurídico a ser protegido. Segundo Jakobs, usar a noção de bem jurídico seria atestar que o Direito Penal representa uma proteção tardia, pois ele não garante nosso direito à vida, só atua quando há uma morte, da mesma forma que o Direito Penal não garante nosso direito ao patrimônio, na medida em que só atua quando há um roubo. Mas então, o que é que o Direito Penal protege? Simples: a própria vigência do sistema. O bem jurídico seria a norma penal. O agente, ao violar a norma, precisa de punição para a validação do próprio sistema. Intervenção mínima O Direito Penal, por ser uma esfera gravosa de intervenção, na esfera de liberdade do cidadão deve atuar de forma mínima, protegendo de forma subsidiária e fragmentária os bens jurídicos mais relevantes para a convivência em sociedade. É o “último ratio”. O princípio da intervenção mínima caracteriza- se, portanto, em um princípio limitador do poder punitivo do Estado. É também responsável pela descriminalização, na medida em que o Direito Penal só tutela os bens considerados importantes e necessários à vida. Ou seja, com base nesse princípio e com a evolução da dinâmica social, o Direito Penal pode deixar de tutelar bens que agora não mais são tão importantes, configurando na descriminalização do ato. Por exemplo: adultério. Subsidiariedade Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Está diretamente ligado com a intervenção mínima. O Direito Penal é subsidiário, ou seja, é chamado a interferir sobre comportamentos que os outros ramos do direito não são capazes de tutelar. Se for possível resolver os conflitos em outros ramos do direito, não precisa do Direito Penal. Este só atuará quando os outros forem incapazes de tutelar o problema. Com isso, o objetivo é não banalizar o Direito Penal. Fragmentariedade O ordenamento jurídico é formado por diversos ramos, cada um tutelando uma parcela de interesses, porém cada um desses ramos transfere ao Direito Penal determinada parcela de tutela que eles mesmos não são capazes de realizar. Ex: um sujeito falsifica assinatura de outro e abre uma empresa. Nesse caso, o Direito Comercial transfere esse fragmento ao Direito Penal. Ou seja, no ordenamento jurídico, ao Direito Penal cabe a menor parcela no que diz respeito à proteção dos bens jurídicos. Portanto, nem tudo lhe interessa, apenas uma pequena parte que, em tese, são os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. Princípios relacionados com o fato Materialização do fato O Direito Penal vai punir apenas condutas externas que violem bem jurídicos ou que, pelo menos, os coloque como ameaça. Nesse sentido, um crime passa por quatro etapas: cogitação, preparação, execução e consumação. Não é possível punir alguém apenas pela cogitação do crime, ainda que esta esteja escrita. Princípio da lesividade/ofensividade Se caracteriza por um limitador do poder punitivo do Estado. É preciso que a lesão ao bem jurídico seja relevante para ser tutelado pelo Direito Penal. Sabendo que o Direito Penal tem como missão a proteção dos bens jurídicos mais relevantes, o princípio da lesividade se apresenta como uma segunda etapa, ou seja, é necessário que a lesão a esses bens também seja relevante. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Nesse contexto, o princípio da lesividade esclarecerá as condutas que não poderão sofrer os rigores da lei penal. São elas: 1. Ninguém pode punir as condutas que não sejam lesivas a bens de terceiros. Ex: autolesão ou tentativa de suicídio. 2. Ninguém pode ser punido por aquilo que pensa ou por sentimentos pessoais, desde que estes não sejam exteriorizados. 3. Não se pode punir o agente pelo o que ele é, mas sim e somente pelo o que faz. 4. Não se pode punir por práticas que, embora desviantes para a moral, não afetam terceiros. Ex: não tomar banho, se tatuar, etc. Isso leva ao princípio da insignificância. Princípio da insignificância Um crime é composto por fato típico, pela ilicitude e pela culpabilidade. O fato típico, por sua vez, é composto pela conduta (dolo ou culpa), pelo resultado, pelo nexo de causalidade (entre e conduta e o resultado) e pela tipicidade (formal e conglobante, sendo esta última composta pela conduta antinormativa e pela tipicidade material). Nesse contexto, para que um fato seja considerado crime, é necessária uma análise formal, que é a verificação se a conduta humana se encaixa em algum fato previsto em lei. Além disso, é necessário avaliar o conceito material que é a análise da relevância da lesão ao bem jurídico protegido. Dessa forma, o princípio da insignificância atua no conceito material de crime, demonstrando que a lesão