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EM DEBATe A TECNOLO PSICOLOGIA: CON Três estudiosos apresentam a Psicologia, Ciência e Profissão suas posições a respeito da Psicologia Social hoje, suas principais tendências, possibilidades de atuação prática e perspectivas futuras. Dentro disso, a discussão de uma questão controvertida: a Tecnologia Social. C onjunto de conhecimentos aplicáveis na resolução de problemas enfrentados pelo homem em sociedade, a Tec- nologia Social é definida e indicada, por alguns, como método para solu- cionar uma grande variedade de ques- tões, considerando-se a ideologia de seu aplicador um problema secundá- rio. Para outros, nos moldes em que a Tecnologia Social vem sendo aplica- da, a questão da ideologia se coloca como ponto fundamental de dis¬ Ciência e tecnologia a serviço do homem Psicologia, Ciência e Profissão: Quais as principais linhas da Psicologia Social hoje? Com qual delas seu trabalho se identifica? Aroldo Rodrigues: Já houve tempo em que várias linhas transitavam na Psi- cologia Social com destaque mais ou menos igual. Recentemente, porém, o domínio do cognitivismo é indiscutí- vel, o que justifica a seguinte afirma- ção de Markus e Zajonc (1985) no capítulo que escreveram para a re¬ cém-saída terceira edição do The Handbook of Social Psychology: "A Psicologia Social dos anos 50 e 60 era caracterizada por uma diversidade de enfoques. Algumas pesquisas eram apresentadas numa linguagem de estí¬ mulo-resposta, outras nas tradições da teoria de campo e da Gestalt e o restante era conceitualizado em ter- mos cognitivos. A mudança desde en- tão tem sido de proporções revolucio- nárias, impelindo praticamente todos os investigadores a verem os fenôme- nos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva. Psicologia Social e Psicolo- gia Social cognitiva são hoje quase sinônimos. O enfoque cognitivo é agora claramente dominante entre os psicólogos sociais, não havendo, pra- ticamente, competidores." De forma semelhante se expressa a psicóloga francesa Montmollin (1982) ao dizer: "por cognitivo devem ser entendidas, em psicologia social, as atividades psicológicas internas pelas quais o in- divíduo (ou cada membro de um gru- po) apreende e interpreta os estímulos sociais, pessoais, condutas e eventos observados, objetos e situações so- ciais que se encontram em seu am- biente. Interessa-nos, pois, o que ocorre 'na cabeça do sujeito' quando se encontra na presença de outros, nos processos de aquisição, categori- zação, combinação, enfim, de proces- samento de informações, que termi- nam na expressão verbal de um juízo de atribuição e/ou avalização." Eu, pessoalmente, me identifico inteira- mente com esta linha cognitiva em Psicologia Social, embora muitas pes- soas no Brasil (que obviamente nunca leram meus livros e artigos) me cha- mem de "behaviorista"... PCP: Em que consistem as diferenças e semelhanças dessas linhas? E como define e defende a sua posição? AR: A diferença entre a Psicologia Social cognitivista e a de característi- cas lewinianas e gestálticas não é mui- to grande; elas se distinguem porque esta última se prende a princípios rígi- dos da teoria de campo e da Gestalt, enquanto a Psicologia Social cognitiva contemporânea faz apelo às contribui- ções de Lewin e da Gestalt sem se limitar a elas. O enfoque cognitivo se distingue essencialmente do enfoque comportamentalista de vez que este quase não considera os processos me¬ GIA SOCIAL NA TROVÉRSIAS cussão. Psicologia, Ciência e Profissão convidou três psicólogos sociais para darem seus depoimentos sobre a questão. Nossa idéia inicial era apre- sentar um texto coeso — resumo de um debate envolvendo os três entre- vistados. Mas, na impossibilidade de reuni-los (pois não estavam, geografi- camente, próximos) optamos por depoimentos individuais. A seguir, as opiniões de Aroldo Rodrigues, coor- denador do Programa de pós-gradu¬ diadores não observáveis, porém cla- ramente inferíveis, que caracterizam as cognições ou representações so- ciais das pessoas. PCP: Em que consiste a Tecnologia Social? Qual a sua relevância? AR: A Tecnologia Social consiste na utilização dos achados científicos das Ciências Sociais a fim de resolver pro- blemas sociais. O tecnólogo social se fundamenta nos dados científicos existentes, combina-os e, através de ação da Universidade, Gama Filho, Ph.D. em Psicologia pela Universidade da Califórnia e introdutor das idéias de Jacobo Varela— especialista no as- sunto — no Brasil; Sílvia Lane, vice- reitora acadêmica e professora titular de Psicologia Social no curso de pós- graduação da PUC — Pontifícia Universidade