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RESPONSABILIDADE DO ESTADO Vinicius Marins1 Sumário: 1) Esclarecimentos preliminares em tema de responsabilidade estatal. 1.1) Distinção entre a responsabilidade administrativa e a responsabilidade civil do Estado. 1.2) Distinção entre a responsabilidade civil do Estado e a responsabilidade civil submetida a direito privado. 1.3) Distinção entre a responsabilidade extracontratual do Estado e a responsabilidade contratual do Estado. 1.4) Características do dano indenizável. 1.5) Situações de responsabilidade estatal por atos lícitos. 2) A evolução das teorias acerca da responsabilidade civil extracontratual do Estado. 2.1) Fase da teoria da irresponsabilidade. 2.2) Fase das teorias civilistas: 2.2.1) Teoria da responsabilidade por atos de gestão patrimonial (Teoria do Fisco). 2.2.2) Teoria da responsabilidade por culpa civil. 2.3) Fase das teorias publicistas: 2.3.1) Teoria da culpa administrativa. 2.3.2) Teoria do risco administrativo. 2.3.3) Teoria do risco integral. 3) Responsabilidade Extracontratual do Estado no Direito Brasileiro. 3.1) Evolução. 3.2) Modelo Atual. Responsabilidade por atos omissivos (fato da natureza e comportamento de terceiro). 4) Responsabilidade estatal nas relações de custódia. 5) A responsabilidade das entidades privadas prestadoras de serviços públicos. 6) Responsabilidade por atos legislativos. 7) Responsabilidade por atos jurisdicionais. 8) Reparação de dano e direito de regresso. 9) Prescrição das ações judiciais contra o Poder Público. 1) ESCLARECIMENTOS PRELIMINARES EM TEMA DE RESPONSABILIDADE ESTATAL. Antes de examinar os parâmetros jurídicos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, objeto do presente estudo, convém fazer algumas diferenciações preliminares entre as categorias de responsabilidade estatal em razão da atividade, do regime jurídico e da fonte obrigacional, além de outros aspectos peculiares da responsabilidade no âmbito do Direito Público. Primeiro, cabe enfocar o aspecto civil da responsabilidade estatal, distinguindo-o da responsabilidade de natureza administrativa. Em segundo lugar, mesmo na seara da responsabilidade civil na administração pública, é mister deixar de lado os critérios comumente empregados no Direito Privado, eis que a expressão “responsabilidade civil do Estado” alcança situações de incidência de regime específico de Direito Público. Por fim, o termo extracontratual dá idéia diversa da responsabilidade decorrente de fonte contratual. 1.1) Distinção entre a responsabilidade administrativa e a responsabilidade civil do Estado. A responsabilidade civil do Estado não se confunde com a responsabilidade que ordinariamente a Administração, por meio de seus agentes, possui perante os administrados. A Administração tem deveres a cumprir em prol do interesse da coletividade, devendo zelar pelo adequado funcionamento da máquina administrativa, bem como prestar contas aos cidadãos. Consoante enfoca Marçal Justen Filho, “a responsabilidade administrativa do Estado consiste na submissão da organização estatal ao dever jurídico-político de prestar informações e contas por suas ações e omissões e de corrigir as imperfeições verificadas em sua conduta. (...) o exercente do poder político e o titular de competências administrativas são representantes do povo e, por isso, estão submetidos a deveres jurídicos e políticos. (...) A responsabilidade administrativa envolve, primeiramente, o dever de dar ao conhecimento geral da sociedade os eventos ocorridos no âmbito interno da organização estatal. Somente nas hipóteses em que a lei autorize o sigilo, em vista do risco de comprometimento de valores essenciais, é que o agente administrativo pode omitir as informações sobre os eventos pertinentes à atividade administrativa. (...) Por outro lado, é inerente à função administrativa a prestação de contas, assim entendida a expressão como o exercício das competências próprias, com a transferência para a comunidade dos benefícios eventualmente obtidos e a assunção dos prejuízos produzidos. (...) A responsabilidade administrativa impõe ao Estado e a seus agentes a adoção de providências destinadas a eliminar os defeitos gerados por ações ou omissões. (...) A responsabilidade administrativa do Estado se manifesta em diversos institutos, tais como o direito de petição e de obtenção de informações, o direito de obter a correção de informações sobre a conduta ou a identidade do particular e assim por diante”.2 Já a responsabilidade civil do Estado, “consiste no dever de indenizar as perdas e danos materiais e morais sofridos por terceiros em virtude de ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado. (...) A responsabilidade civil do Estado se traduz no dever de pagamento de quantia certa em dinheiro, a título de indenização por perdas e danos”.3 Em suma, responsabilidade civil enseja reparação por prejuízos de natureza patrimonial, seja por dano material, seja por dano moral. 1.2) Distinção entre a responsabilidade civil do Estado e a responsabilidade civil submetida a direito privado. Ainda segundo Marçal Justen, “é possível distinguir dois regimes jurídicos distintos para a responsabilidade civil atinente à atividade administrativa. Há o regime próprio da responsabilidade civil das pessoas de direito público, que é 1 Doutor e Mestre em Direito pela UFMG. Visiting Scholar, Ruhr Universität – Bochum, Alemanha. Advogado e Professor Universitário. 2 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p.791-792. 3 Idem. diferente em vista da incidência de princípios e regras de direito público. E há aquele pertinente às pessoas de direito privado, não prestadoras de serviço público, que é o regime jurídico da responsabilidade civil privada. Assim, uma entidade integrante da Administração indireta, dotada de personalidade jurídica de direito privado e exploradora de atividade econômica, estará sujeita ao regime da responsabilidade civil próprio da iniciativa privada. Não interessa ao direito administrativo o regime de responsabilidade civil privada, o qual é objeto do direito privado. Portanto, a expressão ‘responsabilidade civil do Estado’, utilizada neste capítulo, indica a responsabilidade subordinada ao regime jurídico específico de direito público e ao art.37, §6º, da Constituição”.4 1.3) Distinção entre a responsabilidade extracontratual do Estado e a responsabilidade contratual do Estado. O dever de reparar prejuízos patrimoniais, caracterizador da responsabilidade civil, pode ser contratual ou extracontratual. “É necessário diferenciar a responsabilidade civil do Estado segundo tenha origem na infração de um contrato ou não. A distinção é essencial porque o regime próprio dos contratos administrativos protege o particular contra certos eventos imprevisíveis, gerando garantias que não se verificam no restante das hipóteses. É assegurado ao particular o direito à intangibilidade da equação econômico-financeira, do que deriva a proteção jurídica em face do caso fortuito, força maior, ou fato do príncipe. (...) Tutela similar não se verifica no âmbito da atividade extracontratual. Portanto, o campo próprio da responsabilidade civil extracontratual do Estado, objeto do exame deste capítulo, abrange apenas os efeitos danosos de ações e omissões imputáveis a pessoas jurídicas de direito público (ou particulares prestadores de serviços públicos), relativas a condutas que configurem infração a um dever jurídico de origem não contratual”.5 Conforme leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”.6 Essa responsabilidadecivil extracontratual “não se confunde com a responsabilidade civil contratual do Estado, que deve ser analisada pela óptica dos contratos administrativos”.7 Mazza assinala que a responsabilidade é extracontratual “por vincular-se a danos sofridos em relações jurídicas de sujeição geral. As indenizações devidas a pessoas que mantêm especial vinculação contratual com o Estado são disciplinadas por regras diferentes daquelas estudadas no capítulo da responsabilidade extracontratual. Assim, o tema da responsabilidade do Estado investiga o dever estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e extracontratuais experimentados em decorrência de ações ou omissões de agentes públicos no exercício da função administrativa”.8 1.4) Características do dano indenizável. Para que haja indenização, não basta um prejuízo financeiro (dano econômico), mas, sim, violação a direito subjetivo. A responsabilidade civil extracontratual pressupõe a ocorrência de prejuízo anormal e específico. Sem isso não há dano jurídico a ser