não é significante, ou seja, o conceito material afasta o crime. Por exemplo: João saía da garagem com pressa quando, sem querer, bateu em um pedestre causando-lhe um arranhão com leve sangramento. Analisemos o caso de acordo com as especificações ditas acima: Houve conduta culposa, houve nexo de causalidade, poislhe causou o arranhão e houve o resultado que foi o arranhão. Contudo, quanto à tipicidade, houve a formal, na medida em que há a previsão para o delito de lesão corporal de natureza culposa. Contudo, não houve a tipicidade material, já que a lesão é Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 considerada inexpressiva. Dessa forma, não houve tipicidade conglobante que, por sua vez, não houve tipicidade penal. Portanto, não houve crime. Princípio da legalidade Está no art. 1º do Código Penal, que dispõe “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. A lei é a única fonte do Direito Penal quando se quer proibir ou impor condutas sob a ameaça de sanção. O princípio da legalidade é como se fosse um “guarda-chuva”, pois ele abriga mais três desdobramentos: 1. Princípio da reserva legal (legalidade em sentido estrito “stricto senso”) Crime Ilicitude Fato típico Culpabilidade Conduta (dolo ou culpa) Tipicidade Resultado Nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado) Formal Conglobante Conduta antinormativa Tipicidade material Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 O princípio da reserva legal diz que apenas a lei pode definir o que é um crime e pode prevê uma pena. Medida provisória não pode definir crime, por exemplo, somente a lei. O art. 22, I, da Constituição Federal diz que é competência privativa da União para legislar em matéria penal. Nesse contexto, pouquíssimos assuntos são delegados aos estados membros. Exemplo deles são as faltas médias e leves. Assim, na Lei de Execução Penal está expresso que crimes graves compete à União, sendo ela a regra, e crimes médios e leves competem aos estados membros, sendo eles a exceção. Alguns doutrinadores questionam a ofensa ao princípio da legalidade por força da adoção das chamadas “leis penais em branco”. Essas leis são as que dependerão de um complemento para que seu sentido seja entendido. Nesse sentido, elas podem ser homogêneas ou heterogêneas. As homogêneas são as leis que retiram o seu complemento de uma fonte de mesma hierarquia. Por exemplo: art. 316, §1º, excesso de exação. Essa lei precisa de complemento no Código Tributário para ter sentido completo. Por seu turno, as heterogêneas são aquelas que retiram o seu complemento de uma fonte de hierarquia inferior. Por exemplo: Lei 11.343, art.28, Lei de drogas. Quem diz se a droga é ilícita é a portadoria da ANVISA. Nesse caso, o Código Penal precisa de um complemento em uma fonte hierarquicamente inferior a ele. A possível ofensa à reserva legal se daria com a utilização da lei penal em branco heterogênea, pois, com ela, a simples mudança no complemento afetaria a proibição da lei penal. Ou seja, no caso das heterogêneas, precisa realmente da lei? Exemplo disso é a Lei de drogas, que se a ANVISA tirar alguma droga do rol da ilicitude, automaticamente ela fica permitida, não precisando de uma lei para isso. Leis penais em branco Homogênea Heterogênea Leis que retiram o seu complemento de uma fonte de mesma hierarquia. Ex: excesso de exação. Leis que retiram o seu complemento de uma fonte de hierarquia inferior. Ex: Lei de drogas. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 O princípio da reserva legal não impõe somente a existência de lei anterior ao fato cometido pelo agente, definindo as infrações penais. Obriga, ainda, que no preceito primário do tipo penal incriminador haja uma definição precisa da conduta proibida ou imposta, sendo vedada, portanto, com base em tal princípio, a criação de tipos que contenham conceitos vagos ou imprecisos. Daí vem o princípio da taxatividade. 2. Princípio da taxatividade O princípio da taxatividade diz que a lei penal deve ser sempre escrita e certa, ou seja, deve definir completamente o que se pretende incriminar, proibindo as incriminações vagas e indeterminadas. Alguns doutrinadores entendem que há afronta à taxatividade quando as leis penais se utilizam de expressões de conteúdo aberto. Por exemplo: lei de crimes contra o sistema financeiro nacional, art. 4º, gerir instituição financeira de forma temerária. Nesse sentido, o que seria temerário? Portanto, não é algo que define o crime. Outro problema é a adoção dos chamados “elementos normativos do tipo”. Estes, por sua vez, são palavras ou expressões que precisam ser valoradas no caso concreto. Ou seja, é necessário olhar caso a caso. Elementos: - Objetivos: descrevem. - Subjetivos: dolo e culpa. Alguns crimes trazem os elementos normativos e aí não dá para ser tão taxativo. Ex: art. 151 que trata da violação de correspondência, que diz que violação de correspondência é devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada destinada a outrem. Dessa forma, o termo “indevidamente” é o elemento normativo. 