Católica e Wanderley Co¬ do, professor de Psicologia Social na USP de Ribeirão Preto e autor de "O que é Alienação"e "O que é corpola¬ tria" entre outros títulos. sua criatividade, utiliza-os na resolu- ção de problemas sociais. Como bem diz Jacobo Varela, o inventor da Tec- nologia Social, "tecnologia é síntese, enquanto ciência é análise". Jacobo Varela, no Uruguai, e Euclides San- chez e Esther Wiesenfeld, na Vene- zuela, são em minha opinião os mais destacados tecnólogos sociais da atualidade. A tecnologia social surgiu na América Latina e não nos países do primeiro mundo, provavelmente devi- do à necessidade premente de resol- ver graves problemas sociais existen- tes nos países do terceiro mundo. Os países desenvolvidos podem dar-se ao luxo de descobrir muitas coisas e não aplicá-las; não é o caso dos países do terceiro mundo, onde a gravidade dos problemas sociais está a exigir o es- forço dos cientistas e dos tecnólogos sociais; os primeiros através de des- cobertas de relações não-aleatórias entre variáveis, que permitem aos se- gundos criar soluções para a resolu- ção de problemas concretos. Dedican¬ do-se à resolução dos problemas so- ciais, a relevância da Tecnologia So- cial dificilmente pode ser superesti- mada. É necessário que ela seja mais e mais desenvolvida entre nós; sem- pre, porém, ancorada em descobertas científicas sólidas, que facilitem o tra- balho do tecnólogo social. PCP:Quais as implicações éticas, políti- cas e ideológicas do uso da Psicologia Social? AR: É claro que toda atividade prática envolve problemas de natureza ética, política e ideológica. A Tecnologia Social não está isenta desses proble- mas. É preciso que o tecnólogo social deixe bem claro quais são os seus valores, para que as pessoas que com ele lidam possam julgar as soluções que apresenta. O trabalho do tecnólo- go social há de ser franco, aberto, sincero e honesto. Isso se consegue através da explicitação de seus valo- res às pessoas a quem sua atuação possa vir a influenciar. Não há como evitar a influência dos valores pes- soais em sua atuação. PCP: Qual o papel da Psicologia So- cial nesse quadro? AR: A Psicologia Social, como ciência básica que é, tem muito a contribuir para a atividade do tecnólogo social. Embora a quase totalidade das pes- soas discordem de mim, eu pessoal- mente estou seguro de que a ciência é neutra em sua procura das relações não-aleatórias entre variáveis. Admi- to que a escolha do tema e até o relatório do cientista possam não ser neutros. O produto final, isto é, o conhecimento novo que surge, este é inexoravelmente neutro, pois toda a comunidade cientifica o fiscaliza. Ninguém acredita ingenuamente no que um cientista diz; é necessário que ele prove o que diz. Na publicidade e na necessidade de o cientista descre- ver em detalhes como chegou ao co- nhecimento por ele apresentado é que reside a grande salvaguarda da ciência contra tendenciosidade e vieses pes- soais. Penso, pois, que assim devem marchar a Psicologia Social e a Tecno- logia Social: a primeira procurando séria, honesta e objetivamete, oco- nhecimento da realidade social em que vivemos; a segunda, baseada nesse conhecimento, planejando in- tervenções dedicadas à resolução de problemas sociais. PCP: Como está a Psicologia Social no Brasil e o que tem surgido de novo? AR: A Psicologia Social no Brasil não EM DEBATe A TECNOLO PSICOLOGIA: CON Três estudiosos apresentam a Psicologia, Ciência e Profissão suas posições a respeito da Psicologia Social hoje, suas principais tendências, possibilidades de atuação prática e perspectivas futuras. Dentro disso, a discussão de uma questão controvertida: a Tecnologia Social. C onjunto de conhecimentos aplicáveis na resolução de problemas enfrentados pelo homem em sociedade, a Tec- nologia Social é definida e indicada, por alguns, como método para solu- cionar uma grande variedade de ques- tões, considerando-se a ideologia de seu aplicador um problema secundá- rio. Para outros, nos moldes em que a Tecnologia Social vem sendo aplica- da, a questão da ideologia se coloca como ponto fundamental de dis¬ Ciência e tecnologia a serviço do homem Psicologia, Ciência e Profissão: Quais as principais linhas da Psicologia Social hoje? Com qual delas seu trabalho se identifica? Aroldo Rodrigues: Já houve tempo em que várias linhas transitavam na Psi- cologia Social com destaque mais ou menos igual. Recentemente, porém, o domínio do cognitivismo é indiscutí- vel, o que justifica a seguinte afirma- ção de Markus e Zajonc (1985) no capítulo que escreveram para a re¬ cém-saída terceira edição do The Handbook of Social Psychology: "A