indenizado. Anormal, porque somente cabe indenização para ressarcimento de dano patrimonial considerável. Danos normais ou insignificantes não comportam indenização. Não se indeniza mero aborrecimento ou desconforto. Dano anormal “é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em sociedade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos considerados normais e toleráveis, não ensejando o pagamento de indenização a ninguém. Exemplo de dano normal: funcionamento de feira livre em rua residencial”.9 Específico, porque não é qualquer infortúnio que comporta indenização, senão aqueles que superem os riscos normais da vida em sociedade e suportados por todos indistintamente. Danos difusos não comportam indenização. Dano específico “é aquele que alcança destinatários determinados, ou seja, atinge um indivíduo ou uma classe delimitada de indivíduos. Não se indeniza o dano genérico, que é suportado por todos. Por isso, se o dano for geral, afetando difusamente a coletividade, não surge o dever de indenizar. Exemplo de dano geral: aumento no valor da tarifa de ônibus”.10 Somente o dano certo comporta indenização, seja ele atual (dano emergente) ou futuro (lucros cessantes). Não se indeniza dano incerto baseado em mera probabilidade, ou seja, quando não se tenha elementos concretos para aferir o alcance do dano causado. Mesmo quando se trate de dano futuro, como dito, já se deve de antemão perceber a sua potencialidade. Nesse sentido a jurisprudência: 4 Ib idem, p.794. 5 Ib idem. 6 DI PIETRO, Direito Administrativo, 13. ed., São Paulo, Atlas, 2001, p.512. 7 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo, São Paulo: Atlas, 2002, p.230. 8 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p.275. 9 Idem, p. 287. 10 Ib idem. “(...) O dano assim considerado pelo Direito, o dano ensanchador de responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua existência, mas reclama, além disso, que consista em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito.(...) Há ainda outro traço necessário à qualificação do dano. Para ser indenizável cumpre que o dano, ademais de incidente sobre um direito, seja certo, vale dizer, não apenas eventual, possível. Tanto poderá ser atual como futuro, desde que certo, real. Nele se engloba o que se perdeu e o que se deixou de ganhar (e se ganharia, caso não houvesse ocorrido o evento lesivo)” - STJ, REsp. 910.260, Min. Luiz Fux, DJ 18.12.2008. Essa regra, contudo, tem sido flexibilizada com base na doutrina da “perda de uma chance”, como também vem acatando a jurisprudência pátria: “(...) A teoria da perda de uma chance (‘perte d'une chance’) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.(...)” - STJ - REsp. 1190180/SP, Min. Luis Felipe Salomão, DJ 22.11.2010 “(...) danos morais, decorrentes da não efetivação de inscrição em concurso público, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, cujo funcionário recebeu boleto bancário para quitação e, não obstante "fora do ar" o sistema operacional, comprometeu-se a efetivar seu pagamento a posteriori, o que não se consumou.(...) A frustração decorrente da não participação em concurso público devido à falha no serviço prestado pela instituição recebedora do pagamento da inscrição não se situa no plano dos dissabores insuscetíveis de causarem dano moral. Supera-os, causando abalo psíquico de considerável monta, na medida em que depositadas esperanças na conquista de emprego estável e razoavelmente remunerado, além de despendidos tempo e dinheiro na preparação.(...) Já decidiu esta Turma que "a hipótese é de ‘perda de uma chance’ de realizar concurso.” - TRF1ª, AC200441000017172, Juiz Evaldo Fernandes, DJ 08.10.2010 A indenização é devida tanto em relação aos danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) quanto aos danos morais. “A responsabilização civil por danos materiais se orienta a eliminar os efeitos patrimoniais nocivos produzidos pelo evento danoso. Obedece, de modo genérico, ao regime jurídico privatístico. Isso significa o dever de restabelecer a situação no estado anterior ao que se encontrava ou, não sendo tal possível, indenizar as perdas e danos, o que abrange os danos emergentes e os lucros cessantes. (...) A indenização por danos emergentes abrange tudo aquilo que o lesado perdeu. (...) A indenização por lucros cessantes compreende tudo aquilo que o lesado deixou razoavelmente de ganhar. (...) A responsabilidade civil por danos morais apresenta duas funções: uma compensatória, em prol do ofendido, e uma punitiva, em vista do ofensor. Partindo do pressuposto de ser impossível eliminar o dano moral, o direito assegura ao lesado a obtenção de compensação patrimoniais e não patrimoniais”.11 1.5) Situações de responsabilidade estatal por atos lícitos. Alguns autores costumam apontar uma peculiaridade do Direito Administrativo que, ao contrário do regime privado, admitiria responsabilizar-se o Estado até mesmo por atos lícitos praticados por seus agentes. Ou seja, enquanto no Direito Civil a responsabilidade extracontratual pressupõe sempre tenha havido um dano decorrente de ato ilícito, no Direito Administrativo isso não seria imprescindível. Em suma, a responsabilidade extracontratual do Estado, sob essa ótica, pode decorrer de ato lícito ou ilícito. É nesse sentido a opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem a indenização decorrente de ato lícito estatal por vezes pode ser enquadrada como hipótese de responsabilidade extracontratual. Com efeito, já vimos no item anterior que a responsabilidade civil do Estado não deve ser confundida com a situação jurídica decorrente de medidas estatais de sacrifício a direitos privados que decorrem diretamente de expressa e específica previsão legal, com possibilidade de indenização (v.g. a indenização por desapropriação). Não obstante, Celso Antônio entende haver situações lícitas que dariam azo à responsabilização extracontratual do Estado. Explicando melhor, tem-se que, ao contrário das situações de sacrifício diretamente previstas em lei e apenas concretizadas pela Administração nos estritostermos legais, a responsabilidade estatal por ato lícito ocorreria quando o agente público, agindo de acordo com a lei, termina por indiretamente causar um dano a terceiro. Vale dizer, a ação lícita do Estado é direcionada a uma situação que a princípio não produziria qualquer dano a terceiro, mas que acaba produzindo (indiretamente) uma conseqüência danosa que não pode ser evitada. Confira-se a lição do respeitável mestre: “Parece-nos que só desassiste falar em responsabilidade quando a ordem jurídica estabelece em prol do Estado um poder – consoante já se disse – cujo conteúdo reside especificamente em aniquilar um direito alheio, que se converterá em correlativa expressão patrimonial. Pelo contrário, caberá falar em responsabilidade do Estado por atos lícitos nas hipóteses em que o poder deferido ao Estado e legitimamente exercido acarreta, indiretamente, como simples conseqüência – não como sua finalidade própria –, a lesão a um direito alheio. Vale dizer: há casos em que o 11 JUSTEN FILHO, p.809-810. Estado é autorizado pelo Direito à prática de certos atos que não têm por conteúdo próprio sacrificar direito de outrem. Sem embargo, o exercício destes atos pode vir a atingir direitos alheios, violando-os, como mero subproduto, como simples resultado ou seqüela de uma ação legítima”.12 Maria Sylvia Di Pietro também pensa assim, quando diz que “ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade”.13 Como exemplo de responsabilidade por ato lícito, Mazza cita como exemplo “obras para asfaltamento de rua diminuindo a clientela de estabelecimento comercial”.14 Registre, todavia, que este entendimento encontra forte resistência por parte de alguns doutrinadores que consideram que o Estado somente pode ser responsabilizado por atos ilícitos; para estes juristas (que são minoria na doutrina brasileira), se a conduta estatal for reputada lícita sob todos os ângulos, não haveria de se falar propriamente em responsabilidade extracontratual. Vale dizer, ou o ato é, por algum ângulo, considerado ilícito, gerando direito à indenização por responsabilidade do Estado; ou o ato é totalmente lícito, e a indenização, caso devida pelo Estado, terá outro fundamento jurídico. Assim pensa Marçal Justen Filho, conforme teremos oportunidade de examinar em tópico posterior no qual o tema será abordado com mais profundidade. 