3. Princípio da anterioridade O princípio da anterioridade diz que a lei penal deve ser publicada antes da prática criminosa, em regra, não podendo ser aplicada a fatos anteriores. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Segundo a CF/88, art. 5º, em regra, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Fato Lei (novatio legis) A novatio legis, ou a lei nova, pode vir “in mellius”, quando vem para beneficiar o réu e, portanto, retroage; e “in pejus”, quando vem para prejudicar o agente e, assim, a lei não retroagirá. Ex: Lei 8072/90 1991 1994 1996 Neste caso, a novatio legis foi “in pejus”. Assim, invoca-se o “tempus regit actum”, ou seja, o ato será julgado no tempo em que foi consumado. Portanto, a lei não retroagirá e o assassino de Daniela será julgado como não hediondo. Ex: Lei 6368/76 – Lei de drogas Lei 6368/76 2004 Lei 11.343/06 Aqui o crime de homicídio ainda não se encontrava no rol dos crimes hediondos. Daniela Perez é assassinada. Por força popular, o crime de homicídio se torna hediondo. Júri do assassino de Daniela. Usuário de drogas tinha como pena a prisão. Ocorre a prisão de um usuário. Com a novatio legis, o usuário deixou de ter como pena a prisão e passou a ter advertência, prestação de serviços e cursos obrigatórios. retroage Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Aplicação da lei penal in mellius A lei que beneficia o agente deverá retroagir mesmo que haja sentença transitada em julgado, conforme o art. 2º, parágrafo único do Código Penal. Para a aplicação da lei benéfica a casos em que já houve trânsito em julgado, a competência será do juiz da vara de execuções penais. Há uma súmula que regula isso, a súmula 611 do STF. Crimes permanentes e crimes continuados 11/09 01/10 (lei nova) 27/11 No caso de crimes continuados ou permanentes, a existência de uma lei penal nova, ainda que mais grave, mas durante a continuidade ou permanência, faz com que esta lei seja aplicada, pois o crime ainda está ocorrendo. Vale lembrar que o crime continuadonão é apenas um crime, mas sim a repetição de um padrão de comportamento, como, por exemplo, o serial killer. Combinação de leis penais e “tertia legis” Crime – Lei A Julgamento – Lei B Crime Lei nova é aplicada Cessa crime Pena de 2 a 12 anos de prisão Com a Lei B, pena passa para 4 a 8 anos de prisão Tertia Legis: 2 a 8 anos de prisão Juiz não pode legislar mesmo que mais favorável ao réu. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Para a resolução desse caso há dois desdobramentos: 1. Incumbe a defesa decidir a lei que o juiz vai aplicar (doutrina minoritária); 2. Juiz faz duas aplicações da pena: sentença segundo a Lei A e sentença segundo a Lei B e, ao final, ver qual é a mais benéfica (doutrina majoritária). Lei intermediária A lei intermediária é quando ela não estava em vigor ao tempo do crime, nem está em vigor ao tempo da sentença. Vale ressaltar que retroagir e ultra-agir fazem parte da extra-atividade da lei penal, que é justamente a capacidade de retroação e ultra-ação. Ou seja, a lei penal, mesmo depois de revogada, pode continuar a regular fatos ocorridos durante sua vigência ou retroagir para alcançar aqueles que aconteceram anteriormente à sua entrada em vigor. Crime: 2 a 5 anos de prisão. Lei B: 1 a 4 anos de prisão. Lei C: 1 a 5 anos de prisão. Lei A (Crime) Lei B Lei C (Sentença) A Lei B vai ultra-agir. A Lei B vai retroagir. Dessa forma, aplica-se a Lei B. Não aplica nem a lei em vigor no tempo do crime, nem a lei em vigor no tempo da sentença, mas a mais benéfica ao réu, neste caso, a lei B. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Abolitio Criminis Abolitio Criminis se configura na lei penal nova que não mais considera o fato como criminoso. Ou seja, é quando uma nova lei revoga a lei anterior. Quando isso acontece, se houver alguém respondendo pelo crime da lei anterior, ele não mais estará respondendo por esse crime – já que, pela novatio legis, o ato não é considerado mais crime – e, portanto, o processo terá que se encerrar. Ou seja, todos os efeitos penais desaparecem, valendo, inclusive, para as contravenções penais. O que acontece com os efeitos penais: 1. Inquérito policial: passa a ser arquivado; 2. Processo: passa a ser extinto; 3. Cumprimento da pena: solta o preso; 4. Reincidência: o réu passa a ser réu primário. Vale lembrar que os efeitos extrapenais ficam mantidos, por exemplo, se a vítima do “ex-crime” pede indenização por danos morais e lhe é concedida. Nesse caso, o réu continuará respondendo por danos morais, visto que este está no âmbito civil e não penal. Exemplo: Antes de 2009: Art. 213 CP: tratava o estupro como “conjunção carnal”, necessariamente agente homem e vítima mulher. Art. 214 CP: trata do ato violento ao pudor, o “ato libidinoso”, ou seja, qualquer ato fora da conjunção carnal. Lei 12.015/09: Art. 213 CP: o estupro passou a englobar a conjunção carnal e os atos libidinosos. Art. 214 CP: revogado. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Em relação ao art. 214 houve abolitio criminis? A resposta é não, pois ela apenas mudou de “endereço”, mas a conduta criminosa não foi abolida. Isso se chama “continuidade normativa do tipo”. Lei Excepcional ou Lei Temporária É um gênero da qual a lei excepcional é uma espécie. A lei excepcional é aquela que tem um prazo certo de vigência que é a duração de alguma situação peculiar. Ex: guerra, calamidade pública, etc. A lei temporária, por sua vez, é aquela que tem um prazo certo de vigência. Ex: lei geral da copa. O problema disso tudo é que os processos no Brasil são demorados e, para resolver isso, foi definido que para todos os fatos praticados durante a vigência da lei temporária, será ela a aplicada, pois ela é ULTRATIVA. Exemplo: Lei A Lei temporária Lei A Obs: Alguns autores questionam a decepção ou não desse art. 3º pela CF/88, por conta da retroatividade da lei benigna. Furto: 1 a 4 anos de prisão. Ocorre o crime de furto com a lei temporária que define o furto com 2 a 8 anos de prisão. Dia da sentença, mas a lei temporária já perdeu a sua vigência, voltando a pena do furto a ser 1 a 4 anos de prisão. Réu será julgado de acordo com a lei temporária. Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Princípios relacionados ao agente Princípio da responsabilidade subjetiva De acordo com este princípio, o agente só pode ser responsabilizado por um fato se ele o pratica em dolo ou culpa. Se não houve dolo ou culpa é sinal de que não houve conduta; não havendo conduta, não se pode falar em fato típico; e não existindo fato típico, não haverá crime. Portanto, os resultados que não foram causados a título de dolo ou culpa pelo agente não podem ser a eles atribuídos, pois a responsabilidade penal, de acordo com o princípio da culpabilidade, deverá ser sempre subjetiva. Obs: o dolo é a regra dos tipos penais e, excepcionalmente, alguns deles, admitem de forma culposa. Princípio da responsabilidade pessoal Este princípio diz que o sujeito deve ser responsabilizado pessoalmente pelos seus atos, não podendo lhe ser imputado o fato praticado por terceiro. Nesse sentido, desmitificamos um pensamento da maioria: se um menor praticar um crime, ele que responde penalmente e não os pais. Estes podem responder apenas no âmbito civil. Segundo a CF/88, art. 5º, XLV, a pena não passará da pessoa do condenado. Se alguém que contribua para o INSS é preso, o Estado dá um auxílio financeiro à sua família, justamente para não prejudicar a família em caso de prisão da pessoa que a sustentava, pois, de acordo com o princípio, a os efeitos penais não podem ser passados da pessoa do condenado. Princípio da igualdade Tipicidade Objetiva: conduta – resultado. Subjetiva: dolo ou culpa? Leonardo David – 2º semestre – Direito Penal I – T2AEXTRA – 2017.2 Consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades. Ex: art. 5º da CF/88, XLVIII. Há, portanto, nos presídios, a separação por delito, idade e sexo. Há, contudo, a discussão se deveria se separar por sexo ou por gênero. Ex: art. 5º da CF/99, L, que diz que para as presidiárias serão asseguradas condições para permanecerem com seus filhos no período de amamentação. Princípio da culpabilidade A palavra culpabilidade deve ser usada com cuidado, pois há diversos sentidos no direito penal. Nesta oportunidade, culpabilidade significa grau de reprovação da conduta, ou seja, o juiz, ao aplicar a pena, deve avaliar a reprovabilidade de cada um dos seus comportamentos. Nesse sentido, uma vez concluído que o fato praticado pelo agente é típico, ilícito e culpável, podemos afirmar a existência da infração penal. Deverá o julgador, após a condenação, encontrar a pena correspondente à infração penal praticada, tendo sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador.
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