Psicologia Social dos anos 50 e 60 era caracterizada por uma diversidade de enfoques. Algumas pesquisas eram apresentadas numa linguagem de estí¬ mulo-resposta, outras nas tradições da teoria de campo e da Gestalt e o restante era conceitualizado em ter- mos cognitivos. A mudança desde en- tão tem sido de proporções revolucio- nárias, impelindo praticamente todos os investigadores a verem os fenôme- nos psicossociais sob uma perspectiva cognitiva. Psicologia Social e Psicolo- gia Social cognitiva são hoje quase sinônimos. O enfoque cognitivo é agora claramente dominante entre os psicólogos sociais, não havendo, pra- ticamente, competidores." De forma semelhante se expressa a psicóloga francesa Montmollin (1982) ao dizer: "por cognitivo devem ser entendidas, em psicologia social, as atividades psicológicas internas pelas quais o in- divíduo (ou cada membro de um gru- po) apreende e interpreta os estímulos sociais, pessoais, condutas e eventos observados, objetos e situações so- ciais que se encontram em seu am- biente. Interessa-nos, pois, o que ocorre 'na cabeça do sujeito' quando se encontra na presença de outros, nos processos de aquisição, categori- zação, combinação, enfim, de proces- samento de informações, que termi- nam na expressão verbal de um juízo de atribuição e/ou avalização." Eu, pessoalmente, me identifico inteira- mente com esta linha cognitiva em Psicologia Social, embora muitas pes- soas no Brasil (que obviamente nunca leram meus livros e artigos) me cha- mem de "behaviorista"... PCP: Em que consistem as diferenças e semelhanças dessas linhas? E como define e defende a sua posição? AR: A diferença entre a Psicologia Social cognitivista e a de característi- cas lewinianas e gestálticas não é mui- to grande; elas se distinguem porque esta última se prende a princípios rígi- dos da teoria de campo e da Gestalt, enquanto a Psicologia Social cognitiva contemporânea faz apelo às contribui- ções de Lewin e da Gestalt sem se limitar a elas. O enfoque cognitivo se distingue essencialmente do enfoque comportamentalista de vez que este quase não considera os processos me¬ GIA SOCIAL NA TROVÉRSIAS cussão. Psicologia, Ciência e Profissão convidou três psicólogos sociais para darem seus depoimentos sobre a questão. Nossa idéia inicial era apre- sentar um texto coeso — resumo de um debate envolvendo os três entre- vistados. Mas, na impossibilidade de reuni-los (pois não estavam, geografi- camente, próximos) optamos por depoimentos individuais. A seguir, as opiniões de Aroldo Rodrigues, coor- denador do Programa de pós-gradu¬ diadores não observáveis, porém cla- ramente inferíveis, que caracterizam as cognições ou representações so- ciais das pessoas. PCP: Em que consiste a Tecnologia Social? Qual a sua relevância? AR: A Tecnologia Social consiste na utilização dos achados científicos das Ciências Sociais a fim de resolver pro- blemas sociais. O tecnólogo social se fundamenta nos dados científicos existentes, combina-os e, através de ação da Universidade, Gama Filho, Ph.D. em Psicologia pela Universidade da Califórnia e introdutor das idéias de Jacobo Varela— especialista no as- sunto — no Brasil; Sílvia Lane, vice- reitora acadêmica e professora titular de Psicologia Social no curso de pós- graduação da PUC — Pontifícia Universidade Católica e Wanderley Co¬ do, professor de Psicologia Social na USP de Ribeirão Preto e autor de "O que é Alienação"e "O que é corpola¬ tria" entre outros títulos. sua criatividade, utiliza-os na resolu- ção de problemas sociais. Como bem diz Jacobo Varela, o inventor da Tec- nologia Social, "tecnologia é síntese, enquanto ciência é análise". Jacobo Varela, no Uruguai, e Euclides San- chez e Esther Wiesenfeld, na Vene- zuela, são em minha opinião os mais destacados tecnólogos sociais da atualidade. A tecnologia social surgiu na América Latina e não nos países do primeiro mundo, provavelmente devi- do à necessidade premente de resol- ver graves problemas sociais existen- tes nos países do terceiro mundo. Os países desenvolvidos podem dar-se ao luxo de descobrir muitas coisas e não aplicá-las; não é o caso dos países do terceiro mundo, onde a gravidade dos problemas sociais está a exigir o es- forço dos cientistas e dos tecnólogos sociais; os primeiros através de des- cobertas de relações não-aleatórias entre variáveis, que permitem aos se- gundos criar soluções para a resolu- ção de problemas concretos. Dedican¬ do-se à resolução dos problemas so- ciais, a relevância da Tecnologia So- cial dificilmente pode ser superesti- mada. É necessário que ela seja mais e mais desenvolvida entre nós; sem- pre, porém, ancorada em