2) A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. A responsabilidade civil extracontratual do Estado nem sempre foi reconhecida, evoluindo ao longo do tempo até ser considerada em maior ou menor grau. Esta evolução se reflete na adoção de três fases teóricas, mencionadas por Maria Sylvia Di Pietro, a saber: a fase da teoria da irresponsabilidade; a fase das teorias civilistas e a fase das teorias publicistas. 2.1) FASE DA TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE Antes do surgimento do Direito Administrativo, na época dos regimes absolutistas, o Estado não poderia jamais ser responsabilizado por seus atos, porquanto predominava o ideal de que o rei não nunca errava. “Também chamada de teoria feudal, regalista ou regaliana, a teoria da irresponsabilidade do Estado era própria dos Estados absolutistas nos quais a vontade do Rei tinha força de lei. Assim, a exacerbação da idéia de soberania impedia admitir que os súditos pudessem pleitear indenizações por danos decorrentes da atuação governamental. Em grande parte essa situação resultou da então concepção político-teológica que sustentava a origem divina do poder. Os governantes eram considerados ‘representantes de Deus na terra’, escolhidos e investidos diretamente pela própria divindade. Por isso, eventuais prejuízos causados pelo Estado deveriam ser atribuídos à providência divina e, se Deus não erra, o atributo da inerrância se estendia aos governantes nomeados por Ele”.15 É certo que na França, já no ano de 1800, foi editada uma lei que tratava do ressarcimento por danos oriundos de obras públicas.16 Porém, não se tratava ainda de reconhecer aí a responsabilidade por atos ilícitos do Estado. Se ato ilícito houvesse a ensejar indenização, esta seria da responsabilidade pessoal do agente causador do dano. Ou seja, “mesmo nesses casos não ficavam os indivíduos a descoberto de qualquer proteção, pois haveria possibilidade de responsabilização individual dos agentes públicos que, atuando com dolo ou culpa, acarretassem dano a outrem. Ressalte-se, porém, que a responsabilidade existiria em nome próprio e não como prepostos do Estado”.17 Diógenes Gasparini assim discorre sobre esta fase: “A fase da irresponsabilidade civil do Estado vigorou de início em todos os Estados, mas notabilizou-se nos absolutistas. Nestes, negava-se tivesse a Administração Pública a obrigação de indenizar os prejuízos que seus agentes, nesta qualidade, pudessem causar aos administrados. Seu fundamento encontrava-se em outro princípio vetor do Estado absoluto ou Estado de polícia, segundo o qual o Estado não podia causar males ou danos a quem quer que fosse. Era expressado pelas fórmulas: ‘Le roi ne peut mal faire’ e ‘The King can do no wrong”, ou, em nossa língua, ‘O rei não pode fazer mal’ e ‘O rei não erra’. A vigência dessas máximas, se de um lado indicava a irresponsabilidade do Estado, de outro não significava o desamparo total dos administrados. O rigor da irresponsabilidade civil do Estado era quebrado por leis que admitiam a obrigação de indenizar em casos específicos, a exemplo da lei francesa que determinava a recomposição patrimonial por danos oriundos de obras públicas e da qual acolhia a responsabilidade por danos resultantes de atos de gestão do domínio privado do Estado. A par disso, admitia-se a responsabilidade do agente público quando o ato lesivo pudesse ser atribuído diretamente a ele”.18 Alexandre Mazza ensina que a teoria da irresponsabilidade estatal vigorou na França até aproximadamente o final do século XIX, sobretudo quando, por volta de 1873, o Tribunal de Conflitos julgou o famoso Caso Blanco, considerado pela doutrina como um dos marcos históricos da consolidação do Direito Administrativo. 12 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.969. 13 DI PIETRO, op. cit., p.595. 14 MAZZA, op. cit., p. 287. 15 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 276. 16 Em data conhecida como o 28 Pluvioso do Ano VIII, no calendário Napoleônico (oito anos após 1792). 17 DI PIETRO, op. cit., p.231. 18 Diógenes Gasparini, op. cit., p.968. Eis o histórico do Aresto Blanco mencionado pelo autor: “O Tribunal de Conflitos é o órgão da estrutura francesa que decide se uma causa vai ser julgada pelo Conselho de Estado ou pelo Poder Judiciário. Em 8 de fevereiro de 1873, sob a relatoria do conselheiro David, o Tribunal de Conflitos analisou o caso da menina Agnes Blanco que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. O pai da criança entrou com ação de indenização fundada na idéia de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros na prestação de serviços públicos. O Aresto Blanco foi o primeiro posicionamento definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício das atividades administrativas. Por isso o ano de 1873 pode ser considerado o divisor de águas entre o período da irresponsabilidade estatal e a fase da responsabilidade subjetiva”.19 Apesar de aos poucos vir se reconhecendo a responsabilidade estatal,ainda remanesceu a teoria da irresponsabilidade em alguns casos submetidos ao tribunal, o que na França recebeu a denominação de ilhas de irresponsabilidade (“ilôts d’irresponsabilité”). Esses resquícios, todavia, tenderam a desaparecer no início do sex. XX. Hely Lopes Meirelles salienta que “a doutrina da irresponsabilidade está inteiramente superada, visto que as duas últimas Nações que a sustentavam, a Inglaterra e os Estados Unidos da América do Norte, abandonaram-na, respectivamente, pelo Crown Proceeding Act, de 1947, e pelo Federal Tort Claims Act, de 1946. Caíram, assim, os últimos redutos da irresponsabilidade civil do Estado pelos atos de seus agentes”.20 2.2) FASE DAS TEORIAS CIVILISTAS Sob influência do liberalismo, foi-se aos poucos superando a teoria da irresponsabilidade e evoluindo para as teorias civilistas, as quais levavam em conta o elemento “culpa” para que se pudesse falar em responsabilidade. Eram, portanto, teorias acerca da responsabilidade subjetiva do Estado. Essas teorias da responsabilidade subjetiva estavam apoiadas “na lógica do direito civil na medida em que o fundamento da responsabilidade é a noção de culpa. Daí a necessidade de a vítima comprovar, para receber a indenização, a ocorrência simultânea de quatro requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal; d) culpa ou dolo. Assim, para a teoria subjetiva é sempre necessário demonstrar que o agente público atuou com intenção de lesar (dolo), com culpa, erro, falta do agente, falha, atraso, negligência, imprudência, imperícia”.21 Num primeiro momento, reconheceu-se que o Estado, apesar de soberano no tocante aos atos de império praticados por ordem do príncipe, deveria ao menos responder pelos atos de rotina praticados na gestão dos negócios públicos. Posteriormente, essa distinção entre atos de império e atos de gestão deixou de ser aplicada, porém o parâmetro da responsabilidade estatal continuou sendo a culpa dos agentes públicos, sem o que nada haveria a indenizar. No final do séc. XIX houve um gradativo abandono da distinção entre atos de império e de gestão. Como se viu, o Caso Blanco (1873) é considerado o marco da autonomia do regime de responsabilidade civil do Estado, assentado na idéia de igualdade dos ônus e encargos sociais. 2.2.1) Teoria da responsabilidade por atos de gestão patrimonial (Teoria do Fisco). A primeira teoria civilista diferenciava os atos de império (praticados com prerrogativas de autoridade) dos atos de gestão (praticados em igualdade de condições com os particulares). A responsabilidade civil do Estado somente ocorreria em relação aos atos de gestão e desde que o agente público atuasse com culpa. Havia, portanto, uma espécie de bifurcação da figura do Estado, o posteriormente, sobretudo na Alemanha, veio a ser tratada como a Teoria do Fisco. De um lado havia o Estado-soberano, imune de responsabilidade. De outro, o Estado enquanto gestor do patrimônio público (Fisco). Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Para combater esse poder absoluto do príncipe, elaborou-se, em especial por doutrinadores alemães, a teoria do fisco, em consonância com a qual o patrimônio público não pertence ao príncipe nem ao Estado, mas ao fisco, que teria personalidade jurídica de direito privado, diversa da personalidade do Estado, associação política, pessoa jurídica de direito público, com poderes de mando, de império. O primeiro submetia-se ao direito privado e, em conseqüência, aos tribunais; o segundo regia-se por normas editadas pelo príncipe, fora da apreciação dos tribunais. Com isso, muitas das relações jurídicas em que a Administração era parte passaram a ser regidas pelo direito civil e a submeter-se a tribunais independentes, sem qualquer vinculação ao príncipe. Esses tribunais passaram a reconhecer, em favor do indivíduo, a titularidade de direitos adquiridos contra o fisco, todos eles fundamentados no direito privado. Mas o Estado, pessoa jurídica, enquanto poder público, continuava sem limitações estabelecidas pela lei e indemandável judicialmente pelos súditos na defesa de seus direitos. A bifurcação da personalidade do Estado apenas abrandou o sistema então vigente, mas não o extinguiu. (...) correspondeu a uma bifurcação de regimes jurídicos: de um lado, o jus politiae (direito de polícia), que partindo da idéia de poder sobre a vida religiosa e espiritual do povo, concentrou em mãos do príncipe poderes de interferir na vida privada dos cidadãos, sob o pretexto de alcançar a segurança e o bem-estar coletivos; de outro lado, o direito civil, que regia as relações do Fisco com os súditos e que 19 MAZZA, op. cit., p.277. 