descobertas científicas sólidas, que facilitem o tra- balho do tecnólogo social. PCP:Quais as implicações éticas, políti- cas e ideológicas do uso da Psicologia Social? AR: É claro que toda atividade prática envolve problemas de natureza ética, política e ideológica. A Tecnologia Social não está isenta desses proble- mas. É preciso que o tecnólogo social deixe bem claro quais são os seus valores, para que as pessoas que com ele lidam possam julgar as soluções que apresenta. O trabalho do tecnólo- go social há de ser franco, aberto, sincero e honesto. Isso se consegue através da explicitação de seus valo- res às pessoas a quem sua atuação possa vir a influenciar. Não há como evitar a influência dos valores pes- soais em sua atuação. PCP: Qual o papel da Psicologia So- cial nesse quadro? AR: A Psicologia Social, como ciência básica que é, tem muito a contribuir para a atividade do tecnólogo social. Embora a quase totalidade das pes- soas discordem de mim, eu pessoal- mente estou seguro de que a ciência é neutra em sua procura das relações não-aleatórias entre variáveis. Admi- to que a escolha do tema e até o relatório do cientista possam não ser neutros. O produto final, isto é, o conhecimento novo que surge, este é inexoravelmente neutro, pois toda a comunidade cientifica o fiscaliza. Ninguém acredita ingenuamente no que um cientista diz; é necessário que ele prove o que diz. Na publicidade e na necessidade de o cientista descre- ver em detalhescomo chegou ao co- nhecimento por ele apresentado é que reside a grande salvaguarda da ciência contra tendenciosidade e vieses pes- soais. Penso, pois, que assim devem marchar a Psicologia Social e a Tecno- logia Social: a primeira procurando séria, honesta e objetivamete, o co- nhecimento da realidade social em que vivemos; a segunda, baseada nesse conhecimento, planejando in- tervenções dedicadas à resolução de problemas sociais. PCP: Como está a Psicologia Social no Brasil e o que tem surgido de novo? AR: A Psicologia Social no Brasil não vai bem. São muito poucos os psicólo- gos sociais; o governo não dá atenção às contribuições do psicólogo social; os educadores, psicólogos clínicos e agentes comunitários não percebem, em sua maioria, a imensa contribuição que a Psicologia Social tem a lhes prestar em suas atividades específi- cas. Em meu livro Aplicações da Psico- logia Social, procurei apresentar exemplos de como a psicologia social pode ser útil à educação, à clínica, às organizações e à atividade comunitá- ria. Não sei se tive êxito. A primeira edição se esgotou com rapidez mas a segunda não segue o mesmo ritmo. Ademais, há um grande isolamento entre os psicólogos sociais no Brasil. Não fosse por uma iniciativa do pro- fessor José Augusto Dela Coleta, con- vocando vários psicólogos sociais brasileiros para uma Sessão Técnica sobre "Quem é o Brasileiro?", na pe- núltima reunião da Sociedade de Psi- cologia de Ribeirão Preto, esse isola- mento seria ainda maior. Graças à iniciativa do professor Dela Coleta, um grupo de quase 10 psicólogos so- ciais de várias partes do Brasil estão trabalhando, desde então, em torno do tema proposto naquela reunião. No ano passado se realizou outra ses- são na reunião anual da SPRP em que voltamos a nos encontrar e a reportar vários dados relativos à psicologia so- cial do brasileiro. É nossa intenção publicar em livro, num futuro próxi- mo, o que temos encontrado sobre esse assunto. PCP: Quais as perspectivas da Psicolo- gia Social no Brasil no seu ponto de vista? AR: Penso que o futuro da Psicologia Social no Brasil dependerá muito dos seguintes fatores: a conscientização de que a Psicologia Social tem muito a oferecer às áreas aplicadas da psicolo- gia e a outros setores de atividades; a aceitação de que a Psicologia Social é uma ciência básica e que a ela cabe descobrir as relações estáveis entre variáveis psicossociais a fim de possi- bilitar ao tecnólogo social a solução dos problemas sociais de forma cons- ciente e não improvisada; que os cur- sos de psicologia social em nossas universidades sejam concebidos de forma tal que possam fornecer ao alu- no um treinamento adequado em psi- cologia social. Se as coisas marcha- rem nessa direção, as perspectivas pa- ra o futuro são boas; do contrário, continuaremos limitados ao pequeno espaço de que dispomos atualmente no cenário da psicologia social em nosso país. Revendo a prática da Psicologia Social Sílvia Lane: na origem da Psicolo- gia Social já se encontram duas preo- cupações básicas: a aplicação prática — na seleção de pessoal, ao encontrar habilidades de relações sociais, etc. — e a questão das atitudes. Essas