20 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.531. 21 MAZZA, op. cit., p.278. ficavam fora do alcance do príncipe, gerando direitos subjetivos que podiam ser assegurados por meio de controle judicial. Esse sistema teve o mérito de submeter uma parte da atividade do Estado à lei e aos Tribunais”.22 Sobre o tema também escreve Alexandre Mazza: “Indispensável para a admissibilidade da responsabilização estatal foi uma nova concepção política chamada de teoria do fisco. A teoria do fisco sustentava que o Estado possuía dupla personalidade: uma pessoa soberana, infalível, encarnada na figura do monarca e, portanto, insuscetível a condenação indenizatória; e outra, pessoa exclusivamente patrimonial, denominada ‘fisco’, capaz de ressarcir particulares por prejuízos decorrentes da atuação de agentes públicos. A visão ‘esquizofrênica’ da dupla personalidade estatal foi decisiva para, num primeiro momento, conciliar a possibilidade de condenação da Administração e a noção de soberania do Estado”.23 2.2.2) Teoria da responsabilidade por Culpa Civil A segunda teoria civilista deixou de lado a distinção entre atos de gestão e de império, mas continuou apegada ao requisito da “culpa”, sem o qual não se configuraria a responsabilidade. Procurava-se equiparar a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos. Era a teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva. Na fase das teorias civilistas, o exame da culpa do agente estatal era feito segundo os mesmos parâmetros de avaliação da culpa dos particulares, consoante explica Diógenes Gasparini: “O estágio da responsabilidade com culpa civil do Estado, também chamada de responsabilidade subjetiva do Estado, instaura-se sob a influência do liberalismo, que assemelhava, para fins de indenização, o Estado ao particular. Por esse artifício o Estado torna-se responsável e, como tal, obrigado a indenizar sempre que seus agentes houvessem agido com culpa ou dolo. O fulcro, então, da obrigação de indenizar era a culpa ou dolo do agente, que levava a culpa ou dolo ao Estado. É a teoria da culpa civil. Essa culpa ou dolo do agente era a condicionante da responsabilidade patrimonial do Estado. Sem ela inocorria a obrigação de indenizar do Estado. O Estado e o particular eram, assim, tratados de forma igual. Ambos, em termos de responsabilidade patrimonial, respondiam conforme o Direito Privado, isto é, se houvessem se comportado com culpa ou dolo. Caso contrário, não respondiam. Os conceitos de culpa e dolo eram, e são, os mesmos do Direito Privado”.24 Como assinala Mazza, “embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a teoria subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público diante da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima em comprovar judicialmente a ocorrência de culpa ou dolo do agente público prejudicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva. Foi necessário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desequilibrada entre o Estado e oadministrado”.25 2.3) FASE DAS TEORIAS PUBLICISTAS 2.3.1) Teoria da Culpa Administrativa Seguindo a evolução, passou-se a entender que a responsabilidade do Estado não poderia ser regida pelas regras comuns do Código Civil, porquanto deveria ser levada em conta a atuação contínua estatal com prerrogativas sobre os particulares, tendo em vista a necessidade do serviço público. Buscou-se então um regime especial a ser aplicado ao Estado, observadas as peculiaridades de sua atuação. “A solução civilista, preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação à teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia os interesses de justiça. De fato, exigia-se muito dos administrados, pois o lesado tinha de demonstrar, além do dano, que ele fora causado pelo Estado e a atuação culposa ou dolosa do agente estatal. Tornam-se, assim, inaplicáveis, em sua pureza, os princípios da culpa civil, para obrigar o Estado a responder pelos danos que seus servidores pudessem causar aos administrados”.26 A primeira teoria publicista baseia-se na chamada “culpa administrativa” ou “acidente administrativo”, decorrente da doutrina francesa (faute du service), em que “a ausência do serviço devido ao seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em agravo dos administrados”. Porquanto ainda apegada ao elemento culpa, trata-se de responsabilidade subjetiva do Estado, que “ocorrerá quando o serviço público simplesmente não funciona, ou, ainda, funciona de forma precária e insatisfatória. Dessa forma, a faute du service fundamenta-se ou na culpa individual do agente causador do dano, ou na culpa do próprio serviço denominada culpa anônima, já que não é possível individualizá-la. Caberá, portanto, à vítima a comprovação da não-prestação do serviço ou de sua prestação ineficiente, insatisfatória, a fim de ficar configurada a culpa do serviço e, conseqüentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe prestá-lo”.27 22 DI PIETRO, Discricionariedade administrativa, cit., p. 18-19. 23 MAZZA, op. cit., p. 277-278. 24 GASPARINI, op. cit., p. 969. 25 MAZZA, op. cit., p. 278. 26 GASPARINI, op. cit., p.969-970. 27 MORAES, Alexandre, op. cit., p.531. “O reconhecimento subseqüente da culpa administrativa passou a representar um estágio evolutivo da responsabilidade do Estado, eis que não mais era necessária a distinção acima apontada, causadora de tantas incertezas. A teoria foi consagrada pela clássica doutrina de Paul Duez, segundo a qual o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano. Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível apontar o agente que o provocou. A doutrina, então, cognominou o fato como culpa anônima ou falta do serviço”.28 “Procurou-se centrar a obrigação de indenizar na culpa do serviço ou, segundo os franceses, na faute du service. Ocorria a culpa do serviço sempre que este não funcionava (não existia, devendo existir), funcionava mal (devendo funcionar bem) ou funcionava atrasado (devendo funcionar em tempo). Era a teoria da culpa administrativa, ou da culpa anônima (não se tem o causador direto do dano). (...) O êxito do pedido de indenização ficava, dessa forma, condicionado à demonstração, por parte da vítima, de que o serviço se houvera com culpa. Assim, cabia-lhe demonstrar, além do dano, que este lhe fora causado pelo Estado e a culpa do serviço, e isso ainda era muito à vista dos anseios de justiça. Procurou-se, destarte, novos critérios que, de alguma forma objetiva, tornassem o Estado responsável patrimonialmente pelos danos que seus servidores, nessa qualidade, pudessem causar aos administrados”29 A teoria da culpa administrativa representou um meio termo na transição da teoria da responsabilidade subjetiva para a responsabilidade objetiva do Estado. 2.3.2) Teoria do Risco Administrativo A evolução do tema da responsabilidade do Estado levou a uma gradativa substituição da idéia de “culpa administrativa” pela de “risco administrativo”, passando a se reconhecer hipóteses de responsabilidade objetiva do Estado. Aqui não se fala mais em culpa ou falta do serviço por parte da Administração Pública, que responderá quando ocorra dano produzido por um agente estatal no desempenho de um serviço público (nexo causal); não se exige mais a falta do serviço, pois o fato do serviço por si só já vincula o Estado ao eventual dano produzido (risco). Pela teoria do risco administrativo, “a obrigação de o Estado indenizar o dano surge, tão-só, do ato lesivo que ele, Estado, foi o causador. Não se exige a culpa do agente público, nem a culpa do serviço. É suficiente a prova da lesão e de que esta foi causada pelo Estado. A culpa é inferida do fato lesivo, ou, vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados”30. Vale dizer: “para a teoria objetiva, o pagamento da indenização é efetuado somente após a comprovação, pela vítima, de três requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal. Ao invés de indagar sobre a falta do serviço (faut du service), como ocorreria com a teoria subjetiva, a teoria objetiva exige apenas um fato do serviço, causador de danos ao particular”.31 “Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais; assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe- se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público”.32 Porém, é preciso atentar que o risco administrativo é uma teoria que, apesar de lastreada na responsabilidade objetiva, admite excludentes e atenuantes que rompem com o nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo. Ou seja, a responsabilidade fica diminuída ou até mesmo afastada se restar provado que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou de que houve culpa de terceiro ou, ainda, motivo de força maior, um fato da natureza sem qualquer liame com algum comportamento do Estado. Quanto ao caso fortuito, há divergências na doutrina se exclui ou não a responsabilidade do Estado. Se o ato humano que produz o dano provém de agente da Administração, o Estado responde. Mas se o ato humano for estranho ao aparelho estatal, configura-se a culpa exclusiva de terceiro, afastando a responsabilidade. Mazza explica em que consistem essas excludentes (em alguns casos atenuantes): “a) culpa exclusiva da vítima: ocorre culpa exclusiva da vítima quando o prejuízo é conseqüência da intenção deliberada do próprio prejudicado. São casos em que a vítima utiliza a prestação do serviço público para causar um dano a si própria. Exemplos: suicídio em estação de Metrô; pessoa que se joga na frente de viatura para ser atropelada. Diferente é a solução para os casos da chamada culpa concorrente, em que a vítima e o agente público provocam, por culpa recíproca, a ocorrência do prejuízo. Nesses casos, fala-se em concausas. Exemplo: acidente de trânsito causado porque a viatura e o carro do particular invadem ao mesmo tempo a pista alheia. Nos casos de culpa concorrente, a questão se resolve com a produção de provas periciais para determinar o maior culpado. Da maior culpa, desconta-se a menor, realizando um processo denominado compensação de culpas. A culpa concorrente não 28 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.433. 29 GASPARINI, op. cit., p.970. 30 GASPARINI, op. cit., p.971. 31 MAZZA, op. cit., p. 279. 32 DI PIETRO, op. cit., p.515. é excludente da responsabilidade estatal, como ocorre com a culpa exclusiva da vítima. Na verdade, a culpa concorrente é fator de mitigação ou causa atenuante da responsabilidade. Diante da necessidade de discussão sobre culpa ou dolo, nos casos de culpa concorrente aplica-se a teoria subjetiva; b) força maior: é um acontecimento involuntário, imprevisível e incontrolável que rompe o nexo de causalidade entre a ação estatal e o prejuízo sofrido pelo particular. Exemplo: erupção de vulcão que destrói vila de casas. Já no caso fortuito o dano é decorrente de ato humano ou de falha da Administração. Exemplo: rompimento de adutora. O caso fortuito não exclui a responsabilidade estatal. c) culpa de terceiro: ocorre quando o prejuízo pode ser atribuído a pessoa estranha aos quadros da Administração Pública. Exemplo: prejuízo causado por atos de multidão. Mas, no dano provocado por multidão, o Estado responde se restar comprovada sua culpa”.33 2.3.3) Teoria do Risco Integral Assim como a teoria do risco administrativo, a teoria do risco integral versa sobre hipótese de responsabilidade objetiva. As duas teorias do risco se diferenciam pelo grau de objetividade na avaliação da responsabilidade estatal. Enquanto a teoria do risco administrativo admite hipóteses nas quais o Estado não responde pelo dano (excludentes) ou tem diminuída a sua responsabilidade (atenuantes), a teoria do risco integral não as admite. Deste modo, a teoria do risco integral se torna “uma variação radical da responsabilidade objetiva, que sustenta ser devida a indenização sempre que o Estado causar prejuízo a particulares, sem qualquer excludente”.34 Sobre o tema escreve Hely Lopes Meirelles: “A teoria do risco administrativo, embora dispense prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização. A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social. Por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima”.35 Diógenes Gasparini tece considerações semelhantes: “Nessa permissão para o Estado provar que não foi o causador do dano ou que a culpa cabe à vítima está a diferença entre a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo, como ensinam alguns autores. Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento. Assim, ter-se-ia de indenizar a família da vítima de alguém que, desejando suicidar-se, viesse a se atirar sob as rodas de veículo coletor de lixo, de propriedade da Administração Pública, ou se atirasse de um prédio sobre uma via pública”.36 No entanto, conforme salienta Maria Sylvia Di Pietro, “a maior parte da doutrina não faz distinção, considerando as duas expressões – risco integral e risco administrativo – como sinônimos ou falando em risco administrativo como acidente administrativo. Mesmo os autores que falam em teoria do risco integral admitem as causas excludentes da responsabilidade”.37 Adotar inadvertidamente a teoria do risco integral equivaleria a transformar o Estado numa espécie de segurador universal, ou seja, imputando-lhe a responsabilidade por todo e qualquer infortúnio sofrido pelas pessoas na convivência em sociedade. Daí porque, “embora seja a visão mais favorável à vítima, o caráter absoluto dessa concepção produz injustiça, especialmente diante de casos em que o dano é produzido em decorrência de ação deliberada da própria vítima. Não há notícia de nenhum país moderno cujo direito positivo tenha adotado o risco integral como regra geral aplicável à responsabilidade do Estado”.38 O risco integral somente deve ser adotado em situações excepcionais, quando, por opção política, o legislador imponha ao Estado o dever de reparar prejuízos decorrentes de determinadas atividades consideradas de alto risco, como acontece, por exemplo, com o dano nuclear. Ainda assim, a questão tem alimentado extensas divergências na doutrina. 3) A RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO SEGUNDO O DIREITO POSITIVO BRASILEIRO. 33 MAZZA, op. cit., p. 286. 34 Idem, p. 284. 35 MEIRELLES, op. cit., p. 532-533. 36 GASPARINI, op. cit., p.971. 37 DI PIETRO, op. cit., p.515-516. 38 MAZZA, op. cit., p. 284. 3.1) EVOLUÇÃO. A teoria da irresponsabilidade do Estado jamais foi adotada no Brasil, haja vista que tanto a Constituição de 1824 quanto a de 1891 foram elaboradas após a queda do absolutismo, já em período influenciado pelos ideais do liberalismo. Na fase do Império, reconhecia-se a responsabilidade por danos provocados por atos estatais, ainda que a indenização ficasse a cargo dos empregados públicos. Assim dispunha a Constituição de 1824, em seu art.179, inc.29: “Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos infratores”. Com a proclamação da República, a Constituição de 1891 manteve a responsabilidade a cargo do funcionário público, conforme rezava o texto do seu art. 82: “Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente seus subalternos”. Já no início do séc. XX, o Direito brasileiro passou a adotar a teoria da culpa administrativa, fundada na responsabilidade subjetiva, ressalvado o direito de regresso contra o agente causador do dano. Como previsto no art.15 do Código Civil de 1916: “as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo do modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano”.39 Interpretando esse dispositivo, o professor Mário Masagão fez o seguinte comentário: “O legislador tratou da responsabilidade do Estado na parte geral do Código Civil, e muito de indústria o fez, para mostrar que ela se rege por princípios diferentes dos que disciplinam a responsabilidade extracontratual dos particulares, prevista na parte especial. Adotou o Código a melhor doutrina quanto à responsabilidade dos funcionários, mandando responder perante a vítima a Fazenda Pública, e dando a essa ação regressiva contra os causadores do dano” - in Curso de Direito Administrativo, 1974. Com o advento da Constituição de 1934, o direito brasileiro continuou contemplando a culpa sob regime publicístico, porém adotou o princípio da solidariedade na culpa ao assim dispor: “os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a FazendaNacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos” (art.171). Esta