duas linhas vêm percorrendo a Psico- logia Social até hoje. Acredito que isso está extremamente vinculado às condições históricas, sobretudo nor- te-americanas, porque é nos EUA que a Psicologia Social realmente se de- senvolve. Para nós o problema se co- loca em termos de América Latina; como adaptar, ou transportar, para a nossa realidade, uma Psicologia Social que se desenvolve num país com as características norte-americanas? Nós sentimos que ela tinha muito pouco a ver com a nossa realidade, acabava ficando restrita ao meio acadêmico. Era um discurso que não acarretava nada na prática e isso foi gerando uma necessidade de reflexão, uma crítica dessa psicologia, sem negar, é claro, as contribuições de Lewin, Fastinger, Heidegger, por exemplo. Eu diria que essas são as grandes linhas hoje: uma linha mais comportamental, mais tec- nológica e uma linha mais cogniti¬ vista. No meu caso, sempre procurei, nos meus cursos, enfatizar que se nós temos uma teoria, ela só persiste se a nossa realidade a confirmar. E só através da prática, da investigação, é que se pode fazer uma crítica da teo- ria, porque ela, em si, é insuficiente para explicar o real. A partir dessa crítica , nós tentamos ver onde é que estava a verdadeira contradição. Dentro desse modelo mais expe- rimental — seja cognitivista seja com¬ portamentalista — vimos que o pro- blema era que uma tradição positivis- ta procurava manter a objetividade dos fatos e negar ou controlar a subje- tividade, que assim ficava afastada do fato social. O indivíduo era o objeto de estudo e a concepção de social era apenas um cenário. Tínhamos de res- gatar a subjetividade para a Psicologia Social e mais, deixar de ver o indiví- duo como produto de si mesmo; por- que a característica fundamental do ser humano é eleser um produto histó- rico e, ao mesmo tempo, agente do meio. "TEORIA E PRÁTICA TÊM DE VIR JUNTAS" Do ponto de vista de uma revisão crítica da Psicologia Social, o proble- ma agora é a prática que, acredito, deve ser revista. Na medida em que se tem a concepção do Homem como produto e agente histórico-cultural, a atuação do psicólogo tem que ser mais consequente. Ele não vive mais aque- la dicotomia teoria x prática mas teo- ria e prática têm de vir juntas; então a prática tem de ser constantemente re- fletida, revista e reformulada. Na me- dida em que se pensa o Homem de uma outra forma, tem-se de pensar a atuação profissional também de outra forma. Essa visão crítica da Psicologia Social só é possível na América Lati- na, porque as condições históricas de países extremamente desenvovidos tornam o conhecimento deles inade- quado para nós. Então, na América Latina surgem alternativas; os argen- tinos fazem uma revisão crítica de Freud, no Peru eles se voltam à litera- tura indigenista, tentando encontrar o sentido próprio de seu povo, por vai bem. São muito poucos os psicólo- gos sociais; o governo não dá atenção às contribuições do psicólogo social; os educadores, psicólogos clínicos e agentes comunitários não percebem, em sua maioria, a imensa contribuição que a Psicologia Social tem a lhes prestar em suas atividades específi- cas. Em meu livro Aplicações da Psico- logia Social, procurei apresentar exemplos de como a psicologia social pode ser útil à educação, à clínica, às organizações e à atividade comunitá- ria. Não sei se tive êxito. A primeira edição se esgotou com rapidez mas a segunda não segue o mesmo ritmo. Ademais, há um grande isolamento entre os psicólogos sociais no Brasil. Não fosse por uma iniciativa do pro- fessor José Augusto Dela Coleta, con- vocando vários psicólogos sociais brasileiros para uma Sessão Técnica sobre "Quem é o Brasileiro?", na pe- núltima reunião da Sociedade de Psi- cologia de Ribeirão Preto, esse isola- mento seria ainda maior. Graças à iniciativa do professor Dela Coleta, um grupo de quase 10 psicólogos so- ciais de várias partes do Brasil estão trabalhando, desde então, em torno do tema proposto naquela reunião. No ano passado se realizou outra ses- são na reunião anual da SPRP em que voltamos a nos encontrar e a reportar vários dados relativos à psicologia so- cial do brasileiro. É nossa intenção publicar em livro, num futuro próxi- mo, o que temos encontrado sobre esse assunto. PCP: Quais as perspectivas da Psicolo- gia Social no Brasil no seu ponto de vista? AR: Penso que o futuro da Psicologia Social no Brasil dependerá muito dos seguintes fatores: a conscientização de que a Psicologia Social tem muitoa oferecer às áreas aplicadas da psicolo- gia e a outros setores de atividades; a aceitação de que a Psicologia Social é uma ciência básica e que a ela cabe descobrir as relações estáveis entre variáveis psicossociais a fim de possi- bilitar ao tecnólogo social a solução dos problemas sociais de forma cons- ciente e não improvisada; que os cur- sos de psicologia social em nossas universidades sejam concebidos de forma tal que possam fornecer ao alu- no um treinamento adequado em psi- cologia social. Se as coisas marcha- rem nessa direção, as perspectivas pa- ra o futuro são boas; do contrário, continuaremos limitados ao pequeno espaço de que dispomos atualmente no cenário da psicologia social em nosso país. Revendo a prática da Psicologia Social Sílvia Lane: na origem da Psicolo- gia Social já se encontram duas preo- cupações básicas: a aplicação prática — na seleção de pessoal, ao encontrar habilidades de relações sociais, etc. — e a questão das atitudes. Essas duas linhas vêm percorrendo a Psico- logia Social até hoje. Acredito que isso está extremamente vinculado às condições históricas, sobretudo nor- te-americanas, porque é nos EUA que a Psicologia Social realmente se de- senvolve. Para nós o problema se co- loca em termos de América Latina; como adaptar, ou transportar, para a nossa realidade, uma Psicologia Social que se desenvolve num país com as características norte-americanas? Nós sentimos que ela tinha muito pouco a ver com a nossa realidade, acabava ficando restrita ao meio acadêmico. Era um discurso que não acarretava nada na prática e isso foi gerando uma necessidade de reflexão, uma crítica dessa psicologia, sem negar, é claro, as contribuições de Lewin, Fastinger, Heidegger, por exemplo. Eu diria que essas são as grandes linhas hoje: uma linha mais comportamental, mais tec- nológica e uma linha mais cogniti¬ vista. No meu caso, sempre procurei, nos meus cursos, enfatizar que se nós temos uma teoria, ela só persiste se a nossa realidade a confirmar. E só através da prática, da investigação, é que se pode fazer uma crítica da teo- ria, porque ela, em si, é insuficiente para explicar o real. A partir dessa crítica , nós tentamos ver onde é que estava a verdadeira contradição. Dentro desse modelo mais expe- rimental — seja cognitivista seja com¬ portamentalista — vimos que o pro- blema era que uma tradição positivis- ta procurava manter a objetividade dos fatos e negar ou controlar a subje- tividade, que assim ficava afastada do fato social. O indivíduo era o objeto de estudo e a concepção de social era apenas um cenário. Tínhamos de res- gatar a subjetividade para a Psicologia Social e mais, deixar de ver o indiví- duo como produto de si mesmo; por- que a característica fundamental do ser humano é eleser um produto histó- rico e, ao mesmo tempo, agente do meio. "TEORIA E PRÁTICA TÊM DE VIR JUNTAS" Do ponto de vista de uma revisão crítica da Psicologia Social, o proble- ma agora é a prática que, acredito, deve ser revista. Na medida em que se tem a concepção do Homem como produto e agente histórico-cultural, a atuação do psicólogo tem que ser mais consequente. Ele não vive mais aque- la dicotomia teoria x prática mas teo- ria e prática têm de vir juntas; então a prática tem de ser constantemente re- fletida, revista e reformulada. Na me- dida em que se pensa o Homem de uma outra forma, tem-se de pensar a atuação profissional também de outra forma. Essa visão crítica da Psicologia Social só é possível na América Lati- na, porque as condições históricas de países extremamente desenvovidos tornam o conhecimento deles inade- quado para nós. Então, na América Latina surgem alternativas; os argen- tinos fazem uma revisão crítica de Freud, no Peru eles se voltam à litera- tura indigenista, tentando encontrar o sentido próprio de seu povo, por exemplo. Nós fomos caminhando, com pesquisas em comunidades po- bres, em periferias, sempre voltados à realidade social da maioria da popula- ção brasileira. Quanto às perspectivas da Psico- logia Social, atualmente nós estamos com o campo em aberto. Há muita pesquisa a ser feita e o grande desafio agora é chegarmos às categorias do pacto social; porque toda psicologia é social, a não ser que você assuma que o homem possa não ser histórico. Nesse sentido, acho que as perspecti- vas são grandes. DemOS um salto qua- litativo, estamos sentindo que há um movimento que é brasileiro. A ABRAPSO — Associação Brasileira de Psicologia Social —, que se reúne na SBPC, em âmbito nacional e em assembléias regionais, durante o ano, é um exemplo disso. Dá para perceber que o movimento está avançando, não só com psicólogos mas também com assistentes sociais, antropólogos, so- ciólogos, que precisam da visão da Psicologia. Ideologia: o ponto fundamenta l da discussão