concepção ficou mantida com a Constituição de 1937, em seu art.158. Somente com a Constituição de 1946, passou-se a adotar no Brasil, além da responsabilidade subjetiva, também a responsabilidade objetiva do Estado, conforme previsto em seu art.194, cuja redação excluía a idéia comum de culpa disposta no Código Civil: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”. Comentando essa invocação constitucional, assim se manifestou Pontes de Miranda: “Os interesses do Estado passaram a segundo plano; não há litisconsórcio necessário, nem solidariedade, nem extensão subjetiva da eficácia executiva da sentença contra a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, ou contra a pessoa jurídica de direito público interno. Há apenas o direito de regresso” (in Comentários à Constituição de 1946, 2. ed., 1953). As Constituições de 1967 e 1969 mantiveram a concepção de responsabilidade objetiva, assim dispondo: “As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo” (CF/67, art.105). “As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário, no caso de culpa ou dolo” (CF/69, art.107). Tal modelo perdurou com a Constituição de 1988, com o acréscimo da possibilidade de ação regressiva contra o funcionário causador do dano, bem como da responsabilidade das pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços públicos. 3.2) MODELO ATUAL. A responsabilidade extracontratual do Estado encontra previsão na norma do art.37, §6º, da Constituição Federal de 1988, vazada nos seguintes termos: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de 39 Segundo Maria Sylvia Di Pietro, foi a doutrina civilista que serviu de inspiração ao artigo 15 do Código Civil Brasileiro de 1916, consagrando a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado. Op. cit., p.514. serviços públicos responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. O novo Código Civil (Lei 10.406/2002), em conformidade com a Carta Magna, acolheu a doutrina da responsabilidade objetiva, ainda que sem mencionar expressamente as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, como se infere do teor do seu art.43: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. Assim sendo, muitos doutrinadores brasileiros apontam as teorias publicísticas vigentes no nosso ordenamento jurídico: teorias do risco administrativo e do risco integral (responsabilidade objetiva do Estado); teoria da falta do serviço ou culpa administrativa (responsabilidade subjetiva do Estado). Vejamos como se dá a aplicação de cada uma delas, nesta linha de entendimento consagrada inclusive por Celso Antônio Bandeira de Mello: a) Responsabilidade objetiva do Estado por risco administrativo. É considerada, pela doutrina majoritária, como sendo a regra geral para os atos praticados pela Administração Pública, consistente “na obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-lo basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano” .40 Todavia, a teoria do risco administrativo admite hipóteses excludentes da responsabilidade, fundadas na culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Admite, ainda, a atenuação da responsabilidade estatal se houver culpa concorrente da vítima. Nesse prisma, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que “o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidentemente de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima”.41 “Entende-se por força maior a ocorrência da natureza imprevisível e inevitável absolutamente independente da vontade das partes (por exemplo: maremotos, terremotos etc.)”. “Caso fortuito, por sua vez, ocorrerá quando o dano for causado, exclusivamente, por conduta culposa ou dolosa de terceiro, igualmente independente da vontade das partes”. Por fim “a culpa da vítima afasta a responsabilidade civil do Estado, desde que exclusiva. Na hipótese de concorrência de culpas, a responsabilidade estatal permanecerá”.42 José dos Santos Carvalho também alude aos fatos que podem afastar ou atenuar a responsabilidade objetiva do Estado, dependendo do caso, a exemplo da participação do lesado e os fatos imprevisíveis: “Para que se configure a responsabilidade do Estado, é necessário que seja verificado o comportamento do lesado no episódio que provocou o dano. Se o lesado em nada contribuiu para o dano que lhe causou a conduta estatal, é apenas o Estado que deve ser civilmente responsável e obrigado a reparar o dano. Entretanto, pode ocorrer que o lesado tenha sido o único causador de seu próprio dano, ou que ao menos tenha contribuído de alguma forma para que o dano tivesse surgido. No primeiro caso, a hipótese é de autolesão, não tendo o Estado qualquer responsabilidade civil, eis que faltantes os pressupostos do fato administrativo e da relação de causalidade. O defeito danoso, em tal situação, deve ser atribuído exclusivamente àquele que causou o dano a si mesmo. Se, ao contrário, o lesado, juntamente com a conduta estatal, participou do resultado danoso, não seria justo que o Poder Público arcasse sozinho com a reparação proporcional à extensão da conduta do lesado que também contribuiu para o resultado danoso. Desse modo, se Estado e lesado contribuíram por metade para a ocorrência dano, a indenização devida por aquele deve atingir apenas a metade dos prejuízos sofridos, arcando o lesado com a outra metade. É a aplicação do sistema da compensação de culpas no direito privado” “Os pressupostos da responsabilidade objetiva são o fato administrativo, o dano e o nexo de causalidade entre o fato e o dano. Ora, na hipótese de caso fortuito ou força maior, nem ocorreu fato imputável ao Estado, nem fato cometido por agente estatal. E, se é assim, não existe nexo de causalidade entre qualquer ação do Estado e o dano sofrido pelo lesado. A conseqüência, pois, não pode ser outra que não a de que tais fatos imprevisíveis não ensejam a responsabilidade do Estado. Em outras palavras, são eles excludentes da responsabilidade. É preciso, porém, verificar, caso a caso, os elementos que cercam a ocorrência do fato e os danos causados. Se estes forem resultantes, em conjunto, do fato imprevisível e de ação ou omissão culposa do Estado, não terá havido uma só causa, mas concausa, não se podendo, nessa hipótese, falar em excludente de responsabilidade. Como o Estado deu causa ao resultado, segue-se que a ele será imputada responsabilidade civil. Por respeito à eqüidade, porém, a indenização será mitigada, cabendo ao Estado repararo dano de forma proporcional à sua participação no evento lesivo e ao lesado arcar com o prejuízo correspondente a sua própria conduta”43 O Ministro Celso de Mello assim aponta os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado no direito brasileiro: “A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público por danos a que os 40 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.844. 41 RExtr.109615-2, Rel. Min. Celso de Mello. 42 MORAES, Alexandre, op. cit., p.235. 43 CARVALHO FILHO, op. cit., p.442-444. agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão. Essa concepção teórica que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência do fato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-lo pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração da falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade objetiva do Poder Público correspondem: a) a alteridade do dano; b) a causalidade material entre o evento damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; c) a oficialidade da atividade causal e levisa, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independente da licitude, ou não, do comportamento funcional; e d) a ausência de causa excludente da responsabilidade funcional estatal”.44 Ressalte-se, porém, que “mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá ocorrer se, aliada à força maior, ocorrer omissão do Poder Público na realização de um serviço. Por exemplo, quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que a realização de determinados serviços de limpeza dos rios ou bueiros e galerias de águas pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente”.45 Nesse caso, outros entendem que a omissão estatal configura a hipótese de culpa administrativa a ensejar a sua responsabilidade subjetiva e não meramente objetiva. Convém apontar que, segundo Celso Antônio, a responsabilidade objetiva decorrente do risco administrativo somente se aplica aos atos comissivos do Estado, pois não se pode invocá-la em relação aos atos omissivos. Quanto a estes, a responsabilidade será sempre subjetiva, conforme será visto no estudo da teoria da falta do