Wanderlei Codo: A proposta da Tecnologia Social se apresenta como uma nova abordagem em Psicologia Social, capaz de resolver problemas que vão desde a ' 'persuasão da esposa quanto à melhor localização de um móvel na sala até a resolução de crises internacionais". Mas o que há de no- vo na Tecnologia Social? Segundo o próprio Varela, a novidade é exata- mente esta: o uso da Psicologia para resolver problemas sociais, formando um aparato tecnológico. Evidente- mente, qualquer ciência — e princi- palmente a nossa, voltada à com- preensão do comportamento humano — tem como razão a intervenção so- cial. Tomemos Freud como parâme- tro: sua preocupação era resolver conflitos de seus pacientes e por isso, exatamente, fundamentou e desenvol- veu toda uma teoria que ainda hoje influencia a nossa compreensão do Homem. A diferença nas duas abor- dagens é a consciência da complexi- dade dos problemas humanos, que Freud sempre explicitou e Varela pa- rece ignorar. O trabalho de Varela constitui uma autêntica "receita" pa- ra resolver problemas sociais. Nesse sentido se assemelharia muito aos li- vros que entulham as livrarias do tipo "como fazer amigos e influenciar pes- soas", não fosse um certo colorido cientificista emprestado pela citação de alguns nomes respeitados na área. Vejamos um exemplo de inter- venção do tecnólogo: um dos proble- mas que resolveu foi o seguinte: uma empresa decidiu trocar o gerente e o escolhido para o posto foi uma pessoa de outra filial, provocando uma rea- ção de mal-estar nos funcionários pre- teridos para o cargo. O cientista foi chamado, então, a intervir exatamente para que a deci- são se concretizasse "sem traumas para a empresa". Qualquer pessoa de bom senso saberia que as causas des- se problema estão sediadas na estru- tura alienada de trabalho na sociedade contemporânea — que permite aos di- retores alterar a seu bel prazer os quadros de profissionais da empresa sem que os próprios tenham direito a opinar sobre isso — e nas característi- cas do mercado capitalista, em que a competição frenética angustia qual- quer trabalhador numa perspectiva de mudança. O que fez o senhor Varela? EM DEBATE Tratou de persuadir os trabalhadores, candidatos naturais para o cargo, de que não eram as pessoas mais aptas para aquele posto. Estamos diante de um duplo en- godo: nem a realidade social cabe no receituário do tecnólogo e muito me- nos as soluções encontradas são capa- zes de resolver qualquer coisa, exceto o problema imediato do dirigente em- presarial. Estamos diante de uma Tec- nologia Social sem dúvida voltada a encobrir os problemas sociais e a ser- viço dos meios de produção. " O MUNDO ESTÁ CARENTE DE UMA TECNOLOGIA SOCIAL" Quando se pergunta qual o papel da Psicologia Social nesse contexto, eu diria que o que pode nos interessar é o seguinte: porque o mero exercíciodo charlatanismo merece atenção de alguns pesquisadores considerados sérios nessa área de conhecimento? Estamos vivendo numa socieda- de psicologizada. Nunca os psicólo- gos tiveram tanto espaço nos meios de comunicação de massa como hoje. Alguns de nossos livros ganham sta- tus de best-seller, como ocorreu com Skinner, revistas especializadas são en- contradas em qualquer banca de jor- nal, nosso vocabulário técnico está popularizado, etc.. E, infelizmente, não é por uma demonstração cabal de competência dos psicologos que essa situação se apresenta. E antes, por atravessarmos a mais grave crise que o capitalismo já enfrentou, por estar- mos diante de um quandro social ca- rente de mudanças e com uma popula- ção desorganizada politicamente para enfrentar essa necessidade. Ou seja, uma situação propícia para o apareci- mento do charlatanismo. De um lado, uma espectativa cada vez maior de soluções para a crise social e, de ou- tro, a falta de instrumentos concretos para realizá-las. Eis algo em que concordo literal- mente com Jacobo Varela: o mundo está carente de uma Tecnologia So- cial. Mas que seja capaz de resolver não apenas querelas administrativas das empresas mas, principalmente, capaz de instrumentalizar o cidadão para a busca de sua própria cidadania. exemplo. Nós fomos caminhando, com pesquisas em comunidades po- bres, em periferias, sempre voltados à realidade social da maioria da popula- ção brasileira. Quanto às perspectivas da Psico- logia Social, atualmente nós estamos com o campo em aberto. Há muita pesquisa a ser feita e o grande desafio agora é chegarmos às categorias do pacto social; porque toda psicologia é social, a não ser que você assuma que o homem possa não ser histórico. Nesse sentido, acho que as perspecti- vas são grandes. DemOS um salto qua- litativo, estamos sentindo que há um movimento que é brasileiro. A ABRAPSO — Associação Brasileira de Psicologia Social —, que se reúne na SBPC, em âmbito nacional e em assembléias regionais, durante o ano, é um exemplo disso. Dá para perceber que o movimento está avançando, não só com psicólogos mas também com assistentes sociais, antropólogos, so- ciólogos, que precisam da visão da Psicologia. Ideologia: o ponto fundamenta l da discussão Wanderlei Codo: A proposta da Tecnologia Social se apresenta como uma nova abordagem em Psicologia Social, capaz de resolver problemas que vão desde a ' 'persuasão da esposa quanto à melhor localização de um móvel na sala até a resolução de crises internacionais". Mas o que há de no- vo na Tecnologia Social? Segundo o próprio Varela, a novidade é exata- mente esta: o uso da Psicologia para resolver problemas sociais, formando um aparato tecnológico. Evidente- mente, qualquer ciência — e princi- palmente a nossa, voltada à com- preensão do comportamento humano — tem como razão a intervenção so- cial. Tomemos Freud como parâme- tro: sua preocupação era resolver conflitos de seus pacientes e por isso, exatamente, fundamentou e desenvol- veu toda uma teoria que ainda hoje influencia a nossa compreensão do Homem. A diferença nas duas abor- dagens é a consciência da complexi- dade dos problemas humanos, que Freud sempre explicitou e Varela pa- rece ignorar. O trabalho de Varela constitui uma autêntica "receita" pa- ra resolver problemas sociais. Nesse sentido se assemelharia muito aos li- vros que entulham as livrarias do tipo "como fazer amigos e influenciar pes- soas", não fosse um certo colorido cientificista emprestado pela citação de alguns nomes respeitados na área. Vejamos um exemplo de inter- venção do tecnólogo: um dos proble- mas que resolveu foi o seguinte: uma empresa decidiu trocar o gerente e o escolhido para o posto foi uma pessoa de outra filial, provocando uma rea- ção de mal-estar nos funcionários pre- teridos para o cargo. O cientista foi chamado, então, a intervir exatamente para que a deci- são se concretizasse "sem traumas para a empresa". Qualquer pessoa de bom senso saberia que as causas des- se problema estão sediadas na estru- tura alienada de trabalho na sociedade contemporânea — que permite aos di- retores alterar a seu bel prazer os quadros de profissionais da empresa sem que os próprios tenham direito a opinar sobre isso — e nas característi- cas do mercado capitalista, em que a competição frenética angustia qual- quer trabalhador numa perspectiva de mudança. O que fez o senhor Varela? EM DEBATE Tratou de persuadir os trabalhadores, candidatos naturais para o cargo, de que não eram as pessoas mais aptas para aquele posto. Estamos diante de um duplo en- godo: nem a realidade social cabe no receituário do tecnólogo e muito me- nos as soluções encontradas são capa- zes de resolver qualquer coisa, exceto o problema imediato do dirigente em- presarial. Estamos diante de uma Tec- nologia Social sem dúvida voltada a encobrir os problemas sociais e a ser- viço dos meios de produção. " O MUNDO ESTÁ CARENTE DE UMA TECNOLOGIA SOCIAL" Quando se pergunta qual o papel da Psicologia Social nesse contexto, eu diria que o que pode nos interessar é o seguinte: porque o mero exercício do charlatanismo merece atenção de alguns pesquisadores considerados sérios nessa área de conhecimento? Estamos vivendo numa socieda- de psicologizada. Nunca os psicólo- gos tiveram tanto espaço nos meios de comunicação de massa como hoje. Alguns de nossos livros ganham sta- tus de best-seller, como ocorreu com Skinner, revistas especializadas são en- contradas em qualquer banca de jor- nal, nosso vocabulário técnico está popularizado, etc.. E, infelizmente, não é por uma demonstração cabal de competência dos psicologos que essa situação se apresenta. E antes, por atravessarmos a mais grave crise que o capitalismo já enfrentou, por estar- mos diante de um quandro social ca- rente de mudanças e com uma popula- ção desorganizada politicamente para enfrentar essa necessidade. Ou seja, uma situação propícia para o apareci- mento do charlatanismo. De um lado, uma espectativa cada vez maior de soluções para a crise social e, de ou- tro, a falta de instrumentos concretos para realizá-las. Eis algo em que concordo literal- mente com Jacobo Varela: o mundo está carente de uma Tecnologia So- cial. Mas que seja capaz de resolver não apenas querelas administrativas das empresas mas, principalmente, capaz de instrumentalizar o cidadão para a busca de sua própria cidadania.
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