serviço (culpa administrativa). Não obstante seja essa a opinião de boa parte da doutrina brasileira, não está imune a críticas, conforme se verá em tópico posterior deste estudo. b) Responsabilidade objetiva do Estado por risco integral. Como dito anteriormente, a teoria do risco integral é modalidade extremada do risco administrativo, segundo a qual a Administração Pública está obrigada a suportar, através de indenização, todo e qualquer dano originário de fato ou ato administrativo, independente da existência de culpa (concorrente ou exclusiva) ou mesmo de dolo por parte da vítima. Alguns autores admitem a adoção da teoria do risco integral especificamente no que concerne aos danos nucleares, tendo em vista o disposto no art.21, XXIII, c, da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”. Todavia, apontam-se divergências doutrinárias a respeito, havendo quem entenda que, mesmo nesse caso seria aplicada a teoria do risco administrativo, com eventuais excludentes de responsabilidade, pois a culpa afastada pelo legislador constitucional seria a do Estado e não a da vítima. Diógenes Gasparini fala sobre o assunto, considerando injusta e inaplicável a tese do risco integral: “O inciso XXIII do art.21 da Constituição da República atribui à União a exploração dos serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e o exercício, mediante monopólio, da pesquisa, da lavra, do enriquecimento e reprocessamento, da industrialização e do comércio de minerais nucleares e seus derivados, enquanto a alínea c desse inciso instituiu a responsabilidade civil por danos nucleares independentemente da existência de culpa (responsabilidade objetiva). A instituição dessa responsabilidade era desnecessária, já que a satisfação dos danos decorrentes de qualquer atividade estatal nessa área é da responsabilidade do Estado, por força do que estabelece o §6º do art.37 da Lei Maior. Em razão dessa disposição autônoma de responsabilidade do Estado por danos decorrentes de qualquer atividade na área nuclear e que parece retirá-lo dos efeitos do §6º do art.37 da Constituição Federal, cabe perguntar: cuida-se de responsabilidade integral? Persiste o direito de regresso contra o agente causador do dano? Se persiste, em que condições? Não se trata de submeter a União às conseqüências da teoria da responsabilidade integral, que determina o pagamento do prejuízo pelo só envolvimento do Poder Público, a União, no caso, no evento danoso. A teoria, como se disse, é injusta e inaplicável por dita razão”.46 Alexandre Mazza, apesar de admitir, entre nós, a aplicação da teoria do risco integral em situações excepcionais47, afasta essa possibilidade em relação ao dano nuclear, considerando que “a Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares – Lei 6.653/77 prevê diversas excludentes que afastam o dever de o operador nuclear indenizar prejuízos decorrentes de sua atividade, tais como: culpa exclusiva da vítima, conflito armado, atos de hostilidade, guerra civil, insurreição e excepcional fato da natureza (arts.6º e 8º). Havendo excludentes previstas diretamente na legislação, impõe-se a conclusão de que a reparação de prejuízos nucleares, na verdade, sujeita-se à teoria do risco administrativo”.48 c) Responsabilidade subjetiva do Estado por falta do serviço. Esta teoria, na linha de pensamento seguida por Celso Antônio Bandeira de Mello, é aplicada em relação aos atos omissivos do Estado, o que ocorre quando o serviço público não funciona ou não funciona bem. Nesses casos, 44 STF, RE 109.615-2, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.08.1996. 45 DI PIETRO, op.. cit., p.518-519. 46 GASPARINI, op. cit., p.984-985. 47 O autor enumera as seguintes hipóteses excepcionais de aplicação da teoria do risco integral no Brasil: a) acidentes de trabalho (infortunística); b) indenização coberta pelo seguro obrigatório para automóveis (DPVAT); atentados terroristas (Leis 10.309/2001 e 10.744/2003); dano ambiental (art.225, §§2º e 3º da CF/88). Op. cit., p. 285. 48 Idem. segundo grande parte da doutrina, não se poderia aplicar simplesmente a teoria da responsabilidade objetiva, não bastando a mera relação causal entre a ausência do serviço e o dano produzido. O jurista leciona que a responsabilidade por falta de serviço, falha no serviço ou culpa no serviço “não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes, tem-se inadvertidamente suposto”.49 É neste mesmo sentido o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho: “Quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos. A conseqüência, dessa maneira,reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano”.50 Deveras, seria o verdadeiro caos se o Estado fosse chamado a responder objetivamente por todo evento danoso que não tenha causado diretamente, apenas se lhe atribuindo uma suposta conduta omissiva. Seria transformar o Estado em um “segurador universal”, imputando-lhe a culpa por tudo que desse errado na vida cotidiana das pessoas. Salientando a importância do tema, Sylvio Motta e William Douglas asseveram que “através da habilidade de mentes instruídas e quase genais, é possível criar em quase todo prejuízo de uma pessoa ou grupo econômico alguma relação com a Administração, seja por sua ação ou omissão . A partir daí, calcado na responsabilidade objetiva, iniciam-se ações para que o ente estatal pague a conta”.51 Esta crítica nos faz lembrar uma antiga personagem de programa humorístico que, ao apontar a razão de seus insucessos, utilizava o jargão “a culpa é do governo!” e, em seguida, desenhava uma extensa cadeia de fatos que sempre tinha como ponto final algum ato do governo. Logo, é razoável o posicionamento daqueles que defendem que a responsabilidade estatal por atos omissivos deverá sempre ser apurada sob o prisma da culpa administrativa (responsabilidade subjetiva por falta do serviço), jamais do mero risco administrativo. A culpa administrativa, nesse caso, deve ser examinada de acordo com critérios de razoabilidade e padrões de normalidade na atuação estatal. Sintetizando, Celso Antônio assim escreve: “Se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos. Reversamente, descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação compatível com as possibilidades de um serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou material) alheia”. “Os acontecimentos suscetíveis de acarretar responsabilidade estatal por omissão ou atuação insuficiente são os seguintes: a) fato da natureza a cuja lesividade o Poder Público não obstou, embora devesse fazê-lo. Sirva de exemplo o alagamento de casas ou depósitos por força do empoçamento de águas pluviais que não escoaram por omissão do Poder Público em limpar os bueiros e galerias que lhes teriam dado vazão; b) comportamento material de terceiros cuja atuação lesiva não foi impedida pelo Poder Público, embora pudesse e devesse fazê-lo. Cite-se, por exemplo, o assalto processado diante de agentes policiais inertes, desidiosos”.52 Convém transcrever ainda o posicionamento de Alexandre Mazza sobre o tema dos danos por omissão: “Existem situações em que o comportamento comissivo de um agente público causa prejuízo a particular. São os chamados danos por ação. Noutros casos, o Estado deixa de agir e, devido a tal inação, não consegue impedir um resultado lesivo. Nessa hipótese, fala-se em dano por omissão. Os exemplos envolvem prejuízos decorrentes de assalto, enchente, bala perdida, queda de árvore e buraco na via pública. Tais casos têm em comum a circunstância de inexistir um ato estatal causador do prejuízo. A doutrina tradicional sempre entendeu que nos danos por omissão a indenização é devida se a vítima comprovar que a omissão produziu o prejuízo, aplicando-se a teoria objetiva. Ocorre que a teoria convencional da responsabilidade do Estado não parece aplicar-se bem aos danos por omissão, especialmente diante da impossibilidade de afirmar-se que a omissão ‘causa’ o prejuízo. A omissão estatal é um nada, e o nada não produz materialmente resultado algum. Na esteira dessa inaplicabilidade, aos danos por omissão, da forma tradicional de pensar a responsabilidade estatal, Celso Antônio Bandeira de Mello vem sustentando há vários anos que os danos por omissão submetem-se à teoria subjetiva. Atualmente é também o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 179.147) e pela doutrina majoritária”.53 Destarte, a responsabilidade subjetiva por omissão tem sido a teoria tradicionalmente adotada nos Tribunais, como se infere do seguinte julgado: 49 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.845. 50 CARVALHO FILHO, op. cit., p.447. 51 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, William. Direito Constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2001, p.309. 52 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.856. 53 MAZZA, op. cit., p. 288. “(...) A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade” - STJ, REsp. 888420/SP, Min. Luiz Fux, DJ 27.05.2009. Modificando sensivelmente o foco de análise da omissão estatal, a doutrina e a jurisprudência vem se baseando na distinção que deve ser feita entre a “omissão genérica” e a “omissão específica”. Segundo essa corrente, o modelo tradicional da culpa administrativa somente seria aplicável aos casos de omissão genérica, nos quais o Estado não tem o dever de evitar o dano, porém culposamente contribui para a sua ocorrência. Já na omissão específica, o Estado tem o dever de evitar o dano e assume o risco da sua ocorrência. Haveria, nesse caso, responsabilidade objetiva (teoria do risco administrativo). Confiram-se os seguintes posicionamentos doutrinários a respeito do assunto: “Não é correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir” - Guilherme Couto de Castro, in A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro, Ed. Forense, 1997, p. 37. "(...) é preciso distinguir 'omissão genérica' do Estado e 'omissão específica'(...) Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado (...)" - Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa de Responsabilidade Civil", 7ª Edição, Editora Atlas, p.231. Não obstante ainda reinarem divergências nesta seara, a distinção já vem sendo adotada em alguns julgados, senão vejamos: “A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º,da CF. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica (...)” - TRF3ª, AP1010923, Juiz Alexandre Sormani, DJ 08.10.2009. “(...) A responsabilidade por omissão estatal não é sempre subjetiva, tendo em vista que assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir” - TRF4ª, AC 200171020045794, Des. Fed. Jairo Schafer, DJ 28.04.2008. “(...) A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF. Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa” - TRF3ª, AP1010923, Juiz Alexandre Sormani, DJ 08.10.2009. “Não obstante as dissenções jurisprudenciais e doutrinárias (STF, RE 258726, DJ 14/6/02), entendo que subsiste a responsabilidade objetiva, em se tratando de conduta omissiva (STF, RE 109615, DJ 2/8/96), pelo princípio da efetividade máxima das normas constitucionais (STF, Adin 2596, DJ 27/9/02), orientação que, hodiernamente, vem prevalecendo nas Turmas da Suprema Corte (STF, 1a. Turma, RE 327904, DJ 28/8/06; 2a. Turma, AgRg RE 466322, DJ 27/4/07), devendo esta ser apurada pela existência de um dever jurídico (STF, RE 372472, DJ 28/11/03) e, pela observância deste, nas circunstâncias fáticas, por um critério de razoabilidade (STF, RE 215981, DJ 31/5/02) inadmitindo-se a designada omissão genérica (STF, Ag.Rg AG 350.074, DJ 3/05/02)” - TRF2ª, AC 454678, Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, DJ 21.09.2009. 4) RESPONSABILIDADE ESTATAL NAS RELAÇÕES DE CUSTÓDIA. As doutrinas que se ocupam do tema da responsabilidade civil extracontratual do Estado foram construídas para lidar com as situações de sujeição geral dos administrados em relação ao Poder Público. Nesse prisma, tais regras de responsabilidade servem como garantia aos administrados submetidos ao império estatal, ou seja, é o contrapeso da supremacia geral que tem o Estado, no exercício do seu poder de polícia. Casos há, todavia, em que o Estado mantém vínculos especiais com certas pessoas, tais como servidores públicos, alunos de escolas públicas, presos mantidos em cadeias e penitenciárias etc. São relações de supremacia especial, também chamadas de relações de custódia54, submetidas a regime disciplinar mais rigoroso e que, por conseqüência, devem seguir parâmetros distintos de responsabilidade por parte do Estado. Mazza explica que “nessas vinculações diferenciadas, a responsabilidade do Estado é mais acentuada do que nas relações de sujeição geral, à medida que o ente público tem o dever de garantir a integridade das pessoas e bens custodiados. Por isso, a responsabilidade estatal é objetiva inclusive quanto a atos de terceiros. Os exemplos mais comuns são: o preso morto na cadeia por outro detento;a criança vítima de briga dentro de escola pública; bens privados danificados em galpão da Receita Federal. Em todas essas hipóteses, o Estado tem o dever de indenizar a vítima do dano, mesmo que a conduta lesiva não tenha sido praticada por agente público. Cabe, porém, advertir que a responsabilidade estatal é objetiva na modalidade do risco administrativo, razão pela qual a culpa exclusiva da vítima e a força maior excluem o dever de indenizar. Assim, por exemplo, o preso assassinado na cadeia por outros detentos durante rebelião gera dever de o Estado indenizar a família. Entretanto, se a morte teve causas naturais (força maior) ou foi proveniente de suicídio (culpa exclusiva da vítima), não há dever de indenizar. Quando ao fato de terceiro, não constitui excludente da responsabilidade nos casos de custódia, em razão do mais acentuado dever de vigilância e de proteção atribuído ao Estado nessas relações de sujeição especial”.55 5) A RESPONSABILIDADE DAS ENTIDADES PRIVADAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. Conforme já abordado anteriormente, desde a Carta Magna de 1946 o direito positivo brasileiro contempla a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por agentes públicos. A Constituição Federal de 1988 manteve essa tendência, mas, além disso, inovou no ponto em que passou a admitir expressamente a aplicação desse regime jurídico-administrativo de responsabilidade objetiva inclusive a empresas privadas, quando prestadoras de serviços públicos. É o que se infere do texto do seu art.37, §6º. Assim, quando uma pessoa de direito privado, estatal ou não, vem a desempenhar uma atividade administrativa que lhe foi delegada pelo Poder Público (por meio de concessões, permissões ou outros instrumentos para delegação de serviços públicos), passa a responder objetivamente por eventuais danos que seus agentes causarem a terceiros. Significa dizer que, não obstante a entidade delegada continue sendo uma pessoa de direito privado, a sua responsabilidade, no tocante a aspectos relacionados ao serviço público, segue normas de direito administrativo. Registre-se que essa responsabilidade objetiva não beneficia apenas os usuários do serviço público. Como assinala Alexandre Mazza, o STF recentemente modificou a jurisprudência anterior que havia em sentido contrário, passando a considerar que o art.37, §6º, da Carta Magna de 1988, ao tratar da responsabilidade objetiva das prestadoras de serviços públicos, não estabeleceu qualquer distinção quanto à qualidade da vítima: “No julgamento do RE 262.651/SP, em 16-11-2005, o Supremo Tribunal Federal adotou o controvertido entendimento de que a responsabilidade dos concessionários de serviço público é objetiva perante usuários, mas subjetiva perante terceiros não usuários. O caso examinado envolvia o ressarcimento de prejuízos causados a motorista de carro em decorrência de acidente provocado por ônibus de empresa concessionária. Como o proprietário do veículo não fazia parte, no momento do acidente, da relação jurídica de prestação de serviço público, o Supremo Tribunal Federal considerou aplicável a teoria subjetiva, obrigando a vítima a comprovar culpa ou dolo para receber a indenização. (...) Porém, em 26 de agosto de 2009, o Supremo Tribunal Federal voltou a alinhar-se à doutrina majoritária, admitindo que a responsabilidade dos concessionários sujeita-se à aplicação da teoria objetiva para danos causados a usuários e também a terceiros não usuários (RE 591.874/MS). O caso ensejador da mudança de entendimento foi o atropelamento de um ciclista por ônibus de empresa concessionária de transporte. Embora ostentando a condição de terceiro não usuário, o prejuízo causado à vítima foi considerado passível de reparação com base na aplicação da teoria objetiva”.56 6) A RESPONSABILIDADE ESTATAL POR ATOS LEGISLATIVOS. Em regra, a doutrina não tem reconhecido a responsabilidade estatal por atos legislativos, sobretudo porque as normas legais constituem atos gerais e abstratos destinados a toda a coletividade. Assim, eventuais prejuízos seriam sofridos por todos, não cabendo falar em repartição de encargos sociais recaídos sobre pessoas determinadas. Nessa concepção, a responsabilidade estatal somente ocorreria no caso de danos causados por
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